Linha de
produção de luvas de vinil descartáveis em uma fábrica na China.WAN SC / BARCROFT MEDIA VIA
GETTY IMAGES
Como será a economia após o coronavírus
Crise causada pela Covid-19 prevê novas
regras nas relações comerciais, nos hábitos de consumo e no peso do Estado
frente ao mercado
Madri - 13
ABR 2020 - 11:51 BRT
O ser humano e
os povos estão atravessados por cicatrizes e memória. Ambos constroem o que
serão e o que foram. A hiperinflação da República de Weimar ainda
pesa nas políticas alemãs e sua austeridade; a Grande Depressão deixou nos
norte-americanos um sentimento de “não desperdiçar” (waste not, want not);
e a crise de 2008 e seu legado de precariedade e iniquidade ainda empobrecem a
vida de milhões de pessoas em muitas democracias ocidentais. Mas todo desastre
é diferente. O crash de 1929 e a Segunda Guerra Mundial definiram as bases
do moderno Estado de bem-estar, e a epidemia de gripe de 1918 ajudou a criar
os sistemas nacionais de saúde em muitos países europeus.
Por isso, cada
choque econômico deixa uma herança de recordações e feridas. Também de
mudanças. É impossível pensar que essa inimaginável experiência de máscaras,
distanciamento social, perdas humanas e cancelamento da vida não trará
consequências após o final da pandemia. É cedo para saber exatamente quais. Quanto mais tempo durar a crise, maior será o dano
econômico e social. Os analistas podem demorar anos e até décadas
para explicar todas as implicações do que se vive nesses dias. O paradoxal, ou
não, é que esse vírus explora as características da vida que nós mesmos nos
demos. Superpopulação, turismo maciço, cidades imensas, viagens aéreas
constantes, redes de fornecimento a milhares de quilômetros e uma extrema
desigualdade na divisão da riqueza e nos sistemas de saúde públicos.
Tudo isso
deixou exposta a fragilidade do homem. Essa foi a autêntica placa de Petri da Covid-19. O que virá quando passar? “A epidemia traz uma mentalidade de tempos
de guerra, mas uma mentalidade que une todo o planeta do mesmo lado. Os anos de
guerra são períodos de uma grande coesão interior dos países e da preocupação
pelos outros”, diz Robert J. Shiller, prêmio Nobel de Economia em 2013. E
acrescenta. “Um efeito a longo prazo dessa experiência pode ser instituições
econômicas e políticas mais redistributivas: dos ricos aos pobres, e com maior
preocupação pelos marginalizados sociais e idosos”.
É
uma esperança. Evidentemente, a crise atual não é tão catastrófica como uma guerra
mundial e a devastação que nossos avós vivenciaram na Guerra Civil espanhola, mas seus efeitos
econômicos serão enormes. Não tem precedentes em tempos de paz. O acontecimento
mais parecido com o qual podemos compará-la, o crash financeiro
de 2008, gestou uma mudança intensa na economia do planeta. Fomos de
um crescimento relativamente alto e uma inflação moderada a outro anêmico e com
deflação. Mas o mundo nunca mais voltou a ser igual ao que havia sido antes
desse ano. “O coronavírus provocará uma recessão muito superior à de 2008-2009,
já que a dívida atual da Grécia é de 175,2% de seu PIB, e em
níveis igualmente altos, que se aproximam de 100% do PIB, estão a Itália, França e a Espanha”, alerta o
economista Guillermo de la Dehesa.
Evidentemente,
causará dor durante muito tempo. “Provavelmente a maioria das economias
demorará de dois a três anos para voltar aos níveis de produção que tinha antes
da epidemia”, diz a consultoria IHS Markit. Ainda que existam outros números
mais importantes. O epidemiologista da Universidade de Harvard, Marc Lipsitch,
disse ao The Wall Street Journal que prevê o contágio de 40% a
70% da população adulta em um ano.
A verdade
econômica se rege sob suas próprias leis da atração. Mudanças chegam. As grandes empresas terão que repensar onde e como produzem.
Muitas moléculas são fabricadas na China, refinadas na Índia e, após uma longa viagem, terminam
nas farmácias e hospitais europeus. “Quando a crise passar ocorrerá uma reindustrialização da Europa
e dos Estados Unidos, pelos problemas nas redes de
abastecimento que muitas empresas estão sofrendo nesses momentos”, prevê César
Sánchez-Grande, diretor de análise e estratégia da Ahorro Corporación
Financiera.
