O QUE ESTÁ POR TRÁS DA ESCALADA DE TENSÕES DA CHINA COM POTÊNCIAS GLOBAIS

Manifestantes tomam rua em Hong Kong em protesto contra o governo da ChinaDireito de imagemREUTERS
Image captionManifestações de rua em Hong Kong aumentaram e colocaram a China em rota de confronto com outros países

O que está por trás da escalada de tensões da China com potências globais

Em uma plataforma de trem no interior da China, centenas de homens de cabelo raspado, olhos vendados, mãos presas e uniformes azuis sentam em silêncio sob o sol, diante de um número ainda maior de policiais armados.
As imagens feitas por um drone surgiram na internet no ano passado e voltaram a circular neste mês.
Agências de inteligência de governos ocidentais e especialistas em segurança dizem que elas foram feitas na Província de Xinjiang, região onde vivem milhões de chineses muçulmanos da minoria étnica uigur.
Xinjiang é palco de um conflito entre o governo chinês e um movimento separatista dos uigures classificado pelas autoridades chinesas como terrorista.
A China admitiu ter criado centros de "reeducação" na região, onde uigures têm aulas sobre nacionalismo chinês e contra "pensamentos extremistas".
Mas ativistas de direitos humanos dizem que os centros são na verdade prisões, onde mais de 1 milhão de uigures estariam detidos de forma arbitrária, sem julgamento.
Os homens nas imagens de drone seriam parte de mais uma leva de prisioneiros a caminho dos centros. Em entrevista à BBC, o embaixador chinês em Londres, Liu Xiaoming, disse não saber onde tinha sido feito o vídeo, e sugeriu se tratar de uma transferência rotineira de prisioneiros.
A crise dos uigures não é apenas um problema doméstico do governo. Recentemente, episódios como esse passaram a agravar tensões internacionais da China com outras potências globais, sobretudo no Ocidente.
Em junho, um relatório feito por um acadêmico alemão sugeriu que o governo da China estaria esterilizando a população uigur, forçando mulheres a usar um dispositivo intrauterino para evitar gravidez.
Após o relatório, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, divulgou uma nota criticando a China e pedindo "o fim imediato destas práticas horríveis" e o apoio de todas as nações para exigir "o fim desses abusos desumanos".
Nesta semana, Pompeo esteve em Londres para discutir com o governo britânico a crise dos uigures e vários outros pontos que envolvem a China — em meio a uma escalada de tensões entre os chineses e o Ocidente.

