Os arquétipos femininos
POR FREDERICO MORIARTY
Carl Gustav Jung definiu os arquétipos e o inconsciente coletivo em sua obra de 1933. Segundo Jung, um dos fundadores da Sociedade Psicanalítica junto com Freud, que foi de sucessor natural do médico vienense para depois inimigo mortal do mestre, os arquétipos seriam imagens primordiais pertencentes a uma diversidade de culturas e civilizações, com as mesmas características. Mesmo sem contato entre as culturas, essas representações mentais seriam as mesmas. Elas aparecem nas personalidades humanas, nas expressões artísticas dos povos, nos comportamentos humanos. Toda sociedade tem as estruturas simbólicas do heroi, do rei e do velho sábio. O heroi é a personagem da determinação cega. Realizará as tarefas não pela destreza nem pela inteligência, mas pela capacidade de nunca desistir. Por outro lado o rei ou a rainha são as personagens ponderadas, equilibradas. Magnânimas ou severas, de acordo com a necessidade. O velho sábio é aquele que tudo sabe, tudo vê e tudo conhece e, principalmente, aceita a inevitabilidade do destino e sempre age com o instinto antes do coração. Eles se complementam. Luke Skywalker era o heroi, a princesa Leia a rainha e Yoda o velho sábio. Essas imagens simbólicas são eternas e estão presentes em todo o ser humano. Jung elencou pelo menos 12 arquétipos. Além dos 3 citados temos entre outros os seguintes arquétipos: o tolo, a persona, a sombra e o animus/anima. Mas como essas imagens primordiais e universais chegam até nós? O médico suíço utiliza do conceito de inconsciente coletivo. Ele nos dizia que havia a nossa persona, que resumidamente podemos entender como nosso interior psíquico. Mas em sua face consciente, visível. A imagem daquilo que acreditamos ser. Mas temos também nosso lado inconsciente ( e até aqui, Jung segue Freud). O nosso lado escondido que aparecerá nos sonhos, nas memórias e nas reflexões analíticas. Também será revelado pelo contato com nossa sombra ( Leia nosso artigo completo sobre a Sombra e o Ego AQUI). O lado escuro e difícil de aceitar. Como ele mesmo diz:
“A pessoa não atinge a iluminação fantasiando sobre a luz, mas tornando as trevas conscientes… o que não se torna consciente se manifesta em nossas vidas como destino”.
-Carl Jung-
Para Jung existem dois inconscientes: o individual e único de cada ser e o coletivo. O inconsciente coletivo guarda os arquétipos e a memória histórica. Algo que jamais vivemos e vimos, mas que reconhecemos por ter sido transmitido biologicamente pelos nossos ancestrais. Os arquétipos são as estruturas mentais ancestrais que moldam nossa mente e de toda a humanidade. São os signos e símbolos coletivos que já estão impressos em nossa personalidade no ato em que nascemos. Nunca estive em Roma, apesar de ser historiador, e de desejar muito conhecer a Velha Bota, terra de meu avô. Certo dia, abri o antigo Suplemento de Turismo que vinha encartado às quintas-feiras no jornal Estadão e vi na capa uma foto de página toda do Coliseu em ruínas. Ao olhar aquela imagem subiu um arrepio em meu corpo, caí em lágrimas e me vi sentado num daqueles degraus assistindo uma luta de gladiadores. Uma cena perfeita me veio a mente e não era de nenhum filme. Simplesmente senti meu corpo vestindo uma surrada túnica branca e sentado no século I. Meu inconsciente coletivo aflorou com vitalidade.
Jung se utilizava de um outro símbolo para facilitar o entendimento dessa psyché coletiva: a Mandala. De tradição sânscrita e hindu, as mandalas são desenhos coloridos e geométricos. O ato de desenhar e refletir sobre o que se está a pintar funciona quase como uma longa meditação ou oração. Ao esboçar uma mandala estamos em contato com nossa alma e nossa mente. Ela nos cura e nos revela quem somos. Jung dizia que o centro da Mandala é a nossa persona. As camadas periféricas mais próximas, o inconsciente individual e as mais distantes, o coletivo. Precisamos das 3 partes para vivermos em equilíbrio.
Existem diversas interpretações possíveis para os arquétipos. E quais seriam os símbolos e signos ancestrais que identificam a mente feminina. Podemos encontrar pelo menos seis personalidades predominantes nas mulheres. E cada uma delas é identificada com uma deusa da mitologia grega. Vamos conhecê-las:
- Aphrodite. É a deusa do amor e do prazer carnal. A Vênus romana e herdeira direta de Ishtar. Platão e Aristóteles defendiam que havia duas Aphrodites, a Urania e a Pandemia. Urania era o amor idealizado, os prazeres sensuais do espírito e da alma. Pandemia, a deusa dos desejos carnais, das festas, do sexo, das turbulências. Curioso notar a palavra Pandemia ganhando novo significado atualmente. A mulher de arquétipo Afrodite é aquela que busca a liberdade sexual e a total independência de tudo e todos. O casamento lhe parece uma prisão. É avessa as questões domésticas. Os homens a temem e a rejeitam, pois jamais será “domesticada”. São mulheres belas e sensuais. É a personagem Samantha Jones em Sex and city.