As empresas
perceberam o perigo que significa somar dependência e distância. Mas é certo
que as redes de produção nacionais também se paralisam no caso de uma pandemia. Dá no mesmo. Através do planeta
circula uma corrente de desconexão. “Até mesmo antes da crise muitas multinacionais
com sede nos Estados Unidos já estavam reconsiderando
sua dependência da China. Primeiro pelos custos, mas além disso
pela guerra comercial e os impostos”, diz Karen Harris, diretora geral da
consultoria Bain & Company´s. Não é que a globalização se reverterá. “É uma
realidade que não volta atrás”, afirma José María Carulla, diretor do serviço
de estudos da consultoria de riscos Marsh. Mas terá fraturas. O capitalismo
também? Porque sua essência é o movimento constante de pessoas e mercadorias.
As bases, certamente, de toda a pandemia. E como responderá uma geração,
especialmente jovem, cuja única vivência do capitalismo é uma crise? Sairá às ruas?
Ainda é cedo
para saber. Os paralelos e os meridianos do mundo, entretanto, aparentemente
formarão uma trama mais fina e menos resistente. A conjunção do Brexit, a epidemia e a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos pressagiam
anos complicados à aldeia global. “O bem-estar mundial será muito maior se os
países optarem pela cooperação, a ajuda e a solidariedade em momentos de crise,
e por compartilhar informação e avanços científicos em vez de fazê-lo pela
autarquia e o confronto”, diz Rafael Doménech, responsável de análises
econômicas do BBVA Research.
Eleições nos EUA
Uma das grandes mudanças pode chegar em novembro na Casa
Branca. As crises não reelegem os presidentes. Ford perdeu contra
Carter após a crise do petróleo de 1973, Carter perdeu contra Reagan na segunda
crise do petróleo de 1979 e Bush perdeu contra Clinton após a invasão do Kuwait. O economista
Nouriel Roubini lembrou desses fatos por esses dias ―ele previu o crash de
2008― na revista Der Spiegel. Essas cicatrizes e essa memória
deixam a sensação de que os Estados Unidos já não serão o líder do mundo. “Pela
primeira vez em sua história, a maior potência do planeta renunciou à liderança
da luta sanitária e econômica enquanto a China responde com uma campanha muito
agressiva para melhorar sua imagem pública”, diz Federico Steinberg, analista
principal do Real Instituto Elcano.
Onde está a
força das listras e o brilho das estrelas? “Washington falhou no teste da liderança e
o mundo está pior por isso”, se lamenta no Foreign Policy Kori Schake, diretora
de estudos de política exterior e defesa do American Enterprise Institute. Mas
a Europa também não está imune a essa atração do egoísmo. A UE deve proteger
seus 500 milhões de habitantes ou muitos governos podem exigir o retorno de
certos poderes. É impossível descartar, vimos, que os próximos meses tragam um
maciço repúdio político. “Dependerá”, diz Kathryn Judge, professora na Escola
de Leis da Universidade de Columbia, “de até que ponto o preço é alto em termos
de sofrimento humano, vidas perdidas e a inevitável destruição econômica [o
centro de estudos Brookings Institution fala de um custo global de 2,3 trilhões
de dólares (12 trilhões de reais)] que virá. Porque o auge do populismo que varreu o planeta após 2008
revela a maneira profunda com que a indignação pública pode mudar o mundo”.
A história
alerta que os desastres incendeiam a xenofobia e o racismo. E é cada vez mais comum encontrar
avisos dessa rachadura. Até mesmo no Velho Continente já prospera o relato do
“norte industrioso” e do “sul preguiçoso”. Especialmente pela dificuldade que a
Europa mostra para organizar uma resposta coordenada. “A pandemia está
evidenciando, mais uma vez, a disfunção do euro, que coloca os países membros
em uma camisa de força macroeconômica. A menos que a União Europeia possa reunir a vontade de
se transformar em uma verdadeira união fiscal e política, a zona do euro
começará a se separar”, prevê Paul Sheard, especialista principal do Centro de
Negócios e Governo Mossavar-Rahmani na Escola Kennedy da Universidade Harvard.
