Agachados no chão de terra batida no centro da aldeia Afukuri, da etnia Kuikuro, duplas de adversários se enfrentam diante do público reunido ao entorno, formado principalmente por povos de diversas etnias que vivem no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. Alguns turistas também observam, admirados, a luta tradicional da região.
Concentrados, encarando um ao outro, cada lutador tem o objetivo de levantar o opositor e derrubá-lo com as costas no chão ou, então, tocar na parte inferior de seu joelho para vencer a luta e ganhar o reconhecimento das tribos convidadas para a partida. Antes do confronto, todos os competidores passam por um processo de purificação por meio da ingestão de chás, ervas, jejum e privação de sono. Esse é o huka-huka, uma arte marcial genuinamente brasileira praticada no Alto do Xingu.
Não à toa, os registros emocionaram os jurados do Sony World Photography Awards 2022, prêmio anual realizado pela Organização Mundial de Fotografia. Com seu ensaio, batizado de Kuarup, Ricardo Teles venceu na categoria Esporte. Considerando que 2021 foi marcado pelos Jogos Olímpicos de Tóquio, a concorrência não foi fácil. Em segundo lugar ficou o australiano Adam Pretty, com fotos em preto e branco das Olimpíadas e Paralimpíadas no Japão; e, em terceiro, o tcheco Roman.
Não à toa, os registros emocionaram os jurados do Sony World Photography Awards 2022, prêmio anual realizado pela Organização Mundial de Fotografia. Com seu ensaio, batizado de Kuarup, Ricardo Teles venceu na categoria Esporte. Considerando que 2021 foi marcado pelos Jogos Olímpicos de Tóquio, a concorrência não foi fácil. Em segundo lugar ficou o australiano Adam Pretty, com fotos em preto e branco das Olimpíadas e Paralimpíadas no Japão; e, em terceiro, o tcheco Roman Vondrouš, com cliques que retratam o fanatismo de torcedores de um time de futebol de seu país
“O resultado foi recompensador e acompanhar essa festa sagrada foi uma experiência incrível"
Rodrigo Teles, fotógrafo gaúcho vencedor do Sony World Photography Awards 2022
ANO DE DESPEDIDAS
Assim como as Olimpíadas, o Kuarup também foi cancelado em 2020 por consenso entre os líderes indígenas do Xingu, como medida preventiva contra a pandemia de Covid-19. O adiamento para o ano seguinte não deixou de provocar frustração e tristeza entre aqueles que perderam entes e amigos queridos durante a crise sanitária.
Afinal, o Kuarup é uma cerimônia importante para os indígenas enlutados do Xingu: perante toda a comunidade, eles se despedem pela última vez do membro falecido, que finalmente faz sua passagem para o mundo dos espíritos.
Os dois primeiros dias da celebração, que é encerrada com as lutas de huka-huka, são dedicados à recepção dos povos vizinhos convidados e às homenagens aos mortos. Familiares enlutados passam uma madrugada inteira chorando e rezando pelos parentes falecidos, que são representados por troncos pintados e adornados, dispostos no centro da aldeia. As pessoas se abraçam e, ao final do ritual, esses totens são lançados no Rio Xingu e seus afluentes como despedida final.
No ano passado, cinco pessoas da aldeia Afukuri foram homenageadas no evento — quatro delas haviam morrido de Covid-19. Os Kuikuros são um dos 162 povos originários do país que registraram infecções pelo Sars-CoV-2 desde o início da pandemia.
Até o dia 30 de maio, mais de 71,5 mil indígenas foram diagnosticados com a doença e 1.310 faleceram em decorrência da infecção, segundo o levantamento Covid-19 e os Povos Indígenas, produzido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Por serem um grupo prioritário na fila de vacinação, boa parte dos adultos da aldeia já estava completamente imunizada durante o Kuarup em 2021. Para garantir a segurança de todos, os turistas também tiveram que apresentar comprovante de vacinação e testaram para a doença quando chegaram ao parque do Xingu. “Tomamos todos os cuidados para nos certificar de que ninguém passaria o vírus para as comunidades da região”, conta Teles. Na ocasião, ele estava visitando os povos indígenas da reserva pela terceira vez.
BRASIL PROFUNDO
Teles conheceu o Xingu em 2016, quando foi acompanhar o trabalho desenvolvido por médicos voluntários nas tribos locais. Em sua primeira visita, o fotógrafo conheceu o cacique Kotok Kamayurá, que o convidou para a acompanhar a cerimônia do Kuarup, que ocorreria dali alguns dias. “Naquela época, eu não pude ficar até a data, mas foi daí que surgiu a vontade de conhecer de perto esse ritual”, confessa.
No mesmo ano, ele retornou ao parque nacional com a missão de fazer uma reportagem fotográfica para a edição brasileira da revista National Geographic. A espera para acompanhar a cerimônia foi longa por conta dos desafios financeiros e logísticos que a viagem envolve. Para chegar ao Xingu, o fotógrafo viajou de avião de São Paulo até Goiânia e encarou oito horas de trajeto de ônibus até a cidade de Canarana (MT), além de cinco horas de carro para chegar à aldeia Afukuri.
Uma vez lá, ele passou uma semana com o povo Kuikuro para se integrar à comunidade e entender a cultura local. “Estabelecer uma amizade e confiança é algo superimportante para documentar uma festa como essa”, diz Teles.
Para o gaúcho, ter esse trabalho reconhecido por um dos prêmios internacionais de fotografia mais relevantes é uma forma de realizar seu sonho de apresentar o país para o mundo. “Eu me orgulho muito disso, de mostrar às pessoas a beleza do Brasil profundo, de aldeias, quilombos, comunidades tradicionais e de imigrantes”, comemora Teles, que teve suas fotos expostas no palácio Somerset House, em Londres, na Inglaterra, entre abril e maio deste ano.
O profissional espera que, por meio da fotografia, as pessoas passem a valorizar mais a diversidade de povos e culturas do país e, quem sabe, aprender novas formas de lidar com as próprias dores deixadas pela pandemia.
Fonte:https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2022/07/kuarup-cerimonia-de-povos-indigenas-do-xingu-que-homenageia-os-mortos.html
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