'Como vou praticar o
autocuidado se mal consigo terminar tudo o que tenho que fazer no dia, com
tantas obrigações, tendo que cuidar de todas as outras pessoas?', argumena
pesquisadora(foto: Getty Images)
Mães não precisam só de autocuidado, mas sim
de alguém que cuide delas, diz pesquisadora
Suniya Luthar, estudiosa da resiliência emocional, diz que
autocuidado, por mais benéfico que seja, virou 'tarefa adicional' para mulheres
e desconsidera uma necessidade básica humana: a de sermos cuidados pelos demais
e amados incondicionalmente.
Paula Adamo
Idoeta - Da BBC News Brasil em Londres
07/05/2022
11:53 - atualizado 07/05/2022 12:02
Uma metáfora comumente ouvida por
mães sobrecarregadas é de que elas devem, assim como ditam as regras de
segurança em voos de avião, colocar a máscara de oxigênio em si mesmas antes de
colocarem-na nas crianças. A frase costuma se referir à importância das mães em
cuidarem de si mesmas, em vez de só priorizarem as crianças.
Para a pesquisadora Suniya Luthar, porém,
essa metáfora tem uma falha: o que as mães precisam mesmo é serem cuidadas por
outras pessoas, mais do que apenas tirar momentos para cuidarem de si mesmas, argumenta.
"Não se trata de autocuidado, mas sim de cuidado
que venha dos outros", diz Luthar, que é professora emérita da Faculdade
de Professores da Universidade de Columbia (EUA) e pesquisadora de resiliência
emocional.
"Quando usam a metáfora da máscara de oxigênio,
eu digo que não se trata de colocar a própria máscara de oxigênio antes de
colocar a dos filhos. Mas sim ter alguém perto que possa colocar a sua máscara
para você. Porque nós, mães, também muitas vezes estamos sem ar. Eu certamente
estive nos últimos dois anos (da pandemia de covid-19), e muitas outras
mulheres estiveram, porque foi um período muito traumático", explica ela
em entrevista à BBC News Brasil.
O autocuidado muitas vezes visto como momentos de
descanso das atividades diárias ou como momentos de massagem, sessão de
manicure ou uma noite com amigos tem seu valor, diz Luthar. Mas a ênfase atual
em pedir à mãe que cuide de si mesma enfrenta dois obstáculos.
Primeiro, o autocuidado acaba virando uma
"tarefa a mais a ser cumprida" pela mãe. "Ouvi de uma
professora: 'se mais uma pessoa me disser que preciso cuidar de mim mesma e me
reerguer, vou perder a cabeça, porque estou tão estressada, tão abalada pelo
luto e pelo medo (na pandemia), que não quero que me digam para fazer mais
isso'", conta Luthar.
"Como vou praticar o autocuidado se mal consigo
terminar tudo o que tenho que fazer no dia, com tantas obrigações, tendo que
cuidar de todas as outras pessoas?", prossegue.
O segundo
problema, afirma a acadêmica, é que o autocuidado, por mais relevante que seja,
não leva em conta uma necessidade do ser humano: o apoio emocional e
incondicional de outros seres humanos.
Para passar adiante
o amor incondicional a seus filhos, as mães precisam receber esse mesmo tipo de
apoio e aceitação, argumenta Suniya Luthar(foto: Getty
Images)
"As mães não só não
estão recebendo amor e apoio de que precisam, como já não têm expectativa de
recebê-lo, o que talvez seja o maior problema. Aceitamos essa narrativa de que
nós (mães) temos de fazer tudo e ficar por último na lista. Na melhor das
hipóteses, você vai dizer 'mereço uma noite com as amigas, um pedicure, um dia
de descanso', mas é raro que uma mãe diga: 'tenho que garantir que alguém vai
cuidar de mim e fazer disso uma prioridade'. (..) É um nutriente para sua alma
e espírito E não é algo que você faça por si mesma, é algo que alguém precisa
fazer por você. Você tem que reconhecer que precisa dessa ajuda", afirma
Luthar.
Para cuidar das crianças, é preciso cuidar de seus
pais
Essa rede de apoio
emocional dada a mães - ou a qualquer cuidador primário - se traduz em crianças
também mais emocionalmente saudáveis e resilientes, prossegue a acadêmica.
"É essencialmente
isso o que a ciência da resiliência prega. A Academia Nacional de Ciências aqui
dos EUA diz de forma clara: se você quer que quer que uma criança fique bem,
tem que garantir que seu cuidador primário esteja bem também. E para isso
acontecer, é preciso garantir que o cuidador primário vai ter o mesmo amor e
apoio que quer dar aos seus filhos."
Luthar é coautora de um estudo conduzido durante a pandemia com
14 mil crianças em idade escolar nos EUA - muitas das quais em situação de
vulnerabilidade - durante os três primeiros meses da pandemia, em 2020, para
avaliar sua capacidade de perseverar diante das dificuldades.
A principal conclusão é
que o apoio que as crianças recebiam de seus pais era crucial para o bem-estar
emocional delas.
"Análises de
múltiplos fatores de risco ou de fatores protetores mostram que, em relação à
depressão, o preditor mais potente era o apoio parental, que representa ao
menos duas vezes (a influência) de outros preditores", diz o estudo. O
mesmo valia para a ansiedade em crianças.
