O SUTRA DO DIAMANTE NO BUDISMO

 Por que "Sutra do Diamante" ?

Por que "Sutra do Diamante" ?

Diamante porque este é a substância mais dura, que corta todas as outras, o Sutra do Diamante que corta todas as ilusões.


Trecho:
“Assim deverias olhar o mundo temporal das coisas do ego:
“Como uma estrela que cai, ou como Venus eclipsada pela aurora,
uma bolha em uma correnteza, um sonho,
A chama de uma vela que bruxoleia e se apaga.”



Vajracchedika Sutra

 O Sutra do Diamante

Lapidador da Sabedoria Transcendental

O SUTRA DO DIAMANTE

O ser humano é uma parte do todo a que chamamos universo, uma parte limitada no tempo e no espaço.
Ele concebe a si mesmo, as suas idéias e sentimentos como algo separado de todo o resto – numa espécie de ilusão de ótica de sua consciência. E essa ilusão é um tipo de prisão que nos restringe aos nossos desejos pessoais e reserva a nossa afeição a algumas poucas pessoas mais próximas de nós.
Nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza.
Ninguém conseguirá atingir completamente este objetivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte de nossa liberação e o alicerce de nossa segurança interior.

Albert Einstein
O SUTRA DO DIAMANTE
Buda e o Diamante

Essa frase está em sagrada sintonia com o espírito do budismo, em especial com os ensinamentos do Vajracchedika Prajna Paramita, o Sutra do Diamante. Esse é um dos maiores ensinamentos que o budismo pode oferecer, porque é a culminância do pensamento desconstrutivista dessa doutrina (sem ser negativista, como é normal no ocidente). Ele não mede consequências e desconstrói até mesmo a imagem mítica do Buda. É essa suprema coerência que me faz ver o budismo como O caminho, que abarca todos os caminhos justamente por não tentar ser O ÚNICO caminho. Isso é especialmente enfatizado no Vajrayana, escola tibetana de budismo que é parte do Mahayana (o grande caminho) e cujo representante é o Dalai Lama.

A língua tibetana nem mesmo possui um termo para a palavra “religião“. A palavra mais próxima é Chö, que é uma tradução tibetana da palavra em sânscrito Dharma. Este termo tem uma ampla gama de significados possíveis, mas nenhuma palavra em português vem a expressar aproximadamente as associações que ela tem para os tibetanos. Em seu uso mais comum ela se refere aos ensinamentos do budismo, em que se acredita expressar o caminho para a iluminação. Esse caminho é multifacetado, e há ensinamentos e práticas para servir a cada tipo de pessoa. Ninguém é obrigado a seguir e não há práticas que sejam prescritas para todos os budistas. Ao invés disso, o Dharma tem algo para cada um, e qualquer um pode se beneficiar com algum aspecto do Dharma.

Não há uma “verdade” que possa ser colocada em palavras. O budismo tibetano reconhece que as pessoas têm diferentes capacidades, atitudes e pré-disposições, e o dharma pode e deve ser adaptado a isto. Assim, não há uma única igreja que todos devam cultuar, nenhum serviço religioso que todos devam participar, nenhuma oração que todos devam dizer, nenhum texto que todos devam tratar como normativo, e nenhuma divindade que todos devam cultuar. O dharma é extremamente flexível e se alguém achar que uma prática específica leva a diminuir as emoções negativas, a conduzir para a paz e felicidade maiores e a aumentar a compaixão e a sabedoria, isto é o Dharma. O Dalai Lama afirma que é possível praticar o dharma até mesmo seguindo os ensinamentos e práticas de tradições não-budistas, como o cristianismo, islamismo, judaísmo ou hinduísmo. Se alguém pertence a uma destas tradições e se a sua prática religiosa conduz ao avanço espiritual, o Dalai Lama aconselha a mantê-la, já que esta é a meta de todos os caminhos religiosos.

A própria noção de “budismo tibetano” precisa ser esquecida se quisermos enveredar pelos meandros desse pensamento. Esse budismo não depende de tradições específicas, não depende de FORMA (embora a use) e não depende sequer de CONTEÚDO (embora use e seja o melhor meio de obter a compreensão). No final é dito que você não se apegue nem à mensagem que você acabar de ler. Esse é o Sutra (ensinamento) do Diamante. Diamante não porque seja eterno, mas por ser cortante como tal, cortando fora todas as concepções arbitrárias que impedem a pessoa de atingir a iluminação.

Só compreendi a importância deste Sutra com a inestimável ajuda do Lama Padma Samten, do CEBB (Centro de Estudos Budistas Bodisatva) e como foi preciso transformar os conceitos e palavras desse Sutra em MAIS conceitos e palavras (durante as horas de palestra no retiro budista), pra depois ir descartando mentalmente uma a uma, farei o mesmo adaptando os conceitos para meu público e meu entendimento (que pode não estar lá muito certo, pois o ideal seria a palestra completa com o Lama Padma).

O texto é um diálogo de Buda com seu discípulo Subhuti, que gostaria de saber do Mestre o que dizer para as pessoas que querem iniciar a prática para atingir Anuttara-Samyak-Sambodhi (“a Mais Elevada e Perfeita Sabedoria“, mais comumente conhecida como “Iluminação“). Buda dá então 6 passos, que são os 6 Paramitas (“perfeições“):

1. O PARAMITA DA GENEROSIDADE (DANA PARAMITA)

– Apesar dos seres sensoriais então a serem libertos por mim serem inumeráveis, sem limite, ainda assim em realidade não existem estes seres sensoriais a serem libertados. E por que, Subhuti? Porque caso houvesse nas mentes dos Bodhisattva-Mahasattvas (Aquele no caminho da perfeição) concepções arbitrárias de fenômenos tais como a existência de identidade em alguém e identidade em um outro, identidade como dividida em um número infinito de seres que nascem e morrem, ou identidade como união com alguma Alma Universal eternamente existente, eles seriam inadequadamente chamados de Bodhisattva-Mahasattvas.

Comentário:
Buda já começa entrando com os dois pés no peito dos discípulos. O budismo for dummies sempre pregou que somos parte de uma “alma universal”, que podemos reencarnar numa pedra ou num animal, e aprendemos a ver todos os seres como UM ser, algo próximo da concepção de Deus no ocidente. O sutra do diamante corta isso fora. É um alerta ao seguidor que queira trilhar o caminho último pra iluminação para que se afaste de qualquer expectativa de méritos decorrentes da generosidade (ou seja, querer agradar a um Ser Supremo, um Buda, etc). Se você é generoso porque sente prazer em ajudar outros seres, ou busca com isso conquistar bênçãos, um pedacinho do paraíso, ver Jesus ou Buda, ou acumular karma bom pra uma vida melhor, isso não é criticado por Buda, mas ele alerta que ainda assim isso é uma prisão.

– Subhuti, se algum bom e piedoso discípulo, homem ou mulher, por motivação caridosa sacrificou sua vida, geração após geração, tão numerosas como os grãos do de areia nos bilhões de universos, e outro discípulo permanecer apenas estudando e observando um único stanza desta Escritura e explicando-a a outros, o mérito deste será muito maior.

O maior presente que o budismo pode ofertar é o conhecimento que liberta das amarras mentais. Dar de comer aos outros é bom? É ótimo, e o budismo propõe isso, também. Ensinar a pescar é melhor ainda. Mas a problemática do budismo não está no assistencialismo físico, e sim psicológico. De nada adianta uma pessoa alimentada e rica se sua mente acabará levando-a às mesmas paisagens de outrora, seja nesta vida, seja em outras. É relativamente fácil tirar o homem da pobreza, mas difícil tirar a pobreza de dentro do homem.

Assim como a luz da lamparina pode romper a escuridão que está lá há mil anos, pode também a centelha da sabedoria extinguir a ignorância que já dura muitas eras.

Hui Neng, sexto patriarca Zen, séc. 7 d.C.

Para representar essa prisão da mente foi criada a Roda da Vida (Bhavachakra), também conhecida com a Roda da Existência, Roda do Devir e do Vir-a-ser. Ela representa os mundos que os diversos estados mentais nos levam, por vidas e vidas.

No centro da Roda há três animais que representam os três venenos (Klesha) da mente: o Desejo (apego) é representado por um galo; o Ódio (aversão) é representado por uma serpente; e a Ignorância (conhecimento errôneo), a fonte dos outros dois venenos, é representada por um porco ou javali. O galo e a serpente geralmente aparecem saindo da boca do javali, indicando que o apego e a aversão surgem da ignorância. Estamos sempre criando javalis pra nós mesmos e (o pior!) pros outros. Quando o javali adquire uma aura mágica (como uma religião ele está transformado num belo, plumoso e colorido galo, que é o apego. E a cobra se prontifica a defender a existência desse javali com seus dentes e veneno. Muitas vezes matamos e morremos por defender essas idéias, e se você está dizendo “ainda bem que não sou fanático assim” lembre-se que a idéia de Eu (e sua consequente autosobrevivência) não é mais do que uma idéia. Uma idéia muito, mas MUITO arraigada e que cada fibra do seu corpo (E ALMA) depende e se identifica com ela. Ao transcendermos estes três venenos podemos nos libertar do sofrimento dos seis reinos e extinguir os doze elos que nos prendem a ele. Fácil, não?

