DA MESA DAS PESSOAS AO POTE DOS PETS, A VIRADA DA COMIDA À BASE DE INSETOS

 Alimentos à base de insetos

Da mesa das pessoas ao pote dos pets, a virada da comida à base de insetos

Sem desistir da nova modalidade de proteína, startups buscam alternativas de mercado, na expectativa de uma mudança de mentalidade daqui a algumas décadas

 

Por Bloomberg — Nova York

25/02/2024 04h01  Atualizado há um mês


Na primeira tentativa de fazer comida a partir de insetos, Sean Warner e Patrick Pittaluga recorreram ao hambúrguer, usando feijão-preto e larvas de mosca-soldado-negro, comum no Hemisfério Norte. Eles decidiram fazer isso pouco depois de um relatório das Nações Unidas, de 2013, apontar os insetos como o futuro da comida, devido à alta dos custos da carne, somada às mudanças climáticas e ao crescimento da população global.


Só que o gosto do hambúrguer não era lá essas coisas, e logo os dois mudaram o rumo de sua empresa, Grubbly Farms, para comida à base de insetos voltada a cachorros e galinhas.

A mudança da alimentação de humanos para a de peludos e penosas é algo comum a muitas startups que buscaram criar um mercado para esses ingredientes. Afinal, mesmo que faça bem ao planeta, as pessoas não estão dispostas a comer insetos — mas não se importam de dá-los a seus pets.

A comida para animais está alimentando a demanda por proteína de insetos, que, segundo projeções do Rabobank, pode saltar 4.900% nesta década, para meio milhão de toneladas métricas.

Sean Warner e Patrick Pittaluga, os fundadores da Grubbly Farms — Foto: Dustin Chambers/Bloomberg
Sean Warner e Patrick Pittaluga, os fundadores da Grubbly Farms — Foto: Dustin Chambers/Bloomberg

Essa expectativa de crescimento tem atraído investidores. Em 2022, as empresas de comida à base de insetos atraíram aportes de US$ 76,77 milhões, e, no ano passado, US$ 14,92 milhões, de acordo com dados da consultoria PitchBook. O ator Robert Downey Jr. está entre os investidores.

“Chegar cedo demais é tão arriscado quando chegar tarde demais,” diz Phil Poirier, cofundador da startup canadense Wilder Harrier, cujos produtos incluem petiscos à base de grilo para cães.

Apelo à saúde

Nos Estados Unidos, só um quarto dos consumidores está disposto a incorporar insetos à dieta, aponta pesquisa da YouGov de 2021. A plataforma obteve resultados semelhantes nos mercados europeus.

Essa reticência se deve à ideia de comer insetos perturbar muita gente, bem como o fato de que a proteína de insetos não preencher um vácuo de gosto ou nutricional.

“Afora a sustentabilidade, quando se trata de uso na alimentação humana, insetos comestíveis não resolvem nenhum problema recorrente,” afirma Alessandro Di Trapani, cofundador da fabricante de comida para cães à base de insetos Grub Club Pets.

Isso torna o mercado animal um território muito mais fértil. Comida para pets feita com grilos e larvas de mosca-soldado-negro é vendida inclusive por grandes empresas, como Petco e Chewy.

Na Grubbly Farms, mantém-se a esperança de que a proteína de insetos seja consumida por humanos — Foto: Dustin Chambers/Bloomberg
Na Grubbly Farms, mantém-se a esperança de que a proteína de insetos seja consumida por humanos — Foto: Dustin Chambers/Bloomberg

Em outubro, a gigante Tyson Foods fechou uma parceria com a fornecedora de insetos Protix para construir uma fábrica nos EUA, que fará proteína de insetos para ser usada em comida de pets e criação de animais. Já a Mars vende no Reino Unido ração seca para gatos com larvas de mosca-soldado-negro.

Nas prateleiras de itens para pets, as empresas vendem seus produtos com um apelo à saúde, afirmando que os alimentos à base de insetos não provocam alergias em cães e são bons para estômagos sensíveis.

Anne Carlson, fundadora da Jiminy’s, de comida para pets à base de grilos, vê na alimentação de cães um forte modelo de negócios — além de um impacto favorável no meio ambiente.

“Os cães comem a mesma coisa todos os dias, então se você troca por uma alternativa sustentável, pega todas as refeições deles,” diz Anne, que fabrica comida e petiscos. “Com pessoas não é assim. Na melhor das hipóteses, talvez eu esteja presente no seu café da manhã, com uma barrinha de proteína.”

A demanda por proteína de insetos ainda depende majoritariamente do mercado de comida para pets — Foto: Dustin Chambers/Bloomberg
A demanda por proteína de insetos ainda depende majoritariamente do mercado de comida para pets — Foto: Dustin Chambers/Bloomberg

Até o momento, é a comida para pets que vem puxando a expansão do mercado de proteína de insetos, afirma Gorjan Nikolik, analista sênior do Rabobank. Mas ele avalia que, quando a produção em maior escala reduzir os preços, a aquicultura será o principal consumidor desse mercado, para alimentar peixes e frutos do mar. Ainda assim, a comida de pets deve representar 30% da demanda em 2030, diz.

‘Processo de décadas’

Boa parte dos alimentos para pets nos EUA são de larvas de moca-soldado-negro. Este ingrediente foi a primeira proteína de insetos a ter aprovação formal para cães adultos da Associação de Agentes de Controle de Alimentos do país, em 2022. A associação não regulamenta o mercado, mas seu selo comprova que o produto foi testado e é seguro.

Grilos secos receberam o aval em janeiro. Para alimentar gatos, no entanto, nenhuma proteína de inseto tem aprovação nos EUA.

Mas a indústria não desistiu de alimentar pessoas.

Warner, da Grubbly Farms, acredita que, com o tempero de um chef, o hambúrguer de inseto poderia ter dado certo. Ele reconhece, no entanto, que a adoção de insetos na alimentação humana é um “processo de muitas décadas.”

Funcionária da Chapul Farms mistura larvas de mosca-soldado-negro com matéria orgânica moída — Foto: Tojo Andrianarivo/Bloomberg
Funcionária da Chapul Farms mistura larvas de mosca-soldado-negro com matéria orgânica moída — Foto: Tojo Andrianarivo/Bloomberg

Por enquanto, as pessoas acham mais simples usar comida à base de insetos para “combater” uma cultura de alimentar com soja e milho animais que, na natureza, não comeriam esses ingredientes, diz Aly Moore, diretora de Comunicação da Chapul Farms, no estado do Oregon.

A empresa vende produtos de mosca-soldado-negro para uso em alimento de animais e fertilizantes, Seu grilo em pó voltado para humanos responde por apenas entre 5% e 10% das vendas.

“Faz muito mais sentido dar isso a animais que, ao contrário dos humanos, não se importam de comer insetos,” diz Aly.


Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/02/25/da-mesa-das-pessoas-ao-pote-dos-pets-a-virada-da-comida-a-base-de-insetos.ghtml

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