LÉLIA WANIK SALGADO E SEBASTIÃO SALGADO: CUMPLICIDADE, AMOR PELA FOTOGRAFIA E OS REGISTROS DA AMAZÔNIA
Sebastião Salgado e Lélia Wanick Salgado (Foto: Thomas Tebet)
Lélia Wanick Salgado e Sebastião Salgado: cumplicidade, amor pela fotografia e os registros da Amazônia
Há mais de cinco décadas, Lélia e Sebastião Salgado compartilham vida e obra marcadas por uma curiosidade insaciável e engajamento ímpar com o planeta. O projeto mais recente do casal, que desembarca este mês em São Paulo, reúne quatro décadas de idas e vindas pela Amazônia
Lélia Wanick Salgado, esposa e sócia do artista, não ficou para trás nessas andanças. “Participei de muitas viagens, mas é difícil ir em todas. Costumo brincar que alguém tem que trabalhar!”, disse à Vogue, aos risos. Os registros dessas experiências agora podem ser vistos na exposição (e no livro) Amazônia, que já passou por Londres e Paris, e cuja primeira parada no Brasil acontece dia 15 deste mês no Sesc Pompeia e segue, ainda em julho deste ano, para o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
Depois de oito anos focados em Gênesis, série sobre paisagens e populações que representam a Terra de milhares de anos atrás, lançada em 2013, Lélia e Sebastião voltaram naturalmente a atenção para a floresta tropical que mais esbanja biodiversidade no mundo. “Devo ser uma das pessoas que mais viu a imensidão amazônica. Existe uma grande superfície que é impenetrável a todos porque passa boa parte do tempo submersa. É o caso das matas de Igapó ou das ilhas Anavilhanas”, observa o fotógrafo de 78 anos de seu estúdio em Paris. É ainda o caso dos tepuis, platôs delimitados por falésias, no Monte Roraima. “Esse tipo de montanha é o mais antigo do planeta. Estima-se que tem cerca de 6 bilhões de anos. Poucos brasileiros já ouviram falar”, emenda.
Ao longo da produção de Amazônia, a escolha se revelou cada vez mais certeira e relevante com a chegada de Bolsonaro ao poder, governo anti-Amazônia por natureza – em 2021, a região atingiu os maiores níveis de desmatamento da década. Com o material que tinham em mãos, poderiam ter sido montadas diversas exposições sobre o assunto. Lélia e Sebastião optaram por exaltar em 200 imagens do fotógrafo a vida e a grandeza da região para estimular a conscientização do público. “O lado trágico vemos diariamente nos noticiários”, defende Lélia, que em 2020 organizou como marido um manifesto para chamar a atenção do perigo da pandemia para os povos originários, assinado por celebridades internacionais e endereçado aos Três Poderes. “Pensamos, imaginamos e tomamos todas as decisões juntos”, resumiu Lélia, hoje com 75 anos.
Essa conexão, recorda o casal, foi muito forte desde o início, muito antes de qualquer reconhecimento mundial pelas fotografias em preto e branco de Salgado tiradas mundo afora. “Militamos juntos contra a ditadura, e nosso engajamento social só foi aumentando com o tempo”, lembra Lélia. Em 1967, se casaram e, dois anos depois, procuraram asilo político na França, onde tiveram dois filhos e vivem até hoje. A saudade do Brasil acabou fortalecendo ainda mais a união – eles só voltariam a pisar no país natal uma década depois de chegarem em Paris, com a sanção da Lei da Anistia (1979).
Na capital francesa, descobriram uma paixão mútua pela fotografia. Lélia comprou uma câmera Pentax para fazer imagens de prédios para seus estudos de arquitetura e urbanismo. Não surpreende ninguém o fato do aparelho não ter mais saído das mãos do marido – aliás, o seu primeiro clique mirou em direção à Lélia, posicionada em frente a uma janela. O hobby foi ficando tão sério que Sebastião, um economista de formação, deixou um prestigioso e bem remunerado cargo na hoje extinta Organização Internacional do Café, para começar do zero uma carreira como fotógrafo.
