MULHERES DENUNCIAM A CULTURA DO ESTUPRO NAS ESCOLAS DO REINO UNIDO,DEPOIS DE UM FEMINICÍDIO QUE CHOCOU O PAÍS
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Soma Sara, em Londres (28/03/2021), fundou a plataforma "Everyone’s Invited": um espaço para que meninas e jovens mulheres compartilhem seus relatos de violência sexual. Milhares de relatos online jogaram luz sobre o tema recentemente no país Foto: Mary Turner/The New York Times
Depois de um feminicídio que chocou o país, mulheres denunciam a cultura do estupro nas escolas do Reino Unido
Dados da Agência Britânica Nacional de Estatísticas mostram que meninas e mulheres entre 16 e 19 anos são as vítimas mais comuns de violência sexual na Inglaterra e no País de Gales
Megan Specia, do New York Times
18/04/2021 - 06:00
Londres – Há semanas, os depoimentos anônimos, perturbadores, vêm chegando em sequência: acusações de violência sexual contra meninas de 9 anos; garotas constrangidas pelos colegas de classe por causa de fotos íntimas que circulam sem seu consentimento. Uma inclusive foi responsabilizada pelo pessoal com quem estudava depois de denunciar o estupro de que foi vítima em uma festa.
Em uma plataforma chamada "Everyone's Invited" (Estão todas convidadas), milhares de garotas e jovens mulheres do Reino Unido começaram recentemente a compartilhar relatos honestos de violência sexual, sexismo e misoginia durante os tempos de escola — acusações de todo tipo, incluindo desde ataques até encontros coercivos, passando por assédio verbal e contato físico indesejado —, proporcionando discussões francas e sem censura de seus traumas pessoais.
Quando analisadas em conjunto, porém, as acusações revelam um quadro para lá de assustador da violência sexual contra as estudantes, dentro e fora da escola, principalmente em festas. Além dos relatos de violência, há também histórias de sexismo e misoginia.
— É um problema muito sério; a cultura do estupro é real — diz Soma Sara, a londrina de 22 anos que fundou a Everyone's Invited.
Os testemunhos poderosos, embora pungentes e revoltantes, normalmente não passam por filtragem e não têm a veracidade confirmada; mesmo assim, são tantos que resumem a análise da violência nacional nas escolas, destacando o que as denunciantes chamam de cultura tóxica de constrangimento, que silencia e culpa as vítimas, e que a direção das escolas faz pouco ou nada para combater. E se dá em meio à conscientização do país depois do assassinato de Sarah Everard, cujo rapto em uma rua movimentada de Londres, no início de março, abriu espaço para um debate nacional sobre a violência enfrentada pelas mulheres.
As escolas e as autoridades locais e federais deram início a investigações. O governo encarregou um órgão educacional da realização de uma revisão imediata das políticas de proteção, tanto nas escolas públicas quanto nas particulares. Simon Bailey, líder do Conselho Nacional de Chefes de Polícia para proteção infantil admitiu à BBC: "Temos um problema real."
O Departamento de Educação garante que as alegações criminosas serão investigadas, e a Polícia Metropolitana de Londres passou a encorajar as vítimas a dar queixa.
Embora os relatos omitam o nome das vítimas e o dos agressores, identificam a escola frequentada pelos alunos e se a suposta agressão foi cometida dentro ou fora do colégio, incluindo instituições de prestígio que não demoraram a surgir nas manchetes.
Alunas atuais e antigas de entidades de elite — Dulwich College, King's College School, Highgate School, Latymer Upper School e outras — já escreveram cartas abertas às lideranças escolares, identificando-se e detalhando uma cultura de silêncio e constrangimento da vítima. Em um dos casos, uma ex-aluna afirmou ter sido "desaconselhada" a entrar na justiça em um caso de violência sexual; em outros, as meninas descrevem como foram agarradas nos corredores.
Em declaração, tanto a King's College School como a Highgate School afirmaram ter dado início a revisões independentes das acusações e das políticas escolares; já a Latymer Upper School disse que passou a encorajar as estudantes a se reportar diretamente às autoridades escolares. Alguns dos colégios citados não atenderam aos nossos pedidos de entrevista, mas nos noticiários locais aparecem afirmando levar a questão a sério, investigando alguns casos.
Os especialistas concordam que os relatos, ainda que preocupantes, fazem parte de uma discussão há muito necessária sobre atitudes e comportamento em relação a gênero e sexualidade nas instituições que têm o efeito de normalizar e até trivializar a violência sexual ou a cultura do estupro.
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