Não.

– O que pensas, Subhuti? Se um discípulo ofertou em caridade tal quantidade dos sete tesouros capaz de encher os bilhões de universos, retornariam a esta pessoa consideráveis bênçãos e méritos?

Subhuti replicou:
– Bênção e méritos muito consideráveis. Ainda que àquilo que o Senhor se refere como “bênçãos e méritos”, ele não atribui qualquer valor objetivo ou quantidade; ele apenas se refere à isso no sentido convencional.

Senhor Buda continuou:
– Se houvesse um outro discípulo que, após haver estudado e observado mesmo um único verso desta Escritura, explicasse seu significado aos outros, seu mérito e bênçãos serão muitos maiores. E por quê? Porque destas explanações os Budas atingiram Anuttara-samyak-sambodhi (A Mais Elevada e Perfeita Sabedoria, ou Iluminação), e seus ensinamentos estão baseados nesta sagrada Escritura. Mas Subhuti, tão pronto eu acabe de falar destes Budas e seus Dharmas, eu preciso recolher as palavras, pois não existem nem Budas nem Dharmas.

Quando um Bodhisattva-Mahasattva inicia a prática para atingir a iluminação, ele precisa abandonar, também, toda a ligação a concepções arbitrárias de fenômenos. Quando praticando a atividade pensar, ele deveria excluir definitivamente todos os pensamentos conectados com fenômenos de visão, audição, paladar, olfato e tato, e todas as discriminações baseadas neles, mantendo sua capacidade de pensar independente de tais concepções arbitrárias de fenômenos. A mente é perturbada por estas discriminações de conceitos sensoriais e pelas concepções arbitrárias subsequentes a respeito delas, e, uma vez que a mente se torna perturbada, ela cai em falsas imaginações como com respeito a uma identidade e sua relação com as outras identidades discriminadas. É por esta razão que o Tathagata encoraja constantemente os Bodhisattva-Mahasattvas para que em sua prática de generosidade não sejam perturbados por quaisquer concepções arbitrárias de fenômenos, tais como visões, sons, etc.

O Bodhisattva-Mahasattva deveria também receber donativos sem ser influenciado por pensamentos preconceituosos como com respeito a uma identidade e a identidade dos outros, e apenas pelo propósito único de beneficiar seres sensoriais. Se um Bodhisattva-Mahasattva, na prática de generosidade concebe no interior de sua mente qualquer dessas concepções discriminando ele mesmo das outras identidades, ele será como um homem que caminha no escuro e nada vê. Mas se ele não tem concepções arbitrárias de atingir as bênçãos e méritos que ele atingirá com tal prática, será semelhante a uma pessoa com bons olhos que vê claramente todas as coisas, como se estivesse sob o sol brilhante.

2. O PARAMITA DA MORALIDADE (SILA PARAMITA)

– Subhuti, quando um discípulo está motivado para dar presentes objetivos como generosidade, ele deveria praticar o Sila Paramita da transcendente prática da moralidade, ou seja, ele deveria lembrar que não há distinção entre eles e os outros e, portanto, ele deveria praticar a generosidade, não apenas com presentes objetivos, mas através de bondade e simpatia impessoais. Se um discípulo simplesmente praticar bondade desta forma, ele rapidamente atingirá a iluminação.
Subhuti, pelo que acabei de dizer a respeito de bondade, o Tathagata não se refere a que quando um discípulo estiver trazendo benefícios, ele deveria manter em sua mente quaisquer concepções arbitrárias a respeito de bondade, pois bondade, afinal, é apenas uma palavra e a generosidade deveria ser espontânea e além das identidades.

O Senhor Buda continuou:
– Não pensa, Subhuti, que o Tathagata diria consigo: “Eu libertarei seres sensoriais”. Este seria um pensamento degradante. E por quê? Porque realmente não existem seres sensoriais a serem libertados pelo Tathagata. Houvesse quaisquer seres sensoriais a ser libertos pelo Tathagata isto significara que o Tathagata estaria alimentando no interior de sua mente conceitos arbitrários de fenômenos, tais como a identidade de alguém, outras identidades, seres vivos, e uma alma universal. Mesmo quando o Tathagata se refere a si mesmo, ele não alimenta em sua mente qualquer conceito arbitrário a respeito. Só os seres humanos terrestres consideram a identidade como sendo uma possessão pessoal. Subhuti, mesmo a expressão “seres terrestres”, como usada pelo Tathagata, não significa que existam tais seres. Ela é usada apenas como figura de expressão.
Subhuti, se um discípulo oferecer como donativo uma quantidade tal dos sete tesouros suficiente para preencher tantos mundos quantos são os grãos de areia do rio Ganges, e se um outro discípulo, tendo compreendido o princípio da ausência de identidade de todas as coisas e através disso tenha atingido a perfeita ausência de identidade, este teria mais bênção e méritos do que aquele discípulo que tivesse apenas praticado generosidade objetiva. E por quê? Porque os Bodhisattva-Mahasattvas não olham as bênçãos e méritos como propriedades individuais.

Subhuti inquiriu o Senhor Buda:
– O que significam as palavras “os Bodhisattva- Mahasattvas não olham as bênçãos e méritos como propriedades individuais?”.
– Uma vez que essas bênçãos e méritos numa foram buscadas com espírito separativo pelos Bodhisattva-Mahasattvas, então, da mesma forma, eles não as vêem como propriedade privada, mas como pertencentes de todos os seres sensoriais.

O Buda não vê a vacuidade das coisas. Ele não atingiu um nível mágico onde a realidade dele é diferente da nossa. Não, ele não está separado das coisas. Na verdade ele vê como as coisas são produzidas, vê o boneco e vê as cordas movendo o boneco. Vê que aquilo É e NÃO É. Ele vê o quadro-negro e as palavras no quadro-negro, e sabe que a realidade observada não é independente do observador (como a física quântica já registrou). Achar-se separado das coisas é um erro conceitual que o faria deixar de ser Buda (iluminado). O Buda vê as engrenagens, sabe que faz parte do intrincado mecanismo, mas só participa dele de forma CONSCIENTE, lúcida. Imagine o Buda jogando videogame: ele vê o personagem na tela, o cenário, o desafio, sabe o significado daquela imagem, mas sabe que aquilo é um conjunto de pixels se movendo numa tela, algo que foi criado e pensado para agir e reagir segundo uma programação, uma inteligência, e enquanto joga em nenhum momento ele se envolve com o jogo a ponto de esquecer esse fato e ser absorvido pelo mesmo.

Assim, achar que está “iluminando pessoas” seria para o Buda estar mentalmente absorvido pelo roteiro do jogo, porque na verdade não existem pessoas, e sim pixels se movimentando na tela. Mas, como ele decidiu vir aqui jogar, e precisa interagir com a história e seus personagens, é preciso usar os elementos do jogo (ou seja, a linguagem e as regras desse mundo) para ser efetivo em sua interação.

3. O PARAMITA DA HUMILDADE E PACIÊNCIA (KSHANTI PARAMITA)

– O que pensas, Subhuti? Supõe que um discípulo atingiu o grau de Arahat (alguém inteiramente liberto); poderia ele manter em sua mente concepções arbitrárias tais como “eu tornei-me um Arahat?”
– Não, Honrado dos Mundos! Porque falando verdadeiramente, não há tais coisas como Arahat. Estivesse um discípulo que tenha atingido este grau de liberação alimentando no interior de sua mente concepções arbitrárias tais como “eu tornei-me um Arahat”, ele logo estaria discriminando coisas tais como sua própria identidade, identidade dos outros, seres vivos e uma alma universal.

Aqui Buda mostra que, para obter um certo nível no budismo é preciso desprender-se até das idéias de níveis concebidas no próprio budismo, como Sotapanna (aquele que entrou na corrente), Sakradagamin (mais um retorno) e Anagamim (nenhum retorno mais). O Lama disse que uma das últimas tentações de Mara (Demônio, Tentador) na iluminação do Buda foi dizer “É, você foi o único que conseguiu esse feito”. Tivesse Buda sucumbido a esse elogio, teria criado para si um imenso galo chamado “Buda” e perderia a iluminação, embora provavelmente achando que estivesse iluminado.

Neste ponto o Sutra fala também do budismo Hinayana, que não leva a desconstrução às últimas consequências. Obviamente isso é uma adaptação do texto, já que o budismo só teve a cisão Hinayana/Mahayana séculos depois da morte de Buda, mas faz parte da própria filosofia não se ater à forma, e sim ao conteúdo. É importante, por isso, ter um guia experiente explicando os textos. O Lama explicou que os praticantes Hinayana tomavam os ensinamentos de Buda de uma forma mais literal, e estavam mais preocupados com a libertação (ou “salvação”) de si mesmos.