Aumento da influência

Nas últimas décadas, a emergência da China como potência mundial ampliou os laços políticos e econômicos do país com o resto do mundo.
Mas desde a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016, que adota uma retórica contrária ao governo de Pequim, houve uma mudança nas relações da China com vários países.
Especialistas dizem que a Casa Branca está subindo o tom de sua campanha contra Pequim — em um momento em que Trump está em campanha pela sua reeleição.
Na quarta-feira, os Estados Unidos ordenaram o fechamento do consulado chinês em Houston, acusando os chineses de roubarem propriedade intelectual. Os chineses criticaram a medida, disseram ter recebido ameaças de morte e nesta sexta-feira (22) ordenaram o fechamento da representação americana em Chengdu, em retaliação.
Desde o começo do ano, China e Estados Unidos já vêm trocando farpas em relação à pandemia do novo coronavírus, que começou com um surto na cidade chinesa de Wuhan.
China disse que se conseguir uma vacina contra a covid-19 vai dividir a descoberta com o resto do mundoDireito de imagemAFP
Image captionChina disse que se conseguir uma vacina contra a covid-19 vai dividir a descoberta com o resto do mundo
Em março, o governo americano já acusava Pequim de esconder seus números sobre o coronavírus, insinuando que o governo chinês ocultava o número real de casos e mortes.
Em maio, Trump partiu para o ataque contra a Organização Mundial da Saúde (OMS), que, nas palavras dele, é um "fantoche do regime chinês" por nunca exigir informações confiáveis sobre a pandemia junto aos chineses.
Também em maio, Trump disse a um repórter que tinha informações de que o coronavírus havia sido criado dentro do Instituto de Virologia de Wuhan, um boato que circulava naquela época.
Alguns diziam que o vírus seria uma arma biológica. No mesmo dia, agências americanas de inteligência descartaram a versão dada por Trump, dizendo que o coronavírus surgiu na natureza, e que não foi manufaturado em um laboratório.
O FBI acusou dois hackers chineses de tentar roubar dados de laboratórios americanos que pesquisam vacinas, tratamentos e testes para covid-19. A China rebateu as acusações dizendo que são os chineses — e não os americanos — que estão liderando na frente científica contra o vírus. Nesta semana, os dois hackers foram indiciados nos Estados Unidos.
O presidente chinês, Xi Jinping, sempre rebateu as acusações americanas, dizendo que seu governo age com transparência sobre a covid-19.
Ele também prometeu um pacote de 2 bilhões de dólares para ajudar diversos países ao longo dos próximos dois anos e disse que qualquer vacina que venha a ser criada pela China será compartilhada com o resto do mundo.
A escalada de tensões entre Washington e Pequim coincide com um movimento da China de tentar projetar sua liderança global, e que enfrenta forte resistência por parte do Ocidente, sobretudo dos Estados Unidos e de seus aliados mais próximos.
Essas disputas entre Estados Unidos e China têm repercussões em outros países. Países aliados como o Reino Unido anunciaram sanções e boicotes à China.
No Brasil, políticos e ministros admiradores de Donald Trump, como o deputado Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicaram mensagens críticas sobre a China em relação ao coronavírus, causando desconforto diplomático. Em março, o presidente Jair Bolsonaro chegou a telefonar para o líder chinês, Xi Jinping, para amenizar as tensões.
Confira abaixo cinco pontos de tensão recentes entre a China e o resto do mundo.

