Dá pra
fazer arte com inteligência artificial?
Arte baseada
em algoritmos estão proliferando ― a aplicação das tecnologias de IA extrapolam
a criação, sendo usada, inclusive, no reconhecimento da autenticidade
Por Dora Kaufman*
A casa de leilões Chirstie’s, fundada em 1766 por James Christie, é uma conceituada instituição britânica ligada ao comércio de arte. Em outubro de 2018, sua filial em Nova York leiloou uma pintura criada inteiramente por algoritmos de inteligência artificial (IA) conquistando visibilidade na mídia mundo afora: o retrato de Edmond de Belamy, interpretando um cavalheiro aristocrático.
O valor inicial foi fixado entre US$ 7.000 - US$ 10.000, tendo sido vendida por U$S 433 mil.
Richard Lloyd, da Christie’s, justificou a escolha da obra pela limitada intervenção humana em seu processo criativo: “Obvious tentou limitar a intervenção humana tanto quanto possível, de modo que o trabalho resultante reflete a forma 'purista' de criatividade expressa pela máquina.”
Richard Lloyd, da Christie’s, justificou a escolha da obra pela limitada intervenção humana em seu processo criativo: “Obvious tentou limitar a intervenção humana tanto quanto possível, de modo que o trabalho resultante reflete a forma 'purista' de criatividade expressa pela máquina.”
A obra pertence à uma série de imagens chamada "La Famille de Belamy”, criada pelo Obvious, coletivo de artistas e pesquisadores de IA baseado em Paris. Seu propósito é explorar a interface entre a arte e a IA utilizando a arquitetura de redes neurais GAN (generative adversarial network).
As GANS, introduzidas em 2014 por pesquisadores da Universidade de Montreal, são arquiteturas de redes neurais (deep learning) compostas por duas redes - uma contra a outra, daí “adversária” -, treinadas para criar mundos semelhantes em qualquer domínio (música, fala, imagens, textos). Podem ser utilizadas, por exemplo, no “envelhecimento” computacional para ajudar a identificar e/ ou localizar pessoas desaparecidas, e na elaboração de “retrato falado” na busca de suspeitos.
As GANS são capazes de gerar novas imagens, com aparência de autênticas, a partir do conjunto de imagens usadas no treinamento do sistema; no caso da obra leiloada, o sistema foi alimentado com um conjunto de dados de 15.000 retratos pintados entre o século XIV e XX. O surpreendente, contudo, é que o retrato de Edmond de Belamy incorporou elementos contemporâneos diferindo da concepção de retrato da época; esse efeito, segundo seus idealizadores, decorre de distorções do modelo de IA.
Aparentemente, as primeiras experimentações de arte com IA ocorreram com o software do Google DeepDream, em 2015, mas os resultados foram obras estética e conceitualmente limitadas não atraindo a atenção da crítica nem do público. O leilão da Chistie’s estimulou novas experimentações, inseridas num movimento artístico batizado pelo Obvious de “GAN-ism”, e muita polêmica. Vários artistas, utilizadores da inteligência artificial, contestam a originalidade não apenas dessa obra, mas de todo o trabalho do Obvious, referindo-se ao coletivo mais como profissionais de marketing do que propriamente artistas.
A relação da computação e a arte é antiga, e antecede as aplicações atuais de IA. O jornalista americano Mark Anderson, num artigo para a revista Wired de dezembro de 2001, atribui a Ray Kurzweil (“Singularista"), o pioneirismo ao patrocinar os estudos de Harold Cohen. Como pesquisador visitante no Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Stanford, em
1973, Cohen desenvolveu um programa de criação de arte chamado AARON, capaz de desenhar e pintar naturezas-mortas estilizadas e retratos com base em programa de computador (algumas de suas obras estão em coleções de importantes museus).
1973, Cohen desenvolveu um programa de criação de arte chamado AARON, capaz de desenhar e pintar naturezas-mortas estilizadas e retratos com base em programa de computador (algumas de suas obras estão em coleções de importantes museus).
Pamela McCorduck, no livro Aaron’s Code de 1991, considerou Cohen como o pioneiro de uma nova geração de criadores de estética ou “meta-artistas”. The Painting Fool, de Simon Colton da Universidade de Londres, é outro sistema de IA relacionado à arte que vale a pena conhecer e acompanhar; assim como a plataforma AIArtists.org, espécie de curadoria de obras de pioneiros na arte de IA e fórum de reflexão sobre como a IA pode expandir a criatividade humana, como a IA pode contribuir para o entendimento da imaginação coletiva, como podemos estabelecer parcerias criativas entre IA - humanos.
Pode parecer inusitado, até meio insólito, a “automação" da arte. Arte, associada à abstração e subjetividade, soa como antítese de computador, lógico e objetivo. O fato é que proliferam tipos de arte baseadas em algoritmos - Ultra Fractal, Arte Genética, Proceduralismo e Arte Transumanista -, e sites dedicados à esses artistas - The Algorithms, Algorithmic Worlds, The Art. A aplicação das tecnologias de IA na arte extrapolam a criação, sendo usada, por exemplo, no reconhecimento de autenticidade.
Estamos nos primórdios da IA, espera-se uma extraordinária evolução nas próximas décadas. Por enquanto fica a pergunta: a arte de IA é capaz de nos emocionar como a arte humana?
*Dora Kaufman é pós-Doutora COPPE-UFRJ (2017) e TIDD PUC-SP (2019), Doutora ECA-USP com período na Université Paris – Sorbonne IV. Autora dos livros “O Despertar de Gulliver: os desafios das empresas nas redes digitais” (2017), e “A inteligência artificial irá suplantar a inteligência humana?” (2019). Professora convidada da FDC e professora PUC-SP.
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