ENTENDA COMO OS ANIMAIS ENXERGAM O MUNDO

 

Devido a seus sentidos aguçados, os animais compreendem o mundo de modo diferente dos humanos (Foto: Pexels/ Arina Krasnikova/ CreativeCommons)

Devido a seus sentidos aguçados, os animais compreendem o mundo de modo diferente dos humanos (Foto: Pexels/ Arina Krasnikova/ CreativeCommons)

Entenda como os animais enxergam o mundo

Em sua coluna, a médica-veterinária Sabina Scardua explica como os animais exploram os espaços apesar do filtro que veem o mundo: o do medo

O mundo que vemos é o que os nossos sentidos permitem perceber - tato, visãoaudição, olfato e paladar. Nós interagimos com o mundo usando o nosso repertório comportamental possível, nossa genética e neuroquímica atual, nossa capacidade cognitiva, social e nossa história de vida.

Cada espécie no planeta possui peculiaridades sensoriais e neuroquímicas que influenciarão na forma de verem e interagiram com o entorno. O estado emocional e vibracional proporciona ainda “filtros” significativos. Um dia você vê o belo e em outro momento não, certo?

Temple Grandin é uma pesquisadora autista americana que escreveu dezenas de livros sobre autismo e bem-estar animal. Responsável por muitas regulamentações atuais e modificações efetivas no manejo dos animais de produção (como bovinos, ovinos, caprinos, suínos e aves), a autora é mundialmente respeitada. Uma vez, perguntaram a ela como era possível que ela entendesse tão bem assim os animais. Ela respondeu: é por que sou autista, então vejo o mundo pelo filtro do medo, assim como a maioria dos bichos.

Infelizmente, o medo - que faz parte da nossa vida também - está muito presente nos animais. Medos de diferentes tipos e em diferentes graus, mesmo que o bicho não aparente tê-los. Porém, para eles, esse estado não vem apenas da constituição genética do instinto, mas também de sua rotina e de estímulos ambientais. Eles têm sentidos e cérebro diferentes dos nossos, o que dita a forma como veem o mundo e se posicionam nele.

Cães, gatos e sentidos aguçados

Os cães, por exemplo, têm entre 120 e 300 milhões de células olfativas, enquanto nós temos apenas 6 milhões. Os gatos possuem cerca de 60 milhões. Para entender esta diferença, pense no seguinte: nós conseguimos identificar que o vizinho está fazendo um churrasco ou cozinhando uma sopa. Os cães sabem todos os ingredientes desta sopa, com suas respectivas quantidades, temperos e se o vizinho lavou as mãos.

A investigação do mundo olfativo dos cães é tão fascinante que existem mais de mil artigos científicos nos últimos quatro anos com as palavras "olfatório" e "cães" no título. Os estudos continuam crescendo e nosso entendimento sobre como esses animais interpretam, interagem e aprendem através deste sentido, se refina a cada instante.

Falando em sentidos aguçados, os gatos possuem 32 músculos em suas orelhas, que são uma concha acústica perfeita. Os gatos conseguem ouvir frequências de até 65 mil hertz, enquanto nós só vamos até 20 mil. É um dos maiores alcances entre os mamíferos. Cães chegam a 40 mil hertz. Então é fácil entender, baseado somente nestas diferenças sensoriais, que o mundo que eles “veem” é bem diferente do nosso.

O mundo um pouco de cada vez

E a visão propriamente dita? O alcance de visão de cães e gatos é cerca de 20 metros, nenhuma proeza. Eles enxergam as frequências de azul e amarelo, mas também outros tons que não vemos. Apesar da visão noturna ser excepcional, este sentido não é o principal deles.

Enquanto a maioria de nós vê o mundo usando o sentido da visão e o corpo mental, os animais veem o mundo utilizando o olfato e o corpo energético, aspectos nos quais somos péssimos.

Os animais apreendem o mundo de pouco em pouco, então o tutor deve apresentar o mundo para o pet em pequenas partes (Foto: Pexels/ Helena Lopes/ CreativeCommons)

Os bichos apreendem o mundo de pouco em pouco, então o tutor deve apresentar o mundo para o pet em pequenos passos (Foto: Pexels/ Helena Lopes/ CreativeCommons)

Temple Grandin, no livro Na língua dos bichos, explica que nós vemos o mundo como um todo e depois vamos mentalmente repartindo e processando as partes. Os animais veem e lidam sempre com uma parte de cada vez. Poucos têm a apreensão maior do entorno. Não têm, de acordo com a autora, a habilidade de ampliar a parte para o todo de forma rápida.

