Esta é uma lista dos mais de 3.500 acadêmicos e cientistas
que assinaram esta declaração, representando mais de 650 universidades em todo
o mundo.
No sábado, 16 de maio de 2020, o artigo foi lançado em 25
idiomas, em 39 publicações, em 34 países.
https://democratizingwork.org/
Tradução:
TRABALHO: DEMOCRATIZAR, DESMERCANTILIZAR, REMEDIAR
Trabalhadores humanos são muito mais do que “recursos”.
Este é um dos aprendizados centrais da crise atual. Cuidar dos doentes;
entregar comida, medicação e outros serviços essenciais; limpar nosso lixo;
repor as prateleiras e controlar os caixas dos nossos supermercados - as
pessoas que mantiveram a continuidade da vida durante a pandemia do COVID-19
são a prova viva que o trabalho não pode ser reduzido a uma mera mercadoria.
Saúde humana e o cuidado dos mais vulneráveis não podem ser governados apenas
por forças do mercado. Se deixarmos essas decisões somente para o mercado, nós
corremos o risco de exacerbar desigualdades a ponto de perder a própria vida
dos menos favorecidos. Como evitar esta situação inaceitável? Envolvendo os
empregados nas decisões relacionadas às suas vidas e ao seu futuro no local de
trabalho - democratizando empresas. Desmercantilizando o trabalho - garantindo
o emprego protegido para todos e todas. No momento em que enfrentamos este
monstruoso risco de um colapso pandêmico e ambiental, fazer tais mudanças
estratégicas nos permite garantir a dignidade de todos e todas cidadãs,
organizando a força e o esforço coletivo necessários para preservar a nossa
vida juntos neste planeta.
Por que democratizar?
Todas as manhãs, homens e mulheres levantam para servir
aqueles entre nós que podem ficar em quarentena. Tais trabalhadores e
trabalhadoras nos protegem vigilantes durante a noite. A dignidade de suas
atividades não precisa de outra explicação além do termo eloquentemente simples
“trabalhador essencial”. Este termo também revela um fator chave que o
capitalismo sempre buscou tornar invisível com outro termo, “recurso humano”.
Seres humanos não são um recurso entre tantos outros. Sem trabalhadores e trabalhadoras,
não existiria produção, serviços ou sequer empresas.
Todas as manhãs, homens e mulheres em quarentena acordam em
suas casas para cumprir, de longe, as missões das empresas para as quais
trabalham. Eles trabalham noite adentro. Para aqueles que acreditam que
empregados não são confiáveis para exercer suas atividades sem supervisão, que
exigem vigilância e disciplina externa, estes homens e mulheres estão provando
o contrário. Eles estão demonstrando, dia e noite, que trabalhadores não são um
grupo de interesse qualquer: eles possuem as chaves do sucesso de seus
empregadores. Eles são o núcleo constituinte da empresa, mas, no entanto, são
os mais excluídos da participação das decisões de seus locais de trabalho - um
direito monopolizado pelos investidores de capital.
Para a pergunta de como empresas e como a sociedade em
geral pode reconhecer as contribuições de seus empregados em tempos de crise,
democracia é a resposta. Certamente, devemos eliminar o enorme abismo de
desigualdade de renda e elevar o piso da renda de trabalhadores – mas isso por
si só não é suficiente. Depois de duas Guerras Mundiais, a demonstração da
inegável contribuição das mulheres para a sociedade lhes ajudou a conquistar o
seu direito de votar. Da mesma forma, é hora de envolver os trabalhadores e
trabalhadoras.
A representação dos empregados no local de trabalho existe
na Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial, por meio de instituições
denominadas de Conselhos de Trabalho. Contudo, estes órgãos representativos
possuem uma voz fraca, na melhor das hipóteses, na decisão das empresas, e
estão subordinados às escolhas das equipes de gestão executiva nomeadas pelos
acionistas. Eles foram incapazes de parar ou até retardar o momento implacável
da acumulação de capital que serve a si próprio, cada vez mais poderoso na
destruição do nosso meio ambiente. Estes órgãos representativos devem ter agora
direitos semelhantes a aqueles exercidos por conselhos executivos. Para fazer
isso, poderia ser exigido, por conselhos que representam trabalhadores e
acionistas, que gestores de empresas (ou seja, alta gerência) somente
obtivessem a aprovação de decisões com dupla votação majoritária. Na Alemanha,
nos Países Baixos e Escandinávia, diferentes formas de co-gestão inseridas
progressivamente após a Segunda Guerra Mundial foram um passo crucial para dar
voz aos trabalhadores - mas tais mecanismos são ainda insuficientes para criar
uma cidadania efetiva nas empresas. Mesmo nos Estados Unidos, onde a
organização coletiva dos trabalhadores e os direitos sindicais foram
consideravelmente suprimidos, existe, neste momento, uma crescente
reivindicação para conceder aos trabalhadores o direito de eleger
representantes com supermaioria dentro dos conselhos. Questões como a escolha
de um CEO, a definição das principais estratégias e a distribuição de lucros
são importantes demais para serem deixadas apenas aos acionistas. Um
investimento pessoal de trabalho; isto é, da mente e do corpo, da saúde - da
própria vida - deve vir com o direito coletivo de validar ou vetar essas
decisões.
