A Propósito da Obra de Arte de Inteligência Artificial e Sua Destruição
por José Manuel de Sacadura Rocha
Saiu há poucos dias uma notícia bastante interessante sobre um quadro feito por um algoritmo de inteligência artificial (IA), isto é, um computador, que teve acesso a um banco de dados de mais de 15.000 quadros que foram pintados a partir de 1850, e foi programado por um engenheiro do Google para pintar quadros com autonomia, quer dizer, “criar” obras de arte. Um deles é este ao lado. Curiosamente a IA assinou o quadro com uma fórmula matemática (https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/tecnologia/2018/10/27/quadro-feito-por-inteligencia-artificialevendido-porr16-milhao-em-ny.htm). Acrescente-se que o quadro foi vendido por 1,6 milhão de reais em NY.
Uma IA é “orientada” por uma instrução (algoritmo criado pelo engenheiro de software) a criar algo a partir de um grandioso banco de dados (BIG DATA), que contém informações genéricas e especializadas sobre determinado assunto ou objeto. Estas informações são compostas pelas ciências, tecnologias, conhecimento teórico-filosófico, sobre a natureza, o cosmos e sobre as realizações humanas. Claro uma IA ainda só consegue “criar” a partir de instruções matemáticas dialógicas (por isso aquilo que ela entende como “assinatura” saiu em fórmula matemática) – por enquanto.
Nos estudos estéticos existem várias visões para conceituar uma obra de arte como tal. Sinteticamente: 1. a obra de arte se “sente”, quer dizer, parte-se do princípio que tanto o arista como o espectador têm uma percepção “inata ao homem” para o “belo” e o considerarem como tal (como entre os gregos e romanos e como aparece em HEGEL); 2. a obra de arte é aquela onde o artista consegue propor algo para reflexão do espectador, do ponto de vista da crítica dos valores e fatos de seu tempo, portanto com a proposta de mudança, mirando o futuro (ARGAN); 3. a obra de arte é produto de seu tempo, emana do acúmulo de conhecimentos e o artista expressa o espírito da coletividade em seu devir (HEIDDEGER); 4. próximo desta última é a visão elaborada antes por MARX (Grundrisse) se considerarmos que os conhecimentos e a sensibilidade artística são constituídos conforme as relações sociais estabelecidas para a superação de nossas necessidades.
Pode-se notar, porém, que as visões não se excluem necessariamente, podendo compor um todo na definição do que se deve entender por arte.
Olhando para o quadro acima “criado” pela IA, dificilmente diríamos que ele se destaca pela “beleza”, ou que ele nos suscita uma sensibilidade estética muito acentuada. Mas igual a outras obras de arte consideradas como tal, o quadro da IA pode ser visto como produto criativo de uma época, ainda que não necessariamente produto de uma reflexão crítica que questione os valores e paradigmas de nosso tempo. O que de fato é “novo”, paradigmaticamente novo, é que seu artista é um computador, uma IA, embora programada por um humano e alimentada por um big data que os humanos construíram em forma digital e deram acesso à IA.
De certo ponto de vista quase se pode dizer que tem mais de humano no quadro que cibernética – o big data coletivo, a programação algorítmica específica para a construção do quadro, toda a estrutura de hardware, softwares e conexões em rede. Mas quem “criou” foi a IA!
Por outro lado, do ponto de vista da acumulação de conhecimento, ciência e tecnologia pela coletividade, passada de geração a geração pelo fluxo de relações sociais de produção, gerais e de ensino, não existe diferença entre o que a IA fez e o que um artista humano faria, porque em ambos os casos é o saber humano que se constitui socialmente que está por trás da obra de arte.
Como pode então alguém pagar 1,6 milhão de reais por este quadro? Bem, é a mesma resposta para tantos outros casos na arte atual: paga-se qualquer coisa por uma obra desde que exista possibilidade de especular com a arte, como uma mercadoria igual às outras, quer dizer, se houver a expectativa do investidor que ele pode reaver mais do que pagou agora, ou simplesmente possa ostentar para a classe privilegiada um objeto que só ele possui e que custou milhões. São as leis nonsense do capital!
A IA nada tem a ver com isso, da mesma forma que o artista quando cria algo paradigmático à frente de seu tempo não pode evitar que digam que vale milhões. Daí a “maravilhosa” iniciativa de Banksy de “picotar” seu quadro “Menina com Balão” logo após o leilão em Londres em que foi arrematado por R$ 5 milhões(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/10/banksy-planejava-picotaroquadro-menina-com-balao-todo-mas-so-cortou-metade.shtml).
Existem obras de arte e obras de Arte. Enquanto não aceitarmos que somos apenas Cultura, quer dizer, constituídos coletivamente como humanos, qualquer coisa, supérflua ou não, tem valor de mercado, e assim, nós humanos, ficamos mais indiferentes e obtusos que as máquinas e algoritmos de IA, a não ser quando destruímos a arte que nós mesmo fizemos.
Interessante pensar: afinal de quem são os direitos autorais do quadro assinado com a fórmula matemática pela IA? Se nós refletíssemos bem, a melhor resposta seria da humanidade (é só perceber que desde o big data, tudo que aí está é Coletivo!), não fosse o extremo individualismo e esquizofrenia do capital!
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