O cometa
interestelar 21/Borisov foi detectado em nosso sistema solar no ano passado
Foto: NRAO/AUI/NSF, S. DAGNELLO
A MISTERIOSA COMPOSIÇÃO DO PRIMEIRO COMETA 'ALIENÍGENA'
DETECTADO EM NOSSO SISTEMA SOLAR
As
descobertas aparecem em dois estudos científicos independentes publicados pelo
site especializado Nature Astronomy.
Paul
Rincon
22/04/2020
- 12:16
O primeiro cometa identificado como
visitante de outro sistema estelar tem uma composição incomum, de acordo com
pesquisas recentes.
O
cometa interestelar 21/Borisov foi detectado em nosso Sistema Solar no ano
passado. O visitante misterioso das profundezas do espaço deu aos cientistas
uma oportunidade sem precedentes de compará-lo com outros cometas que se
formaram ao redor do Sol.
Os novos dados sugerem que ele
contém grandes quantidades de monóxido de carbono, uma possível pista de onde
ele "nasceu".
As
descobertas aparecem em dois estudos científicos independentes publicados pelo
site especializado Nature Astronomy.
Em
um dos estudos, uma equipe internacional, liderada por Martin Cordiner e
Stefanie Milam, do Goddard Space Flight Center, da Nasa, apontou o
radiotelescópio Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (Alma) em direção
ao cometa nos dias 15 e 16 de dezembro de 2019.
O
Alma é composto por 66 antenas posicionadas no topo de uma montanha no deserto
do Atacama, no Chile, que permitem observar o espaço por meio de comprimentos
de onda submilimétricos.
Algumas das observações foram feitas usando o Alma, um
radiotelescópio que fica no deserto do Atacama, no Chile Foto: ESO / C MALIN
No outro estudo, Dennis Bodewits, da Universidade de Auburn, nos Estados
Unidos, e seus colegas coletaram observações ultravioletas de 21/Borisov usando
o Telescópio Espacial Hubble e o Observatório Neil Gehrels Swift.
'RADICALMENTE DIFERENTE'
Os
cometas são feitos de gás, gelo e poeira e se formam no disco rotativo de
matéria (disco protoplanetário) que orbita em torno de uma estrela, e onde
costuma surgir planetas, asteroides e outros corpos celestes.
Eles
podem semear novos mundos com os elementos químicos essenciais à vida e podem
ter trazido água para a Terra quando ela ainda era muito jovem.
As equipes científicas identificaram
duas moléculas no gás liberado pelo 21/Borisov: cianeto de hidrogênio (HCN) e
monóxido de carbono (CO).
O
HCN está presente em quantidades semelhantes em outros cometas encontrados no
Sistema Solar.
No
entanto, os cientistas ficaram surpresos ao ver grandes quantidades de CO. Os
pesquisadores que usaram o Alma para suas observações estimam que a
concentração de CO no 21/Borisov é de 9 a 26 vezes maior que a de um cometa
comum em nosso sistema solar.
Os
cientistas encontraram uma concentração de monóxido de carbono incomum no
21/Borisov Foto: ALMA / NRAO / AUI / NSF
"É a primeira vez que
observamos o interior de um cometa vindo de fora do nosso Sistema Solar",
disse Cordiner, "e é radicalmente diferente da maioria dos cometas que
vimos anteriormente".
Ye
Quanzhi, astrônomo da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, disse que
esses achados são "importantes e surpreendentes".
"Aprendemos
nos últimos dois meses que Borisov é semelhante aos cometas 'dinamicamente
novos' em nosso Sistema Solar (ou seja, os cometas que se formaram nas
extremidades do Sistema Solar e tendem a ter uma maior concentração de CO),
portanto, espera-se uma certa abundância de CO, mas níveis tão altos de CO
(pelo menos o dobro da quantidade de um cometa típico no Sistema Solar) são
muito surpreendentes - pelo menos para mim", disse à BBC o pesquisador,
que não participou dos estudos.
