Exaustão é tema de novo livro do pai, psicólogo e escritor Alexandre Coimbra Amaral (Foto: Pexels)
Onde está você, mãe, na montanha rumo à exaustão?
Novo livro de Alexandre Coimbra Amaral tem exaustão como protagonista, e aponta caminhos para uma pausa profunda - e necessária
Mas em seu segundo livro, “A exaustão no topo da montanha”, o pai, psicólogo e escritor Alexandre Coimbra Amaral aponta caminhos e, mais do que isso, vê na exaustão uma chave de oportunidade – inclusive para nós, as mães. O texto tem a exaustão como protagonista, e é dela que surgem os questionamentos sobre o sentido de uma vida frenética, de entrega constante ao outro, sem tempo de olhar para dentro.
“O cuidado ao outro sem o cuidado de si é parte das doenças desse tempo, um vírus muito transmissível porque traz em si a máscara na nobreza. Como é nobre ajudar, salvar, cuidar e proteger um filho, um paciente, um cidadão na rua... Mas e a pergunta clássica, quem cuida de quem cuida?”, diz um trecho. “Vejo as mães como mulheres cheias de possibilidades para além da maternidade, mas que são oprimidas por uma norma social que lhes faz entregar toda a energia a uma atividade que é hiperexigente, de cuidar de um ser hiperdemandante. Por mais que o encontro com o amor por um filho possa ter tons poéticos e reparadores de grandes feridas da alma, eu estou sempre recebendo mais e mais mães que vêm ao meu encontro, abraçando-me e derramando a dor de falirem em expectativas irreais que lhes foram impostas. As mães estão exaustas de não poderem sentir raiva, tristeza, medo e saudade. Existe uma dor legítima por simplesmente serem cobradas como as responsáveis eternas pelo cuidado de suas crias”, diz a Exaustão, traduzida por Coimbra.
O autor falou com exclusividade à CRESCER sobre a construção deste livro, que é abraço, acolhimento e poesia para os nossos dias – que já são tão cheios, mas merecem uma linda pausa com essa leitura.
Leia abaixo a íntegra da entrevista
1 - Quais os sinais de alerta da exaustão? E como trocar o movimento pela pausa, como você diz, em um mundo em que o cansaço é visto tantas vezes como sinal de sucesso e perfeição?
Os sinais de alerta da exaustão não são o que a gente costuma pensar sobre cansaço. O cansaço é quando eu descanso e aquilo passa. A exaustão é um tipo de cansaço que não passa com descanso, que se estabelece em um nivel de profundidade em que eu deixo de ter controle sobre o efeito que ele traz no meu corpo. Um sinal de alerta é quando o meu cansaço é tão profundo que começa a provocar outras reações, que o descanso não cura: dores, emoções descontroladas, uma sensação de que por mais que eu faça o tempo não vai ser suficiente, que a vida está perdida inevitavelmente porque eu nunca vou ter paz. Isso são sinais de alerta da exaustão.
E a pausa é o grande motivo disso. Não uma pausa para produzir mais. É uma pausa para realmente voltar a usufruir do direito de não ter que performar o tempo inteiro na vida. Essa é a pausa que está faltando nos nossos tempos, a pausa que nós temos que recuperar. O direito de poder estar desligado, com o wi-fi desligado, sem ver notificação de celular, sem fazer qualquer tipo de coisa. E isso promover uma satisfação e uma mobilização interna. Quando a pausa é nesse nível de genuinidade, eu acesso lugares meus mais profundos, mais silenciosos, ou mais evitados, que eu não estava conseguindo acessar pela aceleração. E aí eu começo a fazer uma revisão da minha vida. Por isso a pausa é tão importante.
2 - Qual a importância de se permitir ter essas tão valiosas pausas de que você fala, no dia a dia da maternidade?
No dia a dia da maternidade, essas pausas são importantes primeiro porque a mãe nasce, na nossa cultura, com uma premissa de que ela tem que estar disponível o tempo inteiro. O amor incondicional materno, na cultura ocidental, fala dessa disponibilidade infinita. Então pausar é um primeiro ato de transgressão a essa crença, que é absolutamente incompatível com a vida. Porque essa mulher merece ter espaços na vida dela que sejam livres da maternidade e do cuidado com os filhos. Que são momentos para ela. Esse momento que ela está pausando ela está lembrando que ela é alguém além da maternidade.
