Metaverso atrai empreendedores brasileiros, que
já fazem dinheiro com a nova fronteira da internet
No Brasil, só no setor audiovisual,
há pelo menos 98 empresas atuando em experiências imersivas, segundo o
“Mapeamento do Ecossistema XR"
Por Carolina Nalin
RIO - Aposta das gigantes da tecnologia, o chamado metaverso promete integrar os ambientes físico e digital por meio de uma combinação de novas soluções. Esse futuro já é realidade para muitas empresas, incluindo mais de 98 no Brasil que fazem dinheiro com inserções em realidade virtual (RV) e aumentada (RA) e outras inovações precursoras dessa evolução da internet que já estão em uso e têm grande potencial econômico, segundo especialistas.
A corrida por um lugar ao sol nesse mercado mobiliza não só big techs, mas empresas de diferentes portes que devem movimentar entre US$ 8 trilhões e US$ 13 trilhões no mundo até 2030, segundo um relatório do Citi, com cerca de 5 bilhões de usuários.
Metaverso: Veja como está sendo desenvolvido o espaço virtual idealizado por Zuckerberg
No Brasil, só no setor audiovisual, há pelo menos 98 empresas atuando em experiências imersivas, segundo o “Mapeamento do Ecossistema XR (realidade estendida) no Brasil”, realizado entre julho e agosto de 2020 por UFSCar e UFRJ, com apoio do Instituto de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros (ICAB) e patrocínio da Spcine. Embora cerca de 50% delas se encontrem no estágio emergente ou de start-up, empreendedores e empresas brasileiras contam que já estão lucrando nessa área.
Realidade aumentada
Uma delas é a R2U, start-up criada em 2016 em São Paulo com foco em realidade aumentada. A empresa tem soluções como a que permite ao consumidor visualizar um produto em 3D num site de vendas até a projeção do item customização em tamanho real do ambiente. Quem compra uma cadeira pode, por exemplo, checar se ela fica bem em sua mesa.
Simulação na tela - CEO da R2U, Caio Jahara, de 29 anos, testa solução de realidade aumentada que permite visualizar produtos como uma cadeira em uma sala Agência O Globo
Comandada pelo CEO Caio Jahara, a empresa levantou, no início de 2020, US$ 800 mil numa rodada de investimentos liderada pelo fundo de capital de risco Canary, com a participação de NorteVC, EquitasVC e Coteminas. No ano passado, logo após o Facebook mudar seu nome corporativo para Meta — refletindo a aposta do fundador Mark Zuckerberg no metaverso —, a R2U lançou a Converge, unidade focada em serviços para o metaverso. E deslanchou no e-commerce.
— Oferecemos uma solução para empresas entrarem no metaverso. Desenvolvemos a estratégia, o conceito e implementamos os anéis de valor necessários ao projeto: da locação de terras (digitais), passando pela modelagem 3D dos espaços, gamificação e montagem de NFTs até a portais de pagamento. Hoje, temos mais de 40 clientes — diz Jahara.
O desenvolvimento de espaços virtuais em 3D, com navegação 360°, é um dos serviços mais procurados pelos clientes da Pixit, criada em 2009. A martech (como são chamadas start-ups de marketing digital) paulistana comandada por Flávio Machado acompanhou boa parte da evolução da internet: começou com compressão de vídeos curtos, produziu conteúdo em vários formatos, e, desde 2019, cria ambientes virtuais — ou “metaversos”, como define o executivo — ao unir software 3D de arquitetura com sistema de gestão de conteúdo.
Na carteira de clientes estão empresas que vão do agro à química, como Basf, Syngenta, Coopercitrus, Janssen e Braskem. Um dos seus primeiros desafios foi, no início da pandemia, realizar uma feira on-line com 140 expositores que ocuparia 12 mil metros quadrados na vida real.
— Foi nossa prova de fogo. Construímos esse ambiente em 40 dias e foi um sucesso no ar — conta Machado, que investe 22% da receita líquida em pesquisa e desenvolvimento e não para de contratar. — Em 2020, tínhamos 32 colaboradores, hoje temos 80, e provavelmente abriremos este ano de 40 a 50 vagas. No Brasil, não temos essa cultura de investir em pesquisa, mas isso sempre foi um drive nosso.
Olivia Merquior estuda há anos a relação entre moda e inovação e acabou se tornando uma das maiores especialistas na chamada moda imersiva do país. Em 2017, quando foi ao festival da indústria criativa South by Southwest (SXSW), nos EUA, o lançamento de uma jaqueta conectada da Google com a Levi’s a inspirou numa jornada rumo a criações disruptivas nessa área.
Roubo de celular: o que os analistas sugerem para proteger seus dados e apps
— Ali me deu um estalo. Entendi que a tecnologia ia migrar para a moda porque eles (as big techs) entenderam o que fazemos: criamos desejos imaginários — conta a estilista digital, que vive no Rio.
Em 2019, Olivia apresentou, junto com o designer Lucas Leão, um avatar em 3D na São Paulo Fashion Week (SPFW). Em 2020, os dois levaram uma coleção de roupas em vídeo 3D à Brasil Immersive Fashion Week, primeira semana de moda imersiva da América Latina criada por Olivia.
Em outubro, a terceira edição vai reunir marcas tradicionais e digitais, com exposição de roupas virtuais, desfiles em realidade aumentada e outros recursos.