4. O PARAMITA DO ZELO E PERSEVERANÇA (VIRYA PARAMITA)

– Subhuti, caso houvesse algum discípulo bom e caridoso, homem ou mulher, que por seu zelo em praticar a generosidade, estivesse decidido a sacrificar sua vida pela manhã, ou ao meio-dia, ou ao entardecer, em tantas ocasiões quantos são os grãos de areia do rio Ganges, se estas ocasiões se repetissem por centenas de miríades de kalpas, seriam grandes suas bênçãos e méritos?
– Seriam grandes certamente, Senhor Buda.
– Supondo, Subhuti, que um outro discípulo venha a observar e estudar esta Escritura em pura fé, suas bênçãos e méritos seriam ainda maiores. E se ainda um outro discípulo, além de observar e estudar esta Escritura, zelosamente explicá-la a outros e copiá-la e fazê-la circular, suas bênçãos e méritos seriam ainda muito maiores.

Aprender é descobrir aquilo que você já sabe.
Fazer é demonstrar que você o sabe.
Ensinar é lembrar aos outros que eles sabem tanto quanto você.
Vocês são todos aprendizes, fazedores, professores.

Richard Bach

5. O PARAMITA DA TRANQÜILIDADE (DHYANA PARAMITA)

– O que tu pensas, Subhuti? Quando o Tathagata estava com o Buda Dipankara, teve ele algum pensamento arbitrário de Dharma como algo que pudesse garanti-lo na busca para atingir Anuttara-samyak-sambodhi (iluminação) intuitivamente?
– Não, Senhor Abençoado.
– Estás certo, Subhuti. Falando a verdade, não existe tal concepção arbitrária de Dharma. Isto significa que o que eu atingi não é algo limitado e arbitrário que pode ser chamado de “Anuttara-samyak-sambodhi”, mas é a condição de Buda, cuja essência é idêntica à essência de todas as coisas: universal, inconcebível, inescrutável.

O Senhor Buda enfatizou dizendo:
– Subhuti, a condição de Buda que o Tathagata atingiu é e não é, ao mesmo tempo, a mesma que Anuttara-samyak-sambodhi. Isto é apenas uma outra maneira de dizer que o fenômeno de todas as coisas é idêntico à condição de Buda e Anuttara-samyak-sambodhi, e que nem é realidade nem irrealidade, mas reside junto com todos os fenômenos no vazio e silêncio, inconcebível e inescrutável. Subhuti, esta é a razão pela qual eu digo que o Dharma de todas as coisas não pode jamais ser abarcado por quaisquer concepções arbitrárias de fenômenos, não importa quão universal tal concepção possa ser. Esta é a razão pela qual isto é chamado de Dharma e a razão pela qual não há tal coisa como o Dharma.

quadro negro1

Imagine a mente como um quadro-negro de escola. Ele é “vazio”, desprovido de conteúdo, que será acrescentado por você ou pelos outros. Quando somos crianças e estamos no início do aprendizado aquilo é um quadro com símbolos desenhados, que são impreterivelmente apagados após um tempo. Quando absorvemos os significados dos símbolos e passamos a tomá-los como idéias “reais” passamos a ignorar o quadro-negro e nos fixamos apenas nas idéias apresentadas. E essas idéias nos perseguem, seja na prova, seja na profissão ou no dia-a-dia. O budismo nos ensina que essas idéias que tomamos como reais são tão efêmeras quanto giz no quadro-negro. O estado real da sua mente é o “vazio”. E pra compreender isso é preciso atingir um estágio de desconstrução que atinja aquele estado de criança, quando o quadro-negro ainda exibia símbolos desenhados. Por isso Jesus disse: Em verdade vos digo que, qualquer que não receber o reino de Deus como criança, de modo algum entrará nele. Mas isso não significa que devamos permanecer ignorantes, ao contrário, é um estágio da sabedoria em que você está receptivo, atento, livre de pré-conceitos. Mas o problema com as crianças é que elas são facilmente enganadas. Tomam o conceito como realidade e facilmente viram pequenos “adultos”. Por isso também Jesus disse: sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas. Ora, isso nada mais é que a natureza dual do pensamento budista, em que é preciso simplicidade para ver o mundo como ele se apresenta, e astúcia e sabedoria pra não se deixar enganar por ele.

quadro negro2

Sua mente aceita qualquer coisa que você colocar em sua superfície e comunica aos outros, mas sua natureza é impermanente. Por isso você não deve se identificar com o conteúdo de sua mente, pois hoje pode ser matemática, e amanhã português ou inglês. Você não é sua mente e, em última instância, sua mente não é o quadro-negro, e sim o vazio do quadro-negro. Assim, você “é” provavelmente o vazio das inúmeras possibilidades de vir-a-SER.

Essa dualidade das coisas confunde a cabeça das pessoas, especialmente dos ocidentais, acostumados que estão a aceitar ordens vindas de fora, tradições superiores, sejam elas reveladas divinamente ou não. Então se perguntam: será que existe reencarnação no Budismo? Será que existe Deus no budismo? E a resposta é sim. E não. É dual. A realidade última não pode ser apreendida sequer pelo Buda.

Vejamos outro exemplo de como a mente funciona, dessa vez mais prático. Considere essa foto abaixo. Vamos analisar, de forma bem estereotipada, o que ela representa pra alguns grupos de pessoas:

bunda transito
  • Para homens adolescentes ela é uma bunda. E somente os mais observadores a definirão como uma bunda atravessando a rua.
  • Para homens mais maduros é uma mulher com uma bunda respeitável atravessando a rua.
  • Para metade das mulheres essa é uma mulher vulgar, que não deveria ter saído de casa desse jeito.
  • A outra metade está imaginando onde ela comprou essa blusa de rendinhas.
  • Mulheres sábias e espirituosas meditarão na impermanência da bunda e imaginarão a desgraça que vai ser esse traseiro aos 50 anos.
  • Crianças, curiosos e monges provavelmente perceberão um cachorro dirigindo um carro na foto (eu não percebi).

E é assim, mudando o foco, que vamos interpretando as imagens, fatos, relacionamentos e nossa própria existência. O budismo não diz que há foco certo ou errado, mas nos convida a meditar a respeito dos nossos filtros e observar a foto como um todo, através da meditação, mostrar o quanto ela é limitada em termos de ser um instantâneo de um momento efêmero e até mesmo perceber o quanto de tempo estamos gastando filosofando com uma IMAGEM!

O problema com as tradições é que elas são como a âncora de um navio: essencial para embarcar e desembarcar. É preciso embarcar numa doutrina com segurança, sabendo o que ela propõe, o que já foi feito e quais são suas metas, e a tradição serve pra isso. Da mesma forma é essencial para desembarcar da sua doutrina e conhecer outras, possibilitando a troca de conhecimento de forma estruturada e fundamentada. Lhe protege contra as tempestades e evita que você seja jogado nas pedras. Mas a tradição, da mesma forma que a âncora, não serve para navegar. É preciso levantá-la, tirá-la do fundo do mar – terreno ao qual ela estava lhe segurando – e seguir o vento e as correntezas. Nenhum barco navega igual a outro, nem singra as mesmas ondas. Mantenha a tradição consigo por segurança, mas vá desbravar o oceano! Seja o capitão de seu próprio navio, e não um escravo da âncora.

pict budismo

Não acredite no que você ouviu; não acredite em tradições porque elas existem há muitas gerações;
Não acredite em algo porque é dito por muitos; não acredite meramente em afirmações escritas de sábios antigos;
Não acredite em conjecturas; não acredite em algo como verdade por força do hábito;
Não acredite meramente na autoridade de seus mestres e anciãos.
Somente após a observação e análise, quando for de acordo com a razão e condutivo para o bem e benefício de todos, somente então aceite e viva para isso.

Buda

E então chegamos a parte mais bela, a culminância do Sutra do Diamante, a jóia do budismo:

6. O PARAMITA DA SABEDORIA (PRAJNA PARAMITA)

– O que tu pensas, Subhuti? Teria o Tathagata atingido qualquer coisa que possa ser descrita como Anuttara-samyak-sambodhi? Alguma vez ele te deu este ensinamento?

Subhuti replicou:
– Como eu entendo o ensinamento do Senhor Tathagata, não há tal coisa como Anuttara-samyak-sambodhi, nem é possível para o Tathagata ensinar qualquer Dharma fixo. E por quê? Porque as coisas ensinadas pelo Tathagata são, em sua natureza essencial, inconcebíveis e inescrutáveis; elas são nem existentes nem não-existentes; elas nem são fenômenos nem arquétipos ocultos (Númeno). O que significa isto? Isto significa que os Budas e Bodhisattvas não são iluminados por qualquer verdade fixa, mas por um processo intuitivo que é espontâneo e natural.