Já Lélia trabalhou em agências de arquitetura e urbanismo durante o dia e varava a noite ajudando a revelar, editar e arquivar suas películas. Nos anos 1980, depois de um período sem trabalhar para cuidar do filho Rodrigo, que nasceu com síndrome de Down, acabou se dedicando em tempo integral à fotografia: de editora da revista Photo Revue passou a trabalhar na galeria da Magnum, agência na qual Salgado foi membro entre 1979 e 1994, ano em que fundaram a Amazonas Images, estrutura que passou a administrar e realizar todos os projetos do casal.
Basta fechar os olhos e Salgado relembra como se fosse ontem a primeira vez que pisou na Amazônia. O ano era 1986, e o fotógrafo, na época com 42 anos, havia sido escalado pela revista alemã Geo para cobrir a penetração no território yanomami da oncocercose, doença causada por um verme parasita que resulta em cegueira. Antes de chegar na Serra Parima, no extremo do norte de Roraima, Salgado já havia rodado com sua câmera parte considerável da África e da América do Sul, inclusive o Brasil, que voltou a frequentar em 1979 com a sanção da Lei da Anistia.
Na época, a primeira missão na Amazônia trouxe à tona emoções inéditas ao fotógrafo. Apreensivo, se questionou como seria estar entre um povo que considerava “primitivo” e não falava a mesma língua. Em poucas horas, todos os preconceitos caíram por água abaixo. A comunicação se deu de outra forma, através de gestos e olhares.
Sentiu um alívio ao ver que tinham as mesmas referências de comunidade, de solidariedade, de amor. “O que era essencial para mim também era para eles. Se você adota um comportamento de respeito e admiração da cultura e do território deles, você é rapidamente assimilado”, contou. Desde então, sempre se sentiu em casa em cada um dos 12 povos indígenas que visitou, entre eles os suruuarrás, os zoé e os korubo.
Salgado e sua equipe sempre carregam um tecido de 6 m de largura por 9 m de comprimento, fixado nas árvores, para retratar a luz natural os indígenas que quiserem ser retratados. Eles escolhem o momento, as poses, a composição e a duração. Depois de dois, três cliques, um grupo de mulheres e crianças suruuarrás não estava mais diante das lentes do fotógrafo. É do jogo. “A fotografia é a busca do equilíbrio entre as linhas e as luzes. Quando você fotografa o ser humano, essa harmonia se dá através da dignidade das pessoas”, explica o artista sobre o seu modus operandi.
Diante de tanto retrocesso e descaso com a Amazônia, o casal permanece unido num otimismo em relação ao futuro. Segundo Salgado, temos uma tendência no nosso comportamento de ver tudo a curto prazo, ao contrário da história, da antropologia, da geologia que têm de ser vistas a longo prazo. “A Amazônia já foi deflorestada e reflorestada antes. Hoje vivemos um momento dramático, é verdade, mas o governo atual é temporário.”
O Instituto Terra, criado na fazenda da família de Salgado em Aimorés (MG), com o objetivo de reflorestar a Mata Atlântica, também dá perspectiva a Lélia e Sebastião. Mais recentemente o Instituto começou a recuperar as fontes de água da bacia do Rio Doce. “Para nós, é uma emoção indescritível. Infelizmente não estarei viva para ver o Rio Doce caudaloso, mas outros continuarão nossa iniciativa”, afirma Lélia com um sorriso no rosto.
Sesc Pompeia: Rua Clélia, 93, São Paulo; sescsp.org.br. Até 10/7
Styling: Dione Occhipinti
Beleza: Manu Horn
Produção Executiva: Leili Rodrigues
Fonte:https://vogue.globo.com/lifestyle/cultura/noticia/2022/02/lelia-wanick-salgado-e-sebastiao-salgado.html
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