1. Hong Kong

Um dos pontos mais tensos na relação da China com o governo britânico é a situação de Hong Kong. A região foi colônia britânica até 1997, quando o Reino Unido aceitou devolvê-la pacificamente aos chineses.
Nos termos da devolução, os países concordaram em seguir o que se chamou de "um país, dois sistemas": com Hong Kong fazendo parte da China, mas mantendo seu sistema capitalista, sem adotar o comunismo chinês.
A região também manteve seu sistema legal, o que incluía liberdades de expressão e de imprensa que não existem na China continental. Em Hong Kong, por exemplo, é possível se manifestar no aniversário dos protestos da Praça da Paz Celestial de 1989, algo que é proibido no resto da China.
O acordo entre britânicos e chineses foi assinado em 1984 e essas particularidades de Hong Kong deveriam durar até 2047.
Mas agora o Reino Unido diz que o tratado de devolução está ameaçado, depois que o governo chinês colocou em vigor uma nova lei de segurança no fim de junho, como forma de reprimir os protestos pró-democracia nas ruas que já duram meses.
A nova lei classifica diversos tipos de protestos como "terrorismo", permitindo que manifestantes pró-democracia recebam penas vitalícias de cadeia. Segundo críticos, ela dá a Pequim amplos poderes para limitar a liberdade de expressão em Hong Kong.
Nesta segunda-feira (20/7), o Reino Unido anunciou medidas duras contra a China. O país suspendeu "imediatamente e por tempo indefinido" o tratado de extradição mútua que tinha há mais de 30 anos com Hong Kong. O governo alega temer que britânicos suspeitos de crime enviados a Hong Kong pelo tratado acabem em prisões na China continental, após a entrada em vigor da nova lei de segurança.
O governo do primeiro-ministro Boris Johnson estendeu a Hong Kong um embargo de armas que mantém contra a China desde 1989. Hong Kong não poderá mais comprar equipamentos de segurança britânicos, como armas e bombas de fumaça.
Boris Johnson também está oferecendo direito à residência ou cidadania britânica para cerca de 3 milhões de pessoas de Hong Kong.
Governo britânico prometeu cidadania e visto para milhões de moradores de Hong KongDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionGoverno britânico prometeu cidadania e visto para milhões de moradores de Hong Kong
Essas medidas estão provocando uma crise diplomática entre o Reino Unido e a China.
No final de junho, o Reino Unido e outros 26 países — entre eles Alemanha e França — fizeram um pedido no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, para que a China reconsiderasse a nova lei de segurança de Hong Kong.
O Ministério das Relações Exteriores disse que a iniciativa dos países ocidentais na ONU foi um "fiasco", com "53 países manifestando seus apoios em um comunicado conjunto sobre as políticas da China em Hong Kong".
Ao anunciar o fim do tratado de extradição, o ministro britânico das Relações Exteriores, Dominic Raab, disse que busca "uma relação positiva" com a China. Mas o governo chinês acusou o britânico de "interferência brutal" nos assuntos domésticos do país e prometeu uma "resposta firme" às medidas.
O governo do presidente americano, Donald Trump, também pôs fim ao status de comércio preferencial de Hong Kong neste mês. Com isso, os produtos de Hong Kong serão sujeitos às mesmas tarifas comerciais que os Estados Unidos impõem aos bens chineses.
Trump disse que a decisão é uma retaliação à nova lei de segurança chinesa em Hong Kong. A China prometeu retaliar e fez um apelo para os Estados Unidos "pararem de interferir nos assuntos domésticos da China".
Para Kelsey Broderick, a tensão atual entre Reino Unido e China pode ser um ponto de inflexão nas relações entre os dois países. Nas últimas duas décadas houve uma aproximação grande entre britânicos e chineses.
Em 1999, a China era apenas o 26º maior destino das exportações britânicas — hoje ocupa a sexta posição.
Estudantes chineses já representam uma parcela importante do faturamento das faculdades britânicasDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEstudantes chineses já representam uma parcela importante do faturamento das faculdades britânicas
O número de estudantes chineses em faculdades britânicas triplicou desde 2006 e hoje eles são responsáveis por 1,7 bilhão de libras em receitas (mais de R$ 11 bilhões).
Mas essa aproximação sempre provocou críticas dentro do Reino Unido, sobretudo entre políticos conservadores, preocupados que o país poderia estar com sua soberania e segurança expostos demais à China.
"Essas vozes sempre existiram antes, mas até agora o Reino Unido tinha perseguido um caminho mais econômico e pragmático. E agora o Reino Unido está tendo que reagir a essas tensões todas, e muito disso está ligado aos Estados Unidos, que estão colocando essa pressão enorme na China em questões de tecnologia e de política externa", diz ela.

