Terapia Cognitivo-Comportamental e Mindfulness
A Terapia Cognitivo-Comportamental, desde a sua origem, vem a ser considerada como uma modalidade de tratamento muito eficaz nos mais variados tipos de perturbações psicológicas. Este tipo de terapia prevê a possibilidade da utilização de várias técnicas e “ferramentas” que complementam e auxiliam a ação do psicólogo, nomeadamente a prática de mindfulness.
A atenção plena ou mindfulness, segundo Goleman e Davidson (2017), é um dos métodos de meditação mais utilizados e divulgados no mundo ocidental, dentro de uma ampla variedade de métodos. Alguns especialistas utilizam o termo mindfulness para definir todo e qualquer tipo de meditação. A prática de mindfulness deriva da filosofia oriental budista, sendo considerada uma das técnicas de meditação mais antigas da Índia. Na filosofia oriental, a atenção plena pode ser definida como uma qualidade mental adquirida e cultivada através da prática da meditação com o intuito de se chegar a um desenvolvimento psicoemocional e espiritual. A meditação, é portanto, uma “ferramenta” capaz de produzir uma conexão completa entre a mente, o corpo e o espírito (Goleman & Davidson, 2017). Meditar é sentir a respiração, com a atenção plena ao que está a acontecer no momento presente, observar e aceitar sem julgamentos as experiências internas, sem avaliar ou tentar modificá-las.
O Mindfulness tem sido cada vez mais utilizado pelos profissionais de saúde nas suas intervenções terapêuticas, com o objetivo de melhorar a saúde física e mental dos seus pacientes. Assim, esta técnica de meditação tem sido integrada em práticas clínicas contemporâneas, principalmente na Psicologia e na Medicina. Considerando que a atenção plena é um estado mental, um conceito psicológico, e também um conjunto de técnicas ou exercícios mentais, esta pode ser treinada através de técnicas ou exercícios meditativos e psicoeducativos, os quais constituem um elemento fundamental do plano de intervenção psicoterapêutica. Na perspetiva das neurociências e da neuropsicologia, as práticas de mindfulness podem produzir efeitos benéficos na saúde mental e física do indivíduo, modificando o funcionamento do cérebro, aumentando as atividades no hemisfério esquerdo e a neuroplasticidade, conduzindo a uma desaceleração do envelhecimento cerebral. O desenvolvimento de competências cognitivas como a memória e a perceção sensorial e a capacidade de foco e raciocínio, podem também ser potenciadas pela prática de mindfulness (Goleman & Davidson, 2017).
Através da prática de mindfulness torna-se possível aprender a lidar com os pensamentos, tendo consciência suficiente para conseguir observá-los quando surgem, sendo possível atingir uma mudança na forma de se relacionar com estes eventos cognitivos, através da perceção dos pensamentos não como informações objetivas e verdadeiras, mas como produções subjetivas. Assim sendo, a prática contínua da meditação tem por objetivo estimular o processo de metacognição no qual são trazidos para a consciência a dinâmica dos pensamentos, sentimentos e comportamentos a eles associados (Hofmann, 2014). Metacognição, de acordo com o mesmo autor, é a cognição da própria cognição, ou seja, é tomar consciência do próprio processo cognitivo. Vários autores enfatizam que na prática de mindfulness, gradualmente os indivíduos aprendem a trabalhar com emoções negativas num contexto metacognitivo, permitindo a diminuição de julgamentos prévios em situações sociais, gerando consequentemente uma maior consciência nas tomadas de decisão e na apresentação de comportamentos mais adaptativos.
Atenção plena ou mindfulness pode definir-se como um estado mental, cuja principal característica é a autorregulação da atenção focada para o que se está a experienciar no momento presente. A prática de mindfulness permite ajudar a contrariar o funcionamento em “piloto-automático”, ou seja, sem plena consciência dos acontecimentos e ações. Evidências científicas demonstram que as práticas de meditação podem auxiliar no desenvolvimento das funções cognitivas e também das funções executivas. Através do uso da meditação mindfulness como uma ferramenta terapêutica, é possível estimular as capacidades cognitivas do paciente, permitindo benefícios em perturbações como a ansiedade, a depressão, a dor crónica, entre outras, promovendo o aumento do bem-estar físico e psicológico do indivíduo.
A prática de mindfulness apresenta alguns pontos de convergência com os mais variados tipos de abordagens psicoterapêuticas, como por exemplo a Gestalt, a Psicologia Positiva e as Terapias Cognitivo-Comportamentais de Terceira Geração. Levando em consideração os princípios fundamentais da Psicologia Positiva, vários estudos nesta área apresentam contribuições para a psicologia clínica, redirecionando o foco das pesquisas e intervenções, para os fatores de proteção e prevenção em saúde e para os aspetos saudáveis do desenvolvimento humano. Estes aspetos positivos incluem a resiliência, o bem-estar subjetivo, o otimismo, a felicidade, a esperança, a autoestima, a criatividade e a espiritualidade. A importância da valorização dos aspetos positivos da subjetividade humana, da aceitação, da compaixão, da gratidão e das emoções positivas, pode ser muito significativa para a manutenção da saúde mental e para um desenvolvimento adequado e adaptativo do indivíduo, sendo assim reconhecida a importância do mindfulness e da positividade, na abordagem aos problemas psicológicos.
Fontes:
Goleman, D., & Davidson, R. J. (2017). A ciência da meditação: como transformar o cérebro, a mente e o corpo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva.
Hofmann, S.G. (2014). Introdução à terapia cognitivo-comportamental contemporânea. Porto Alegre: Artmed.
Fonte:https://gracindapsi.com/2022/03/04/terapia-cognitivo-comportamental-e-mindfulness/
História da Mindfulness Psychology – a 3° Corrente da TCC
Conheça neste artigo a história do desenvolvimento da Mindfulness Psychology – a 3° Corrente da Terapia Cognitivo-Comportamental
Olá amigos!
As descobertas que vamos fazendo quando começamos a estudar um novo campo de estudos são fascinantes! Por exemplo, quando comecei a estudar a psicologia cognitiva de Aaron Beck – e que é uma das vertentes da chamada terapia cognitivo-comportamental – descobri que as pesquisas iniciais de Beck sobre depressão haviam começado tentando provar as teses de Freud sobre luto e melancolia!
É incrível descobrir informações deste tipo porque na faculdade de psicologia vemos as “briguinhas” bobas entre as abordagens.
