Nina Simone: como a sua casa de infância foi salva
por grupo de artistas
Depois de reformado, o local será
transformado em centro cultural com diversas atividades para a comunidade local
Por Ana Sachs
21/02/2023 06h51 Atualizado há 11 horas
Uma das artistas negras mais influentes da história, a cantora Nina Simone, que completaria 90 anos nesta hoje (21), tem agora parte de sua memória preservada na pequena cidade de Tryon, no estado americano da Carolina do Norte, onde passou a infância.
A humilde casa onde Nina morou e aprendeu a tocar piano sozinha aos 3 anos será transformado em um centro cultural, preservando o legado da artista e funcionando como um manifesto contra a opressão e segregação racial nos Estados Unidos.
A casa da infância da artista ficou anos abandonada e quase foi demolida — Foto: National Trust for Historic Preservation / Reprodução
Isso só foi possível graças a quatro artistas americanos negros – Adam Pendleton, Rashid Johnson, Ellen Gallagher e Julie Mehretu – que se uniram para comprar a propriedade em 2017 por quase R$ 500 mil (US$ 95 mil), quando o local estava prestes a ser demolido.
Em 2020, a residência lendária deu mais um passo rumo à preservação, quando foi designada como Tesouro Nacional pelo National Trust for Historic Preservation, tornando-se um local protegido, que não pode ser demolido ou desvirtuado de seu caráter histórico.
A varanda antes de ser pintada de branca trazia as marcas do abandono da propriedade — Foto: National Trust for Historic Preservation / Reprodução
"De muitas maneiras, não são os móveis ou os artefatos que não existem mais ou estão conectados ao imóvel. É a própria casa, aquela paisagem cultural, aquele bairro negro, a essência do que estamos preservando", disse Brent Leggs, diretor-executivo do National Trust’s African American Cultural Heritage Action Fund, em entrevista à rádio WFAE em 2020.
Uma campanha de crowdfunding chamada Restore Nina Simone’s Childhood Home foi criada para arrecadar fundos para restaurar o imóvel, e contou com a contribuição de artistas importantes, como os cantores John Legend e Cat Stevens, o ator Mahershala Ali e a atriz Issa Rae.
Por enquanto, apenas o exterior da casa foi pintado de branco com a ajuda de jovens voluntários negros. O custo estimado da reforma completa gira em torno de R$ 1,3 milhão (US$ 250 mil).
Agora, sob a tutela dos quatro proprietários, entidades americanas de conservação histórica estão desenvolvendo o plano para dar novo uso à residência, que ainda não foi definido e segue por dois caminhos distintos.
O primeiro visa manter a completa autenticidade da casa, restaurando-a exatamente como era na época que Nina vivia no local, sem comodidades modernas. Funcionaria como um museu para os fãs da cantora, e os visitantes poderiam aproveitar o entorno para fazer um passeio.
Outra opção seria deixar a casa original, apenas fazendo uma restauração — Foto: National Trust for Historic Preservation / Reprodução
Já a segunda versão prevê intervenções maiores, que incluiriam a reforma completa do imóvel, com a inclusão de energia elétrica e sistema de climatização, e a construção de um anexo à casa. A ideia é que artistas possam usar o local durante todo o ano para eventos, independente do clima.
Nos dois casos, a área ao redor da residência seria aberta ao público e serviria a atividades da comunidade com crianças e adultos, além de performances e apresentações de artistas.
Imagem de como ficaria o projeto de reforma e modernização da casa, com a construção de um anexo — Foto: National Trust for Historic Preservation / Reprodução
A histórica casa de madeira
Nina Simone nasceu com o nome de Eunice Waymon em 1933, e foi na residência de madeira em Tryon que fez suas primeiras incursões no piano. Foi também nesta localidade no sul dos Estados Unidos que viveu suas primeiras experiências de discriminação, em uma época de forte segregação racial, que a levariam a se tornar uma forte ativista social.
Nina Simone, ícone do soul e uma das maiores ativistas pelos direitos dos negros nos EUA — Foto: Wikipedia / Ron Kroon / Creative Commons
As primeiras apresentações musicais da artista aconteceram na igreja metodista local, onde sua mãe dava sermões, tocando piano durante os coros e cultos. Mas foi em um evento acompanhando o coral em um teatro da cidade que seu destino mudou para sempre, quando a professora de piano Muriel Mazzanovich se encantou pela menina, com 6 anos, e convenceu sua mãe a deixá-la ter aulas do instrumento.
As lições aconteceram na casa da família em Tryon durante 4 anos, lapidando o talento nato da pequena Nina. Muriel ainda organizou o Eunice Waymon Fund para arrecadar dinheiro para a que a jovem pudesse continuar seus estudos musicais ao terminar o ensino médio.
Piano onde Nina Simone aprendeu a tocar ainda permanece na propriedade — Foto: National Trust for Historic Preservation / Reprodução
Para agradecer aos apoiadores do fundo, Nina realizou seu recital de estreia na Tryon Library em 1943, aos 11 anos. No evento, seus pais foram obrigados a ceder seus assentos na primeira fila para pessoas brancas, mas ela se recusou a iniciar a apresentação até que eles voltassem aos lugares em que estavam, dando início à sua luta pela igualdade.
A educação de piano de Nina continuou enquanto ela frequentava um internato para meninas na cidade de Asheville. Em 1950, após a formatura, ela se mudou para Nova Iorque para participar de um programa de verão na escola de música The Juilliard School, visando, em seguida, candidatar-se a uma bolsa de estudos no Curtis Institute of Music na Filadélfia.
A humilde casa de três cômodos foi onde a artista passou toda a infância — Foto: National Trust for Historic Preservation / Reprodução
A jovem não foi admitida em nenhum dos programas, o que foi atribuído ao fato de ser negra. A cantora trabalhou como acompanhante musical e professora particular, e foi em um bar em Atlantic City que ganhou fama e se transformou em um ícone do soul, mudando seu nome de nascença para o artístico, que todos a conhecem hoje. Após anos morando na França e viajando pela Europa, ela voltou à pequena casinha em Tryon.
Com uma voz incrível e músicas que falam sobre temas como padrões de beleza para mulheres negras, opressão, raiva motivada por centenas de anos de escravidão e racismo sistêmico, o legado da cantora foi reconhecido no documentário What Happened, Miss Simone?, lançado em 2015, que levou o Emmy e foi indicado ao Oscar. Nina morreu em 2003, aos 70 anos.
Fachada da casa de infância de Nina Simone, que quase foi demolida — Foto: National Trust for Historic Preservation / Reprodução
Fonte:https://revistacasaejardim.globo.com/cultura/noticia/2023/02/nina-simone-como-a-sua-casa-de-infancia-foi-salva-por-grupo-de-artistas.ghtml
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