– Subhuti, se algum discípulo dissesse que o Tathagata está agora indo ou vindo, ou está agora sentado ou deitado, ele não teria entendido o princípio que eu estava ensinando. E por quê? Porque ainda que a palavra “Tathagata” signifique “Aquele que então veio” e “Aquele que então se foi”, o verdadeiro Tathagata nunca vem de nenhum lugar nem vai para algum lugar. O nome “Tathagata” é meramente uma palavra.

Então o Senhor Tathagata novamente inquiriu de Subhuti, dizendo:
– Pode o Tathagata ser reconhecido inteiramente através de alguma manifestação de forma?
– Não, Honrado dos Mundos! O Tathagata não pode ser reconhecido inteiramente por alguma manifestação de forma. E por quê? Porque o fenômeno de forma é inadequado para manifestar a condição de Buda. Pode servir apenas como uma mera expressão, uma alusão ao que é inconcebível.
– O que pensas, Subhuti? Poderia o Tathagata ser inteiramente reconhecido por alguma ou por todas suas transformações transcendentais?
– Não, Honrados dos Mundos! O Tathagata não poderia ser inteiramente reconhecido por alguma ou por todas suas transformações transcendentais. E por quê? Porque o que o Tathagata acabou de se referir como “transformações transcendentais” é meramente uma figura de expressão. Mesmos os mais elevados Bodhisattva-Mahasattvas são incapazes de compreender inteiramente, mesmo por intuição, aquilo que é inescrutável em sua essência.

O Senhor Buda continuou:
– Subhuti, não pensa o oposto, ou seja, que quando o Tathagata atingiu Anuttara-samyak-sambodhi, isso não se deu pela posse das trinta e duas marcas físicas de excelência. Não pensa isto. Caso tu penses que quando iniciando a prática da busca de Anuttara-samyak-sambodhi tu deverias te fixar em que todos os fenômenos devem ser cortados fora, rejeitados, não pensa isto. E por quê? Porque quando um discípulo pratica a busca para atingir Anuttara-samyak-sambodhi, ele nem deveria se fixar nessas concepções arbitrárias de fenômenos e nem se fixar na sua rejeição.

O Senhor Buda então alertou Subhuti dizendo:
– Subhuti, não pensa que o Tathagata chegue mesmo a considerar em sua própria mente: “Eu devo enunciar um sistema de ensinamento para elucidar o Dharma”. Tu nunca deverias alimentar tal pensamento indigno. E por quê? Porque se algum discípulo desse guarida a semelhante pensamento, ele não apenas estaria confundindo o ensinamento do Tathagata, mas estaria igualmente rebaixando a si mesmo. E, além disso, o que acabou de ser referido como “um sistema de ensinamento” não tem significado, uma vez a Verdade não pode ser cortada em pedaços e arranjada em um sistema. As palavras podem apenas ser usadas como figuras de expressão.

Subhuti inquiriu:
– Abençoado Senhor! Quando tu atingiste Anuttara-samyak-sambodhi, sentiste no interior de tua mente que nada havia sido adquirido?
– É precisamente isto, Subhuti. Quando eu atingi Anuttara-samyak-sambodhi, não senti qualquer concepção arbitrária de Dharma discriminada no interior de minha mente, nem mesmo a mais sutil. Mesmo as palavras Anuttara-samyak-sambodhi são meramente palavras. Ainda assim, Subhuti, o que eu atingi em Anuttara-samyak-sambodhi é o mesmo que todos os outros atingiram; é algo que é indiferenciado, nem para ser olhado como um estado elevado e nem para ser olhado como um estado inferior. É inteiramente independente de quaisquer concepções definitivas e arbitrárias de uma identidade individual, outras identidades, seres vivos e/ou uma alma universal.
Portanto, todo o discípulo que está buscando Anuttara-samyak-sambodhi deveria descartar não apenas essas concepções, mas também todas as idéias a respeito de tais concepções e todas as idéias a respeito de não-existência (ou irrealidades) de tais concepções.
Ainda que o Tathagata em seu ensinamento faça uso constante de idéias e concepções a respeito deles, os discípulos deveriam manter a mente liberta frente a tais concepções e idéias. Eles deveriam relembrar que o Tathagata, ao fazer uso delas para explicar o Dharma, sempre as usa como analogia a uma jangada, que é para usar apenas para atravessar o rio. Uma vez cruzado o rio ela não tem mais utilidade, ela deveria ser descartada. Assim, estas concepções arbitrárias de coisas e sobre coisas, deveriam ser inteiramente abandonadas quando se atinge a iluminação. E ainda com maior razão deveriam ser abandonadas as concepções de coisas não-existentes.

O Senhor Buda conclui com a seguinte pergunta:
– O que pensas, Subhuti? O Tathagata deu-te algum ensinamento definitivo neste Ensinamento?
– Não, Abençoado Senhor! O Tathagata não nos deu qualquer ensinamento definitivo nesta Escritura.

quadro negro3

Referência:
Sutra do Diamante; resumo do Lama Padma Samten – Scribd);
Sutra do Diamante; Tradução de Ramiro A. Calle e Simon Mundy;
Dharmanet: O budismo Vajrayana

Fonte:https://www.saindodamatrix.com.br/sutra-do-diamante/

O Sutra do Diamante

Vajracchedika Sutra

 O Sutra do Diamante

Lapidador da Sabedoria Transcendental

 EL SUTRA DEL DIAMANTE – Tradução de Ramiro A. Calle e Simon Mundy

Versão:  Flávio Capllonch Cardoso

 

 Seção I.

A CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA.

Assim eu ouvi:

Certa vez permaneceu Buda no parque de Anathapindika próximo a Shravasti em companhia de muitos discípulos – até mil duzentos e cinquenta.

Um dia, na hora do desjejum, o Honrado-Pelo-Mundo colocou seu manto, e levando sua tigela caminhou pela grande cidade de Shravasti, para mendigar sua comida. No centro da cidade pediu de porta em porta, segundo a regra. Feito isso, voltou ao seu retiro e alimentou-se. Quando terminou, guardou seu manto e tigela de mendigar, lavou os pés, arrumou seu assento, e sentou-se.

 Seção II.

Subhuti Faz um Pedido.

 Entretanto, na assembléia encontrava-se o Venerável Subhuti. Em seguida levantou-se, descobriu o ombro direito, ajoelhou-se sobre o joelho direito e, respeitosamente elevando as mãos com as palmas unidas, dirigiu-se ao Buda dessa maneira:

– “Honrado-pelo-Mundo: É muito valioso até que ponto o Tathagata cuida de todos os bodhisatvas, instruindo e protegendo-os tão bem!

Honrado-pelo-Mundo: Se bons homens e boas mulheres buscam a Realização da Iluminação Incomparável, como devem ser e como devem controlar seus pensamentos?”

Buda disse:

– “Muito bem, Subhuti! Tal como dizes, o Tathagata está sempre atento e cuidadoso para com todos os bodhisattvas, instruindo e protegendo-os bem. Agora escuta e leva minhas palavras ao teu coração: Eu te direi como devem ser os bons homens e boas mulheres, buscadores da Realização da Iluminação Incomparável, como devem agir, e de que forma devem controlar seus pensamentos”.

Disse Subhuti:

–“Rogo que o faças, Honrado-Pelo-Mundo. Com alegria antecipada desejamos escutar”.

 Seção III.

O Verdadeiro Ensinamento do Grande Caminho.

  Buda disse:

– “Subhuti, todos bodhisatvas heróis devem disciplinar seus pensamentos da seguinte forma:

“Todos os seres viventes de qualquer espécie, nascidos de ovos, de úteros, da umidade, ou da transformação, com forma ou sem forma, num estado de pensamentos ou isentos da necessidade de pensar, ou além de todas as esferas mentais: todos eles, devido a minha meditação, alcançam o Nirvana, a Liberação Total. Não obstante, após imensas, incontáveis imensuráveis quantidades de seres, terem sido liberados, em verdade nenhum ser foi liberado. Por que é assim, Subhuti? A razão é que nenhum bodhisattva que seja um verdadeiro bodhisattva alimenta a idéia de um si mesmo, uma personalidade, um ser, uma individualidade separada”.

 Seção IV.

Inclusive as práticas mais altruístas são relativas.

– Além disso, Subhuti, na prática da compaixão um bodhisattva deve ser desapegado. Ou seja, deve praticar compaixão sem olhar as aparências: sem dar importância aos sons, odores, tatos, sabores ou qualquer qualidade. Subhuti, assim deve o bodhisattva, sem apego, praticar compaixão. Por que motivo? Porque em tal caso o seu mérito é incalculável.

Subhuti, o que pensas? Podes medir todo o espaço até o leste?

– Não, Honrado-Pelo-Mundo, não posso.

– Então, Subhuti, podes medir todo o espaço para o sul, o oeste, o norte, ou em qualquer outra direção, inclusive o nadir e o zênite?

– Não, Honrado-Pelo-Mundo, não posso.

– Bem, Subhuti, igualmente incalculável é o mérito do bodhisattva que pratica a compaixão sem nenhum apego às aparências. Subhuti, os bodhisattvas deveriam perseverar sem desvios nesta instrução”.