A estilista também é diretora da Dacri Deviati, empresa onde presta consultoria para marcas do mundo real, e lidera a IaraLand, uma start-up que fundou com foco em experiências imersivas como usar uma roupa que na verdade é um filtro que só aparece na rede social. A mais recente produção foi para um camarote do sambódromo do Rio, que contemplou, entre as ações, uma réplica do espaço na plataforma Sandbox, além da criação de looks digitais ativados por QR Code.
Tudo projetado via realidade aumentada e com venda de NFTs (tokens não-fungíveis, espécie de certificado digital único cujo registro é feito via blockchain, a tecnologia por trás de moedas virtuais) de grandes personalidades femininas do samba.
— Com a Dacri, tenho feito workshops em grandes empresas que procuram uma educação sobre o tema. Muitas querem entender o que é metaverso, blockchain, Web3, como é possível usar filtros de roupas digitais. Já na IaraLand, as pessoas procuram a gente para a criação de coleções digitais, filtros e metaversos. São tantas possibilidades — afirma.
Habilidades valorizadas
Na avaliação de Rodrigo Terra, presidente da Abragames, que reúne produtores de jogos eletrônicos, o Brasil tem características como a alta adesão à tecnologia e às redes sociais, que podem posicionar bem o país no desenvolvimento dessa economia do metaverso:
— Somos conhecidos pelo talento, criatividade, soluções e nosso jeito de fazer. Esse nosso jogo de cintura é muito valorizado lá fora porque a gente consegue propor novas soluções em mercado onde as pessoas não estão acostumadas a trabalhar assim (de forma disruptiva).
Conheça os negócios de Elon Musk, homem mais rico do mundo
As empresas que exploram o metaverso estão atrás de pessoas familiarizadas não só com tecnologia, mas também com metodologia ágil, forma comum de conduzir projetos na área de TI. Surgem profissões como modelador 3D, artista técnico, world builder e level designer. No campo criativo, profissionais com capacidade de visualizar espaços e contar histórias de maneira imersiva (storyliving e storytelling) também são demandados
— Tem o desafio da escassez de talentos de tecnologia, muito devido ao pouco incentivo para que o país se desenvolva nessa área, além da evasão de cérebros, com oportunidades melhores no exterior — diz Luiz Othero, diretor executivo da Abstartups, que reúne empresas de base tecnológica. — Outro desafio é a exclusão digital. É necessário que as pessoas tenham acesso a uma boa conexão à internet, e essa não é a realidade no Brasil. Ainda é cedo para dizer como esses desafios serão contornados.
Outra companhia que já usa tecnologias do metaverso é a produtora Broders, criada em 2016. Seu braço de interatividade desenvolve experiências imersivas de entretenimento e educação a partir de projetos de realidade virtual. Com operação também em Miami, nos EUA, já lançou projetos em mais de 20 países.
Entre os clientes estão companhias como Ford, Samsung, Mobil, Mastecard, Claro e Ericsson. Com estas duas últimas, atuou com a YDreams Global para viabilizar a holografia ao vivo, via 5G, de um show dos estúdios da Claro, exibido no palco do Allianz Parque, em São Paulo. Cinco estações de streaming 360º filmavam o palco no estúdio e transmitiam as imagens para os óculos de realidade virtual usados pelo público.
— Ao colocar o headset, era como se você estivesse com a orquestra no palco. Foi uma experiência bem bacana. Deu pra gente experimentar essas novas redes e pôr à prova a velocidade e a latência que elas são capazes de entregar — conta Bruno Pedroza, sócio-fundador e gerente de XR da Broders Interactive.
Pedroza revela que a companhia tem trabalhado internamente na criação de uma start-up spin-off voltada para empresas do ramo educacional, prevista para ser lançada no ano que vem. O intuito é abarcar todo o know-how construído até agora, que envolve a criação de conteúdo e softwares de realidade virtual para plataformas de ensino.
No mercado publicitário, os sócios Claudio Lima, Bernardo Mendes e Evandro Guimarães fundaram a Druid Creative Gaming, em janeiro do ano passado, preenchendo uma lacuna do setor que não desenvolvia soluções robustas para a conexão de grandes marcas com os influenciadores e o público gamer.
Os números dão a tônica do sucesso da agência: o faturamento registrado no ano passado foi próximo de R$ 58 milhões, e a empresa já conta com 78 funcionários em pouco mais de um ano. Entre os 35 clientes já atendidos estão empresas como o Itaú, grupo Boticário, Submarino, que querem conectar suas marcas com o público gamer — hoje, cerca de 74,5% da população brasileira afirma jogar algum tipo de jogo, segundo a nona edição da Pesquisa Game Brasil (PGB).
Desde a sua criação, a Druid já participou de 29 integrações de marcas em jogos, a chamada estratégia de in game integration. Uma das mais recentes foi o show do rapper Emicida, no Fortnite, no último 29 de abril.
Emicida se tornou o primeiro artista brasileiro a ter um show no jogo. A iniciativa contou com a cocriação da equipe do Lab Fantasma e da própria Epic Games, junto com a divulgação e comunicação da Druid.
— Acho que as próprias marcas estão começando a olhar essas plataformas de games não só como algo para trazer a sua marca e fazer parte, mas também criar produtos e serviços específicos para esse tipo de comunidade. Hoje já se testam modelos de negócio de marcas dentro dessas plataformas, o que, se bem sucedido, vai causar um boom ainda maior nesse mercado como um todo. Nossas expectativas são positivas para o crescimento desse assunto no país — conta Bernardo Mendes, fundador e diretor executivo de negócios da Druid.
Comentários
Postar um comentário