2. Huawei

Umas das empresas mais bem-sucedidas da China é a Huawei, que fabrica equipamentos de telecomunicações.
A Huawei tem desempenhado um papel fundamental na implementação da internet de quinta geração — chamada de 5G.
Governo britânico se uniu a boicotes contra a empresa Huawei
Image captionGoverno britânico se uniu a boicotes contra a empresa Huawei
Alguns analistas acreditam que o mundo passará por uma espécie de nova "revolução tecnológica" com a chegada do 5G.
Cidades serão "inteligentes", com computadores em rede operando carros autônomos, sistemas de vigilância e até os eletrodomésticos dentro das nossas casas.
Mas em 2019 as agências de inteligência de quatro países — Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Canadá — levantaram uma questão que virou o centro dos debates sobre 5G no Ocidente: a relação entre a Huawei e o governo chinês.
Existe um temor de que países ficariam expostos à espionagem chinesa caso viessem a adotar a tecnologia de 5G da Huawei.
Em tese, os dados que circulam na rede da empresa poderiam ser coletados e entregues ao governo de Pequim. Desde então, diversos países passaram a impor limites na quantidade de equipamentos que compram da Huawei.
A Casa Branca deu início a uma espécie de campanha aberta contra a Huawei e o governo da China, recomendando boicotes a diversos governos. Em maio de 2019, Donald Trump disse que a Huawei é "uma empresa muito perigosa".
Tanto a Huawei quanto a China refutam essas versões. A empresa diz ser totalmente independente do governo chinês. As autoridades da China acusam os países ocidentais de adotar práticas discriminatórias contra empresas chinesas e politizar questões econômicas e comerciais.
A oposição de alguns países ocidentais à Huawei, diz o governo de Pequim, fere princípios de economia de mercado e de liberdade comercial e é um esforço de "manipulação política", e não uma preocupação legítima com segurança nacional.
Neste mês, o governo britânico proibiu todas as operadoras de telecomunicações do país de comprarem equipamentos 5G da Huawei depois de 31 de dezembro deste ano. E todos os aparelhos da empresa chinesa já presentes nos seus sistemas precisarão ser trocados até 2027.
O drástico boicote à Huawei pode atrasar em até três anos a implementação do 5G no Reino Unido, com custo estimado em 2 bilhões de libras (mais de R$ 13 bilhões).
Mas o governo britânico diz que a decisão é "técnica" e "necessária", apesar dos altos custos envolvidos. A justificativa é de que a Huawei perdeu sua capacidade de se manter livre de interferências externas depois de novas sanções americanas adotadas em maio.
Huawei desempenha papel fundamental na revolução tecnológica do 5GDireito de imagemHUAWEI
Image captionHuawei desempenha papel fundamental na revolução tecnológica do 5G
As novas sanções prejudicaram a capacidade da Huawei de produzir seus próprios chips e, com isso, a empresa terá de terceirizar a compra de chips. Essa terceirização, segundo o governo britânico, impede que se possa ter confiança nos equipamentos da Huawei no futuro.
As autoridades chinesas responderam ao boicote britânico, dizendo que a medida é "decepcionante e errada". O Reino Unido agora se prepara para sofrer algum tipo de retaliação.
Os chineses insinuam que a decisão britânica não é meramente técnica e de segurança. Após o Brexit (saída da União Europeia), o Reino Unido tenta fechar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, o que explicaria um alinhamento às políticas americanas contra Pequim em busca de termos mais favoráveis de comércio com os americanos.
Para as especialistas Yu Jie e Joyce Hakmeh, do centro de pesquisas britânico Chatham House, a campanha americana contra a Huawei está ligada a um esforço de conter a expansão chinesa em tecnologia.
"A China tem uma visão nacional e internacional de se estabelecer como superpotência tecnológica. Reequilibrar seu status de centro de manufatura com uso intensivo de mão-de-obra para se tornar uma potência global de inovação é a prioridade máxima do Partido Comunista Chinês", escreveram as autoras.
Elas dizem que o boicote britânico à Huawei é uma grande perda para a empresa e para a China, "mas é só uma batalha em uma longa guerra que o Ocidente está perdendo atualmente".
O sucesso da Huawei, segundo as autoras, é fruto de um programa massivo de investimentos em tecnologia da China, que fez com que a empresa conseguisse estar na frente das demais empresas no desenvolvimento de tecnologia 5G.
O Brasil também dá sinais de que pode vir a boicotar a Huawei. O presidente Jair Bolsonaro disse que a decisão sobre comprar material de 5G da empresa chinesa foi postergada para o próximo ano. Mas, no mês passado, Bolsonaro indicou que pode vir a boicotar a empresa chinesa, seguindo o que foi feito pelos Estados Unidos e Reino Unido.