 Seção V.

Compreendendo o último Princípio da Realidade.

  – Subhuti, o que pensais? Pode-se reconhecer o Tathagata por meio de alguma característica material?

– Não, Honrado-Pelo-Mundo, o Tathagata não pode ser reconhecido por nenhuma característica material. Por quê? Porque o Tathagata disse que as características materiais de fato não são características materiais.

– Buda disse:

– Subhuti, em qualquer lugar onde existam características materiais, existe ilusão; porém aquele que percebe que todas as características são de fato não características, percebe o Tathagata.

 Seção VI.

Rara é a compreensão da Verdade.

Subhuti disse a Buda:

– Honrado-Pelo-Mundo, sempre existirão homens que verdadeiramente compreenderão estes ensinamentos ao buscar ouvi-los?

Buda respondeu:

– Subhuti, não fale dessa forma! Dois mil e quinhentos anos depois do parinirvana do Tathagata1 existirão homens auto-equilibrados, enraizados em méritos, que virão ouvir estes ensinamentos, os quais serão inspirados por sua confiança. Mas deves saber que tais homens não só fortaleceram sua raiz de méritos sob um Buda, dois Budas, ou três, quatro, cinco Budas, mas sob incontáveis Budas; e seus méritos são de todos os tipos. Tais homens, buscando ouvir estes ensinamentos, experimentarão um surgimento imediato de pura confiança, Subhuti; e o Tathagata os reconhecerá. Efetivamente, Ele perceberá claramente a todos aqueles de coração puro, e verá a magnitude das suas excelências morais. E qual a causa? Porque tais homens não recairão no erro de alimentar a idéia de um si mesmo, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada. Eles não recairão no erro de considerar a idéia de que as coisas possuem qualidades intrínsecas, nem sequer de que as coisas são desprovidas de qualidades intrínsecas.

Por que razão? Porque se estes homens permitissem a suas mentes agarrar e fixar-se em qualquer coisa, isto significaria que eles estariam considerando a idéia de um si mesmo, uma personalidade, um ser ou uma individualidade separada.  Igualmente no caso de agarrar e manter-se na idéia de que as coisas são vazias de qualidades intrínsecas, estariam alimentando a idéia de um si mesmo, uma personalidade, um ser ou uma individualidade separada. Assim, não deves apegar-te às coisas como possuidoras, ou destituídas de qualidades intrínsecas.

Esta é a razão pela qual o Tathagata sempre ensina este refrão: “Meu ensinamento do Dharma pode ser comparado com um barco para cruzar um rio. Inclusive o ensinamento do Buda deverá ser abandonado. Quanto mais os ensinamentos equivocados!”.

(Um homem que já cruzou o rio em um barco continua a jornada na outra margem carregando o barco sobre sua cabeça?)

 Seção VII.

Os grandes perfeitos, além dos Ensinamentos, não pronunciam nenhuma palavra de ensino.

 – Subhuti, o que pensas? O Tathagata atingiu a Realização da Iluminação Incomparável? Tem o Tathagata um ensinamento para enunciar?

Subhuti respondeu:

– Segundo entendo as palavras do Buda, não existe nenhuma fórmula para expressar a verdade chamada a Realização da Iluminação Incomparável. Além disso, o Tathagata não tem nenhum ensinamento elaborado para enunciar. Por quê? Porque o Tathagata disse que a Verdade é inapreensível, inexprimível e está além da compreensão.

Nem é, nem não é.

Portanto, este Princípio não formulado é o fundamento de todos os diferentes sistemas de todos os sábios.

 Seção VIII.

Os frutos da ação meritória.

 – Subhuti, o que pensas? Se alguém enchesse três mil galáxias de mundos com os sete tesouros (ouro, prata, lápis-lazúli, cristal, coral, ágata e madrepérola) e os desse como oferta de caridade, obteria tal pessoa grande mérito?”

Subhuti disse:

– Muito mérito na verdade, Honrado-Pelo-Mundo! Como? Devido a que o mérito forma parte do caráter do não-mérito: por esta razão o Tathagata assinalou o mérito como grande.

Então Buda disse:

– Por outro lado, se alguém receber e retiver somente quatro linhas deste Dharma e o ensinasse e explicasse aos outros, seu mérito seria superior. Por quê?”

A razão é, Subhuti, que deste Dharma emanam todos os Budas e os Ensinamentos  da Realização da Iluminação Incomparável de todos os Budas.

Subhuti, o que se chama “a religião de Buda, de fato, não é a religião de Buda”.

   Seção IX.

A verdadeira realização é realização nenhuma.

 “Subhuti, o que pensais? Um discípulo que entrou na “Correnteza da Vida Santa” pode dizer a si mesmo: “Eu obtive o fruto daquele que entrou na Correnteza?”.

Subhuti disse:

– Não, Honrado-Pelo-Mundo”. “Por quê?” – Porque “alguém que entra na correnteza da Vida Santa” é somente um nome. Não há entrada na correnteza. O discípulo que não se fixa nas formas, cores, sons, odores, paladares, tatos, nem qualquer outra qualidade, chama-se “aquele que entra na Correnteza”.

– Subhuti, o que pensas? Um adepto que está sujeito a apenas mais um renascimento diz a si mesmo: “Eu obtive o fruto de alguém que renasce-mais-uma-vez?”.

Subhuti disse:

– Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por que não? Porque “aquele-que-renasce-mais-uma-vez” é somente um nome. Não se sai nem se entra na existência. Precisamente quem percebe isto é chamado “aquele-que-renasce-mais-uma-vez”.

– Subhuti, o que pensas? Um Venerável que nunca mais renascerá como um ser humano diz a si mesmo: “Eu obtive o fruto Daquele-Que-Não-Retorna?”

Subhuti disse:

– Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por que não? Porque “aquele-que-não-retorna” é somente um nome. Não existe não-retorno e, portanto tampouco a designação “aquele-que-não-retorna”.

Subhuti, o que pensas? Um Arahat pode dizer para si mesmo: “Eu obtive o fruto da Iluminação Perfeita?”

Subhuti disse:

– Não, Honrado-Pelo-Mundo. “Por que não?” – “Porque não há condição como a chamada Iluminação Perfeita. Honrado-Pelo-Mundo, se um Arahat perfeitamente iluminado disser a si mesmo: “Este sou eu” significaria necessariamente que ainda participa da idéia de um si mesmo, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada. Honrado-Pelo-Mundo, embora Buda declare que eu sobressaio entre os homens santos no Yoga da Perfeita Quietude, em permanecer retirado e livre das paixões, eu não digo para mim mesmo: “Eu sou um santo perfeitamente iluminado, liberado das paixões”. Honrado-Pelo-Mundo, se eu dissesse a mim mesmo: “Esse sou eu”; vós não dirias: “Subhuti encontrou a felicidade morando em paz, entre as árvores, na solidão”. Assim é, porque Subhuti não mora em nenhum lugar: por isso se chama, “Subhuti, feliz-morador-em-paz, residente-na-solidão-do-bosque!”.

 Seção X.

Expondo as Terras Puras.

 Buda disse: “Subhuti, o que pensais? No remoto passado, quando o Tathagata estava com Dipankara Buda, obteve algum grau de êxito no Dharma?

– Não, Honrado-Pelo-Mundo. Quando o Tathagata esteve com Dipankara Buda não obteve nenhum grau êxito na Boa Lei.

– Subhuti, o que pensas? Expõe um bodhisattva alguma majestosa Terra Búdica?

– Não, Honrado-Pelo-Mundo. Por quê? – Porque a exposição de uma majestosa Terra Búdica não é uma majestosa exposição; isto é simplesmente um nome.

(Então continuou Buda:)

– Portanto, Subhuti, todos os bodhisattvas, grandes ou menores, deveriam desenvolver uma mente pura e lúcida, e não depender do som, sabor, tato, odor, nem nenhuma outra qualidade. Um bodhisattva deve desenvolver uma mente que não se apegue absolutamente a nada; e dessa maneira deve treiná-la.

Subhuti, isto poderia se comparar a um corpo humano grande como o poderoso Monte Sumeru. O que pensas? Seria tal corpo grande?

Subhuti respondeu:

– Verdadeiramente grande, Honrado-Pelo-Mundo. Foi por isso que o Buda explicou que nenhum corpo é chamado um grande corpo.

 Seção XI.

A superioridade da Verdade não formulada.

 – Subhuti, se houvessem tantos rios Ganges quanto os grãos de areia existentes no Ganges, seriam muitos os grãos de areia de todos eles?

Subhuti disse:

– Verdadeiramente numerosos, Honrado-Pelo-Mundo! Os rios Ganges também seriam inumeráveis; quanto mais seus grãos de areia!

– Subhuti, vou te declarar uma verdade. Se um bom homem ou uma boa mulher enchessem três mil galáxias de mundos com os sete tesouros (ouro, prata, lápis-lazúli, cristal, ágata, pérolas vermelhas, cornalina) para cada grão de areia em todos esses rios Ganges, e dessem tudo como oferendas caridosas, acumulariam eles grandes méritos?

