5 lições para se desvencilhar do etarismo e
envelhecer com mais liberdade
A antropóloga e colunista de Sua
Idade, Mirian Goldenberg, lista aprendizados para combater a violência física,
verbal e psicológica imposta pela sociedade para as mulheres que envelhecem
Por Mirian Goldenberg (@miriangoldenberg)
22/03/2023 13h08 Atualizado há 8 meses
O vídeo das estudantes universitárias debochando da colega de 44 anos, que viralizou no início deste mês, teve mais de 7 milhões de visualizações. A indignação de milhares de mulheres e homens, de todas as idades, com o conteúdo do vídeo pode ter sido um estopim para combater a violência física, verbal e psicológica, muitas vezes invisível, que mora dentro das nossas próprias casas.
Há mais de vinte anos eu repito como um mantra: o jovem de hoje é o velho de amanhã. Lutar contra o etarismo, ou contra a velhofobia, é lutar pela nossa própria velhice e, principalmente, lutar por uma sociedade com mais saúde, dignidade e autonomia para os nossos filhos e netos: os velhos de amanhã.
Mas, para transformar concretamente essa realidade tão triste e perversa, não basta a nossa indignação, é preciso mudar radicalmente a atitude dentro das próprias casas, famílias, escolas, locais de trabalho e, principalmente, dentro de nós mesmas.
No meu novo livro A arte de gozar: amor, sexo e tesão na maturidade, mostro cinco lições que retratam os medos, inseguranças e vergonhas de uma mulher madura que busca envelhecer com mais liberdade, felicidade e beleza.
Caso 1 – Você não quer ficar dez anos mais jovem?
Fiz 40 anos e decidi ir pela primeira vez na vida a uma dermatologista para que ela me indicasse um filtro solar e um hidratante, produtos que nunca havia usado até então. Observando atentamente o meu rosto, como um detetive que procura provas da minha decrepitude com lentes de aumento, ela disse em um tom acusatório: “Por que você não faz uma correção nas pálpebras? Elas estão muito caídas. Você vai ficar dez anos mais jovem.” E continuou com um tom cruel: “Por que você não faz preenchimento ao redor dos lábios? Você está com bigode chinês. Você vai ficar dez anos mais jovem.” E a facada final: “Por que você não coloca botox na testa? Você está com muitas rugas de expressão. Você não quer ficar dez anos mais jovem?” Paguei a cara consulta e, em vez de ficar dez anos mais jovem, ganhei uma enorme insegurança, culpa e vergonha por estar ficando velha.
Primeira lição: A vergonha de envelhecer é alimentada pela ditadura da juventude e, também, pelas próprias mulheres que reproduzem estigmas e preconceitos associados ao envelhecimento feminino.
Caso 2 – Você não se enxerga, sua velha ridícula?
Fui comprar uma calça jeans de uma grife famosa e uma vendedora bem jovem me tratou com total desprezo. Ela me olhou dos pés à cabeça como se dissesse: “Você não se enxerga, sua velha ridícula? Não quero a etiqueta da minha loja desfilando no bumbum murcho e caído de uma velha baranga.”
Saí de lá arrasada, me sentindo uma velha ridícula e baranga, apesar de, na época, só ter 40 anos. Como a jovem não percebeu que estava sendo cúmplice da violência que as mulheres sofrem? Como não enxergou que estava alimentando o preconceito contra ela mesma no futuro?
Segunda lição: As mulheres mais jovens alimentam a crença de que velhice é sinônimo de feiura, doença e decrepitude.
Caso 3 – Será que o preço do sucesso feminino é a solidão na velhice?
Sempre gostei de ir ao cinema sozinha, sentar na primeira fila e mergulhar por inteiro no filme. Quando estava com 45 anos, ouvi o comentário de duas mulheres, acompanhadas dos seus respectivos maridos:
“Olha lá a Mirian Goldenberg. Ela tem dezenas de livros publicados, mas não tem um marido ou namorado para vir ao cinema com ela. Coitada, estou com peninha dela tão sozinha. Será que o preço do sucesso feminino é a solidão na velhice?”
Terceira lição: Muitas mulheres patrulham as escolhas de outras mulheres que não precisam exibir o “capital marital”.
Caso 4 – Você quer ficar uma velha caquética?
Fiz 50 anos e uma amiga de infância me advertiu: “Você está ficando velha, Mirian. Você precisa fazer uma cirurgia plástica, dar uma esticadinha no rosto e no pescoço. Você precisa se cuidar mais. Hoje em dia, com tantos recursos disponíveis, você só fica velha se quiser. A culpa é sua se acabar ficando uma velha horrorosa. Você quer ficar uma velha caquética?”
Quarta lição: As mulheres são cúmplices do preconceito e do estigma da maturidade quando não aceitam a singularidade e a diversidade da “bela velhice”.
Caso 5 – Por que você fica tão feliz de parecer mais jovem?
Na Alemanha, em 2007, dei oito palestras sobre o corpo como capital na cultura brasileira. Após minha palestra na Universidade Livre de Berlim, uma socióloga me perguntou: “Por que você fica tão feliz de parecer mais jovem? Por que considera um elogio parecer ser o que você não é mais? É infantil essa postura de depender do olhar e da aprovação dos outros. Você mesma é que deve se sentir bonita e atraente. Eu sei avaliar se sou bonita ou não. É só me olhar no espelho. E você?”
Foi como um tapa na minha cara. Percebi que eu sempre respondia à pergunta “quantos anos você tem?” com “quantos anos você acha que eu tenho?”. Aos 50 anos, ficava eufórica quando os mais mentirosos diziam que eu parecia ter 38. Quanto mais mentiam, mais feliz eu ficava.
Quinta lição: “Você parece mais jovem” não é um elogio, mas uma forma de desvalorizar, desqualificar e deslegitimar a beleza da maturidade.
Fonte:https://vogue.globo.com/sua-idade/noticia/2023/03/5-licoes-para-se-desvencilhar-do-etarismo-e-envelhecer-com-mais-liberdade.ghtml
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