3. TikTok

O aplicativo que é uma sensação entre muitos jovens no mundo todo virou o mais recente foco da disputa travada entre os Estados Unidos e a China.
TikTok é o mais recente foco de tensões comerciais entre a China e o OcidenteDireito de imagemREUTERS
Image captionTikTok é o mais recente foco de tensões comerciais entre a China e o Ocidente
O TikTok, da empresa chinesa ByteSize, é uma plataforma para as pessoas gravarem e distribuírem vídeos curtos, geralmente ridículos e cômicos. O TikTok, em conjunto com o app Douyin, também da empresa, já foi baixado mais de 2 bilhões de vezes e possui 800 milhões de usuários ativos.
Mas agora o TikTok passou também a ser alvo de boicotes. A Índia, o maior mercado da empresa, anunciou em junho um boicote ao TikTok e a outros 58 apps chineses, dizendo que várias pessoas haviam reclamado que os aplicativos roubam dados pessoais. A Índia disse que os aplicativos de empresas chinesas são "prejudiciais à soberania e integridade da Índia".
Em recente entrevista à Fox News, o secretário americano de Estado, Mike Pompeo, confirmou que os Estados Unidos estudam um boicote ao TikTok e disse que o aplicativo coloca "informações privadas nas mãos do Partido Comunista Chinês".
Na Austrália, uma autoridade de segurança disse que o TikTok pode ser "um serviço de coleta de dados disfarçado de rede social".
Sabe-se que o TikTok coleta informações pessoais, como os vídeos assistidos e comentados pelos usuários, dados de localização, modelo do aparelho de telefone e até mesmo as informações armazenadas na área de transferências (o "clipboard"). Mas nesse ponto ele não é muito diferente de outros aplicativos como Facebook, New York Times e até mesmo da BBC News.
A ByteSize insiste que todos os dados coletados pelo aplicativo são armazenados fora da China.
"A sugestão de que estamos sob o domínio do governo chinês é completamente falsa", disse Theo Bertram, diretor de políticas públicas do TikTok na Europa, Oriente Médio e África, em entrevista à BBC.
Mas especialistas dizem que a China tem uma lei nacional de segurança, de 2017, que pode teoricamente exigir que a ByteSize entregue dados de usuários ao governo. Bertram diz que, no caso de receber um pedido de autoridades chinesas, a empresa se negaria a fazê-lo.

4. Fronteiras

Na madrugada do dia 15 de junho, em um posto militar remoto em montanhas a 4,3 mil metros de altura na divisa entre a Índia e a China, centenas de soldados indianos e chineses travaram uma batalha no escuro. Um acordo mútuo proíbe armas de fogo no local, e o combate se deu com socos, pedras e pedaços de metal, de forma primitiva.
Após seis horas de brigas, 20 soldados indianos morreram e 76 ficaram feridos — a maioria caiu das montanhas em águas congelantes. A China não confirmou quantos dos seus soldados morreram.
Políticos indianos fazem homenagem a soldados que morreram em confronto com a China no mês passadoDireito de imagemAFP
Image captionPolíticos indianos fazem homenagem a soldados que morreram em confronto com a China no mês passado
As duas potências nucleares — com as duas maiores populações do mundo e dois dos maiores exércitos do planeta — disputam um território conhecido como Aksai Chin, que é estratégico para ambos.
A região fica próxima ao Paquistão e ao Tibete, que são pontos militarmente estratégicos e sensíveis para ambos os países. Tanto China quanto Índia têm construído e ampliado estradas na região, que permitem o deslocamento de tropas ao longo da fronteira.
A briga aberta entre os soldados — China e Índia se acusam mutuamente de provocações que levaram à batalha — é o episódio mais tenso entre os dois países em várias décadas.