Subhuti respondeu:

– Grandes realmente, Honrado-Pelo-Mundo!

Então Buda declarou:

– Não obstante, Subhuti, se um homem bom ou uma boa mulher estudar este Dharma até poder receber e guardar somente quatro estrofes e ensiná-las e explicá-las aos demais, os méritos conseqüentes seriam muito superiores.

 Seção XII.

A veneração à verdadeira Doutrina.

 – Além disso, Subhuti, devereis saber que aonde quer que este Dharma seja proclamado, mesmo que somente quatro estrofes, este lugar deveria ser venerado por todas as hierarquias dos deuses, homens e asuras, como se fosse um relicário de Buda. Quanto mais será isto verdadeiro no caso daquele que pode recebê-lo e retê-lo completamente, lê-lo e recitá-lo por completo!

Subhuti, saiba que tal pessoa alcançará a mais alta e admirável verdade. Aonde quer que este Ensinamento sagrado se encontre, deves se comportar como se estivesses na presença do Buda e de discípulos dignos de respeito.

 Seção XIII.

Como este Ensinamento deve ser recebido e guardado.

Naquele momento Subhuti dirigiu-se ao Buda dizendo:

– Honrado-Pelo-Mundo, com que nome deveria se conhecer este Ensinamento, e como deveríamos recebê-lo e retê-lo?

Buda respondeu:

– Subhuti, este Ensinamento deveria ser conhecido como O Diamante da Perfeição da Sabedoria Transcendental [Prajñaparamita Vajracchedika] – assim deveis recebê-lo e retê-lo.

– Subhuti, qual é a razão disto? Segundo o ensinamento do Buda, a “Perfeição da Sabedoria Transcendental” não é realmente assim. A “Perfeição da Sabedoria Transcendental” é simplesmente o nome que lhe outorgamos. Subhuti, que pensas? Tem o Tathagata um ensinamento para enunciar?”

Subhuti respondeu ao Buda:

– Honrado-Pelo-Mundo, o Tathagata não tem nada a ensinar”.

– Subhuti, qual a sua estimativa? Seriam muitas as partículas em três mil galáxias?

Subhuti disse:

– Verdadeiramente muitas, Honrado-Pelo-Mundo!

– Subhuti, o Tathagata declara que todas estas partículas de fato não são reais; elas são apenas chamadas “partículas”. (Além disso) o Tathagata declara que um mundo não é realmente um mundo; é apenas chamado “mundo”. Subhuti, o que crês? Pode-se perceber o Tathagata através das trinta e duas marcas físicas (de um sábio excelente)?

– Não, Honrado-Pelo-Mundo, não se pode perceber o Tathagata através destes trinta e dois sinais. Por quê? Porque o Tathagata explicou que os trinta e dois sinais não são realmente sinais; somente se chamam “as trinta e duas marcas”.

– Subhuti, se por um lado um bom homem ou uma boa mulher sacrifica tantas vidas como os grãos de areia que existem no Ganges, e por outro lado alguém recebe e retém apenas quatro linhas deste Dharma, e as ensina e explica aos outros, o mérito deste último será superior.

 Seção XIV.

A paz perfeita consiste em liberar-se de fazer distinções sobre características.

Ao escutar este Ensinamento, Subhuti teve uma profunda realização interior de seu significado e comoveu-se até chorar.  Então, se dirigiu ao Buda desta maneira:

– É uma coisa muito preciosa, Honrado-Pelo-Mundo, que vós pronuncieis este Dharma de suprema profundidade. Jamais ouvi uma exposição semelhante desde que no passado abriu-se meu olho de sabedoria. Honrado-Pelo-Mundo, se alguém com confiança escutar este Dharma com uma mente pura e lúcida, então conceberá uma idéia da Realidade Fundamental. Temos que saber que tal pessoa engendra a virtude mais extraordinária. Honrado-Pelo-Mundo, tal idéia sobre a Realidade Fundamental não é, de fato, uma idéia discriminadora; por esta razão o Tathagata ensina que a idéia da Realidade Fundamental é meramente um nome.

Honrado-Pelo-Mundo, ao ter escutado este Dharma, o recebo e o retenho com confiança e entendimento. Isto não é difícil para mim, mas em épocas vindouras – durante os próximos quinhentos anos –, se existirem homens que venham ouvir este Dharma e o receberem e o retiverem com confiança e entendimento, seriam pessoas de um notável alcance. Por quê? Porque seriam livres da idéia de uma ego-entidade, livres da idéia de personalidade, livres da idéia de um ser, e livres da idéia de uma individualidade separada. E por quê? – Porque a distinção de uma ego-entidade é errônea. Igualmente distinguir uma personalidade ou um ser ou uma individualidade separada é errôneo. Por conseguinte, aqueles que deixaram para trás quaisquer distinções fenomênicas são todos Budas.

Buda disse a Subhuti:

– Exatamente como dizes! Se alguém ouve este Dharma e não fica alarmado nem cheio de terror nem de espanto, saiba que tal pessoa é de um notável entendimento. Por quê? – A razão é Shubuti, que o Tathagata ensina que o Primeiro Paramita não é, de fato, o Primeiro Paramita: isto é meramente um nome.

Subhuti, do mesmo modo, o Tathagata ensina que o Paramita da Paciência não é o Paramita da Paciência: isto é meramente um nome. Por que é assim? Demonstra-se da seguinte forma, Subhuti: Quando o Rajá de Kalinga mutilou meu corpo, eu estava naquele momento liberado da idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, e uma individualidade separada. Por que razão? Porque naquele momento, quando meus membros foram amputados, pedaço por pedaço, se eu estivesse sujeito a tais distinções, em mim surgiriam sentimentos de raiva e ódio. Subhuti, eu recordo que há muito tempo, durante uma das minhas últimas quinhentas vidas humanas, eu fui um asceta praticante da paciência; mesmo então eu estava livre daquelas distinções de um ego separado. Portanto, Subhuti, os bodhisattvas deveriam deixar para trás todas as distinções fenomênicas e deveriam despertar o pensamento da Realização da Iluminação Incomparável, não permitindo à mente fixar-se em idéias evocadas pelo mundo sensorial – não permitindo à mente fixar-se em idéias evocadas pelos sons, odores, sabores, contatos, ou quaisquer outras qualidades. A consciência deve manter-se independente de quaisquer pensamentos que surjam dentro dela. Se a consciência depender de algo, não terá nenhum refúgio seguro. Por isso Buda ensina que a mente de um bodhisattva não deve levar em conta as aparências das coisas quando exerce a compaixão. Subhuti, quando os bodhisattvas praticam a compaixão pelo bem-estar de todos os seres viventes, eles devem agir dessa maneira. Do mesmo modo que o Tathagata declara que as características não são características, assim ele também declara que todos os seres viventes não são de fato seres viventes.

Subhuti, o Tathagata é Aquele que declara o que é verdade; Ele declara o que é fundamental; Ele declara o que é definitivo. Ele não declara algo falso nem enganoso. Subhuti, a Verdade realizada pelo Tathagata não é real nem irreal.

Subhuti, se um bodhisattva pratica a compaixão com a mente apegada às idéias mundanas, é como um homem cego, andando às apalpadelas nas trevas; porém um bodhisattva que pratica a compaixão com mente desapegada de qualquer idéia mundana é como um homem com os olhos abertos na radiante luz da manhã, para ele todos os tipos de objetos são claramente visíveis. Subhuti, se existirem bons homens e boas mulheres em épocas futuras capazes de receber, ler e recitar este Dharma em sua totalidade, o Tathagata perceberá e os reconhecerá através do seu conhecimento Búdico; e cada um deles produzirá no futuro méritos incomensuráveis e incalculáveis.

 Seção XV.

O valor incomparável deste ensinamento.

 – Subhuti, se por um lado, um bom homem ou uma boa mulher efetua pela manhã tantos atos de abnegada compaixão como os grãos de areia do Ganges, e efetua a mesma quantidade novamente ao meio-dia e a mesma outra vez ao entardecer, e continua assim durante inumeráveis épocas, e por outro lado, alguém escuta este Dharma com o coração cheio de confiança e sem disputa, este último seria o mais feliz. Porém como se poderia comparar com aquele que o escreve, o guarda, e o explica aos outros? Subhuti, podemos resumir a questão dizendo que o valor completo deste Ensinamento não pode ser nem concebido, nem estimado, e nem se pode dar algum limite ele. O Tathagata declarou este Ensinamento para o benefício dos Iniciados no Grande Caminho (Mahayana); Ele o pregou para o benefício dos iniciados no Supremo Caminho. Todos aqueles que possam receber e reter este Ensinamento estudá-lo, recitá-lo e propagá-lo, serão claramente percebidos e reconhecidos pelo Tathagata, e alcançarão uma perfeição de méritos incomensurável e incalculável, uma perfeição de méritos ilimitados e inconcebíveis. Em cada caso, eles demonstrarão ao Tathagata o Cume da Iluminação Incomparável.  Por qual motivo? Por que, Subhuti? Os que encontram consolo em doutrinas limitadas, tratando conceitos como uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada, não são capazes de aceitar, receber, estudar, recitar e explicar abertamente este Dharma. Subhuti, em cada lugar onde se encontre este Ensinamento, os reinos inteiros de Deuses, Homens e Asuras deveriam oferecer seu respeito; pois deves saber que tal lugar é sagrado como um relicário e deveria ser apropriadamente venerado por todos com reverências cerimoniais e circulando da esquerda para a direita, e com oferendas de flores e incenso.