Outra surpresa para mim foi descobrir que a Mindfulness Psychology é incluída como a terceira corrente das psicologias cognitivo-comportamentais. No princípio dos meus estudos, simplesmente, não vi muita relação, mas tenho passado a entender cada vez mais a ponte que pode ser feita de uma psicologia cognitivo-comportamental baseada em Mindfulness.
História da Mindfulness Psychology
Segundo consta, o médico John Kabat-Zinn tinha experiência com praticas meditativas budistas da linha Theravada, a linha considerada mais antiga e tradicional. Percebendo o sofrimento dos seus pacientes com dores crônicas e stress devido à doença, ele criou um programa que incluía praticas meditativas.
Importante notar, Kabat-Zinn retirou toda conotação religiosa e, deste modo, orientava os seus pacientes apenas a fazer as praticas que, nesse sentido, não necessitam mesmo de se acreditar em Buda, reencarnação, Karma, etc.
Por exemplo, uma das técnicas mais utilizadas consiste em observar atentamente a respiração por períodos de 3 minutos até 45 minutos ou 1 hora. Não é necessário acreditar em nada relacionado ao budismo. Basta praticar um pouco para perceber o funcionamento da própria mente: as divagações pelo futuro ou passado, a evitação de experiências classificadas como ruins (uma coceira, uma dor), os estados emocionais, a mudança constante de sensações…
Com as experiências de aplicação destas praticas meditativas em um contexto laico e com fins de saúde, ficou comprovado empiricamente (e através dos relatos dos pacientes) que o programa de Kabat-Zinn funciona para diminuir o stress, a ansiedade, a dor, ao ampliar a capacidade do paciente de voltar a sua atenção – sem julgar – para o que está acontecendo aqui e agora.
O programa de Kabat-Zinn chamado de MBSR (Mindfulness Based Stress Reduction) é em grupo e tem duração de 8 semanas, em virtude do limite de tempo dos planos de saúde americanos. De toda forma, o padrão de 8 semanas têm sido seguido no mundo a fora.
Passemos agora para a história das terapias comportamentais.
Terapias comportamentais e Mindfulness
Segundo o artigo de Luc Vandenghe e Ana Carolina Aquino de Souza, intitulado Mindfulness nas terapias cognitivas e comportamentais:
“O movimento da terapia comportamental conheceu três ondas. Na primeira, o modelo clássico pautado na teoria pavloviana, técnicas de exposição dominam o tratamento. Representantes atuais da terapia comportamental clássica, como os programas de tratamento para transtornos de ansiedade usando exposição ao vivo, têm apoio empírico importante (Eysenck, 1994)” (Vandeberghe, 2006)”.
Sobre a segunda corrente ou linda da TCC, dizem os autores:
“A segunda onda se caracterizou pelo modelo cognitivo racionalista, com base em processos psicológicos mediados por sistemas de crenças subjacentes. São as terapias cognitivo-comportamentais argumentativas, cuja área de aplicação mais tradicional é a dos transtornos de humor ” (Vandeberghe, 2006).
Nesta chamada segunda onda, podemos incluir os trabalhos de Aaron Beck sobre depressão, que elucidaram a importância dos pensamentos e das crenças na eliciação de estados emocionais (negativos ou positivos).
“A terceira onda prima pela procura de epistemologias alheias, como o construtivismo cognitivo, releituras contextualistas do behaviorismo radical, ou vários novos modelos cognitivos mais interativos e menos lineares. É pautada numa visão contextual de eventos privados e relações interpessoais (Kohlenberg, Tsai & Dougher, 1993; Linehan, 1993; Hayes, 2004), diferente das tentativas diretas de modificar pensamentos e sentimentos, como foi a prática das duas ondas anteriores. Um princípio central nas terapias da terceira onda é que pensamentos não devem controlar diretamente a ação.
A pessoa deveria agir de acordo com seus valores, algo muito mais intuitivo. A racionalidade implacável é objeto de desconfiança (Hayes, Pankey & Gregg, 2002).
A noção de mindfulness é claramente coerente com estas preocupações e foi bem recebida pelas vertentes da terceira onda, tanto na ala cognitiva quanto na comportamental” (Vandeberghe, 2006).
Conclusão
Nos próximos textos, falaremos mais a respeito das linhas das terapias comportamentais que são baseadas em Mindfulness, especialmente a ACT (Acceptance and Commitment Therapy) e a Terapia Comportamental Dialética.
Fonte:https://www.felipedesouza.com.br/historia-da-mindfulness-psychology-a-terceira-corrente-da-terapia-cognitivo-comportamental/
Autora: Sacha Alvarenga
O termo atenção plena ou consciência plena (mindfulness, em inglês) designa um estado mental que se caracteriza pela autorregulação da atenção para a experiência presente, numa atitude aberta, de curiosidade, ampla e tolerante, dirigida a todos os fenômenos que se manifestam na mente consciente – ou seja todo tipo de pensamentos, fantasias, recordações, sensações e emoções percebidas no campo de atenção são percebidas e aceitas como elas são. Com o mindfulness treinamos não ficar nem no passado e nem no futuro. Aprendemos a estar despertos e conscientes do momento presente. A prática da atenção plena nos ajuda a reencontrar o equilíbrio físico, mental e emocional.
A prática da atenção plena nos ajuda a reencontrar o equilíbrio físico, mental e emocional. Jon Kabat-Zinn é o fundador e diretor da Stress Reduction Clinic, no Centro Médico da Universidade do Massachusetts, e Professor Associado no Departamento de Medicina Preventiva e Comportamental. Foi um dos pioneiros no desenvolvimento de pesquisas experimentais com mindfulness. As pesquisas demonstram que essa prática afeta positivamente os padrões cerebrais responsáveis pela ansiedade e pelo estresse. Jon Kabat-Zinn não apresenta a meditação mindfulness num contexto religioso, sendo um método que pode ser aplicado a qualquer pessoa que sofra de stress, independentemente da sua cultura, religião, ou sistema de crenças. É exatamente a simplicidade da técnica que a torna útil como técnica de redução do stress. Que tal começar? Comece prestando atenção na sua respiração, esteja plenamente consciente desse ato que fazemos de forma tão automática!
Mindfulness nas Terapias Cognitivas e Comportamentais
Autora: Cynthia Vieira
Mindfulness ou atenção plena é uma prática que provém da filosofia oriental budista e tem ganhado cada vez mais espaço no campo das psicoterapias. Tal prática utiliza a meditação como forma de obter uma consciência clara do momento presente. Mindfulness propõe uma forma particular de prestar atenção, que envolve o monitoramento atento e consciente da experiência, momento após momento, sem julgamentos, análises ou elaborações sobre o conteúdo da experiência. Desse modo, busca uma maneira alternativa da mente agir na sua relação com o mundo.