Por que desmercantilizar? Esta crise também evidencia como
as relações de trabalho não devem ser tratadas como mercadorias, e como
mecanismos de mercado não podem ser os únicos responsáveis pelas decisões que
impactam nossas comunidades de forma mais profunda. Há tempos, a gestão de
empregos e insumos na área da saúde têm sido conduzida sob a ótica do lucro;
hoje, diante da pandemia, é revelada a extensão da cegueira a que fomos
submetidos diante de tais princípios. É extremamente importante que certas demandas
estratégicas e coletivas sejam simplesmente removidas de tal perspectiva. A
crescente contagem de corpos ao redor do mundo é um lembrete sinistro de que
certas coisas nunca devem ser tratadas como mercadorias. Aqueles que continuam
discordando acabam por condenar todos com sua ideologia inconsequente.
Rentabilidade é uma métrica inaceitável de sucesso quando consideramos nossa
saúde e nossas vidas neste planeta.
A desmercantilização do trabalho propõe que determinados
setores sejam protegidos das ditas “leis do livre mercado”, também garantindo
que todas as pessoas tenham acesso a trabalho e às condições dignas atreladas a
ele. Uma alternativa para tanto seria a criação de uma Garantia de Emprego. O
Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos preconiza que todos os
seres humanos têm o direito ao trabalho. A Garantia de Emprego não só
ofereceria a cada cidadão a oportunidade de um trabalho digno, mas também seria
um vetor de propagação de mudanças coletivas em questões sociais e ambientais tão
urgentes. Ao garantir empregos, governos teriam a oportunidade de, através de
ações com comunidades locais, de promover a dignificação das relações de
trabalho enquanto contribuem para o intenso esforço de combate ao colapso
ambiental. Por todo o globo, à medida que as taxas de desemprego crescem
vertiginosamente, programas de proteção ao emprego oferecem a chance de
garantir estabilidade social, econômica e ambiental às nossas sociedades
democráticas. (VAR. EUROP). A União Europeia tem o dever de incluir tal projeto
em seu Green Deal. O Banco Central Europeu deve revisar sua missão para que
possa financiar tal programa, o que se faz necessário para sua sobrevivência,
uma vez que isso legitimaria sua função junto à vida de cada cidadão da União
Europeia. Uma solução contra o ciclo explosivo de desemprego que se anuncia,
esse programa poderia ser uma contribuição chave para a prosperidade da UE.
Remediação ambiental
Não podemos reagir agora com a mesma inocência de 2008,
quando respondemos à crise econômica com um plano de resgate incondicional que
inchou a dívida pública sem exigir nada em retorno. Se nossos governos
intervirem para salvar negócios na crise atual, então negócios também devem agir estrategicamente, buscando
atingir condições básicas de democracia. Em nome das sociedades democráticas a
que servem, e das quais são constituídos, em nome da responsabilidade de
garantir nossa sobrevivência neste planeta, nossos governos devem garantir que
os auxílios a empresas estejam atrelados a determinadas mudanças de conduta.
Além de se sujeitar a rigorosos critérios ambientais, empresas deverão cumprir
condições específicas de governança interna democrática. Para que a transição
de um modelo apoiado em degradação para outro baseado em recuperação e regeneração
ambiental seja bem sucedida, esta deverá ser conduzida por empresas com uma
governança fortemente democrática, nas quais as vozes dos que investem sua
força de trabalho tenham o mesmo impacto em decisões estratégicas do que
aqueles que investem o seu capital econômico. Já esgotamos o nosso tempo para
perceber o que acontece quando trabalho, o planeta e ganhos de capital tentam
se equilibrar dentro do sistema vigente: trabalho e o meio ambiente sempre
perdem. Graças à pesquisa realizada no Departamento de Engenharia da
Universidade de Cambridge (Cullen, Allwood, and Borgstein, Envir. Sci. &
Tech. 2011 45, 1711–1718), sabemos que “mudanças possíveis em processos
produtivos” poderiam reduzir o consumo global de energia em 73%. Porém, tais
mudanças requerem intensificação da força de trabalho e decisões que podem ser
mais onerosas a curto prazo. Enquanto empresas estiverem focadas em apenas maximizar lucros para seus
investidores, num mundo onde energia é barata, o que justifica tais mudanças? E
apesar dos desafios de tais transições, negócios com consciência social e
gestão cooperativa - com metas híbridas que combinam ganhos financeiros,
sociais e ambientais, e o desenvolvimento de governanças internas democráticas
- se mostram como alternativas viáveis com o potencial de atingir tais impactos
positivos.
Não podemos continuar nos enganando: se deixados a sua
própria sorte, a maior parte dos investidores de capital continuarão não se
importando com a dignidade daqueles e daquelas que investem sua força de trabalho;
tampouco irão liderar a luta contra a catástrofe ambiental. Uma outra via é
possível. Democratizar empresas; desmercantilizar relações de trabalho; e
focar, juntos, em regenerar o planeta.
Traduzido por Paulo Savaget Nascimento (Durham University e
University of Oxford) & Flavia Maximo (Universidade Federal de Ouro Preto)
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