TESTES DE ANTICORPOS PODEM AJUDAR A ACABAR COM A PANDEMIA DE CORONAVÍRUS


O que são testes de anticorpos e como eles podem mudar o rumo da ...


Testes de anticorpos podem ajudar a acabar com a pandemia de coronavírus?


Exames não são confiáveis para orientar reabertura, mas podem dar pistas sobre contágio, dizem especialistas

27.abr.2020 às 18h00



por Apoorva Mandavilli
Uma pesquisa feita na semana passada (19-25/4) com moradores de Nova York descobriu que 1 em cada 5 possuía anticorpos contra o novo coronavírus.
Para o governador Andrew Cuomo, foi uma boa notícia. Se tantas pessoas foram infectadas e sobreviveram, raciocinou ele, o vírus pode ser muito menos mortal do que se pensava. Mas muitos cientistas adotaram uma posição mais sombria, vendo aí um grande grupo de pessoas que ainda são muito vulneráveis à infecção.
Assim como líderes de muitos estados americanos, Cuomo espera que os resultados de testes de anticorpos em grande escala possam orientar as decisões sobre quando e como reabrir a economia e reintegrar a sociedade.
Poucos cientistas haviam imaginado que esses testes se tornariam um instrumento de políticas públicas —e muitos não apreciam essa ideia. Os testes de anticorpos, que indicam quem já foi infectado, são muitas vezes imprecisos, segundo pesquisas recentes, e não está claro se um resultado positivo realmente significa imunidade ao coronavírus.
Na sexta-feira (24), a Organização Mundial de Saúde (OMS) advertiu contra confiar nos testes para se tomar decisões políticas. Enquanto países como a Itália sugeriram a ideia de passaportes de imunidade para as pessoas que testarem positivo, autoridades da OMS comentaram que não se sabe em que medida as pessoas que têm anticorpos são imunes ao vírus.
(A OMS recuou no sábado de uma afirmação anterior de que as pessoas com anticorpos podem não ter imunidade.)
Mas os testes generalizados começaram de qualquer modo, e decisões importantes provavelmente virão dos resultados. Os Institutos Nacionais de Saúde, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças e virtualmente toda universidade que tenha um departamento de epidemiologia iniciaram pesquisas de anticorpos em comunidades em todos os Estados Unidos.
"Parece que de repente todo mundo decidiu que os testes de anticorpos vão dar uma resposta maravilhosa", disse o doutor Michael Osterholm, especialista em doenças infecciosas na Universidade de Minnesota.
O objetivo da maioria desses projetos é ter um controle do tamanho e da natureza da epidemia, e não orientar decisões sobre a reabertura da economia. Mas agora os cientistas estão correndo para refinar os testes e saber mais sobre o que realmente significa ter anticorpos, tanto para o paciente como para a comunidade.
Muitas perguntas levantadas por essas iniciativas não têm respostas fáceis: quando alcançaremos a "imunidade de rebanho"? Com que rapidez o vírus se espalhaQuanto tempo dura a imunidade e qual a sua força?
"Esse é um problema muito difícil, e as soluções não serão fáceis", disse Natalie Dean, bioestatística na Universidade da Flórida. "A normalidade ainda não está à vista."
Os resultados no estado de Nova York oferecem uma visão precoce da promessa e das armadilhas dos testes de anticorpos generalizados.
Autoridades de saúde pública testaram 3.000 moradores em mercados e lojas de todo o estado. Na cidade de Nova York, cerca de 21% dos participantes possuíam anticorpos do coronavírus. A taxa era de aproximadamente 17% em Long Island, quase 12% nos condados de Westchester e Rockland e menos de 4% no restante do estado.
A pesquisa de Nova York foi razoavelmente bem elaborada, e os resultados são amplamente verossímeis, segundo especialistas. Mas, diferentemente de Cuomo, poucos consideraram os números uma boa notícia.
"Eu simplesmente não vejo como dar uma visão positiva a estes resultados", disse Carl Bergstrom, especialista em doenças infecciosas na Universidade de Washington, em Seattle. "Eu acho que as tentativas de incliná-los nesse sentido são irresponsáveis."
Ele e outros disseram que se um em cada cinco residentes na cidade de Nova York, duramente atingida, foi exposto ao vírus, então quatro em cada cinco ainda estão vulneráveis —o que salienta como estamos longe do fim da pandemia.