Sistemas de
saúde
Nessas
semanas proliferam inúmeros intérpretes da tragédia, adivinhadores do drama,
quiromantes do descontentamento e até os que também, como o político democrata
norte-americano Bernie Sanders, são capazes de revelar tudo em
seis palavras: “Healthcare is a basic human right”. “O sistema de saúde é um direito fundamental do
ser humano”. Esse é um legado do vírus. Existem muitos outros. Mais trabalho em
casa, auge dos pagamentos eletrônicos, maiores controles nas fronteiras,
seguros caros e complexos, educação e medicina à distância, e menos viagens
transoceânicas e convenções. “Precisamos pensar como tornar mais eficiente o
sistema de saúde, porque ao fazê-lo se torna mais econômico, viável e
universal”, propõe Carsten Menke, responsável pela área de next
generation research do banco privado Julius Baer. Sua narrativa inclui
telemedicina, monitoramento do paciente em casa após uma cirurgia e
medicamentos personalizados que evitem os desperdícios de remédios.
Nada muito
revolucionário, tudo muito urgente. Porque a novidade é que a higiene cresce
como prioridade nas agendas de empresas e Governos. Singapura já está
planejando regras de limpeza obrigatórias. Regras mais rígidas podem
impulsionar as compras online de uma maneira semelhante à como a epidemia de síndrome respiratória aguda (SARS, na
sigla em inglês) de 2003 fez com que as pessoas evitassem os centros
comerciais.
Os Governos
vão gastar mais para cuidar da saúde de sua população e evitar os enormes
custos das pandemias. Só o SARS tirou ―de acordo com a Universidade Nacional da
Austrália― 40 bilhões de dólares (204 bilhões de reais) da economia do planeta.
“Para mim é uma chamada de atenção, já que a Covid-19 não é tão mortal como o
ebola. As Administrações, pelo menos assim espero, se organizarão e estarão
preparadas para a próxima”, diz Gael Combes, analista da gestora Unigestion. E
continua. “Em um sentido mais econômico é pouco provável que mude nosso desejo
de consumir e viajar. Talvez os grandes cruzeiros saiam de moda por um tempo,
mas as pessoas não renunciarão, se puderem pagar, a um longo final de semana em
Barcelona”.
Essa mesma fé
na recuperação do consumo é demonstrada por Daniel Galván, diretor da GBS
Finance. “Voltará com força à medida que a situação se normalizar”. Veremos. Porque
o homem utiliza o “costume” como uma barreira contra a noite mais escura. O ser
humano procura refúgios nas tempestades. “Estaremos mais atentos ao nosso, do
público e do que nos protege, e crescerá a porcentagem das pessoas partidárias
de aumentar (ainda que precisem pagar mais impostos) o gasto público em saúde”,
diz Carlos Cruzado, presidente do Gestha, o sindicado dos técnicos da Fazenda
da Espanha.
Enorme gasto
público
Ninguém quer
retornar a um novo período de austeridade como o que
surgiu pela crise da dívida de 2011. Mas a trama dos dias de hoje é semelhante.
Um enorme gasto público e a queda dos rendimentos tributários. “Se a crise
acabar impactando de maneira assimétrica na Europa, menos no norte e mais no
sul, porque os nortistas tiveram mais tempo para se preparar e cortar a cadeia
internacional de fornecimentos sanitários dando prioridade a seu
autoabastecimento, o calvinismo voltará a se impor: ‘Os pecadores merecem pagar
por seus pecados”, critica Carlos Martín, responsável do gabinete econômico das
CC OO (Comissões Operárias da Espanha). “Essa moral já se impôs durante a crise
anterior: os sulistas gastaram em ‘mulheres e vinho’ [como disse em 2017 Jeroen
Dijsselbloem, à época ministro das Finanças holandês]. E o mais chocante é que
alguns Governos do Sul compraram essa reprovação: ‘Vivemos acima de nossas
possibilidades".