3 - Essa crença cultural, como você menciona, de que as mulheres são inclinadas ao cuidado, pode ser devastadora para a exaustão materna. Como reverter esse quadro no dia a dia?
Essa crença se desfaz muito aos poucos. Talvez seja uma das leis mais difíceis de serem vividas de uma forma diferente, porque é um dos fundamentos da cultura judaico-cristã. Então a gente recebeu muitas formas dessa narrativa durante a nossa vida toda, e a reversão dessa crença se dá com a ampliação dos espaços na minha vida em que isso não é uma verdade. Não basta só eu acreditar nisso, eu preciso viver espaços na minha vida que digam o tempo inteiro para mim “realmente, você não precisa ser a mãe incondicional disponível o tempo inteiro para o seu filho”, “você pode ser errática, você pode aprender a ser mãe, você pode ter disponibilidade para uns filhos, mais para outros, e em alguns momentos estar indisponível para todos. Você pode odiar, você pode voltar a amar, você pode questionar o tamanho desse amor.
Isso tem a ver com construir redes que suportem essa mulher a dar consistência a essa narrativa. Essa narrativa é muito nova. Ela precisa ser dita muitas vezes, porque a outra é hegemônica demais, e ela é repetida há anos.
4 - Ao tornar a exaustão protagonista, você não a coloca como vilã, mas como possível impulso e oportunidade. Como fazer dessa oportunidade uma realidade, um alerta para mudar?
A exaustão é uma personagem porque ela está no meio de nós. Fiz esse jogo de transformar um fenômeno da vida em uma entidade em “Cartas de um Terapeuta”, que foi meu primeiro livro, e agora eu estou fazendo mais uma radicalização desse processo, porque estou fazendo dela uma personagem que tem uma história, uma narrativa, uma jornada, então o leitor acompanha a jornada da exaustão ao longo dos capítulos do livro.
Essa oportunidade de encontrar na exaustão uma trajetória de mudança pede, primeiro, que a gente não romantize a exaustão. E essa é a primeira parte do livro: um conto de como a gente se transformou em uma sociedade exausta e o que a gente precisa fazer para desromantizar isso. Esse é o fundamental para essa oportunidade acontecer.
5 - Você fala bastante na importância de pedir ajuda. Acha que esse pode ser um exemplo importante a darmos aos nossos filhos? Deixar clara a nossa humanidade, nossas necessidades, fraquezas até?
É importantíssimo pedir ajuda, e ensinar aos filhos – não pedagogicamente, mas através do exemplo – que eles precisam ver cenas em que nós estamos dizendo “eu preciso de ajuda”. Por que isso é revolucionário para eles. Dizer para eles “você precisa pedir ajuda” é diferente de eles verem o grande adulto, o supostamente infalível pedir ajuda. E não é só porque isso funda a ideia da nossa humanidade, mas é porque quando os filhos veem que a gente está pedindo ajuda, eles também entendem que a presença deles na nossa vida não é tudo, que a existência deles não é a nossa única realização, que existe o tempo inteiro na vida coisas que são grandiosas, mas que não são tudo. Eles vão aprender que tem algo a ser expandido sempre, para fora de mim.
6 - As montanhas que ilustram a capa do livro parecem feitas em um traço infantil, ou trêmulo, mas que representam um eletrocardiograma. Qual o significado dessa escolha?
A cena dessa capa é uma das histórias curiosas desse livro. Tive essa ideia de construir um desenho que fosse uma montanha que terminasse, no vale dela, com um eletrocardiograma, falando exatamente da exaustão. O símbolo da montanha da exaustão, para a exaustão, e da construção dessa consciência para a esperança. E em uma conversa com meu editor em videoconferência, peguei um papel de pão e desenhei. Ele achou interessante, pediu que eu tirasse uma foto, sem qualquer intenção de ser algo definitivo. Era só para traduzir uma ideia para o designer. E o que eles fizeram foi pegar o meu traço, daquele jeito que foi, e colocaram na capa. Achei isso incrível, porque de uma certa forma coloca também a minha humanidade ali.
7 - A dedicatória é para Dany, sua esposa. Qual o papel dela – como mãe e mulher – nesse seu encontro com os sentimentos humanos?