"É bom ver que
diferentes equipes de astrônomos que trabalham com diferentes comprimentos de
onda podem confirmar mutuamente os resultados uns dos outros", acrescentou.
ORIGEM DISTANTE
O
monóxido de carbono é comum no espaço e é encontrado na maioria dos cometas.
Mas, por razões que não são claras, há uma imensa variação na concentração de
CO nesses corpos congelados.
Isso
pode estar em parte relacionado com onde o cometa se formou dentro de um
sistema estelar. Também poderia estar ligado à frequência com que a órbita do
cometa o aproxima de sua estrela e o leva a emitir gases que evaporam mais
facilmente do gelo.
Oumuamua,
detectado em 2017, foi o primeiro visitante de fora do nosso Sistema Solar
identificado por nós Foto: ESO/M. KORNMESSER
No entanto, Cordiner afirmou que
"se os gases que observamos refletem a composição do local de nascimento
de 21/Borisov, isso indica que ele poderia ter se formado, diferentemente dos
cometas em nosso próprio Sistema Solar, em uma região extremamente fria e
periférica de um sistema planetário distante".
Milam
acrescentou que "o cometa deve ter se formado a partir de material muito
rico em CO congelado, que está presente apenas nas temperaturas mais baixas
encontradas no espaço, abaixo de -250 °C".
Cordiner
destacou que o Alma já havia observado discos de poeira e gás - do que os
planetas são feitos - ao redor de jovens estrelas de baixa massa semelhantes ao
Sol.
"Muitos desses
discos se estendem para além da região onde se acredita que nossos cometas se
formam e contêm grandes quantidades de gás e poeira extremamente frios. É
possível que 21/Borisov tenha vindo de um desses grandes discos."
OUTRA TEORIA
Mas
Bodewits ofereceu uma interpretação diferente, ao argumentar que o cometa pode
ter se originado em torno de uma estrela anã vermelha, o tipo mais comum na
galáxia da Via Láctea.
"Essas
estrelas têm exatamente as baixas temperaturas e luminosidades em que um cometa
pode se formar com a composição encontrada no cometa 21/Borisov",
explicou.
Com
base em sua alta velocidade (33 km/s), os astrônomos suspeitam que o 21/Borisov
foi lançado para fora de seu sistema-natal após um encontro próximo com um
planeta gigante ou uma estrela.
Depois,
passou milhões ou bilhões de anos em uma viagem solitária pelo espaço
interestelar até que foi descoberto, em 30 de agosto de 2019, pelo astrônomo
amador Gennady Borisov.
A outra
equipe de cientistas estudou as ondas ultravioletas do cometa com o telescópio
espacial Hubble Foto: NASA
Os astrônomos continuam estudando o
visitante, e observações recentes do comportamento do cometa indicaram que ele
estava se fragmentando.
"Acho
que Borisov se dividiu em duas partes, o Hubble observou o cometa em duas
ocasiões diferentes e, em ambas, foi detectada a separação", disse Ye
Quanzhi.
"Nossa observação foi feita
alguns dias após a descoberta inicial e parecia mostrar uma evolução deste
evento, e um dos fragmentos parece ter sido reduzido a uma massa amorfa de
poeira."
O
21/Borisov é apenas o segundo corpo interestelar já detectado em nosso Sistema
Solar.
O
primeiro, conhecido como Oumuamua, foi descoberto em outubro de 2017, quando já
estava saindo rapidamente de nossa região cósmica.
Embora
tenha sido inicialmente chamado de cometa, não deu sinais das emissões de gás e
poeira característicos desses objetos (que foram observados no 21/Borisov).
Um
estudo publicado no início deste mês na Nature Astronomy sugeriu que Oumuamua,
que tem a forma de um charuto, poderia ser a lasca arrancada de um planeta pela
gravidade de sua estrela-mãe.
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