A prática de Mindfulness pode ser realizada através de diferentes técnicas incluindo, principalmente, a meditação formal, sentada e silenciosa. Outras técnicas comumente utilizadas envolvem o controle e conscientização da respiração abdominal, o escaneamento corporal (atenção às sensações corporais e conscientização do corpo inteiro), meditação da atenção focada (focalização em um objeto específico ou contagem dos ciclos de respiração), meditação sem foco específico (consciência da totalidade da experiência no momento presente), meditação dos três minutos (minimeditação que funciona como uma ponte entre a prática mais longa e as demandas do dia a dia) e, por fim, a meditação informal, que consiste em aplicar à vida diária as habilidades adquiridas nas práticas formais (por exemplo, praticar a atenção plena enquanto escova os dentes ou toma banho).
Diferentemente da sua forma original ligada às tradições orientais, que atrelam a prática à dimensão espiritual, a meditação Mindfulness ocidental objetiva o funcionamento psicológico saudável. Esta prática passou a fazer parte da clínica psicológica a partir dos trabalhos de Kabat-Zin na década de 1970, como o Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (em inglês, MBSR), estando hoje fortemente presente nas psicoterapias cognitivo-comportamentais contemporâneas. Buscou-se adaptar o MBSR a necessidades mais específicas como a prevenção de recaída na depressão, ampliando, assim, o campo de aplicação da prática Mindfulness com a formulação da Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (em inglês, MBCT). Tal aproximação se deu por alguns aspectos, tais como a demonstração empírica dos efeitos da prática, que se alinha com a concepção fundamental das terapias cognitivas de busca da eficácia de suas técnicas e intervenções; e a compreensão de que a forma como indivíduo se relaciona com sua atividade mental é determinante na maneira como ele se sente e se comporta nas situações.
É importante comentar que, apesar das aproximações, o MBCT propõe uma abordagem diferente da TCC tradicional. Por exemplo, em vez buscar uma nova forma de olhar os pensamentos e tentar modificá-los por cognições mais funcionais, como sugere a TCC, o MBCT se volta para o processo cognitivo e promove uma nova forma de estar com as emoções dolorosas, visando sua aceitação.
A integração de práticas como o mindfulness e as terapias cognitivo-comportamentais tem mostrado bons resultados. Estudos mostram a eficácia da MBCT no tratamento de depressão, ansiedade e como recurso na redução do estresse. Associado a outras abordagens terapêuticas, como a Terapia da Aceitação e Compromisso (ACT), há dados de eficácia no tratamento de transtorno de ansiedade generalizada e de outros casos clínicos. Fonte:https://traumaeestresse.wordpress.com/2016/04/19/mindfulness-e-terapias-cognitivo-comportamentais/
Mindfulness nas Terapias Cognitivas e Comportamentais
MINDFULNESS NAS TERAPIAS COGNITIVAS E COMPORTAMENTAIS
Luc Vandenberghe* Ana Carolina Aquino de Sousa**
Resumo
O presente artigo aborda um conceito com origem nas práticas meditativas orientais, que passou a fazer parte da medicina comportamental a partir dos programas de redução de estresse de Kabat-Zinn. Mindfulness é definida como uma forma específica de atenção plena – concentração no momento atual, intencional, e sem julgamento. Significa estar plenamente em contato com a vivência do momento, sem estar absorvido por ela. Só durante a década passada ganhou destaque nas literaturas comportamentais e cognitivas, enquanto anteriormente estava implicitamente presente nas práticas clínicas destas tradições. O artigo apresenta Mindfulness da forma em que é praticada em diferentes terapias contemporâneas. Discute-se ainda, as possibilidades terapêuticas que este conceito traz a partir de diferentes perspectivas teóricas. Palavras-chave: meditação; terapia cognitivo-comportamental; aceitação.
Abstract
This article approaches a concept that originated in Oriental meditative practices, and became part of behavioral medicine starting with the stress reduction program of Kabat-Zinn. Mindfulness is defined as a specific mode of paying full attention – concentrated on the present moment, intentionally and non-judgmentally. It means being in contact with the present and not being involved in memories or in thoughts about the future. Although implicitly present in clinical practices of traditional behavioral and cognitive therapy, it only gained full visibility in the literature during the past decade. Mindfulness is presented in this article in the way it is practiced in different contemporary behavioral and cognitive therapies. The therapeutic possibilities that this concept opens up from different theoretical perspectives are discussed.
Key words: meditation; cognitive-behavior therapy; acceptance.
