O renascimento do LSD: a droga dos hippies agora também pode mudar a sua vida
Por João Lourenço*
26 / FEVEREIRO / 2019
Antes mesmo de ser lançado, o novo livro de Michael Pollan causou burburinho entre os fãs do escritor. Queridinho dos americanos em busca de uma vida mais saudável, Pollan fez uso de LSD e outras drogas para escrever Como mudar a sua mente: O que a nova ciência das substâncias psicodélicas pode nos ensinar sobre consciência, morte, vícios, depressão e transcendência.
O livro levou quase 10 anos para ser finalizado — um tempo longo que reflete muito as incertezas do autor em relação ao tema. Tudo começou em 2010 quando Pollan se deparou com uma manchete curiosa na primeira página do The New York Times: “Alucinógenos voltam a ganhar a atenção dos médicos.” A reportagem informava que, em algumas universidades americanas, médicos começavam a prescrever grandes doses de drogas alucinógenas para pacientes em estado terminal. O uso das substâncias tinha como objetivo aliviar o medo e o estresse diante da morte.
Os médicos concluíram que o LSD altera a parte do cérebro responsável pela região do ego, aquela em que reside autoreflexão e preocupações. A ressonância magnética mostra que, sob a influência de psicodélicos, esse controle do ego entra em modo off-line, permitindo que o cérebro dê espaço para conexões e percepções mais desinibidas. Ou seja: os pacientes conseguem quebrar padrões repetitivos e hábitos negativos. Assim, é possível abraçar uma perspectiva mais positiva. Quanto mais intensa é a viagem, mais duradouros são os benefícios.
Na imagem: Cérebro com e sem LSD (Fonte)
Tempos depois, durante um jantar na casa de amigos, Pollan ouviu o relato de uma pesquisadora e psicóloga que tinha experimentado o LSD. Ele ficou intrigado e decidiu pesquisar sobre o assunto. Além de tratar pacientes com câncer, Pollan descobriu que doses de LSD e psilocibina (substância encontrada em cogumelos) também estavam sendo usadas para ajudar a diminuir e curar problemas como vício, depressão e ansiedade. Foi aí que ele resolveu escrever sobre o tema.
Para os não iniciados no “culto” Pollan, vale lembrar que o jornalista ficou conhecido nos Estados Unidos como o garoto-propaganda da alimentação saudável, da meditação e da atividade física. Ele é autor de vários best-sellers, como O dilema do onívoro, obra que ajudou toda uma geração a repensar o consumo de alimentos ultraprocessados. Além de lançar livros de sucesso e de toda sua prodigiosa carreira como jornalista, Pollan estrela Cooked, série documental da Netflix inspirada em sua obra Cozinhar, em que traça a história sociocultural da alimentação humana, tendo por base a ligação entre a comida e os quatro elementos naturais: fogo, ar, água e terra.
Mesmo sendo uma das figuras mais populares e carismáticas dos Estados Unidos, Pollan não escapou da polêmica. Muitos questionaram a decisão do jornalista em gastar parte do adiantamento que recebeu pela nova obra para embarcar em “trips” de LSD — uma das drogas mais controversas (e icônicas) da história ocidental. Em Como mudar a sua mente, Pollan conta a história da substância no Ocidente e acompanha de perto as experiências de alguns pacientes tratados com ela.
No livro, o autor defende que o LSD não deve ser associado apenas à cultura hippie. Para ele, a importância histórica da droga vai muito além do “verão do amor”. Músicos, escritores e artistas plásticos criaram obras fundamentais movidos por drogas psicodélicas como o LSD — substância alucinógena que tem o efeito de “abrir a mente”, expandir a consciência. E foi com essa nova consciência que a geração Paz e Amor acordou para questões importantes como direitos civis, feminismo, racismo etc. Esse despertar, claro, não agradou os governos, e países como Estados Unidos e Inglaterra investiram em grandes campanhas públicas contra a substância. A droga foi acusada de ser responsável por casos de suicídio e psicose, o que desencorajou jovens como Pollan a embarcar nessa “viagem”.
Na imagem: “Viagem ou armadilha? O que é LSD?” (Fonte)
O medo relegou o LSD ao esquecimento. Isso começou a mudar no começo dos anos 2000, quando nomes como Bill Gates e Steve Jobs confessaram utilizar com frequência pequenas doses de LSD e mescalina para estimular a criatividade. Hoje, muitos jovens do Vale do Silício fazem uso dessas drogas com o mesmo objetivo: tornarem-se mais produtivos e criativos. Entretanto as pesquisas sobre microdosagem de LSD para aumentar a criatividade ainda não são conclusivas.
Por ser alguém que não curte surpresas, que gosta de ter o controle sobre a própria vida, Pollan demorou a embarcar em “viagens” de LSD. Seu medo também teve a ver com os efeitos da droga, que pode proporcionar a melhor ou a pior experiência da sua vida. Outra questão é que o LSD está na lista de substâncias ilícitas, o que complicou ainda mais a pesquisa do autor. A saída foi apelar para o mercado negro. Precavido, Pollan entrevistou gurus e psicoterapeutas até encontrar a pessoa ideal para conduzi-lo nessa experiência.
O resultado foi melhor do que o esperado. A experiência de Pollan com o LSD o ajudou a lidar com antigas questões relacionadas aos pais e outros problemas pessoais que ele acreditava já estarem resolvidos. Em entrevista à rádio NPR, disse que descrever a experiência foi uma das tarefas mais difíceis que enfrentou como escritor. Para ele, foi a mesma coisa que contar um sonho para um desconhecido. Quanto mais você tenta explicar, menos o relato parece fazer sentido.
Se fosse para descrever em poucas palavras, Pollan diria que a droga o presenteou com uma nova dose de esperança. Em Como mudar a sua mente, ele defende que essas substâncias não devem ser desperdiçadas por jovens entediados. O autor teme que o uso abusivo, sem supervisão, pode levar a uma nova campanha contra a droga, prejudicando aqueles que realmente precisam dela.
A narrativa de Como mudar a sua mente beira o místico e o espiritual, algo raramente visto na obra de Pollan e que reforça uma das teses mais interessantes do livro: a de que as fronteiras entre ciência e religião não são tão rígidas como supomos. Enquanto religiões e práticas como a Yoga e o Budismo pregam a dissolução do ego, a experiência com LSD propicia chegar ao estado de transcendência por meio de vias expressas. O resultado é uma mente serena, em paz, repleta de compaixão. A dissolução do ego também pode ser observada em religiões como o cristianismo e o islamismo. No entanto, a recompensa rápida provida pelo LSD ainda não é bem vista por gurus e religiosos. Para eles, o LSD é uma traição quando comparado às técnicas milenares como o Yoga e a meditação, pois você recebe o bônus sem ter que lidar com o ônus.
Na obra Michael Pollan não induz o leitor a experimentar drogas. Mas o livro é, sim, capaz de deixar até os mais caretas em dúvida: o que eu seria capaz de alcançar se experimentasse?
A resposta fica por sua conta e risco.
*João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFWMAG, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Atualmente está em Nova York escrevendo seu primeiro romance.
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