Essa discussão não deve
fazer os pais se culparem por eventualmente não conseguirem dar esse apoio aos
filhos, mas sim reconhecer a importância de cuidadores primários também terem
suas necessidades emocionais atendidas, argumenta Luthar.
'Você é vista e amada por quem você é'
Luthar é fundadora de uma ONG chamada Authentic
Connections Groups (Grupos de Conexões Autênticas, em tradução
livre), que organiza grupos virtuais de apoio para "quaisquer pessoas que
estejam em busca de redes de apoio fortes e confiáveis que sejam duradouras e
que aliviem momentos de adversidade e estresse".
O grupo realiza sessões
temáticas ao longo de três meses, e depois os participantes são encorajados a
se manter em contato, presencialmente ou via grupos de WhatsApp, por exemplo.
Resiliência
emocional em crianças está fortemente associada ao bem-estar de seus cuidadores
primordiais(foto: Getty Images)
Luthar diz que são aceitos
participantes de todas as partes do mundo, desde que falem inglês. Há custos
para as sessões, mas "ninguém é rejeitado por falta de dinheiro, porque
não quero que nenhuma mãe tenha de chorar sozinha", diz.
E, embora compartilhar
angústias seja um dos focos do encontro, o principal é a aceitação, prossegue
ela.
"Não é só ter um
ombro amigo quando você está triste, embora isso seja uma parte. É também para
dividir momentos de alegria, conquistas, e ter gente que comemore o seu
sucesso. Mas o mais importante, que é o nosso mantra, é que todas as pessoas se
sintam vistas e amadas pela pessoa que é na sua essência. É o que todos querem
- pessoas ricas, famosas, inteligentes, não importa. Todos têm que sair do
grupo com essa sensação de aceitação incondicional pela pessoa que são."
Essa percepção desafia a
visão de que cabe aos indivíduos cuidar de si mesmos, concorda Luthar.
"Essa ênfase no
individualismo, no 'vamos lá, persevere, você consegue' não que isso não seja
importante, porque todos temos que fazer a nossa parte. (Mas) a humanidade
ficou traumatizada (pela covid-19), não houve quem não ficasse, no mínimo pelas
incertezas pelas quais passamos. Então achar que podemos enfrentar tudo isso
sozinhos é meio desalmado no pior dos casos e também pouco prático no melhor
dos casos."
Um grupo particularmente
vulnerável, diz Luthar, é o de professoras - que, segundo pesquisas conduzidas
nos EUA, já viviam em níveis alarmantes de estresse mesmo antes do novo
coronavírus. A pandemia tornou o problema ainda mais grave.
"No início da
pandemia, as taxas de burnout no trabalho (entre professores) eram de 20%.
Agora, estão acima de 70%. Não se trata de uma exaustão leve, mas em níveis
sérios, na zona vermelha, e especificamente em seu trabalho. Isso torna
(professores) menos eficazes em seu trabalho e faz crescer as taxas de abandono
- educadores talentosos estão largando a profissão porque chegaram ao seu
limite. Novamente, a resposta é que temos de apoiá-los. Não basta aplaudir,
dizer que são heróis, mas realmente cuidar deles, da forma como queremos que
eles cuidem dos nossos filhos", afirma.
Ela diz que grupos de
apoio emocional criados entre educadores têm um efeito positivo sobre esse
problema, formando dentro de escolas uma cultura de resiliência e apoio
emocional.
"Um professor que
esteja bem beneficia todos em sua sala, até os próprios pais (dos alunos). É
uma pessoa importante, um 'hub' para muitos da sociedade, então garantir que
ele vai estar bem os levará a passar isso (o bem-estar) adiante."
Persuadir mulheres a participar
Luthar diz que um desafio
constante em fazer com que mulheres se engajem nos grupos de conexões é
garantir que as sessões não sejam desmarcadas por conta dos afazeres diários.
Assim como é desafiador para as mulheres reservarem um momento para o
autocuidado, é difícil ter tempo para receber apoio emocional. Mas Luthar acha
isso primordial.
"As mulheres veem
nossos encontros como transformadores, mas é preciso que cada uma seja
persuadida a assumir esse compromisso (e deixar as demais obrigações de lado).
Dizemos que 'você precisa fazer isso por si mesma'. Não deixamos de ter
necessidades quando nos tornamos mães ou avós."
Luthar se baseia em uma pesquisa sua, publicada em
2015, chamada "Quem materna as mães?", que aponta que a
aceitação incondicional, relações pessoais autênticas e a sensação de conforto
emocional foram apontadas como os principais fatores para evitar o estresse
entre as mães que participaram do estudo.
"Meu conselho (para
mulheres) é: ajude outras mães a entender que elas precisam ser maternadas
(cuidadas) também. Diga: 'mãe, assegure-se de que você conseguirá ser cuidada
do mesmo jeito que quer cuidar (dos seus filhos)'", afirma.
"Certamente é bom
fazer meditação, mindfulness, são coisas ótimas. Mas o número um é receber o
amor e o apoio de outras pessoas quando você estiver precisando - e todos
precisamos desse conforto. Com certeza faça sua manicure, mas tenha alguém para
colocar a sua máscara de oxigênio para você."
Fonte:https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/bbc/2022/05/07/interna_internacional,1364925/maes-nao-precisam-so-de-autocuidado-mas-sim-de-alguem-que-cuide-delas-diz.shtml
Comentários
Postar um comentário