* Doutorado em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás, Psicólogo clínico. ** Mestrado em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás, Psicóloga clínica. DOI: 10.5935/1808-5687.20060004 36 Luc Vandenberghe e Ana Carolina Aquino de Sousa
Introdução
A prática de mindfulness passou a fazer parte da medicina comportamental a partir dos programas de redução de estresse de Kabat-Zinn (1982). O conceito, cuja origem está nas práticas orientais de meditação (Hanh, 1976), despertou, logo no início dos anos de 90, o interesse de clínicos fora da área da medicina comportamental. Tomou de assalto as terapias comportamentais contextualistas, que já tinham afirmado sua identidade durante a década anterior (Zettle & Hayes, 1986; Kohlenberg & Tsai, 1987; Linehan, 1987) e se estabeleceu como uma característica central destas (Hayes, 2004). O presente artigo pretende apresentar mindfulness da forma em que é praticada em diferentes terapias comportamentais e cognitivas contemporâneas. Em seguida argumenta que a noção já estava implicitamente presente em práticas clínicas tradicionais, presença esta, que talvez explique a rápida absorção de um conceito aparentemente exótico por comunidades tão conscientes da sua herança conceitual como as dos terapeutas comportamentais e cognitivos. Kabat-Zinn (1990) define mindfulness como uma forma específica de atenção plena – concentração no momento atual, intencional, e sem julgamento. Concentrar-se no momento atual significa estar em contato com o presente e não estar envolvido com lembranças ou com pensamentos sobre o futuro. Considerando que as pessoas funcionam muito num modo que o autor chama de piloto automático, a intenção da prática de mindfulness seria exatamente trazer a atenção plena para a ação no momento atual. ‘Intencional’ significa que o praticante de mindfulness faz a escolha de estar plenamente atento e se esforça para alcançar esta meta. Está em contradição com a tendência geral das pessoas de estarem desatentas, ou de se perderem em julgamentos e reflexões que as alienam do mundo que as cerca. Para estar com atenção concentrada no momento atual, os conteúdos dos pensamentos e dos sentimentos são vivenciados na maneira em que se apresentam. Eles não são categorizados como positivos ou negativos. ‘Sem julgar’ significa que o praticante aceita todos os sentimentos, pensamentos e sensações como legítimos. A atitude de não julgar está em contraste com a tendência automática das pessoas de investirem na luta contra vivências aversivas, deixando de viver o resto da sua realidade. O praticante não trata de forma diferenciada, determinados sentimentos (por exemplo, raiva contra uma pessoa admirada ou medo de algum aspecto de si mesmo), pensamentos (como idéias imorais) ou sensações (por exemplo, dor na ausência de uma lesão ou diagnóstico que a justifiquem). São suspensas as racionalizações pelas quais as pessoas costumam truncar suas percepções de eventos inquietantes para encaixá-los nas suas opiniões preconcebidas. Uma idéia central na literatura sobre mindfulness é que viver sob o comando do piloto automático não permite à pessoa lidar de maneira flexível com os eventos do momento. Confiar no piloto automático promove modos rígidos e altamente limitados de reagir ao ambiente. Na vida urbana moderna, agimos muitas vezes sem estar emocionalmente envolvidos em nossas ações, ou fazemos várias coisas ao mesmo tempo, às vezes sem percebermos que as diferentes atividades têm diferentes objetivos e atrapalham entre si. Assim, podemos agir rápido e nos projetar como eficientes e produtivos. Em outros casos, permitimo-nos ficar tão emaranhados em nossos pensamentos e sentimentos sobre passado ou futuro, ou em nossas racionalizações sobre a nossa vivência, que perdemos contato com o que está acontecendo no momento atual (Hayes, 2004; Linehan, 1993; Kabat-Zinn, 1990). Muitas vezes vivemos desta forma porque o contato com certos aspectos importantes do nosso cotidiano é doloroso. Evitamos pensamentos, sentimentos e situações que nos deixam tristes, inseguros ou envergonhados ou porque achamos que não agüentaríamos. Esta esquiva experiencial, ou esquiva da vivência emocional, foi descrita por Hayes (1999) como a tentativa de não ter determinados sentimentos, pensamentos, memórias, ou estados físicos, por estes serem avaliados negativamente. Trata-se de uma estratégia adaptativa e socialmente aprovada que ocorre quando eventos privados passam a ser alvos de controle verbal. Esta estratégia visa a promover um ‘sentir-se bem’ com a ênfase em ‘bem’, mas isto ocorre ao custo da capacidade de ‘sentir-se bem’ com ênfase no ‘sentir[1]se’. A pessoa acaba evitando em curto prazo ‘sentir-se mal’, mas perde o contato com aspectos aversivos (porém importantes) da sua vivência (Hayes, Pankey & Gregg, 2002). Uma falha importante desta estratégia adaptativa é que a pessoa procura excluir sensações e sentimentos negativos, enquanto que estes não são danosos em si, mas sim sinais de condições de vida que deveriam ser enfrentados. Outra falha é que muitas Mindfulness nas Terapias Cognitivas e Comportamentais 37 REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2006 Volume 2 Número 1 35-44 vezes a recusa de vivenciar essas sensações e sentimentos os torna mais insistentes. Quanto mais a pessoa tenta não tê-los, mais os terá (Hayes, 1987; Hayes, Pankey & Gregg, 2002). Pesquisa empírica também mostrou que tentativas de supressão, ou esquivas de conteúdos aversivos facilitam ruminação mental e levam ao aumento involuntário da atenção seletiva para tais conteúdos (Roemer & Borkovec, 1994), enquanto o treino de mindfulness reduz estes processos (Teasdale, 1999b).
Mindfulness no treino de redução de estresse
Tradicionalmente, o programa de redução de estresse é feito com grupos de 30 pacientes, com 8 sessões semanais, e com duração de cerca de 2 horas cada. O treino inclui muitas tarefas de casa. Cada participante é solicitado a dedicar até uma hora diária à prática e a planejar um dia intensivo de mindfulness por semana. Ocorre através de exercícios formais e informais (Kabat-Zinn, 1990). Um dos primeiros exercícios formais é uma varredura mental do corpo com atenção concentrada. Neste exercício, parte por parte do corpo é observada. O praticante vai notando todas as sensações que percebe e concentra a atenção intencionalmente nesta vivência. Aprende-se a estar atento diante de diferentes posições corporais: sentado, em pé ou deitado. Num outro exercício típico, o participante está sentado na cadeira ou com as pernas cruzadas em cima de um travesseiro e concentra sua atenção na experiência da respiração. Se a pessoa se distrai ou se uma emoção ou sinal corporal é percebido, este é intencionalmente reconhecido. Logo depois, volta[1]se a atenção para a respiração. O que o participante aprende é a aceitar, sem julgar, cada distração, sem se deixar comandar por esta. Os exercícios formais incluem, além da varredura mental do corpo e a meditação em posição sentada, com concentração na respiração, também práticas de alongamento (explorando em detalhes sensações corporais como tensão, dor, outros); e técnicas meditativas adotadas do yoga. O alvo é vivenciar a respiração, os pensamentos, e os outros conteúdos sem querer mudá-los ou controlá-los, ou seja, permitir-se conscientemente observar o que está acontecendo no presente. Os exercícios informais consistem em vivenciar situações do cotidiano de maneira plenamente consciente, com a atenção focada no que está acontecendo, sem julgar ou racionalizar. Pode tratar-se de subir a escada, trabalhar, fazer atividades em casa, estar junto com amigos, ou qualquer outra atividade. Estes exercícios enfatizam vivenciar plenamente e sem preconceito experiências positivas e negativas. Ao estar intencionalmente atento no aqui e agora, permite-se lidar de maneira criativa com situações cotidianas. Há estudos indicando que este treino é eficaz na diminuição de problemas psicossomáticos (Grossman, Niemann, Schmidt & Walach, 2003), dor crônica (Kabat[1]Zinn, Lipworth, Burney & Sellers, 1986), fibromialgia (Kaplan, Goldenberg & Galvin, 1993), transtornos de ansiedade (Kabat-Zinn et al., 1992; Roemer & Orsillo, 2002), psoríase (Kabat-Zinn et al., 1998) e outros.
