Magia Japonesa
Onmyōdō, Shikigamis, ocultismo e feitiçaria oriental
Acredita-se que teve início em algum ponto entre o sexto ou sétimo século da Era Comum uma prática mágica popular no Japão, que chegou ao ponto de ter ministério próprio e reger as decisões oficiais do governo. Usando métodos predominantes nas práticas taoístas trazidas pelos monges budistas, e um modo de pensar que incorpora o equilíbrio yin-yang e o os cinco elementos a prática começou a pegar gradualmente. Ao longo dos anos, foi aperfeiçoado para incorporar elementos do que era então tecnologia de ponta, a fim de estender suas práticas à leitura das estrelas para adivinhação. Onmyouji usava princípios semelhantes ao feng shui moderno para encontrar um posicionamento auspicioso para edifícios, especialmente os do governo, e eles também eram frequentemente consultados em questões do sobrenatural, como assombrações, posses e maldições. A prática, então uma mistura proto-renascentista de valores científicos misturados ao misticismo oriental de raiz, se popularizou até o nível do Estado, e foi chamada Onmyōdō.
O Caminho do Yin-Yang, outro nome para a arte mágica, esteve sob controle da família Tsuchimikado, os imperadores, até meados do século 19, quando foi proibida como superstição. Em 2006 a proibição foi abolida sendo livre o estudo sobre o assunto. Apesar do pouco conhecimento ocidental, no Japão é um conceito muito famoso, cheio de lendas que perpassam a cultura e a infância da maioria dos japoneses. Símbolos como a figura dos deuses de papel ou origami, os Shikigamis, espíritos familiares controlados pelos praticantes profissionais do Onmyōdō, os onmyojis (陰陽師).
Na Magia do Caos o conceito de espírito familiar é reconhecido e comum, mas, assim como em outras tradições antigas, a confecção de seu shikigami era de uma complexidade muito maior. Os conhecimentos são restritos e sem tradução no mundo ocidental. Mas, seria como define o magista e quadrinistra Bluefluke, provavelmente “espíritos não-locais”, diferente da confecção dos servidores caoístas. No mangá e anime Ghost in the Shell, há a citação de profissionais de eventos sobrenaturais, com base nos onmyojis, que apesar de serem pessoas hoje caricatas e com uma credibilidade não muito distante do esoterismo ocidental, trazem consigo o legado de um personagem muito popular na cultura e misticismo japonês, e principalmente o responsável pela popularização do Onmyōdō.
Abe no Seimei
Abe no Seimei foi um onmyouji nascido do Período Heian (em torno do anos 900). Sua história é cercada de mitos, razão pela qual é considerado uma lenda, e também por ser protagonista de uma famigerada ficção japonesa chamada “Onmyoji” de Baku Yumemakura. Mas suas fábulas se assemelham a de outra figura reconhecida do modernidade, Rasputin, um mago que auxiliou os czares na pré-revolução russa. Seimei trabalhou como onmyouji para os imperadores e para o governo do Período Heian, fazendo calendários, prevendo eventos astronômicos e assessorando sobre qual maneira espiritual mais adequada para lidar com os problemas, como faziam muitos conselheiros magistas de cortes europeias ou mesmo chinesas, mas em uma época onde o país era bastante fechado, embora boa parte da base da arte mágica provinha da cultura chinesa. Ele viveu cerca de 80 anos, livre de doenças graves, o que contribuiu para a crença popular de que possuía poderes místicos. Sua fama atravessou séculos, e ele é conhecido hoje como o maior onmyouji da história do Japão.
Sua genealogia não é muito clara. Seria descendente do poeta Abe no Nakamaro, filho de Abe no Yasuna. Sua mãe, no entanto, seria uma kitsune (raposa) que seria um tipo de Youkai (criatura sobrenatural, ou demônio como costumamos chamar no ocidente). Abe no Seimei era, então um han’you, um meio-youkai (meio-demônio, ou criatura sobrenatural).
