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Entre o medo do
coronavírus e o cansaço do isolamento social
E a possibilidade de uma
"quarta onda" da covid-19 no futuro. "Seria uma onda da saúde
mental, que não começa agora. Pessoas que não tinham transtornos mentais
passariam a ter”, explica o psiquiatra André Brunoni, professor da USP.
Você está com a sensação de que essa
situação de pandemia não vai acabar nunca? Pois é, eu também
estou. Meus amigos e parentes também estão. Talvez os seus também estejam
assim. A sensação de que está “todo mundo” cansado e mais ansioso pode não ser
só uma impressão e coisa da sua cabeça. Claro, todo mundo é muita gente, e não
há estatística que prove isso, mas faz sentido.
E pode ser um bom sinal de que você ainda está vivo e ainda tem
sentimentos.
“Lendo todas essas notícias é normal uma pessoa ficar
ansiosa ou até um pouco mais deprimida. E aí, em um dia ou outro a pessoa não
dorme bem, mas depois volta ao normal. Até seria estranho alguém não ficar
ansioso com tudo isso, não desenvolver esses sintomas”, explica o médico
psiquiatra André Brunoni, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FM-USP)
O professor é um dos pesquisadores
que está mapeando os efeitos da pandemia do novo coronavírus na saúde mental da
população. Ele é coordenador do grupo que trabalha em uma ampla pesquisa
chamada Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto – ELSA Brasil. A pesquisa é realizada desde 2008 e monitora a
saúde de 15 mil funcionários públicos de seis universidades e centros de
pesquisa nacionais. Por ser uma pesquisa tão longa, vai ser possível comparar
os momentos pré e pós-pandemia.
O estudo ainda está em andamento, mas por sua experiência, Brunoni
já consegue fazer algumas leituras do momento presente e destacar algumas
possíveis complicações na saúde mental da população para o futuro.
Antes de seguir este texto, te adianto que tudo que o professor
diz é negativo e motivo de pânico, trevas e tristeza. E que vale a pena
entender um pouco do que ele está estudando para olharmos para nós e nos
cuidarmos.
Por isso, vamos voltar a falar sobre a ansiedade do momento atual.
Brunoni indica em que momento algumas mudanças ruins na rotina podem se
transformar em algo que exija cuidados médicos.
“Isso vira um transtorno, que é basicamente quando tem um
conjunto de sintomas, quando a pessoa tem a sensação de estar no limite o tempo
todo. Não dormir direito, ficar a maior parte do tempo focando só nisso, não
conseguir desempenhar as atividades do dia a dia. Quando começa a limitar muito
a vida isso pode ser um diagnóstico de depressão.”
-
ANDRÉ BRUNONI, PROFESSOR DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP
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“Lendo todas essas notícias é normal uma pessoa
ficar ansiosa ou até um pouco mais deprimida. E aí, em um dia ou outro a pessoa
não dorme bem, mas depois volta ao normal. Até seria estranho alguém não ficar
ansioso com tudo isso, não desenvolver esses sintomas”, explica o André
Brunoni, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP)
De acordo com a pesquisa ELSA Brasil, os dados de antes da
pandemia indicavam que entre 20% e 30% dos paulistanos sofriam de ansiedade e
entre 5% e 10% tinham depressão. De acordo com dados de 2019 da OMS, 9,3% da
população brasileira sofre de ansiedade e 5,8%, de depressão.
Não sabemos o quanto esses percentuais mudaram. “Entre ter o
sintoma e desenvolver a doença é um caminho longo, é algo acumulativo. Todo dia
é uma gota d’água em um copo que vai ficando fundo”, detalha Brunoni.
O que se sabe é que quem já tinha problemas de saúde mental está
sofrendo mais com essa crise. “Pessoas com depressão, ansiedade, dependência
química estão sofrendo mais durante a pandemia. Já são pessoas que têm uma
saúde mental mais frágil e já sofrem mais com efeitos negativos de uma maneira
geral. Se a gente pensar não só na covid, mas quando tem um evento como uma
morte de alguém ou uma separação, esse tipo de coisa, essas pessoas costumam
sofrer mais”, explica Brunoni.
Mas o professor alerta que os pesquisadores trabalham com a
hipótese de que tenhamos num futuro distante uma quarta onda de covid-19.
Caso você não se lembre, as chamadas ondas se referem aos gráficos de pessoas
infectadas pelo novo coronavírus em determinados países.
Quando surgiu a pandemia falou-se na possibilidade de termos uma
onda de muitos casos, depois os casos diminuírem e em seguida termos uma nova
onda com centenas ou milhares de casos da doença. Isso é algo que observamos em
países como Espanha e Canadá. Observe nos gráficos abaixo de cada país.