Mindfulness na prevenção de recaída de depressão
Teasdale (1999a; 1999b) propõe um modelo psicológico detalhado – o modelo de subsistemas cognitivos interativos - para fundamentar o uso do treino de mindfulness na prevenção de recaída da depressão em pessoas que passaram com sucesso pela terapia cognitiva. A intenção deste treino é que a pessoa aprenda a detectar, reconhecer amistosamente e logo depois soltar (permitir que vão embora) os pensamentos e os sentimentos depressogênicos, antes que estes reiniciem o espiral rumo à depressão. O programa padrão de Segal, Williams e Teasdale (2002) inclui, como o de Kabat-Zinn (1990), oito sessões com intervalos semanais, mas os grupos são menores, normalmente atendendo doze participantes, sendo que estes não podem estar deprimidos à época em que participam do treino. Primeiro, discute-se o fenômeno do piloto automático. Depois, as habilidades de mindfulness são treinadas. Finalmente, ensina-se como usá-las para lidar com pensamentos automáticos e como cortar o espiral depressivo no seu início. No modelo do engenho central da cognição de Teasdale (1999a; 1999b), entradas sensoriais ativam esquemas cognitivos que dão sentido a essas informações. Os esquemas contêm informação abstrata e geral que a pessoa precisa para filtrar e entender suas percepções. Eles constituem o sistema implicacional. Este sistema, 38 Luc Vandenberghe e Ana Carolina Aquino de Sousa sendo ativado por um dado estímulo, gera interpretações, inferências e atribuições em forma de pensamentos formulados como proposições lógicas. Estes pensamentos automáticos constituem o sistema proposicional que produz emoções e reações somáticas, além de direcionar a ação. Grandes números destas proposições concretas, por sua vez, podem ser sintetizados em crenças abstratas que são armazenados no sistema implicacional. As sensações somáticas (por exemplo: fadiga, desânimo) e emoções (por exemplo: tristeza), que são resultados de pensamentos automáticos, também fornecem novas entradas no sistema implicacional, onde podem alimentar esquemas depressogênicos. Quando ambos os sistemas funcionam sem tampão (buffer), os sentidos gerados pelo sistema implicacional dominam o sistema proposicional diretamente e as emoções e sensações somáticas geradas pelo sistema proposicional entram diretamente no sistema implicacional. A pessoa reage de forma cega, sem visão do contexto, sob controle imediato da emoção isolada. O comportamento é impulsivo e irracional. Quando o sistema proposicional funciona no modo de buffer, as informações provenientes do sistema implicacional serão compactadas junto com os elementos contextuais às quais são relacionadas. Isto resulta na elaboração racional dos conteúdos em redes de proposições claras e ordenadas. A pessoa pensa e reflete, julga e avalia. O sistema implicacional, funcionando sem buffer, porém, reage diretamente às entradas do momento, o que quer dizer que o sentido de tudo isto será vivido em nível bem superficial e sem integração com a visão da existência completa. Os significados mais amplos e mais sutis das vivências não entram no jogo e as implicações imediatas e concretas dominam. Quando o sistema implicacional funciona no modo de buffer, as informações relativas às implicações dos conteúdos são compactadas e contextualizadas junto com as novas entradas provenientes de emoções, sensações e pensamentos. Estas informações permitem uma perspectiva mais ampla em relação aos conteúdos que são processados. Os eventos externos (entrada sensorial), os pensamentos (proposições) e as percepções de efeitos somáticos e emocionais da atividade do sistema proposicional serão processados como parte de um todo muito amplo. Ao mesmo tempo, o sistema implicacional reage diretamente às entradas do momento, sem buffer, o que significa que a razão está inteiramente dedicada ao momento, livre de preconceitos, categorias e regras provenientes de fontes alheias à vivência que está sendo processada. Esta terceira forma de interação entre os subsistemas, Teasdale (1999a) a chama de mindfulness. O ponto principal do raciocínio de Teasdale, Segal e Williams (1995) é que não são os pensamentos disfuncionais que causam a recaída na depressão, mas a forma em que a pessoa os processa. Mindfulness é um modo de funcionamento cognitivo incompatível com a configuração cognitiva que leva à recaída. Os exercícios copiados do programa de Kabat-Zinn (1990) permitem ao cliente aprender a perceber os primeiros sinais de perturbação emocional, e, ao mesmo tempo, manter uma perspectiva adequada sobre os pensamentos depressogênicos que emergem. Teasdale et al. (2000) e Ma e Teasdale (2002) mostraram que as pessoas que têm mais ganho com este treino de mindfulness são aquelas com episódios depressivos recorrentes. Isto pode ser compreendido, já que se ensina aos participantes que o círculo vicioso depressivo é iniciado não pelo sentimento ou pensamento negativo, mas pelas tentativas emocionais ou racionais de esquiva que levam a um aumento dos conteúdos que eles tentam suprimir. Os participantes aprendem a não iniciar a ruminação depressogênica (Ramel, Goldin, Carmona, & McQuaid, 2004), mas, pelo contrário, aceitar plenamente o momento atual, incluindo seus aspectos negativos, e dedicar seus esforços para atividades relevantes. As pesquisas de Segal e Ingram (1994), Segal, Williams, Teasdale e Gemar (1996), Williams, Teasdale, Segal e Soulsby (2000) e Teasdale et al. (2002) mostram que, entre os clientes que passaram com sucesso pela terapia cognitiva para depressão, os que têm maior probabilidade de recaída são aqueles que reagem à re[1]ocorrência de sintomas depressivos com tentativas de supressão do pensamento ou algum tipo de rejeição de sentimentos, produzindo assim, involuntariamente, cascatas de pensamentos negativos. O risco desse grupo de pessoas desenvolver episódios de depressão maior ou de transtorno de ansiedade generalizada é alto. O alvo do treino de mindfulness é reduzir nesses ex-pacientes, a reatividade cognitiva a mudanças de humor. A terapia cognitiva baseada em mindfulness promove a recuperação de um maior leque de modos de reagir, como alternativos à ruminação depressiva. A aceitação de variações de humor e, especialmente, de sentimentos e sensações negativas é fundamental neste processo. Mindfulness nas Terapias Cognitivas e Comportamentais 39 REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2006 Volume 2 Número 1 35-44 Com as técnicas de mindfulness, o cliente aprende a detectar o momento em que o humor está abaixando e a impedir a passagem que o piloto automático faz do humor negativo para o pensar negativo. Ele desenvolve a capacidade de aceitar o humor triste como parte do cenário e não como o aspecto central de sua existência. Aprende, através dos exercícios de mindfulness, a estar no momento presente, sem precisar acessar idéias a respeito do passado ou do futuro que estão de acordo com o modelo, contidos em esquemas depressogênicos.