Em 1962, eles travaram uma guerra vencida pela China. Especialistas atribuem em parte a recente retaliação da Índia a aplicativos de empresas chinesas a esse episódio.
Soldados indianos caminham nas montanhas da fronteira entre a Índia e a ChinaDireito de imagemAFP
Image captionSoldados indianos caminham nas montanhas da fronteira entre a Índia e a China
As disputas territoriais da China não se limitam a fronteiras terrestres. A China e outros cinco países (Vietnã, Filipinas, Taiwan, Malásia e Brunei) reivindicam territórios marítimos no Mar do Sul da China, que abrigam rotas cruciais para navios cargueiros e aviões.
Eles também reivindicam as ilhas Spratly e Paracel, arquipélagos com populações pequenas mas que podem em tese conter recursos minerais valiosos.
Há anos a China vem construindo ilhas artificiais em pleno mar como forma de ocupar parte do território que reivindica. A China vem promovendo a ocupação de ilhas na região desde 2012, com a construção de escolas, fazendas e bases militares.
Por anos os Estados Unidos se limitaram a sobrevoar as zonas, verificando que as rotas aéreas não seriam interrompidas. Mas neste mês o secretário de Estado americano, Pompeo, classificou a reivindicação chinesa do mar como "ilegal".
"O mundo não vai permitir que Pequim trate o Mar do Sul da China como parte do seu império marítimo", disse Pompeo.
Secretário de Estado americano Mike Pompeo tem elevado retórica e sanções contra a ChinaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSecretário de Estado americano Mike Pompeo tem elevado retórica e sanções contra a China
O governo chinês respondeu que "o Departamento de Estado americano distorce de forma deliberada os fatos e as leis internacionais".
Pequim também acusou Washington de exagerar a situação e de tentar promover discórdia entre a China e os demais países da região.
As declarações foram feitas após uma série de episódios tensos. Em abril, a guarda costeira chinesa afundou um navio pesqueiro vietnamita. Em seguida, um navio petroleiro da Malásia foi interceptado por embarcações militares chinesas.
Os Estados Unidos despacharam dois navios destróieres equipados com mísseis teleguiados. A China então fechou o espaço aéreo ao redor das ilhas Paracel para um teste naval e foi acusada pelos americanos de romper seu compromisso de não exacerbar os ânimos na região.
Depois disso, dois porta-aviões americanos foram enviados para a região, com diversos aviões militares sobrevoando as áreas.
Fotos revelam que China vem aumentando sua presença militar no Mar do Sul da ChinaDireito de imagemREUTERS
Image captionFotos revelam que China vem aumentando sua presença militar no Mar do Sul da China
Há temores de que o Mar do Sul da China possa ser o local onde as tensões diplomáticas entre Estados Unidos e a China atinjam o ponto de agressão militar aberta.
Kelsey Broderick, da consultoria Eurasia Group, diz que a China tem dado sinais de que não quer um conflito militar aberto, mas o país parece estar hoje muito mais perto disso do que no passado recente.
"A China vem aumentando sua capacidade militar nos últimos anos para poder lutar militarmente nestas questões de fronteira caso seja necessário, porque elas são muito importantes para o país", diz Broderick.
Porta-aviões dos EUA patrulham o Mar do Sul da China em junhoDireito de imagemEPA
Image captionPorta-aviões dos EUA patrulham o Mar do Sul da China em junho
"É possível que vejamos mais conflitos pequenos como o que aconteceu na fronteira com a Índia acontecendo em outros lugares, em que as coisas ficam muito quentes, mas logo depois esfriam com os mecanismos atuais de comunicação. Eu não preveria uma guerra de grandes proporções de algum país com a China por que isso não é do interesse de ninguém."

