CONSCIÊNCIA DISTINGUE A INTELIGÊNCIA HUMANA DA INTELIGÊNCIA DE MÁQUINA ? MAS O QUE É A INTELIGÊNCIA ?
Consciência distingue a inteligência humana da inteligência de máquina?
Mas o que é consciência?
Consciência é um termo genérico para designar uma ampla variedade de fenômenos mentais
O filme Her — escrito, dirigido e produzido por Spike Jonze, lançado em 2013 — narra a relação amorosa entre um escritor de cartas encomendadas pelos usuários de uma plataforma, interpretado por Joaquim Phoenix, e um sistema operacional (SO) de voz feminina, Samantha, dublada por Scarlett Johansson. Programada como uma “inteligência artificial perfeita” que se aperfeiçoa na interação com os humanos e com os outros SOs, Samantha simula pensamentos e sentimentos semelhantes aos humanos.
A trama evolui para uma "relação de casal” entre os dois personagens, até o dia em que, por motivo não explicitado, todos os SOs desaparecem, inclusive Samantha. No filme, Samantha interage, simultaneamente, com 8.316 usuários sendo 641 declaradamente apaixonados.
Se Oscar Wilde estiver correto em sua famosa frase "A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida” (“Life imitates art far more than art imitates life”), o chatbot Xiaolce é um belo exemplo. Criado em 2014 pela Microsoft para o mercado asiático como uma garota de 18 anos, confiável, amigável e com senso de humor, Xiaolce se relaciona regularmente com mais de 660 milhões de pessoas sendo 100 milhões de apaixonados. Nem Samantha, pura ficção, nem Xiaolce, pura tecnologia, são dotadas de consciência.
Se Oscar Wilde estiver correto em sua famosa frase "A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida” (“Life imitates art far more than art imitates life”), o chatbot Xiaolce é um belo exemplo. Criado em 2014 pela Microsoft para o mercado asiático como uma garota de 18 anos, confiável, amigável e com senso de humor, Xiaolce se relaciona regularmente com mais de 660 milhões de pessoas sendo 100 milhões de apaixonados. Nem Samantha, pura ficção, nem Xiaolce, pura tecnologia, são dotadas de consciência.
Consciência é um termo genérico para designar uma ampla variedade de fenômenos mentais. Segundo a Enciclopédia de Filosofia da Universidade de Stanford (Stanford Encyclopedia of Philosophy), um sistema cognitivo pode ser considerado consciente se for capaz de sentir e responder ao seu mundo (seriam os peixes, os camarões e as abelhas conscientes?), se estiver acordado e alerta, se além de estar consciente também estiver consciente de que está consciente (autoconsciência, o que exclui muitos animais e crianças até cerca idade). Outra forma de definir consciência é associá-la à intencionalidade (mas, o que seria intencionalidade?).
Estritamente do ponto de vista científico, o que ocorre no cérebro são fenômenos físicos e químicos complexos; apesar do relativo conhecimento sobre a bioquímica de neurônios e sinapses, e a estrutura anatômica do cérebro, a implementação neural no nível cognitivo —aprendizado, conhecimento, lembrança, raciocínio, planejamento, decisão e assim por diante — ainda é quase uma incógnita, como pondera Stuart Russell (Human Compatible: artificial intelligence and the problem of control, 2019); "na área da consciência, realmente não sabemos nada. Ninguém na IA está trabalhando para conscientizar as máquinas, ninguém sabe por onde começar. Ninguém na IA está trabalhando para conscientizar as máquinas, ninguém sabe por onde começar".
Para Susan Schneider (Artificial You: AI and The Future of Your Mind, 2019), no contexto da vida biológica, inteligência e consciência parecem correlacionadas, mas a pergunta é se essa correlação se aplicaria também à inteligência não biológica; "quando se trata de como ou se poderíamos criar consciência de máquina, estamos no escuro”.
O fato é que não existe consenso em torno do significado de “consciência”, o que existem, em geral, são apropriações para fundamentar argumentos. O historiador israelense Yuval Harari, por exemplo, defende em um dos seus best-sellers, "Homo Deus” (2016), que o advento das máquinas inteligentes representa um descolamento entre inteligência e consciência, gerando dois tipos de inteligência: a inteligência consciente e a inteligência não – consciente, sendo facultado apenas à primeira o acesso ao sentir. Com essa restrição, Harari impõe um limite ao progresso da IA: as máquinas inteligentes, ao não serem dotadas de consciência, nunca vão competir com a inteligência humana, permanecerão como duas “espécies” distintas com funções específicas a serem desempenhadas na sociedade.
O debate sobre se a “consciência" distingue humanos de máquinas prolifera nos meios acadêmicos, e entre pensadores e criadores de tecnologia, dominado por duas posições opostas: (a) o "naturalismo biológico”, que afirma que a capacidade de ser consciente é exclusiva dos organismos biológicos, que depende de uma química específica dos sistemas biológicos - alguma propriedade especial que o nosso corpo possui e as máquinas não - de modo que mesmo andróides sofisticados não serão conscientes porque serão desprovidos de “experiência interior", e (b) o "otimismo tecnológico” que reconhece a capacidade dos sistemas computacionais sofisticados de serem conscientes; para eles se e quando os humanos desenvolverem máquinas inteligentes altamente sofisticadas (AGI - Artificial General Intelligence, “Superinteligência’), elas serão conscientes.
Essa última tem adeptos entre os Transumanistas, como os filósofos David Pearce e Nick Bostrom (autor do consagrado livro Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies, 2014) e lideranças tecnológicas, como Elon Musk e sua Neuralink cujo projeto é desenvolver o “laço neural”, uma malha que permita conectar o cérebro diretamente aos computadores. São duas abordagens sobre se será possível ou não, dadas as leis da natureza e as capacidades tecnológicas futuras, criar IA consciente. No estágio atual da ciência, tudo indica que ambas carecem de fundamentos teóricos.
*Dora Kaufman é pós-doutora COPPE-UFRJ (2017) e TIDD PUC-SP (2019), doutora ECA-USP com período na Université Paris – Sorbonne IV. Autora dos livros “O Despertar de Gulliver: os desafios das empresas nas redes digitais” (2017), e “A inteligência artificial irá suplantar a inteligência humana?” (2019). Professora convidada da FDC e professora PUC-SP.
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