O uso de mindfulness na Terapia Comportamental Dialética
A Terapia Comportamental Dialética é um programa desenvolvido por Linehan (1987), especificamente para o transtorno de personalidade borderline. Linehan (1993) introduz o treino de mindfulness no princípio do treino de habilidades sociais, uma das partes essenciais do programa. Os componentes desta habilidade (mindfulness) são: (1) Observar: estar atento a eventos, a emoções e a diversos aspectos do próprio comportamento. Esta habilidade pretende que o participante aprenda a detectar e reconhecer estes eventos e a não usar estratégias de esquiva ou controle das emoções. Ele observa os conteúdos como sendo distintos de si mesmo. Com isto, sentimentos e pensamentos aversivos deixam de ser ameaçadores. (2) Descrever: refere-se ao relato verbal dos eventos e das próprias reações a eles. Aqui a escolha de uma linguagem que seja realmente descritiva, e não avaliativa ou explicativa, é importante. (3) Participar plenamente sem promover atividades paralelas como racionalizar ou justificar. As qualidades que definem estas habilidades na prática são: (1) Não julgar, isto é: não avaliar, categorizar, descartar ou desqualificar. (2) Estar atento, de forma integral, a somente uma coisa de cada vez. (3) Agir de forma efetiva, em total acordo com seus valores e alvos de vida. Os exercícios no grupo são muito variados e incluem estar intencionalmente atento às sensações corporais, como por exemplo, as sensações de sentar numa cadeira, de colocar a mão numa superfície, e exercícios focando a observação dos próprios pensamentos e sentimentos, aprendendo que devem ser reconhecidos como simplesmente pensamentos e sentimentos e nada mais. Linehan (1993) faz distinção entre três modos de funcionar: mente emocional; mente racional; e mente sábia. A mente emocional refere-se ao modo de ação impulsiva, dirigida pelo que sentimos. É genuína e intuitiva, mas instável e imprevisível. A mente racional seria o modo de funcionar sob controle do pensamento lógico. Garante a racionalidade, mas tem a desvantagem de ser frio, calculista e alienado. A mente sábia refere-se à sabedoria profunda que a pessoa tem, o que sente estar certo. É altamente intuitiva, mas direcionada pelos valores profundos da pessoa e a visão ampla que constrói de sua existência. A diferença entre a mente racional e as outras duas mentes é que estas estão relacionadas ao sentir, e não ao pensar. O que parece ser verdadeiro ou certo enquanto o calor da emoção está no seu auge se refere à mente emocional. Se a pessoa espera e deixa esse calor passar, e ainda sente que aquilo é verdadeiro, pode se tratar da mente sábia. A mente emocional pode ser reconhecida pela intensidade da emoção, enquanto que a mente sábia é marcada pela continuidade. A pessoa encontra-se neste modo de funcionar quando suas emoções e sua razão estão em sintonia, facilitando ação sábia, mesmo quando sua vida ou as circunstâncias estão realmente difíceis. Neste modo, a pessoa pode abraçar cada momento como é e não como gostaria (ou temeria) que fosse. Isto não só permite que a pessoa participe mais plenamente de momentos felizes da vida e entenda com mais clareza os seus problemas, mas também que não crie desnecessariamente mais sofrimento para si mesma e atue com mais agilidade quando for necessário. Enquanto o transtorno de personalidade borderline é marcado por variações de humor bruscas, por mudanças radicais entre idealização e desvalorização de outros nos relacionamentos íntimos e significativos e por padrões de relacionamento interpessoal caótico, como também por instabilidade e fragmentação da percepção de si, na filosofia dialética de Linehan (1993) conceitos como ‘bom’, ‘mau’, ou ‘inadequado’ são comparáveis a fotografias instantâneas que representam momentos arbitrariamente escolhidos de um processo dinâmico que não se deixa categorizar em termos tão unipolares. Para a pessoa com este transtorno, mindfulness é uma habilidade útil para o enfrentamento de emoções e desejos extremos e contraditórios. Representa a construção do meio termo, sem precisar abrir mão de sentimentos contraditórios, mas genuínos, sem abrir mão das posições fortes, e sem tentar controlar 40 Luc Vandenberghe e Ana Carolina Aquino de Sousa ou reprimir sentimentos intensos. O objetivo é praticar e vivenciar a mente sábia. Tendo acesso à mente sábia, a pessoa é capaz de acolher conteúdos aversivos ao invés de fugir ou esquivar-se deles. Com a diminuição da esquiva vivencial, sentimentos e pensamentos aversivos se tornam mais toleráveis. Assim, cria-se uma relação mais amistosa com conteúdos negativos e aumenta-se a capacidade de entrar em contato plenamente com os sentimentos. Com esta habilidade, pode-se aprender a entender quando, como e em que circunstâncias terá emoções e pensamentos negativos. Uma vez que detecta os determinantes das suas próprias reações, é possível agir sobre as causas. E com esta habilidade refinada, a pessoa pode se conhecer melhor, bem como suas tendências e vieses. Conhecendo-se melhor, será capaz de lidar melhor consigo mesma e se respeitar mais. Trata-se da forma de viver que a terapia comportamental dialética promove (Linehan, 1993).