2. Athena. A deusa da justiça e patrona da civilização. Minerva para os romanos. Mulheres do arquétipo de Athena são decididas, equilibradas. São líderes por natureza. Organizam a casa, o trabalho e o mundo de forma justa e correta. Não admitem pessoas falsas e que se aproveitam dos outros. Respeitam e tratam a todos com dignidade. São as condutoras da humanidade. Miranda Bailey, a chefe de Greys Anatomy, é Athena.
3. Artémis. A deusa da natureza e da caça. A liberdade em todos os sentidos, não só sexual. Mulheres que carregam o arquétipo de Artémis são “caçadoras” no mundo do trabalho. Arriscam ao extremo, são determinadas e não exitam em abater o inimigo. Comandam empresas, governos e não temem a nada ou ninguém. É a deusa Diana dos romanos. No filme ” O diabo veste Prada” é a editora-chefe da Runway, a despótica Miranda Priestley.
Ártemis também é Selene. A deusa da lua. Mulher forte, sensual e poderosa.
4. Deméter. Para os gregos é a deusa mãe. A terra a semear. Ceres para os romanos. Protege a agricultura. Aparece representada com a flor do narciso, o pássaro Grou e um ramalhete de trigo. Deméter foi esposa de Zeus e entre suas filhas está Perséfone. Deméter é a mãe universal. Aquela que vai ao submundo resgatar a filha raptada. É a deusa Gaia, a geratriz. Símbolo da mulher que põe a maternidade acima de tudo, do trabalho, da realização profissional e da própria vida. Mulher que vive em função de proteger e nutrir seus filhos. É Mary von Trupp da “Noviça Rebelde “.
5. Hera. A guerreira. A mulher lutadora como a Juno romana. A romã é seu símbolo. Signo do sangue derramado. Personalidades Hera são dinâmicas, empreendedoras, cientistas. São as mulheres que transpõe qualquer barreira. Líderes do empoderamento feminino, das lutas incessantes e sangrentas. Enfrentam as adversidades com a confiança na vitória. Podem se exceder na contundência. Jodie Foster em vários papéis simboliza Hera. Filmes como “Contato”, ” O quarto do pânico ” e ” Hanniball” apresentam o mito arquetípico da guerreira.
6. Perséfone ( Proserpine na mitologia romana). A filha de Deméter, a beleza mais estonteante do Olimpo. De longos cabelos encaracolados e olhos verdes, Perséfone foi raptada por Hades, o Deus dos subterrâneos ( o inferno para os cristãos). No submundo ela se entrega ao amor do seu algoz. Deméter a resgata, mas Perséfone fica dividida entre o amor e o desejo carnal de Hades nas profundezas e o amor maternal da terra. Perséfone fica no outono e inverno no submundo e sobe ao Olimpo semear a terra na primavera e verão. Ela é a médium, aquela mulher que conhece os dois lados: a anima, o feminino dos homens e o animus, o masculino das mulheres. Por transitar facilmente entre os dois mundos, ela é o símbolo do inconsciente. Em ” Excalibur”, um dos filmes sobre a lenda do Rei Arthur, temos a disputa entre sir Lancelot e o rei pelo amor da belíssima rainha. Guinevere tem o coração dividido entre o amor e a segurança de Arthur e o desejo e paixão do cavaleiro Lancelot. Guinevere é Perséfone, pois se entrega aos dois em nome da liberdade de sua psyché. Perséfone é a deusa das ervas, das curas, das poções. O lado bruxa de toda mulher.
O mito é tão forte que inspirou Walt Disney no início dos anos 30 a desenhar sua primeira princesa. Uma antecipação da Branca de Neve. Perséfone é sequestrada e levada as profundezas pelo Deus do inferno. Assista ao vídeo abaixo e perceba os muitos elementos do mito e das posteriores “princesas da Disney”.
A Rainha
Muitas mulheres podem se perguntar: ” ‘Eu poderia ter impresso em meu inconsciente mais de um arquétipo? Pois me vejo com muitas dessas imagens, signos e sinais “. Na Mandala que representa a psyche feminina sempre vemos círculos que se cruzam e com suas devidas intersecções. Toda mulher é um pouco mãe, muito guerreira, com sensibilidade e senso de justiça elevadas. Tem desejos sexuais, busca o prazer mas a segurança ao mesmo tempo. Qual mulher não almeja a liberdade e a independência? Sempre tem um lado místico e esotérico, é fada, bruxa e dona das poções mágicas que enfeitiçam a todos. Na união de todas essas identidades temos o arquétipo supremo, desenhado no círculo central: o da Grande Mãe ou Rainha. As mulheres são tudo e mais um pouco.
Temos na Rainha Elizabeth a imagem que personifica a Grande Mãe. Não somente por ser rainha, mas por ter vivido todos os papéis impostos: foi mãe para garantir a sucessão; hoje é avó severa que cuida do trono. Foi a guerra quando preciso. Fez acordos internacionais e pacificou o país. Semeou as artes e a cultura. Foi esposa e amante. Aceitou a natureza em todos os seus aspectos, ao tratar a família real com homeopatia. Ela é a dona das receitas alquímicas.
Assim temos que toda mulher é um pouco Rainha ou Grande Mãe. Às vezes carrega dois, três ou mesmo os seis arquétipos. Mais importante é entender que nos diversos momentos da vida ela pode ser um ou outro. Pode.ser a maternidade ao nascerem os filhos, a guerreira no trabalho ou a Afrodite após uma traição. São muitas as personalidades femininas, todas elas ricas de possibilidades, sonhos e realizações.
Fonte:https://terceiramargem.org/2020/07/12/os-arquetipos-femininos/
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