REPRODUÇÃO UNIVERSIDADE
JOHNS HOPKINS
Casos de covid-19 na Espanha. São mais de 285 mil
diagnósticos no país, que enfrenta um aumento recente no número de novos casos,
o que caracteriza uma segunda onda da doença.
REPRODUÇÃO UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS
Casos de
covid-19 no Canadá. São mais de 117 mil diagnósticos no país, que enfrenta um
pequeno aumento recente no número de novos casos, o que caracteriza uma segunda
onda da doença.
A
quarta onda seria uma grande crise de saúde mental, com um grande número de
pessoas diagnosticadas com transtornos mentais.
“Começou
a ser discutido em alguns grupos a ideia de uma quarta onda, uma onda que viria
bem depois de uma possível segunda e terceira onda de complicações mais
imediatas da covid. Seria uma onda da saúde mental, que não começa agora.
Pessoas que não tinham transtornos mentais passariam a ter”, explica o
professor.
Como
a doença era muito nova nem mesmo os pesquisadores entendiam todas suas
características e com o passar do tempo essa quarta onda teve seu conceito
ampliado para outras sequelas físicas da própria covid-19.
“Estamos
vendo relatos da Europa de que pessoas que tem a covid ficam com sequelas de
alguma maneira. Já saíram estudos mostrando que cerca de 30 dias depois do fim
da covid cerca de 80% das pessoas mantém algum sintoma, entre eles a fadiga e
dispnéia do sono são os mais comuns.”
Outra
possibilidade é termos um aumento muito grande em complicações
neuropsiquiátricas e alterações de comportamento por causa da ação do vírus no
sistema nervoso central. “As principais seriam as alterações de cognição. Ou
seja, alterações de memória, de atenção, de memória de trabalho, esse tipo de
alteração que parece que ocorre. Mas felizmente é pequeno, cerca de 1% das
pessoas apresentam essa mudança.”
De
qualquer forma, Brunoni alerta que qualquer número relacionado à pandemia é
algo gigante. “Claro que quando a gente fala de uma pandemia, mesmo 1% é um
número grande. Essas complicações de longo prazo já estão sendo percebidas”,
diz.
Mesmo
sendo uma hipótese e algo para o futuro, é um alerta para que você
tenha um pouco mais de atenção com sua própria saúde mental. Se observe,
observe seu ao redor, respeite seus limites, ouça os sinais da sua mente e
corpo e, se precisar, peça ajuda. Isso vale já para a retomada de uma vida fora
de casa, o que muita gente está chamando de “novo normal”.
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“Pessoas
com depressão, ansiedade, dependência química estão sofrendo mais durante a
pandemia. Já são pessoas que têm uma saúde mental mais frágil e já sofrem mais
com efeitos negativos de uma maneira geral. Se a gente pensar não só na covid,
mas quando tem um evento como uma morte de alguém ou uma separação, esse tipo
de coisa, essas pessoas já sofrem mais”, explica Brunoni
Os cuidados e os sintomas para se
observar no novo normal
No
Brasil a sensação de “pelo amor de Deus, mas quando que isso finalmente vai
acabar???” do começo deste texto está misturada com dois dados constantes e
preocupantes. Um deles é a retomada gradual da vida fora do isolamento social
enquanto o número de casos aumenta a cada dia e as mortes passam de mil por
dia.
Parece
uma combinação assustadora e que requer muita atenção. As pessoas estão
cansadas de ficar em casa em isolamento social e também com medo de sair na rua
e pegar o vírus.
“Tenho
ouvido de pacientes relatos do tipo ‘eu não aguento mais ficar em casa’ e até
‘prefiro pegar logo covid do que ficar em casa trancado pra sempre’. Eu acho
que a gente tem que tomar cuidado com a saúde mental dos dois pólos, das
pessoas que estão em casa e querem sair e das pessoas que estão se expondo cada
vez mais. É um período de vulnerabilidade maior para todos.” Para o professor
André Brunoni, a leitura do cenário traz pontos bons e ruins.
“Do ponto de vista da saúde mental, a
retomada da vida tem pontos positivos e pontos negativos. Tem esse medo de
sair. Quando a pessoa sai e vê todo mundo de máscara, vai num restaurante com
medo de se contaminar, isso resulta em um aumento de estresse. Por outro lado,
podendo sair, as pessoas estão procurando válvulas de escape e para a saúde
mental isso mostra uma resiliência. Resiliência é quando a pessoa passa a saber
superar de uma maneira ou de outra as adversidades com que elas estão lidando.”