Agora podem
raciocinar da mesma forma: os sulistas querem nos repassar, novamente, o custo de
sua incapacidade e desorganização. Mas a economia após o coronavírus traz, em
princípio, o requisito da solidariedade. É evidente que as medidas fiscais
lançadas pelo Executivo para deter a pandemia deixarão um legado de maior
déficit e dívida pública. “Esses aumentos devem ser financiados a longo prazo,
até mesmo décadas. Com qualquer uma das soluções que serão por fim tomadas
(emissão de dívida pública nacional, coronabônus europeus e
outras), o BCE (Banco Central Europeu) terá um
grande protagonismo no financiamento dos mercados secundários de dívida”, diz
Rafael Doménech.
Por enquanto,
a pandemia vive no presente. Acertar o futuro da economia soa complexo. Porque
ninguém sabe qual será seu custo humano e econômico final. Ainda que sempre
existam otimistas. “Acho que a maioria dos negócios, e evidentemente os
gigantes norte-americanos e de outros países, não fracassarão no retorno a sua
atividade empresarial [quando a crise passar]”, observa na agência Bloomberg
Edmund Phelps, prêmio Nobel de Economia. Outras vozes dizem o mesmo.
“Superaremos isso e estaremos melhor dentro de 24 meses”, calcula, em uma nota,
Rob Lovelace, vice-presidente da gestora Capital Group. Mas dois anos é uma
espera inimaginável em milhões de lares. Ainda que nesse período, talvez,
algumas percepções deverão ter mudado para sempre. O preceito de “segurança nacional” incluirá a
redistribuição da riqueza, uma fiscalidade mais justa e reforçar o
Estado de bem-estar. A sociedade também deverá apreciar o valor de trabalhos
até agora desprezados. Babás, assistentes sociais, faxineiras, cuidadores de
idosos. Algumas das contribuições mais subvalorizadas pedem uma consideração bem
diferente. Talvez o novo tempo proponha a lição de que os professores e as
enfermeiras são muito mais valiosos do que os banqueiros de investimento e os
gestores de fundos especulativos.
Uma dessas
vozes cheias de dinheiro é a de Larry Fink. A pessoa mais poderosa dos
mercados. Administra sete trilhões de dólares (35 trilhões de reais) pelo BlackRock, a maior gestora de fundos do
planeta. Confinado em sua casa, escreveu uma carta de 11 páginas aos seus
clientes, acionistas e funcionários. Defende ―claro― o brilho do capital.
“Existem enormes oportunidades no mercado”, afirma. E imagina um futuro
diferente. “Quando sairmos da crise, o mundo será diferente. A psicologia do
investidor mudará. Os negócios mudarão. O consumo mudará”, talvez as pessoas
evitem os lugares cheios como shows e restaurantes. “Então só sobreviverão as
grandes redes e os pedidos online”, se pergunta Giles Alston, especialista da
Oxford Analytica. Parece improvável. Mas as camisetas terão estampadas a
palavra “resiliência” e em suas etiquetas deveríamos ler fabricado em
“decência”, “generosidade”, “honestidade”, “beleza”, “coragem”.
Pouco a
pouco, o futuro econômico se filtra da mesma forma que a luz por uma fresta.
“As políticas monetárias perpetuam o tipo de dinheiro a partir do zero porque a
inflação deixou de ser um problema”, prevê Roberto Scholtes, diretor de
estratégia da UBS. A economia terá que responder a novas exigências sociais.
Políticas fiscais mais expansivas, maior pressão por redistribuir a riqueza e
será preciso projetar divisões de gastos extraordinárias diante de novas
epidemias e a crise climática.
“As grandes
crises econômicas da história desde a Segunda Guerra Mundial ocorreram com
talento político questionável nas superpotências”, diz Emilio Ontiveros,
presidente da Analistas Financeiros Internacionais (AFI). E vai além. “Chega
uma quarta fase da globalização e precisamos de uma coordenação multilateral
maior. O BID, o Federal Reserve (Fed, o banco central
norte-americano), o G20 e o Eurogrupo precisam agir com maior ambição. Porque,
do contrário, sumirão as economias das pessoas, as aposentadorias, o bem-estar.
E a sociedade e a economia sairão mais empobrecidas após a crise”. É preciso
uma renda básica e qualquer sistema de
distribuição semelhante que dê proteção às pessoas em tempos de emergência e de
calma. Principalmente após o inevitável aumento do desemprego que o fim do
enclausuramento econômico deixará. A UBS estima uma destruição (temporária) de dois
milhões de empregos na Espanha, e o Goldman Sachs acha que o PIB do mundo cairá
1% neste ano.