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)
A ACT (da expressão original em inglês Acceptance and Commitment Therapy) foi desenvolvida a partir da releitura contextualizadas do processo psicoterapêutico (Hayes, 1987). Um dos alvos principais da ACT é a redução da esquiva experiencial, que é vista pela teoria como uma das maiores fontes do sofrimento humano. A ACT promove uma atitude de aceitar pensamentos e emoções como realmente são, e não como parecem ser. Uma vez livre da luta contra as próprias avaliações, pensamentos e sentimentos, as pessoas podem agir de modo produtivo sobre seu ambiente. O modelo postula que os transtornos de ansiedade são decorrentes da socialização da pessoa de acordo com quatro contextos sócio-verbais patogênicos, que resumem uma variedade de armadilhas embutidas na forma em que se faz uso da linguagem no ato de pensar (Hayes, Pankey & Gregg, 2002). O contexto de literalidade refere-se à tendência de idéias e pensamentos a se tornarem fonte de regulação de emoções e comportamentos mais importantes. Assim, não há espaço suficiente para o efeito regulador saudável da experiência direta. Os conceitos podem determinar nossas reações como se fossem literalmente fatos, e esquecemos que não são nada mais do que produtos verbais. Se o controle verbal se torna excessivo, as pessoas começam a viver em função dos conceitos, crenças e vieses. O contexto de avaliação refere-se à tendência automática de categorizar eventos em termos de bons ou ruins. Se estas avaliações não são baseadas nas vivências diretas e contextualizadas em ampla visão das mesmas, podem influenciar nossas reações de maneiras injustas e rígidas. Isto acontece principalmente quando são baseadas em regras sociais ou construções verbais. O contexto de controle refere-se à tendência de tentar-se eliminar os sentimentos, pensamentos e sensações avaliados como negativos. Trata-se de tentar rejeitar aspectos de sua própria vivência, ao invés de enfrentar as condições no contexto da vida que os geram. O contexto de dar razões refere-se a tentativas de criar explicações literais para os problemas, tornando estes últimos socialmente aceitáveis ou ao menos compreensíveis. Enquanto a cultura em geral oferece amplo apoio a esta estratégia, mostrando mais compaixão, tolerância e outras vantagens às pessoas que conseguem explicar bem suas ansiedades e seus comportamentos auto-destrutivos, esta produção de razões lógicas e aceitáveis pode afastar as pessoas cada vez mais do contato com as condições que realmente poderiam mudar para resolver seus problemas. Mindfulness pode ajudar a enfraquecer os diferentes contextos sócio-verbais patogênicos: (1) O contexto de avaliação, porque os exercícios de mindfulness levam a habilidades de vivenciar seus conteúdos como realmente são, sem categorizá-los ou atribuir conceitos e significados derivados de outras fontes. (2) O contexto de controle, porque a pessoa aprende a respeitar pensamentos e sentimentos positivos e negativos. (3) O contexto de dar razões, porque nos exercícios de mindfulness a pessoa aprende a vivenciar o momento sem racionalizar. (4) O contexto de literalidade, porque o cliente aprende a reagir a pensamentos pelo que são – nada mais do que pensamentos - mesmo quando são desagradáveis. Hayes e Gregg (2000) distinguem três níveis da vivência de si. O Eu Conceitual é o que pensamos sobre nós mesmos. São conceitos que explicam o que a pessoa percebe a respeito de si mesma. Identificar-se demasiadamente com seu Eu Conceitual gera atitudes defensivas, rígidas e desonestas. A pessoa que cai nesta armadilha terá dificuldade de aceitar ou até mesmo Mindfulness nas Terapias Cognitivas e Comportamentais 41 REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2006 Volume 2 Número 1 35-44 entender aspectos da sua vivência que não cabem na camisa de força do seu auto-conceito e se dedicará a disfarçar ou negar estes aspectos. Muito importante no processo de distanciar-se deste Eu é que a pessoa retira o caráter literal de seus pensamentos e regras, aprende que estes não são o que parecem significar. Neste processo, o cliente aprende que ele não é o que pensa sobre si mesmo. Pode descobrir que seus pensamentos são nada mais do que seus próprios comportamentos verbais e, portanto, não podem impor nenhuma realidade ao que ele deveria se adequar. O Eu Vivencial é a vivência dos sentimentos, sensações e pensamentos. Neste nível, a pessoa se reconhece no fluxo perpétuo de mudanças. Ter contato com o Eu Vivencial leva a características saudáveis como atitudes flexíveis, genuínas, abertura para a experiência e capacidade de crescimento. Porém, realmente identificar-se com estes conteúdos mutáveis e imprevisíveis caracteriza-se por um modo de ser altamente instável e impulsivo. O Eu Observador corresponde à perspectiva transcendente, em que a pessoa tem consciência que não é nem os conceitos que ela tem sobre si, nem os conteúdos que vivencia, que todos estes são eventos com os quais lida, mas que são distintos dela mesma. O contato com este nível de ser permite que a pessoa se reconheça como expectadora dos seus problemas e conflitos e, assim, consegue entendê-los melhor porque não se confunde com eles. Esta tomada de distância em relação aos pensamentos e sentimentos aumenta a tolerância aos mesmos, bem como permite ver suas implicações mais amplas com mais clareza. Mindfulness, na ACT, é praticar o Eu como perspectiva e não como conteúdo. A intenção é aumentar a consciência que a pessoa pode ter de sua vivência interior (emoções, pensamentos, sensações) por habilidades que envolvem observação e aceitação. A aceitação de sentimentos e sensações (que não são sempre o que desejamos) facilita a disposição para agirmos num mundo que não está sob nosso controle, mas em que podemos ter efeitos importantes, com a condição de nos envolvermos ativamente nele, ao invés de vivê-lo em nossa cabeça. Desta perspectiva, a pessoa não é seu fluxo de consciência, já que todos os conteúdos passam, enquanto ela permanece. Aprende a tomar a posição de observador que permite um contato íntimo com os conteúdos e o fluxo dos momentos da vida, sem se confundir com estes, podendo enxergar o sentido mais amplo dos mesmos. Assim, a pessoa torna-se capaz de agir de acordo com seus valores e não sob o controle dos contextos sócio-verbais descritos acima.