 Seção XVI.

A purificação através do sofrimento, através dos efeitos das transgressões cometidas no passado.

 – Além disso, Subhuti, se ocorrer que os bons homens e boas mulheres que recebem e recitam este Ensinamento são maltratados, seu destino miserável é o resultado inevitável de faltas cometidas em vidas anteriores. Em virtude de suas atuais desgraças, os efeitos e reações de seu passado serão dissolvidos por meio daquelas, e estarão na situação de poder alcançar o Cume da Iluminação Incomparável.

“Subhuti, lembro-me do passado infinitamente remoto antes de Dipankara Buda. Haviam 84,000 miríades de milhões de Budas e a todos estes Eu fiz oferendas; sim, a todos estes Eu servi sem o menor sinal de falta. Não obstante, se qualquer um for capaz de receber, manter, estudar e recitar este Ensinamento ao término do último período [de 500 anos]2, esta pessoa ganhará tantos méritos, que os méritos que obtive no serviço de todos aqueles Budas não poderão representar uma centésima parte disto, ou nem mesmo uma quadrilionésima parte disto – na verdade, não há nenhuma possibilidade de comparação”.

“Subhuti, se Eu detalhadamente explicasse os méritos ganhos pelos bons homens e boas mulheres que receberem, mantiverem, estudarem e recitarem este Ensinamento no último período, meus ouvintes ficariam cheios de dúvidas e poderiam ter a mente completamente desordenada com suspeitas e descrenças. Vós deveríeis saber, Subhuti, que o significado deste Ensinamento está além da concepção; igualmente os frutos que este Dharma oferece estão além de concepção”.

 Seção XVII.

Ninguém alcança a Verdade Suprema.

Naquele momento Subhuti dirigiu-se ao Buda e disse: – Honrado-Pelo-Mundo, se bons homens e boas mulheres buscam a Realização da Iluminação Incomparável, por quais critérios deveriam ater-se e como deveriam controlar seus pensamentos?

Buddha respondeu a Subhuti:

– Os bons homens e boas mulheres buscando a Realização da Iluminação Incomparável, devem fomentar essa atitude decidida da mente: Meu dever é liberar todos os seres viventes; entretanto, quando todos tenham sido liberados, de fato ninguém foi liberado. Por quê? Se um bodhisattva prende-se à idéia de uma ego-entidade, uma personalidade, um ser, ou uma individualidade separada, ele conseqüentemente não é um bodhisattva. Subhuti, a razão disto é que na realidade não existe uma fórmula que cause a Realização da Iluminação Incomparável.

Subhuti, o que pensas? Quando o Tathagata estava com Dipankara Buda, existia naquela ocasião qualquer fórmula para a obtenção da Realização do Incomparável Esclarecimento?”

– Não, Honrado-Pelo-Mundo, conforme entendo o significado de Buda, não existia uma fórmula pela qual o Tathagata logrou a Realização da Iluminação Incomparável.

Buda disse:

– Estás certo, Subhuti! Na verdade não houve uma fórmula através da qual o Tathagata atingiu a Realização da Iluminação Incomparável! Subhuti, se houvesse existido uma tal fórmula, Dipankara Buda não teria dito para mim: “Em épocas futuras chegarás a ser um Buda chamado o Shakyamuni”; mas Dipankara Buda fez tal predição sobre mim, porque de fato não há nenhuma fórmula para alcançar a Realização da Iluminação Incomparável. A razão é que o Tathagata é um símbolo abrangendo todos os métodos; Tathagata é um outro nome para a Verdade Suprema; Tathagata é um outro nome da não-cessação de existir; Tathagata é um outro nome para o não-nascer. Isso porque, Subhuti, o fato de não haver nascimento é a Verdade Suprema.

Se por acaso alguém afirmar que o Tathagata atingiu a Realização da Iluminação Incomparável, eu te digo honestamente, Subhuti, que não há nenhum método pelo qual o Buda a logrou. Subhuti, a base da obtenção do Tathagata da Realização da Iluminação Incomparável encontra-se totalmente além; nem é real nem irreal. Por isso digo que todas as esferas de formulações não são de fato tais, por isso são apenas chamadas: as esferas das formulações.

Subhuti, poderíamos fazer uma comparação com um corpo humano gigante.

Então disse Subhuti:

– O Honrado-pelo-Mundo declarou que tal não é um corpo grande; um corpo grande é apenas um nome dado.

– Subhuti, igualmente com relação ao bodhisattva. Se um bodhisattva proclama: “Eu liberarei todos os seres viventes”, ele não é corretamente chamado de bodhisattva. Por quê? Porque, Subhuti, de fato não há nenhuma condição como a do bodhisattva, uma vez que o Buda ensina que todas as coisas carecem de substância própria, carecem de personalidade própria, e carecem de uma individualidade separada. Subhuti, se um bodhisattva anunciar: “Eu exporei terras búdicas majestosas”, não pode ser chamado de bodhisattva, porque o Tathagata declarou que a exposição de tais terras búdicas majestosas não existe: “uma exposição de terras búdicas majestosas” é apenas um nome que se dá.

Subhuti, os bodhisattvas que carecem totalmente de idéias sobre um si mesmo separado são acertadamente chamados bodhisattvas.

 Seção XVIII.

Todas as formações mentais são na verdade só a mente.

– Subhuti, o que pensas? O Tathagata possui o olho humano?

– Sim, Honrado-Pelo-Mundo, Ele o possui.

– E acreditas que o Tathagata possui o olho do Dharma?

– Sim, Honrado-Pelo-Mundo, Ele o possui.

– E acreditas que o Tathagata possui o olho da Sabedoria Primordial?

– Sim, Honrado-Pelo-Mundo, Ele o possui.

– Subhuti, o que pensas? Com respeito aos grãos de areia do Ganges, o Buda deu ensinamento sobre eles?

– Sim, Honrado-Pelo-Mundo, o Tathagata ensinou sobre estes grãos.

Muito bem, Subhuti, se houvesse tantos rios Ganges quanto os grãos de areia do Ganges e se houvesse uma Terra Búdica para cada grão de areia de todos esses rios Ganges, seriam muitas Terras Búddhicas?

– Verdadeiramente muitas, Honrado-Pelo-Mundo!

Então disse Buda:

– Subhuti, por muitos que sejam os seres viventes que existam em todas essas terras búdicas, apesar de possuírem muitas e variadas formações mentais, o Tathagata compreende todas. Por quê? Porque o Tathagata ensina que todas essas formações não são a Mente; simplesmente as chamamos “mentais”. Subhuti, é impossível reter estados mentais passados, é impossível sustentar estados mentais presentes, e impossível apreender estados mentais futuros.

 Seção XIX.

A Realidade absoluta é a única Base.

– Subhuti, o que pensas? Se alguém enchesse três mil galáxias de mundos com os sete tesouros e os presenteasse como oferendas caritativas, ganharia grande mérito?

– Sim, Honrado-Pelo-Mundo, verdadeiramente obteria grande mérito!

– Subhuti, se tal mérito fosse real, o Tathagata não poderia declará-lo grande; porém como carece de Base, o Tathagata o designou como “grande mérito”.

 Seção XX.

A ilusão das distinções fenomênicas.

– Subhuti, o que pensas? Pode-se perceber o Buda por um corpo perfeitamente formado?

– Não, Honrado-Pelo-Mundo; o Tathagata não pode ser percebido por seu corpo perfeitamente formado, uma vez que o Tathagata ensina que um corpo perfeitamente formado não é realmente formado; simplesmente é chamado “um corpo perfeitamente formado”.

– Subhuti, o que crês? Pode-se perceber o Tathagata por meio de alguma característica fenomênica?

– Não, Honrado-Pelo-Mundo, o Tathagata não pode ser percebido por meio de nenhuma característica fenomênica, porque o Tathagata ensina que características fenomênicas não são realmente características fenomênicas; elas somente são chamadas “características fenomênicas”.

 Seção XXI.

Palavras não podem expressar a Verdade.

O que as palavras expressam não é a Verdade.

– Subhuti, não digas que o Tathagata concebe o pensamento: “Eu devo expor um Ensinamento”. Porque se alguém disser que o Tathagata expôs um Ensinamento, de fato está caluniando o Buda, e é incapaz de explicar o que ensino. Com relação a qualquer sistema [que pretenda declarar] a Verdade, diremos que a Verdade não é declarável; portanto, uma expressão da Verdade é só um nome dado”.