Os resultados de Nova York sugerem uma taxa de mortalidade entre 0,5% e 1%, números que alguns comentaristas conservadores afirmaram ser baixos demais para justificar uma quarentena no estado.
Especialistas em saúde pública como o doutor Bergstrom adotaram a opinião oposta. "Se a taxa de mortalidade é de 1%, estamos diante de 2 milhões de mortes, o que é sem precedentes na história do nosso país, e inimaginável", disse ele. "Qualquer um que fale sobre a taxa de mortes como 'apenas 1%, e por isso não devemos nos preocupar', tem uma visão extremamente insensível."
A pesquisa em Nova York confirma o que especialistas acreditavam há muito tempo: que por causa da falta de testes o estado subavaliou o verdadeiro número de infecções por um fator aproximado de 10.
Reabrir a sociedade com uma população tão vulnerável, e sem consideração cautelosa, poderia ser desastroso, permitindo que o vírus varresse o país, disseram o doutor Bergstrom e outros.
Outra lição da pesquisa: Nova York está longe de atingir a "imunidade de rebanho" —uma porcentagem tão grande da comunidade imune ao vírus, que o patógeno não consegue manter uma base.
Para que isso ocorra, especialistas estimaram que de 60% a 70% da população precisariam estar imunes. Mesmo então, o coronavírus continuaria a se disseminar, apenas em ritmo mais lento.
"Honestamente, de um ponto de vista de vantagem ética, a imunidade de rebanho na ausência de uma vacina não é algo que devemos desejar", disse Maimuna Majumder, epidemiologista computacional na Escola de Medicina de Harvard. Até chegar lá, "são muitas pessoas doentes --e muitas mortes", acrescentou ela.
Embora esses resultados não devam ser usados para se tomarem decisões de saúde pública, eles podem ser úteis para estimar o tamanho e a natureza da epidemia, disse Bill Hanage, epidemiologista na Escola de Saúde Pública T. H. Chan, em Harvard.
Pesquisas de anticorpos também podem identificar grupos de alto risco, salientou a doutora Dean, da Universidade da Flórida: "Acho muito importante para as políticas compreender quem são esses grupos nos quais devemos nos concentrar e trabalhar para proteger."
Os fracassos de testes de anticorpos foram claramente expostos em duas outras pesquisas recentes na Califórnia, nos condados de Santa Clara e de Los Angeles.
Ambas atraíram duras críticas de cientistas, segundo os quais os testes tiveram uma porcentagem alta demais de falsos positivos para serem usados em lugares que o vírus deixou praticamente intocados, e portanto podem ter poucos positivos verdadeiros.
Os cientistas também advertiram repetidamente que a presença de anticorpos não significa proteção contra o vírus. Algumas evidências preliminares sugerem, por exemplo, que as pessoas assintomáticas podem não produzir anticorpos suficientes para evitar uma segunda infecção.
Para ter certeza sobre a quantidade de anticorpos necessária no sangue, os pesquisadores precisam de mais testes, tanto para medir a quantidade exata —o que a maioria dos testes rápidos não revela— como análises mais detalhadas da potência dos anticorpos. Essas respostas ainda vão demorar semanas ou meses.
"Estamos contando demais com esses testes, e eles não são perfeitos", disse Saskia Popescu, epidemiologista na Universidade George Mason em Fairfax, na Virgínia.
"E ainda temos muita gente suscetível, por isso é perigoso contar fortemente com eles neste momento."
Osterholm explicou que uma pesquisa de anticorpos, ao fornecer "dados históricos" sobre quem foi infectado, é como um alarme de fumaça que emite um relatório uma vez por mês. "Não funciona muito bem se você tiver um incêndio agora", afirmou.
Testes diagnósticos para o vírus oferecem uma imagem melhor da situação atual, acrescentou ele, e os estados deveriam se concentrar em adquirir testes diagnósticos acurados que possam dar dados oportunos sobre a ascensão ou a queda do número de infecções.
"Esses devem ser os dados que usaremos para avaliar a abertura ou não" da economia, disse o doutor Osterholm.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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