- ANDRÉ BRUNONI, PROFESSOR DA FACULDADE DE MEDICINA
DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FM-USP)
Ele
destaca alguns pontos positivos para a rotina como poder fazer exercícios
físicos fora de casa - com máscara, todos os equipamentos de segurança e
distanciamento, claro - e a volta ao trabalho como uma retomada da rotina e
aumento da interação social.
Mais
atividades de interação social também podem acontecer em meio a um grande medo
do vírus e das ações de rotina. Neste caso, Brunoni alerta para a possibilidade
das pessoas desenvolverem o que a psicologia chama de agorafobia.
“É
basicamente o desconforto de ficar em espaços públicos. Não é relacionado exatamente
a um medo de infecção, de um contágio, nada disso. É uma insegurança de
ficar fora de casa, sempre com a necessidade de voltar pra casa o tempo todo”,
explica.
“Hoje
em dia por conta da situação que nós vivemos é até difícil fazer este
diagnóstico, ele é mais sutil. Será que ter medo de sair de casa por se
contaminar seria um sintoma de transtorno mental ou não? Se a pessoa é de um
grupo de risco ou porque um parente próximo faleceu por causa da covid seria
justificável? É algo para se pensar caso a caso”, contextualiza Brunoni.
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Neste
novo cenário, de flexibilização do isolamento, Brunoni alerta para a
possibilidade das pessoas desenvolverem o que a psicologia chama de agorafobia,
que é basicamente o desconforto de ficar em espaços públicos.
Esse
comportamento, no entanto, não pode ser naturalizado num futuro em que a doença
estiver controlada no Brasil. “Se no futuro, quando desenvolverem uma vacina e as
coisas já estiverem mais controladas, ou não desenvolvam uma vacina e tenhamos,
sei lá, zero casos por dia em São Paulo, e mesmo assim a pessoa não continuar
querendo sair de casa, aí podemos pensar em um diagnóstico psiquiátrico”, diz.
“Com
a pesquisa que estamos fazendo, queremos descobrir se esses medos vão virar
transtornos mentais. Se aquela pessoa que não tinha nada vai se tornar uma
pessoa insegura, se vai perder o prazer de fazer as coisas na vida. Isso que a
gente quer ver”, detalha Brunoni.
A necessidade de olhar para os profissionais de
saúde
Se na população saudável ainda existe a dúvida se a covid-19 vai
causar mais transtornos de ansiedade, depressão e outras doenças psíquicas, nos
profissionais da saúde isso é algo certeiro, devido à grande exposição ao
estresse por estar na linha de frente da doença.
“São pessoas muito expostas a situação de tensão, numa analogia
seria um civil convivendo numa zona de guerra, todo dia vendo mortes e
destruição. Esses profissionais de saúde estão com taxas altas de ansiedade”,
explica Brunoni.
Como já foi assunto aqui no Tamo Junto, esses
profissionais vão precisar ter a saúde mental monitorada por muito tempo, pois
sua atuação pode trazer sequelas graves para a saúde mental.
Uma das possibilidade é o aumento do alcoolismo. Em 2004, a
epidemia de SARS (outro tipo de coronavírus) levou a um sério aumento no
consumo de álcool um ano depois do fim do surto da doença em Hong Kong. Uma
pesquisa mostrou que 4,7% dos homens e 14,8% das mulheres do país passaram a
beber mais. O número é 1,5 vez maior entre profissionais de saúde que atuaram
na linha de frente contra o vírus da época.
Não sabemos o que vai acontecer quando essa pandemia passar, mas é
importante olhar para o passado para ficar em alerta sobre o futuro, como
explicou Zila Sanchez, professora da Escola Paulista de Medicina da Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo).
“Em diversos episódios de pandemia, terremotos, desastres naturais
e crises econômicas sérias, o alcoolismo persistiu após a superação desses
eventos. E ainda aumentou a taxa de pessoas dependentes de álcool um ano
depois. Tudo indica que o nosso sistema de saúde vai ter de enfrentar essa
situação daqui a alguns anos, decorrente do que está acontecendo hoje.”
Se proteja e, se precisar, peça ajuda
Não se esqueça que sempre que for
sair de casa você deve usar máscara cobrindo totalmente o nariz e a boca.
Mantenha o distanciamento social e sempre lave as mãos com água e sabão ou
passe álcool gel. Veja mais orientações neste guia.
Se você se identificou com algum
ou alguns dos sintomas destacados pelo professor e eles estão aparecendo na sua
rotina constantemente, a ponto de não conseguir seguir com a vida
normalmente, procure ajuda de um
profissional.
Caso você ou alguém que você conheça precise de ajuda e queira
alguém para conversar, ligue gratuitamente para o número
188, ou converse por chat ou mande um e-mail pelo site cvv.org.br. Outra
opção é enviar uma carta para um posto de atendimento, os endereços também
estão no site, neste link.
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