A função da Dany [Daniela Leal] na minha vida é absolutamente ampla, geral e irrestrita. Nós estamos juntos há 25 anos. Muito mais do que histórias, temos em comum valores, sonhos, práticas, filhos, uma profissão – ela também é terapeuta, psicóloga, trabalhamos juntos, damos aula juntos... Temos tanta coisa junto, que eu acho hoje indissociável. A forma como eu aprendi a ser adulto, a minha “adultez” foi construída junto com ela. Nessa trajetória ela me ensinou muita coisa sobre mim, e eu muita coisa sobre ela. A gente já amadureceu muito, já fomos muitos casais, fomos muitos muitas vezes. A gente já se metamorfoseou muitas vezes, já se casou muitas vezes.
8 - A paternidade está ali representada o tempo todo. Como você vê as mudanças que o tornar-se pai trouxe na sua vida? Em termos de exaustão, e também no reencontro com o essencial?
A paternidade na minha vida representa um remake. O meu primeiro livro dediquei aos meus filhos – e à Dany também – mas eu disse na dedicatória aos meus três filhos que antes deles eu era apenas um rascunho de mim. Então, eu acho que a paternidade envolve também toda uma nova tessitura da alma, que faz com que a vida seja muito diversa daquele de antes. A exaustão está presente, sim, na paternidade, porque ela, como qualquer compromisso com a eternidade, ela angustia demais. Você sente que suas ações, ou omissões, ou erros e acertos estão todos ali construindo aquelas pessoas. Não só os seus, os do mundo, mas você sente o peso dessa responsabilidade. Então a angústia nesse papel é muito natural.
Nós [eu e a Dany] decidimos fazer uma vida em cidades em que não tínhamos rede de apoio familiar, então durante a primeira infância deles fomos muito só nós dois, então a gente conheceu bem essa exaustão do cuidado. A paternidade é, sim, um encontro com a exaustão em alguns momentos, mas, sobretudo, a paternidade é um encontro com o essencial. Muitas vezes, em muitos momentos da vida, eram os meus filhos que me levavam a subir a montanha da esperança, que me relembravam quem eu era, o que podia ser sonhado para a vida, e eles fazem isso até hoje.
9 - O livro foi escrito durante a pandemia, mas você fala em dores que já existiam entre nós. Acha que o isolamento e a pandemia trouxeram luz ao que muitas de nós, mães, já vivemos em nossos puerpérios?
A pandemia é um puerpério da humanidade. As mães que estão vivendo o puerpério nesse momento estão vivendo uma espécie de sensação de ser da matriosca – um puerpério dentro de um puerpério, com muitas camadas que se interpõem, se interseccionam. Há muitas semelhanças entre os dois tipos de puerpério, mas também há muitas diferenças. A pandemia teve uma nomeação de início e esperamos que tenha um fim. O puerpério, não necessariamente. É uma sensação muito mais difusa. Não é somente adaptar-se à chegada do filho, é uma transição profunda da identidade feminina, é um outono da alma feminina, então isso não tem hora para começar e muito menos para terminar. São anos para a mulher entender em quem ela está se transformando com a chegada de cada filho.
Então, sim, o isolamento e a pandemia têm a potência de trazer um pouco mais de empatia para o que as mães viveram. Mas ainda assim a gente vê que o machismo opera com muita eficiência. Vejo muitos homens olhando para sua pandemia, para suas perdas, e não conseguem ver a diferença da angústia da mulher que está dentro da mesma casa, fazendo o mesmo home office, e na hora que o filho tem uma angústia qualquer dentro de casa, sem escola, é na porta do quarto do home office da mãe que ele bate.
Essa é uma construção que, infelizmente, por conta de uma sociedade tão machista, a gente tem que dizer claramente: “sabe isso que você está vivendo? Então, ela vive com mais intensidade porque ela é mais buscada, tem mais pressão sobre ela. Também tem uma pressão de desempenho, uma pressão de excelência na maternidade, que você não tem, ela faz tudo o que a criança precisa, que o lar precisa para acontecer. A carga mental. Ninguém diz nada para ela.” Ainda precisamos dizer essas coisas, e muito.
Fonte:https://revistacrescer.globo.com/Educacao-Comportamento/noticia/2021/09/onde-esta-voce-mae-na-montanha-rumo-exaustao.html
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