Momento Revolucionário (Colagem: Andressa Bezerra)
Qual será o futuro da cultura pós pandemia?
Vogue convida personalidades da cena cultural e do entretenimento a fazer um exercício de imaginação sobre o futuro do cinema, da música, da literatura e das artes plásticas após a pandemia. Criatividade será a palavra de ordem
"Eu já estou com o pé nessa estrada, qualquer dia a gente se vê; sei que nada será como antes, amanhã”, cantaram Milton Nascimento e Lô Borges no disco de estreia do Clube da Esquina, em 1972. Palavras proféticas, que se encaixam perfeitamente na situação atual da indústria cultural – estudos apontam que, com o distanciamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, os prejuízos da cultura no Brasil podem superar a casa dos R$ 100 bilhões. Isso não apenas deve afetar toda a cadeia produtiva, como pode ditar a maneira como se faz e veicula arte no País. No cenário internacional, as perspectivas também não são animadoras. “Vai ter uma saída, mas ainda não conseguimos enxergar”, diz Rodrigo Teixeira, produtor de filmes como Ad Astra: Rumo às Estrelas, com Brad Pitt, e Me Chame Pelo Seu Nome, vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado e indicado a melhor filme. Vogue pediu para Teixeira, e outros artistas, produtores, curadores e editores, que realizassem um exercício de imaginação sobre como será o mundo do cinema, da música, da literatura e das artes visuais após a pandemia. O cenário é incerto,mas já podemos prever: muitos precisarão se reinventar.
ARTE INTERMEDIADA
Apesar de museus e galerias terem fechado suas portas no mundo todo, novos caminhos estão surgindo na arte. A Art Basel Hong Kong, que teria ocorrido em março, realizou suas vendas por meio de online viewing rooms. Em meados do mês passado, já na quarta semana de quarentena em São Paulo, o espaço 55SP lançou uma plataforma em que artistas visuais podem divulgar e distribuir seus trabalhos. A exposição AAA Antologia de Arte e Arquitetura, que iria acontecer na Fortes D’Aloia & Gabriel, seguiu o mesmo percurso. “Graças a nossa presença online, conseguimos manter a mostra digitalmente”, confirma Alexandre Gabriel, sócio da galeria. “Neste cenário, artistas que utilizam uma linguagem ancorada no digital devem ganhar maior protagonismo”, completa Livia Benedetti, do site Aarea.
FIM DA FILA
Na música, embora artistas sertanejos como Marília Mendonça façam shows para mais de três milhões de pessoas por meio de lives no Instagram, é difícil imaginar que isso se torne um formato consagrado, apostam insiders da indústria fonográfica. “Fica complicado mixar o som e ao mesmo tempo transmitir um vídeo com luz e acabamento profissionais”, diz o músico Kiko Dinucci, que, em março, fez uma única live diretamente da Casa de Francisca, em São Paulo, onde estava com show marcado. Lúcio Ribeiro, realizador do Popload Festival, espera que o momento não prejudique a realização da edição 2020 do evento, prevista para novembro deste ano. “Temos uma situação bem complexa com artistas internacionais. Quando o calendário de shows for retomado, o Brasil volta para o fim da fila. Só quem tem muito dinheiro, como o Lollapalooza, vai conseguir trazer grandes nomes em um primeiro momento”, afirma ele, que tem até o fim de julho para cravar o line-up. “Devemos fazer um festival menor, porém mais inventivo, com atrações fora do circuito.”
CAMINHO DAS LETRAS
A situação também não será fácil no mundo da literatura. Com o fechamento das livrarias, o mercado editorial pode encolher até 65%. Este é o momento em que editoras grandes e independentes devem explorar o formato ebook, audiolivros e o sistema POD (Print on Demand), no qual os exemplares comprados são impressos sob demanda e entregues diretamente na casa do leitor. “Já temos uma boa base de leitores de ebooks, cerca de 10%. A situação sugere que ela irá aumentar”, diz André Conti, sócio e editor da Todavia, que disponibilizou mais de 50 títulos com descontos de até 70%. Os selos do grupo Companhia das Letras têm 70% do catálogo em formato digital e ofereceram, até agora, 12 títulos gratuitamente durante a quarentena. “Essa foi uma ação solidária. Nossos esforços agora estão voltados para nos reinventar”, diz o diretor editorial Otavio Marques da Costa. Assim como a Todavia, que agora faz leituras em lives, por exemplo, a Companhia investe em newsletters e numa série chamada Diários do Isolamento, disponível no blog da editora, em que autores expõem seus relatos em textos. Entre eles, está a gaúcha Luisa Geisler, que acaba de lançar Corpos Secos, um romance apocalíptico escrito a oito mãos. “Espero que, coma quarentena, as pessoas passem a valorizar mais a arte. Pois é impossível ficar isolado sem consumir nem que seja uma série na Netflix”, avalia a autora.
SUSPENSÃO CRIATIVA
Só no ano passado, Rodrigo Teixeira produziu A Vida Invisível, O Farol e Ad Astra: Rumo às Estrelas. Ele conta que “deu sorte” com o timing da pandemia, já que estava com quatro filmes em pós-produção e nenhuma filmagem prevista até julho, quando espera que os sets voltem a operar. Mas não minimiza a crise. “Nunca antes na história do entretenimento a indústria norte-americana parou”, aponta. “Acredito que este período será especialmente duro com as salas de cinema, mas o canal de distribuição deve mudar, o que pode favorecer produções independentes”, avalia ele, que enxerga o período de recolhimento como uma oportunidade para profissionais do cinema. “É a chance de ler mais, ampliar a bagagem cultural, desenvolver roteiro, formatar projeto da maneira correta. Bons roteiristas e diretores podem surgir disso.” Indicada ao Oscar 2020 de melhor documentário por Democracia em Vertigem, a diretora Petra Costa viu na crise uma inspiração: está iniciando um projeto que pode resultar em um longa. Distopia, anunciada mês passado, por enquanto é uma convocatória pelas redes sociais da diretora para que as pessoas enviem vídeos caseiros com suas narrativas de confinamento. “É como se a Terra estivesse nos mandando ficar parados, em uma suspensão do tempo, e nos levando a refletir”, avalia a cineasta.
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