Ouvindo isto, Subhuti falou as seguintes palavras ao Buda:

– Honrado-Pelo-Mundo, em futuras épocas existirão homens que, procurem ouvir uma exposição deste Ensinamento, e ficarão inspirados com convicção?

E o Buda respondeu:

– Subhuti, aqueles a quem te referes nem são seres viventes nem não são seres viventes. Por quê? Porque, Subhuti, estes “seres viventes” não são realmente “seres viventes”; somente são chamados assim.

 Seção XXII.

Não se pode dizer que algo seja alcançável.

Então Subhuti perguntou ao Buda:

– Honrado-Pelo-Mundo, ao alcançar a Realização da Incomparável Iluminação, o Buda nada obteve?

Buda respondeu:

– Exatamente, Subhuti. Pela Realização da Incomparável Iluminação não adquiri nem a mínima coisa. Por esta razão é chamada “a Realização da Incomparável Iluminação”.

 Seção XXIII.

A prática das boas ações.

– Além disso, Subhuti, “Isto” está completamente em todos lugares, sem diferenciação nem graduação; por isso é chamada “Realização da Incomparável Iluminação”.

É atingida diretamente por meio da liberação das idéias sobre um si mesmo pessoal separado e do cultivo de todas as espécies de virtudes (paramitas).

Subhuti, embora falemos de “virtude”, o Tathagata declara que não existe nenhuma “virtude”; ela é apenas uma palavra.

 Seção XXIV.

O mérito incomparável deste ensinamento.

– Subhuti, se houver uma pessoa que oferecesse como caridade uma quantidade dos sete tesouros semelhante em volume a tantos Montes Sumerus como haveria em três mil galáxias de mundos, e se houver outra pessoa que selecionasse apenas quatro linhas deste Discurso sobre a Perfeição da Sabedoria Transcendental, recebendo-as e as retendo, e diariamente as explicasse aos outros, o mérito desta última seria tão superior ao primeiro que nenhuma comparação possível pode ser feita entre eles.

 Seção XXV.

A ilusão do ego.

– Subhuti, o que pensas? Que ninguém diga que o Tathagata incentiva a idéia “Devo liberar todos os seres viventes”. Não permitas tal pensamento, Subhuti. Por quê? Porque na realidade não existem seres viventes a serem liberados pelo Tathagata. Se existissem seres viventes para que o Tathagata os liberasse, ele participaria da idéia de um si mesmo, personalidade, ego-entidade, de, e uma individualidade separada.

Subhuti, embora as pessoas comuns tomem o ego como real, o Tathagata declara que o ego não é diferente do não-ego. Subhuti, aqueles aos que o Tathagata se refere com as palavras “pessoas comuns” não são realmente “pessoas comuns”; são apenas palavras.

   Seção XXVI.

O corpo da verdade não tem marcas.

 – Subhuti, o que pensas? O Tathagata pode ser reconhecido por meio de suas trinta e duas marcas?

Subhuti respondeu:

– Sim, certamente o Tathagata pode ser reconhecido por meio delas.

Então Buda disse:

– Subhuti, se o Tathagata pudesse ser reconhecido por meio de tais marcas, qualquer grande imperador seria igual ao Tathagata.

– Subhuti disse ao Buda em continuação:

– Honrado-Pelo-Mundo, segundo entendo o significado das palavras do Buda, o Tathagata não pode ser reconhecido por meio das trinta e duas marcas.

Com isso o Honrado-pelo-Mundo recitou este verso:

 “Aquele que vê minha forma,

Aquele que me busca no som,

Equivocados estão seus passos no Caminho,

Pois esses não podem encontrar o Tathagata”.

 

Seção XXVII.

É um erro afirmar que todas as coisas extinguem-se para sempre.

– Subhuti, se concebeis a idéia de que o Tathagata alcançou a Realização da Incomparável Iluminação Perfeita por causa de sua forma perfeita, não abrigues tais pensamentos. A realização do Tathagata não foi devido à sua forma perfeita. Subhuti, se concebes a idéia que alguém, no qual surge a Realização da Incomparável Iluminação Perfeita, declara que todas as leis manifestas estão terminadas e extintas, não sustentes tais pensamentos. Por quê? Porque o homem no qual surge a Realização da Incomparável Iluminação Perfeita não faz afirmações com respeito a nenhuma fórmula que esteja por fim extinta.

 Seção XXVIII.

O apego às recompensas pelos méritos.

– Subhuti, se um bodhisattva oferece caritativamente tanto volume dos sete tesouros como tantos mundos existem por cada um dos grãos de areia do rio Ganges, e outro, dando-se conta da insubstancialidade de todas as coisas, alcança a perfeição através da paciência compassiva, os méritos deste último serão superiores ao do primeiro. Por que é assim, Subhuti? É porque nenhum bodhisattva dá atenção as recompensas dos méritos.

Depois Subhuti perguntou ao Buda:

– A que se refere esta sentença, Honrado-Pelo-Mundo, de que os bodhisattvas são insensíveis às recompensas dos méritos?

E o Buda respondeu:

– Subhuti, os bodhisattvas que alcançam méritos não se apegam ao desejo de recompensas. Por isso se diz que as recompensas pelos méritos não são recebidas.

    Seção XXIX.

A perfeita tranquilidade.

–      Subhuti, se alguém dissesse que o Tathagata vem ou vai, senta-se ou reclina-se, ele não entendeu meu ensinamento. Por quê? Porque para o Tathagata não há “aonde” nem “desde onde”, por isso se chama Tathagata.

Seção XXX.

O princípio integrativo.

– Subhuti, se um bom homem ou uma boa mulher medissem em pó um número infinito de galáxias de mundos, seriam muitas as minúsculas partículas resultantes?”

Subhuti respondeu:

– Verdadeiramente muitas, Honrado-Pelo-Mundo! Por quê? Porque se elas realmente fossem minúsculas partículas, o Buda não teria se referido a elas como minúsculas partículas. Quanto a isso o Buda declarou que na realidade não são assim. “Minúsculas partículas” não é mais que um nome dado a elas. Alem disso, Honrado-Pelo-Mundo, quando o Tathagata fala de galáxias de mundos, seria um cosmos com existência própria, e o Tathagata ensina que na realidade não existe tal coisa. “Cosmos” é simplesmente uma forma de falar.

Então disse Buda:

– Subhuti, palavras não podem explicar a verdadeira natureza do cosmos. Somente as pessoas comuns, presas ao desejo, fazem uso deste juízo arbitrário.

Seção XXXI.

A verdade convencional deve ser evitada.

 – Subhuti, se alguém dissesse que Buda expõe um si mesmo qualquer que seja, considerarias que ele teria uma correta compreensão de meus ensinamentos?

– Não, Honrado-Pelo-Mundo, tal homem não teria uma compreensão real do ensinamento do Tathagata, pois o Honrado-Pelo-Mundo declara que as idéias de si mesmo, personalidade, entidade e individualidade separada, como realmente existentes são equivocadas: estes termos são meramente formas de falar.

Depois o Buda disse:

–      Subhuti, aqueles que aspiram à Realização da Incomparável Iluminação devem enfocar e compreender todos os fenômenos da mesma maneira, e impedir que surjam idéias parciais. Subhuti, e quanto às idéias, o Tathagata declara que na realidade elas não são assim. São apenas chamadas “idéias”.

Seção XXXII.

A ilusão das aparências.

 – Subhuti, alguém poderia encher mundos inumeráveis com os sete tesouros e dá-los como caridade, mas se qualquer bom homem ou qualquer boa mulher desperta o pensamento da Iluminação e toma somente quatro linhas deste Dharma, recitando-as, usando-as, recebendo-as, retendo-as e estendendo-as e explicando-as para o benefício dos demais, seria muito mais proveitoso.

Pois bem, de que maneira se poderia explicá-las aos outros? Através do desapego às aparências permanecendo na Verdade Real.

Assim, devem considerar tudo deste mundo efêmero:

 Uma estrela ao amanhecer, uma borbulha em um riacho;

Um relâmpago em uma nuvem de verão,

Uma chama vacilante, uma sombra, e um sonho.

 Nota:

(1)       Segundo a tradição popular, nos primeiros quinhentos anos após a morte de Buda, o Dharma por ele pregado seria firmemente ensinado e compreendido por muitos; esse primeiro período é chamado “Período da Verdadeira Lei”. No segundo período – os últimos quinhentos anos – uma decadência da compreensão do Dharma ocorreria, impedindo a Iluminação; esse último período é chamado “Período da Imagem da Lei”. Seguir-se-ia depois um período de total impedimento da compreensão do Dharma, chamado “Período do Fim da Lei”.

Print Friendly, PDF & Email

Fonte:http://www.nossacasa.net/shunya/o-sutra-do-diamante/

Comentários