Ficou famoso principalmente quando foi chamado para prever a sorte do Imperador Murakami, com cerca de 40 anos. Sendo então reconhecido por toda a nobreza imperial. Dentre suas façanhas, acredita-se ter tido pelo menos 12 shikigamis ao longo da vida (sendo considerado extremamente difícil a obtenção de um único, seria como dominar 12 entidades poderosas e independentes sob sua vontade). Depois que Seimei faleceu, devido a seus grandes méritos, o Imperador Ichijō fez um decreto imperial no ano 1007 que declarava que um Santuário para adorá-lo deveria ser construído nos restos de sua residência, que ficava perto do Ichijo Modoribashi (ponte famosa por muitas lendas com samurais e demônios em Kyoto). Teve dois filhos que também foram famosos onmyoujis. Sua casa em Kyoto se tornou o conhecido templo chamado Seimei Jinja.
Yin-Yang e Wu Xing
O Yin e o Yang, por vezes denominados de o obscuro e o luminoso, respectivamente, são dois conceitos simbólicos que têm origem na observação da natureza: observando uma montanha, os taoístas diferenciaram dois lados em relação à luz, o lado luminoso e o lado sombrio. Yang representa o lado sul da montanha, que é ensolarado; Yin representa o lado norte, que se encontra à sombra. Também os taoístas observaram os rios, no entanto, o lado norte é representado por Yang, pois é nesse lado que se reflete a luz; já Yin representa o lado sul, que está à sombra. O cerne está, portanto, na constatação de um lado luminoso e de um lado obscuro na natureza, que gerou o conceito de Yin e Yang como duas forças opostas do Universo, como duas polaridades opostas.
Como se sabe o ambiente natural, como as mudanças de tempo e as condições geográficas influenciam grandemente as atividades fisiológicas. Tal constatação, visível sobretudo nas epidemias sazonais de inverno (gripes, meningite) ou verão (diarreias), não passou despercebido à biomedicina nem à medicina tradicional chinesa. Esse reconhecimento conectou a fisiologia e a patologia dos órgãos e tecidos a muitos fatores ambientais e naturais. Esses fatores são classificados em cinco categorias e são empregadas similaridades e alegorias para explicar os intrincados elos entre o ambiente externo (macrocosmos) e interno (psíquico / afetivo).
Um gera o Dois, o Dois gera o Três, e o Três gera as Dez Mil Coisas. — Lao Tsé.
De acordo com Ronan, historiador da ciência da Universidade de Cambridge, essa concepção foi denominada Teoria dos cinco elementos e foi estabelecida e sistematizada pelo naturalista Tsou Yen (Zou Yan) entre 350 e 270 a.C. Ele era o mais destacado membro da Academia Chin Hsia, e muitas vezes chamado de “fundador do pensamento científico chinês”.
A teoria dos cinco elementos (ou movimentos) afirma que a madeira, o fogo, a terra, o metal e a água, são os elementos básicos que formam o mundo material. Existiria uma interação e controle recíproco entre eles que determinaria seu estado de constante movimento e mudança. Nessa teoria que estabelece um conjunto de matrizes, todas as coisas podem ser classificadas de acordo com este elementos ou as relações entre eles.
Sincretismo e Onmyojis
O Onmyōdō se fundiu com o ocultismo e outras crenças, e evoluiu a partir do pensamento chinês, importado de um sincretismo no Japão. O Onmyōdō japonês tomou elementos do Taoísmo (proveniente do I Ching), que foi transmitido ao Japão ao mesmo tempo que o Onmyōdō, incluindo elementos mágicos como katatagae (prática mágica que buscava direções a serem evitadas com base num sistema divinação do deus vingativo dos metais Konjin relacionado às bussolas), monoimi (uma prática específica de abstinência), henbai (uma cerimônia especial de proteção) e cerimônias aos deuses taoístas, assim como o Taizan Fukunsai (um feitiço para dar controle sobre a morte e as almas, podendo ressuscitar e matar). Elementos de feng shui e a arte médica do jukondō (espécie de medicina mágica fitoterápica) também foram incorporados, e como o Onmyōdō e o Xintoísmo japonês influenciaram mutuamente um ao outro, ele cresceu de modo característico. A partir do final do século oitavo em diante, ele foi influenciado pelos elementos mágicos do Budismo esotérico (principalmente os tibetanos, e o zen budismo) e da astrologia de origem indiana (Sukuyōdō), que foram transmitidos com ele.