Nesse
momento, a psicologia do investidor, presa no paradoxo, será ao mesmo tempo
igual e diferente. “Como em outras situações que combinam incerteza e
volatilidade elevada, existe um grande apetite pela liquidez e a possibilidade
de que os poupadores optem por depósitos frente a outros investimentos”, diz
Francisco Uría, sócio responsável do setor financeiro da KPMG. Mas a nova linha
do horizonte será desenhada pelos fundos cotizados (ETF) e a sustentabilidade
nas carteiras. E o que será do setor imobiliário, que também criou bolhas,
contradizendo ao poeta, nada leves e sutis? Irá se voltar à tecnologia. As
imobiliárias se tornarão digitais. Até onde for possível. Ninguém compra uma
casa sem vê-la fisicamente. “Mas a curto prazo, o impacto é duro. As pessoas
devem solucionar primeiro outros problemas imediatos, depois voltarão a comprar
moradias”, prevê Carlos Smerdou, executivo-chefe da Foro Consultores
Imobiliários.
Emergência
climática
Porque nesse
anoitecer da Terra, somente a emergência climática e a natureza parecem
se beneficiar. O respiro que demos à atmosfera é a única luz branca que cai
sobre uma obscura pandemia. Na China, onde a poluição causa mais de 1,6 milhão
de mortes prematuras, o confinamento, de acordo com o cientista da Universidade
de Stanford Marshall Burke, salvou a vida de pelo menos 1.400 crianças menores
de 5 anos e 51.700 adultos de mais de 70 anos.
Mudamos nossa
existência e nossa forma de trabalhar em um respiro. Não podemos em outro
modificar a maneira como habitamos o planeta? “As escolhas que os bancos
centrais, o Governos e as instituições financeiras fizerem hoje moldarão nossas
sociedades nos próximos anos. É tempo de mobilizar recursos para colocar a
saúde e o trabalhos das pessoas em primeiro lugar. Por isso, as Administrações
devem investir em afastar nossas economias da dependência dos combustíveis
fósseis e o crescimento infinito que continua alimentando o desastre”, pede May
Boeve, diretora da ONG 350.org.
“Vamos a uma
recessão não vista desde a Grande Depressão”
Kenneth
Rogoff, economista e professor em Harvard, acha que o vigor da saída da crise
depende da resposta sanitária.
Kenneth
Rogoff, em foto de 2018.JASON ALDEN /
BLOOMBERG
Rogoff, um dos grandes economistas do século XXI, tem o prestígio de não escrever linhas torcidas. Em 2009 publicou, com sua colega no centro norte-americano Carmen Reinhart um livro cujo título é uma reimpressão dos dias em que transitamos. This is Different: Eight Centuries of Financial Folly (Isso é diferente: Oito séculos de necessidade financeira). Hoje, enquanto conversa com o EL PAÍS através de um questionário enviado por e-mail, essa frase tem o mesmo peso de um céu de chumbo. “O impacto potencial na política econômica é profundo. Mas pode ir em diferentes direções”, afirma Rogoff. “O sistema autoritário da China será visto como a solução ou a causa da crise? O inepto manejo da pandemia pelos Estados Unidos, tanto em suas primeiras etapas (falta de testes) como em suas últimas (carência de uma política nacional unificada), assinalará o começo do fim do domínio norte-americano ou, em última instância, mostrará a criatividade e a resiliência do país e do dólar? Será preciso ter muita força.
Rogoff, um dos grandes economistas do século XXI, tem o prestígio de não escrever linhas torcidas. Em 2009 publicou, com sua colega no centro norte-americano Carmen Reinhart um livro cujo título é uma reimpressão dos dias em que transitamos. This is Different: Eight Centuries of Financial Folly (Isso é diferente: Oito séculos de necessidade financeira). Hoje, enquanto conversa com o EL PAÍS através de um questionário enviado por e-mail, essa frase tem o mesmo peso de um céu de chumbo. “O impacto potencial na política econômica é profundo. Mas pode ir em diferentes direções”, afirma Rogoff. “O sistema autoritário da China será visto como a solução ou a causa da crise? O inepto manejo da pandemia pelos Estados Unidos, tanto em suas primeiras etapas (falta de testes) como em suas últimas (carência de uma política nacional unificada), assinalará o começo do fim do domínio norte-americano ou, em última instância, mostrará a criatividade e a resiliência do país e do dólar? Será preciso ter muita força.