Dentro deste contexto, devemos apresentar o mundo aos animais por partes bem pequenas, uma de cada vez, com calma e carinho, para que possam ir se familiarizando e ganhando confiança. Excesso de estímulos de uma só vez ou a pressa em adaptar a diferentes situações não terá o efeito desejado.

A linguagem do pet

De acordo com estudos, os animais exploram mais o ambiente na presença do responsável - ou seja, a partir de um ponto de segurança, que é o tutor, ele pode desbravar o mundo e se sentir seguro enquanto vai crescendo. Como os animais abandonados não tiveram uma base segura para fazer isso, tendem a ser um pouco mais medrosos, cautelosos ou estressados.

Visualize a seguinte situação: você conhece alguém, esta pessoa está aprendendo português, tem muito interesse em aprender. Ela fala coreano, você não sabe nada. Como ela é uma pessoa muito interessante e afetuosa, você decide passar um tempo com ela, e um sentimento maior se instala, e vão aprofundando a amizade. Durante todo o tempo, é a outra pessoa que faz o trabalho árduo, de tentar entender sua língua, ela presta muita atenção em você, usa todas as informações possíveis para te entender: o contexto, seu estado de humor, tom de voz, gesticulação... Com muito esforço, o português dela vai melhorando. Imagina que anos se passaram e essa pessoa é muito importante na sua vida. Não acha que, ao longo destes anos todos, um pouco de esforço em direção ao coreano seria legal? Deixar que a outra pessoa se expresse da forma natural para ela e você também fazer um esforço de entender?

É dessa forma que, muitas vezes, lidamos com os animais. Impomos a eles todo o trabalho de adaptação ao nosso mundo.

“Eu trabalho, ele precisa se adaptar”; “essa semana não posso passear ou brincar, tenho muito trabalho”; “não pode isso, não pode aquilo”; “que bobagem, não precisa ter medo disso”; “não pode bater no seu irmão”; “não quero o xixi aqui”. Muitos animais fazem xixi no quarto ou no meio da sala para mostrar o que está acontecendo com eles, afinal, para eles, na urina tem toda informação de seu estado físico e emocional.

O que muitos interpretam como protesto é só uma forma de se expressar que para eles faz total sentido. E simplesmente brigamos com eles por causa disso. Nem sempre eles entendem, e o estresse e frustração aumentam.

Adaptação: o papel do tutor 

Viver em um mundo onde falam outra língua, em que exergam e o percebem de uma forma diferente, com valores que incompreendidos e no qual a expectativa é grande não é nada fácil. É onde muitos bichos costumam estar.

Há muita bravura, muito esforço da parte dos animais. Parabenize agora seu pet se ele está feliz e saudável. Você tem mérito nisso, mas ele tem muito mais. É ainda mais admirável como fazem isso apesar do medo, por amor. E conseguem vibrar predominantemente a alegria e o entusiasmo ou a delicadeza. Depois de anos me conectando com meus pacientes e percebendo suas lutas e dificuldades, e presenciando sua coragem terna, me sinto cada vez mais honrada em servi-los.

Animais se comunicam por meio de comportamentos naturais a eles, como fazer xixi fora do lugar (Foto: Pexels/ Samson Katt/ CreativeCommons)

Cabe ao tutor tentar entender a linguagem do animal (Foto: Pexels/ Samson Katt/ CreativeCommons)

Como não podemos de repente falar a linguagem do olfato, podemos mudar nosso estado de exigência para acolhimento e nos flexibilizar um pouco. Nos movimentarmos em direção a eles. Pensar antes de pegá-los no colo de repente, antes de levá-los para baixo e para cima, sem saber ao certo se querem ir, ou deixá-los em casa sem ter certeza de que estão bem, parar de acariciá-los para nosso próprio prazer. Promover abrigos dentro de casaenriquecimento ambiental olfatórioalimentação saudável, mas com manejo respeitando as preferências de horários deles, se abrir ao mundo deles.

Não só adorados, mas acolhidos em suas limitações, personalidade e potencialidades, é que a essência dos animais pode se expressar verdadeiramente. Conecte-se pelo filtro da compaixão verdadeira, intencional, e a comunicação será fluida e gratificante entre vocês. Movimente-se ao encontro mais profundo com o seu pet. Comece pelo olho no olho todos os dias, e evolua conforme ele te guiar. Cada cabeça é um mundo e está tudo bem.

A médica-veterinária Sabina Scardua é colunista do Vida de Bicho (Foto: Arquivo pessoal/ Sabina Scardua)

A médica-veterinária Sabina Scardua é colunista do Vida de Bicho (Foto: Arquivo pessoal/ Sabina Scardua)

Sabina Scardua é médica-veterinária com doutorado em comportamento animal. Atua com Reiki em animais desde 2016 e está à frente do Reiki Pet Rio (@reikipetrio).

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