Nos séculos V e VI, os princípios do yin-yang e dos Cinco Elementos foram transmitidos ao Japão com o Budismo e o Confucionismo. Bem como astronomia, feitura de calendários, o cômputo do tempo, previsão do futuro e estudos baseados na observação da natureza (reunidos depois como processos de adivinhação). Este processo divinatório foi aceito na sociedade japonesa como uma técnica para prever a boa ou má fortuna no mundo ordinário. Tais técnicas eram conhecidas principalmente por monges budistas da Ásia continental, que foram instruídos na leitura e na escrita chinesa. Sob a demanda de tempo dos membros da corte imperial, que acreditavam que a adivinhação do onmyōdō seria útil nas tomadas de decisão, tornou-se necessário que leigos também aprendessem a arte, e os onmyoji (profissionais da arte mágica) começaram a aparecer em meados do século 7.
Com a implementação do sistema de códigos de direito Ritsuryo, as técnicas yin-yang foram colocadas sob a jurisdição da Secretaria de Onmyo, da burocracia imperial. A Secretaria de Onmyo era responsável por supervisionar as adivinhações de Onmyōdō, as observações astrológicas e a criação de calendários. Além disso, por lei, ao clero budista foi proibida a prática da astrologia e da cartomancia. Assim os onmyoji controlados pelo governo passaram a monopolizar a prática.
Desde o período Heian avançado a sociedade da corte imperial assumiu uma forma mais formal e adesão a rituais para aplacar as almas dos mortos com a intenção de combater a criação de fantasmas vingativos. Pelo fato de os onmyoji terem apresentado métodos que evitassem desastres com suas habilidades de adivinhação e magia, a superstição ofereceu aos onmyoji influência sobre a vida pessoal do imperador e da nobreza da corte. Por consequência, o conhecimento popular de onmyōdō gradualmente se espalhou da sociedade da corte para a sociedade japonesa como um todo, reforçando o seu desenvolvimento em uma arte tipicamente japonesa.
Durante o período Heian, a nobreza organizava a sua vida em torno das práticas recomendadas pelos onmyoji. A prática de “direções para a sorte e para o azar” é um exemplo. Dependendo da época, da hora do dia e de outras circunstâncias, uma direção particular pode ser de má sorte para um indivíduo. Se alguém da casa foi localizado nesse sentido, essa pessoa não era aconselhada a voltar diretamente para sua casa, mas tinha que “mudar de direção” (katatagae), indo em uma direção diferente e se alojando lá. Essa pessoa não se atreveria a ir no sentido proibido, mas ficava onde estivesse, mesmo que resultasse em faltar à corte ou passando por cima de convites de pessoas influentes.
Durante o período Heian, a nobreza organizava a sua vida em torno das práticas recomendadas pelos onmyoji. A prática de “direções para a sorte e para o azar” é um exemplo. Dependendo da época, da hora do dia e de outras circunstâncias, uma direção particular pode ser de má sorte para um indivíduo. Se alguém da casa foi localizado nesse sentido, essa pessoa não era aconselhada a voltar diretamente para sua casa, mas tinha que “mudar de direção” (katatagae), indo em uma direção diferente e se alojando lá. Essa pessoa não se atreveria a ir no sentido proibido, mas ficava onde estivesse, mesmo que resultasse em faltar à corte ou passando por cima de convites de pessoas influentes.
Caminho do Kami (ligação entre Xintoísmo e Taoísmo)
Nos tempos pré-históricos, os imigrantes fluíam para o Japão às vezes em um fluxo, às vezes em uma inundação. Eles vinham da maior parte da Coréia e da China através da península coreana que estava sob influência chinesa. O resultado foi que elementos do xamanismo coreano e crenças populares chinesas entraram no Japão. O primeiro se fez sentir no miko-xamanismo (xamanismo carismático japoneses) e no culto às rochas que é uma característica marcante do xintoísmo. Este último teve um impacto ainda mais profundo.
A crença popular chinesa compreendia uma mistura de espíritos da natureza e adoração ancestral. Foi baseado em um calendário lunar/solar, que foi adotado no Japão, em festivais comemorativos que procuraram harmonizar os mundos humano e espiritual. Essa foi a base na qual o taoísmo e o Xintoísmo se desenvolveram.