Os meses
chegam descontando um calendário de dias desolados. “Parece que nos dirigimos a
uma profunda recessão global, com um tamanho nunca visto desde a Grande
Depressão”, prevê o economista. “Esperemos que seja muito mais curta. Ainda que
a rapidez da saída dependa de como o vírus se desenvolva e a resposta do
sistema de saúde. Mas, até mesmo no melhor dos casos, a situação é terrível aos
mercados emergentes. Antes da crise já tinham uma dívida externa altíssima
[entre hoje e o final do próximo ano, os países em desenvolvimento devem lidar,
de acordo com a ONU, com o pagamento de 2,7 trilhões de
dólares (13 trilhões de reais) em dívida] e um crescimento em queda. Isso
provocará o colapso de muitas nações. Carmen Reinhart e eu propomos uma
moratória do pagamento aos países mais afetados”, diz Rogoff.
Depressão social
e liberdade
A pandemia
passará e será preciso pensar por quais ruas e cidade caminharemos. Porque a
Terra corre o risco de cair em uma espécie de depressão social causada por esse tempo
de distanciamento. “Um colapso pessoal que será muito duro com a população mais
isolada e solitária, como os idosos”, alerta o colunista Ezra Klein. É o
resultado de um confinamento imposto, mas também voluntário. Já existe uma
cacofônica palavra que o define: cocooning. “É a tendência a estar
mais tempo em casa, socializar menos fora e fazer de teu lar uma fortaleza”,
diz Patricia Daimiel, diretora-geral da consultoria Nielsen. É o que queremos?
Nos sentir seguros e isolados? “Provavelmente descobriremos (outra vez!) que existem
muitos trabalhos que podem ser feitos em casa, economizando combustível em
deslocamentos e tempo de espera em antessalas. O problema, entretanto, é que
queremos estender esse privilégio a atividades muito importantes como a
educação e o amor, que não podem deixar de ser presenciais: exigem o corpo a
corpo”, reflete o filósofo Fernando Savater. Sem dúvida, a imensa urgência do
presente nos impede de avaliar qual horizonte o futuro deixará.
O escritor
israelense Noah Harari contou no ‘The Financial
Times’ que nestes tempos de crise a sociedade precisa escolher entre
“vigilância totalitária e empoderamento cidadão”. As pessoas enfrentarão
dilemas. “E no momento de escolher as respostas deveríamos avaliar as
alternativas e as implicações a longo prazo. As novas tecnologias são uma
excelente ferramenta para prevenir e evitar os contágios e organizar nossas
vidas (pensemos na compra ‘online’) e a atividade econômica (teletrabalho). Mas
é preciso encontrar um equilíbrio entre privacidade e segurança, e evitar cair
em um controle que manipule as pessoas e coloque suas liberdades individuais em
perigo”, alerta Rafael Doménech, responsável de análise econômica do BBVA
Research.
A China lidou
com a pandemia, entre outras medidas, monitorando milhões de telefones
inteligentes para controlar os contatos e a temperatura corporal de seus donos.
E no espaço de duas semanas, os primeiros-ministros de Israel e Hungria se
outorgaram a possibilidade de governar por decreto, sem interferências do
Parlamento e dos tribunais. Mas as emergências e os desastres também são uma
fenda a uma nova normalidade. Através dela vemos a possibilidade de outros
mundos e outra sociedade. Há perdas, há ganhos; o ar e a vida se filtram.
“Precisamos
de uma nova economia dos cuidados que integre os sistemas nacionais de saúde
públicos e privados como fizemos com os sistemas bancários”, diz Carlos Martín,
responsável do gabinete econômico das CC OO (Comissões Operárias da Espanha). E
aprofunda. “Minha proposta é um eurosistema de saúde que seria financiado com o
primeiro imposto em escala europeia e comunitária. Uma taxação progressiva
sobre o patrimônio das pessoas, cujos excedentes seriam utilizados em ir
somando aos países com menos recursos de fora da UE, até cobrir todo o
planeta...”.
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