Mindfulness nas terapias comportamentais de primeira e segunda geração
O movimento da terapia comportamental conheceu três ondas. Na primeira, o modelo clássico pautado na teoria pavloviana, técnicas de exposição dominam o tratamento. Representantes atuais da terapia comportamental clássica, como os programas de tratamento para transtornos de ansiedade usando exposição ao vivo, têm apoio empírico importante (Eysenck, 1994). A segunda onda se caracterizou pelo modelo cognitivo racionalista, com base em processos psicológicos mediados por sistemas de crenças subjacentes. São as terapias cognitivo-comportamentais argumentativas, cuja área de aplicação mais tradicional é a dos transtornos de humor (Beck, 1995). A terceira onda prima pela procura de epistemologias alheias, como o construtivismo cognitivo, releituras contextualistas do behaviorismo radical, ou vários novos modelos cognitivos mais interativos e menos lineares. É pautada numa visão contextual de eventos privados e relações interpessoais (Kohlenberg, Tsai & Dougher, 1993; Linehan, 1993; Hayes, 2004), diferente das tentativas diretas de modificar pensamentos ou sentimentos, como foi a prática das duas ondas anteriores. Um princípio central nas terapias da terceira onda é que pensamentos não devem controlar diretamente a ação. A pessoa deveria agir de acordo com seus valores, algo muito mais intuitivo. A racionalidade implacável é objeto de desconfiança (Hayes, Pankey & Gregg, 2002). A noção de mindfulness é claramente coerente com estas preocupações e foi bem recebida pelas vertentes da terceira onda, tanto na ala cognitiva quanto na comportamental. Para poder perguntar-nos se mindfulness é uma inovação inusitada ou é um novo nome para um princípio que já fez parte das práticas comportamentais e cognitivas tradicionais, sem ter sido identificada explicitamente na teoria, precisamos resumir mindfulness numa definição operacional. A diversidade de compreensões da prática nas diferentes terapias 42 Luc Vandenberghe e Ana Carolina Aquino de Sousa chamou para tentativas de criar uma descrição dos processos psicológicos envolvidos. Bishop et al. (2004) propuseram um modelo de mindfulness consistindo de dois componentes. O primeiro é a regulação intencional da atenção, focada na vivência imediata. Isto permite a detecção de eventos privados no momento em que ocorrem. O segundo componente envolve a orientação para a experiência, caracterizada por curiosidade, abertura e aceitação. O primeiro componente implica capacidades de sustentar a atenção e trocar o foco da atenção intencionalmente e de maneira flexível quando houve uma distração. O resultado desta prática é que a pessoa não fica presa na elaboração automática e desnecessária da experiência e das suas associações, que podem levar a processos de ruminação. Assim, a prática de mindfulness libera recursos cognitivos presos nessa elaboração secundária da vivência, o que leva à capacidade de processar diretamente maior variedade de eventos. Isto possibilita uma perspectiva mais ampla das vivências. O segundo componente é a abertura vivencial para a realidade do momento atual. Depende de uma decisão consciente de abandonar suas tentativas de não viver o momento como é, e de permitir que pensamentos, sentimentos e sensações se apresentem espontaneamente. É uma atitude receptiva frente à própria experiência. Ao invés de perceber a vida através de um filtro de crenças, suposições, expectativas e defesas, uma visão muito mais ingênua da vivência é possível. Esta prática deve diminuir as estratégias de esquiva, e estilos de coping repressivos. Mudando o contexto subjetivo em que sentimentos e sensações negativos são vivenciados, torna estes últimos menos ameaçadores. A terapia comportamental clássica foi desde os primórdios direcionada para a eliminação de respostas problemáticas. Eysenck (1959; 1963) declarou que um transtorno psicológico é tratado quando as reações emocionais condicionadas são eliminadas. Em oposição total à filosofia de mindfulness, o alvo dos procedimentos é eliminar conteúdos inadequados. A diferença salta imediatamente aos olhos. Já que mindfulness não promove a mudança dos conteúdos, ela parece destoante da terapia comportamental clássica (que procura a mudança das respostas emocionais) e da cognitiva (que promove a reestruturação dos pensamentos e das crenças). Também deve ser observado que o “eliminacionismo” das abordagens de cunho pavloviano exigem o envolvimento intencional e intenso da parte do cliente (Eysenck, 1963; Rachman, 1998). O tratamento indicado para transtornos de ansiedade consiste de trabalhos de exposição ao vivo, através de exercícios em que o cliente entra em contato com os pensamentos e sentimentos que mais provocam ansiedade, sem tentar esquivar ou fugir e aceitando a ansiedade sem avaliá-la negativamente ou tentar suprimi-la. Nos exercícios de casa, que consistem em levar o cliente a expor-se no dia a dia às situações ansiogênicas, há a intenção de ajudá-lo aprender a tolerar as mesmas de forma consciente, como também os pensamentos e as emoções que elas provocam, sem elaborá-los em sentidos catastróficos. Durante todo o trabalho de exposição, a pessoa intencionalmente encara o que antes considerou insuportável, e tolera os sentimentos negativos decorrentes desta atitude. Neste ponto, a prática tradicional da exposição ao vivo mostra um componente importante de mindfulness. A primeira vista, as terapias pertencentes à segunda onda são as menos compatíveis com mindfulness. Na terapia cognitivo-comportamental tradicional, a saúde mental é fortemente identificada com o que é racional. Enquanto as práticas de mindfulness promovem uma mudança geral na maneira de lidar com eventos privados, Beck (1995) e Ellis (1974) ensinam a modificação de crenças irracionais e distorções cognitivas específicas. O cliente aprende a observar e identificar os pensamentos depressogênicos, distorções cognitivas e crenças irracionais e a corrigi-los. Porém, como apontam Segal, Teasdale e Williams (2004), há um aspecto de mindfulness que já estava implicitamente presente nestas terapias desde o advento da segunda onda. Participando do trabalho de reestruturação cognitiva, o cliente logo aprende que o que pensa sobre si mesmo não é a representação correta da realidade. Aprende no processo que mudanças em suas atitudes influenciam suas reações emocionais. Também descobre que pode pensar diferentemente e que os conteúdos dos seus pensamentos, longe de serem informações objetivas e confiáveis, são produções subjetivas dele próprio. Desta forma, a terapia cognitivo-comportamental tradicional implicitamente promove mudanças amplas na relação que a pessoa mantém com seus pensamentos. Como resultado de repetidamente identificar pensamentos, crenças e distorções e tomar uma atitude Mindfulness nas Terapias Cognitivas e Comportamentais 43 REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2006 Volume 2 Número 1 35-44 crítica em relação a estes, o cliente pode realizar uma mudança geral em sua perspectiva para com os eventos cognitivos. Ao invés de vê-los como atributos de si mesmo ou representações de fatos, acaba vendo-os como eventos internos que não possuem necessariamente valor literal. É possível que esta similaridade no nível prático (apesar da inovação teórica) tenha facilitado a rápida absorção de mindfulness na tradição cognitivo[1]comportamental. A maior diferença continua sendo que, de acordo com a prática de mindfulness, não é considerado proveitoso entrar no mérito dos conteúdos, ou tentar controlar pensamentos negativos, mas observá-los, não tomá-los pessoalmente e aceitar a sua natureza defeituosa. As técnicas de mindfulness não tocam no conteúdo dos pensamentos e não são especificas para o tipo de distorção cognitiva que o cliente apresenta. A prática explícita de mindfulness, neste sentido, constitui uma inovação na prática clínica e representa um acréscimo no arsenal de técnicas terapêuticas disponíveis.
Referências Bibliográficas
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