5. Uigures

A crise política envolvendo os chineses muçulmanos da etnia uigur existe há décadas. No começo do século 20, eles chegaram a declarar sua independência, mas em 1949 a China comunista estabeleceu seu domínio sobre a Província de Xinjiang.
Apesar de no papel a Província ser considerada uma região autônoma, na prática ela se mantém sob forte controle de Pequim.
Nas últimas décadas, a região foi foco de intensos protestos. Na véspera das Olimpíadas de Pequim, o governo reprimiu protestos em que os uigures exigiam melhores condições econômicas. Em 2014, uigures denunciaram à BBC que estavam sendo proibidos de frequentar mesquitas e praticar jejum religioso.
Em 2017, o presidente chinês, Xi Jinping, lançou uma diretriz em que diz que as religiões no país precisariam se adaptar à "realidade socialista" e às "orientações chinesas". As práticas religiosas dos uigures foram alvos de controle do governo.
Relatório de antropólogo alemão acusa China de promover esterilização de mulheres uiguresDireito de imagemAFP
Image captionRelatório de antropólogo alemão acusa China de promover esterilização de mulheres uigures
Xinjiang é hoje altamente vigiada, com alto número de câmeras, policiais e postos de checagem. O governo chinês diz que as medidas são importantes para conter movimentos separatistas, classificados como terroristas pelo Estado. Mas os uigures reclamam que isso é uma forma de repreensão.
Nos últimos meses, a comunidade internacional passou a dar maior atenção para a questão uigur.
Um relatório do antropólogo alemão Adrian Zenz, divulgado no final de junho, pede que a ONU investigue a suposta esterilização dos uigures com injeções e outros métodos forçados de contracepção.
Ele diz ter se baseado em entrevistas com mulheres uigures e dados estatísticos que sugerem que o índice de crescimento populacional da minoria étnica caiu 84% entre 2015 e 2018. Zenz acusa a China de praticar uma "campanha demográfica de genocídio" contra os uigures.
O governo chinês disse que as alegações não têm fundamento e são feitas por "motivos escusos".
Neste mês, o Reino Unido acusou a China de "graves violações de direitos humanos" em Xinjiang, mas evitou usar o termo "genocídio". O governo dos Estados Unidos anunciou sanções diretas a líderes do Partido Comunista Chinês na província, entre eles o líder regional Chen Quanguo. Ele se tornou o político chinês de mais alto escalão a receber sanções americanas.
Agências de inteligência dizem que mais de um milhão de uigures estão detidos de forma arbitrária em grandes centros. Até recentemente a China negava a existência dos centros, mas posteriormente confirmou que eles existem e que foram criados para "reeducar" a população uigur contra o extremismo.
Muçulmanos chineses uigures têm fortes laços com povos da Ásia CentralDireito de imagemREUTERS
Image captionMuçulmanos chineses uigures têm fortes laços com povos da Ásia Central
Uma reportagem da BBC visitou em 2019 um desses centros, acompanhada de autoridades. Os uigures apareciam vivendo em alojamentos coletivos, pintando quadros, ensaiando danças patrióticas chinesas, cantando músicas e fazendo cursos profissionalizantes.
Os uigures ouvidos diziam estar ali por iniciativa própria, mas a reportagem não encontrou indícios de que eles pudessem deixar os centros por vontade própria. O centro era semelhante a uma prisão, com barras nas janelas, portões fechados e seguranças por toda parte.
Relatórios de inteligência de um instituto de pesquisa da Austrália e do Congresso dos Estados Unidos afirmam que milhares de uigures estão sendo enviados para empresas chinesas em condições que "indicam fortemente o uso de trabalho forçado".
Os relatórios dizem que essas fábricas fazem parte da cadeia de produção de grandes marcas, como Nike, Gap e Apple. As empresas disseram que investigaram seus processos produtivos e não encontraram nenhum indício de trabalho forçado na sua cadeia de suprimento que vem da China.
O governo americano emitiu um alerta para que empresas investiguem a ligação das suas cadeias de suprimento com a província de Xinjiang. O alerta inclui uma advertência para as "repercussões legais e de reputação" para as marcas.
Província de Xinjiang é grande produtora de algodão e desempenha papel importante na indústria têxtil globalDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionProvíncia de Xinjiang é grande produtora de algodão e desempenha papel importante na indústria têxtil global
Agora o Congresso americano discute uma proibição explícita a todos os produtos exportados desde Xinjiang. Um dos setores mais atingidos seria o de roupas, já que Xinjiang é responsável pela maioria do algodão produzido na China, que representa 20% da oferta mundial do produto.
A Nike disse que exigiu que um de seus fornecedores na China parasse de recrutar trabalhadores uigures a partir de Xinjiang.
Kelsey Broderick diz que a pressão por direitos humanos na China sempre foi um ponto importante para o Ocidente. Mas para ela a escalada atual está em parte ligada ao processo eleitoral americano, onde Donald Trump busca a reeleição em novembro.
Relação entre China e EUA é um dos pontos da campanha de Donald Trump em sua tentativa de reeleiçãoDireito de imagemREUTERS
Image captionRelação entre China e EUA é um dos pontos da campanha de Donald Trump em sua tentativa de reeleição
"Trump sente que a China é algo com o qual ele lidou bem desde 2016, quando foi eleito. Ele diz que sob Barack Obama, a China podia fazer o que bem entendia e que Trump mudou isso. Essa é a plataforma de campanha dele", diz a especialista.
"Diante do eleitorado, Trump tem parecido fraco na forma como lidou com o coronavírus e a economia e ele tem precisado demonstrar força. O que achamos que está acontecendo é que ele abriu a porta no seu governo para que se persiga ações contra a China que no passado recente seriam consideradas arriscadas demais. Nós vemos isso sobretudo no departamento de Estado e suas sanções, na questão de Hong Kong, de Xinjiang e uigures ou no fechamento do consulado chinês em Houston. Isso eram coisas que o governo americano tinha no seu 'bolso' e que agora, perto da eleição de novembro, estão voltando à tona."


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