No início de 675 o Japão já tinha um Ministério do Yin-Yang (Onmyoryo) que aconselhava o governo sobre assuntos de estado. As decisões foram tomadas de acordo com o alinhamento das estrelas, feng shui e técnicas complexas de adivinhação. Os magos de Yin-Yang (onmyoji) continuaram a desempenhar um papel influente na vida da classe dominante. A esse ponto o Onmyōdō prosperava.
Todos esses desenvolvimentos ocorreram enquanto o Xintoísmo conhecido estava sendo moldado pela classe dominante. Como resultado, as ideias importadas tiveram um grande impacto. É considerado, por exemplo, que 60% do ritual xintoísta moderno deriva da prática taoísta e yin-yang. Os ritos de purificação, por exemplo. O Yakudoshi (ritual para anos de infortúnio). A veneração de espadas e espelhos. A adivinhação e a adoração de cavernas também. Até mesmo houve influência na própria estrutura e nomeação do santuário mais sagrado do xintoísmo, Ise Jingu (jingu deriva de um termo taoísta para uma sala de culto).
Magia e Feitiços
Dentro da filosofia Onmyōdō, os espíritos são invisíveis na maior parte do tempo, mas podem tornar-se visíveis através de um amuleto feito de papel e escrita mágica. Alguns mais poderosos podem mostrar-se na forma de animais pequenos ou pássaros. Eles são conjurados através de um complexo ritual e seus poderes são conectados com a força vital de seus invocadores. Se o invocador é experiente e possui grandes poderes, seu espírito pode possuir animais e até mesmo seres humanos a comando de seu mestre. Se seu invocador for inexperiente e fraco, com o tempo seu espírito ganha consciência própria e foge do controle, matando seu invocador como uma forma de vingança pelo aprisionamento. Esses espíritos são chamado Shikigamis, em tradução livre seriam como espíritos de papel, deuses de papel, ou algo do tipo.
Essa prática se assemelha muito às cerimônias goéticas descritas nas chaves menores de Salomão, às tulpas tibetanas (de onde partiu parte da influência), ou aos servidores da Magia do Caos.
Outra prática bem comum dentro do Onmyōdō é a confecção de talismãs para proteção do lar. Eles são chamados de Ofuda e tem como função afastar malefícios como acidentes domésticos e doenças. São feitos geralmente de madeira ou papel e a escrita obrigatoriamente é feita com caracteres chineses arcaicos e tinta vermelha. Isso valendo para todas as regiões do Oriente, porque segundo se prega, uma outra forma de escrita não carrega consigo nenhum tipo de poder. Ser escrito em uma língua chinesa não significa que ele foi feito na China, é apenas um procedimento adotado na criação de talismãs. Existe uma versão portátil desse talismã direcionado a efeitos pessoais chamado Omamori cujos procedimentos de criação são os mesmos do Ofuda.
Uma outra forma interessante de feitiçaria Taoísta inclusa no Onmyōdō é chamada de Kuji-In, um compilado de encantamentos e mudras budistas com a finalidade também de proteção e auxílio pessoal quando uma pessoa está enfrentando uma força demoníaca ou algum tipo de perigo natural. Essa técnica se difundiu entre os praticantes de ninjutsu e muitas vezes é erroneamente associado a essa arte marcial.
Cultura Pop
Hoje o Onmyōdō está relegado a um lugar de misticismo mitológico, e seus praticantes não se diferenciam de magistas ocidentais no sentido de, de forma alguma, terem alguma credibilidade social diferenciada. A arte mágica influenciou a cultura de muitas maneiras, principalmente em animes como Shaman King e Naruto (a técnica do Susano’o eram como se imaginava o poder dos onmyoji). Em Shaman King, os onmyoji são um tipo de xamãs de alto nível. Personagens incluem Yohmei Asakura, o avô de Yoh, e Hao. Além disso, aparece um livro chamado “Chou Senji Ryakketsu”, escrito por Hao, conhecido por conter técnicas xamânicas poderosas (o livro Senji Ryakketsu é um famoso grimório de divinação escrito por Abe no Seimei).
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