O etnobotanista Wade Davis em foto tirada no Haiti no início dos anos 1980 (Foto: Arquivo Pessoal)
Cientista defende verdades por trás do mito dos zumbis
Canadense Wade Davis desvendou segredos da zumbificação.
Livro 'A serpente e o arco-íris' virou filme de Wes Craven em 87.
Livro 'A serpente e o arco-íris' virou filme de Wes Craven em 87.
O etnobotânico Wade Davis não gosta de ser chamado de “zumbiólogo”. Ainda assim, aos 56 anos, este cientista canadense que hoje trabalha como explorador da “National Geographic” é um dos raros acadêmicos que se dedicou a entender o que há de verdade naquilo que conhecemos como zumbis.
Em quatro anos de pesquisa na década de 1980 – três dos quais vividos no Haiti, berço do mito contemporâneo dos zumbis –, Davis afirma ter encontrado “um veneno que faz alguém parecer que está morto, mesmo que esteja vivo”. A poção, produzida por feiticeiros vodus a partir da toxina de um peixe nativo misturada a ervas alucinógenas e restos humanos como ossos e pele, seria o elemento central no processo de zumbificação, prática que iria bem além da simples magia negra, defende o cientista, mas que funcionaria como punição social dentro da cultura e dos costumes da religião vodu.
Suas conclusões foram registradas em dois livros “Passage of darkness: the ethnobiology of the Haitian zombie”, de 1988, resultado da tese de doutorado de Davis em Harvard, e “A serpente e o arco-íris”, lançado no Brasil pela Jorge Zahar em 1986, e que ganhou uma adaptação para o cinema no ano seguinte pelas mãos de Wes Craven, de “A hora do pesadelo” , da qual o autor não quer nem ouvir falar.
“O que minha pesquisa tenta sugerir não é que exista uma linha de produção de zumbis no Haiti, mas que o conceito se baseia em algo real”, argumenta Davis em entrevista por telefone ao G1. “[Na lenda] um zumbi é alguém que teve sua alma roubada por um feitiço e que fica capturado em um estado de purgatório perpétuo e que acaba sendo mandado para trabalhar como escravo em plantações. Hoje sabemos que não há nenhum tipo de incentivo para criar uma força de escravos-zumbis no Haiti, mas dada a história colonial aliada à ideia de perder a sua alma – o que significa perder a possibilidade de ter uma morte digna para o voduista –, tornar-se um zumbi é um destino pior do que a morte”, explica.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Davis de sua casa, em Washington DC.
G1 – Descobri só há pouco que um de seus livros, “A serpente e o arco-íris”, também já foi transformado em filme...
Wade Davis - Sim, infelizmente.Foi uma dessas coisas em que eles prometem um diretor e depois aparecem com outro. Nesse caso me prometeram Peter Weir ["O ano que vivemos em perigo", "A testemunha", “Sociedade dos poetas mortos”, “O show de Truman”] e achei que ele seria um ótimo diretor para aquele livro em especial. Mas ele não podia fazer porque tinha acabado de fazer um filme e precisava descansar. E, sendo um jovem escritor, você sabe que não tem muito controle sobre o processo, infelizmente.
G1 – Qual é sua opinião geral sobre os filmes de Hollywood que tratam de zumbis?
Davis – É preciso voltar ao porquê de termos essa ideia de vodu como magia negra. Se você se perguntar sobre as grandes religiões do mundo – budismo, judaísmo, cristianismo, islamismo – haverá sempre um continente deixado de fora, a África. Afora os países islâmicos, o que se assume é que os africanos não tem religião, mas é claro que têm. Quando os africanos foram trocados como escravos, eles trouxeram suas crenças religiosas e, dependendo de aonde as pessoas foram levadas, nas diferentes circunstâncias históricas, formas diferentes de religião se desenvolveram. Você tem a santeria nos países de colonização hispânica como Porto Rico, Cuba e República Dominicana, tem o candomblé no Brasil e o vodu no Haiti. Vodu não é magia, mas uma forma complexa e metafísica de ver o mundo. É uma religião dinâmica e viva em que os seres humanos entram em contato com os mortos e se tornam os espíritos e múltiplas expressões de Deus.
Davis – É preciso voltar ao porquê de termos essa ideia de vodu como magia negra. Se você se perguntar sobre as grandes religiões do mundo – budismo, judaísmo, cristianismo, islamismo – haverá sempre um continente deixado de fora, a África. Afora os países islâmicos, o que se assume é que os africanos não tem religião, mas é claro que têm. Quando os africanos foram trocados como escravos, eles trouxeram suas crenças religiosas e, dependendo de aonde as pessoas foram levadas, nas diferentes circunstâncias históricas, formas diferentes de religião se desenvolveram. Você tem a santeria nos países de colonização hispânica como Porto Rico, Cuba e República Dominicana, tem o candomblé no Brasil e o vodu no Haiti. Vodu não é magia, mas uma forma complexa e metafísica de ver o mundo. É uma religião dinâmica e viva em que os seres humanos entram em contato com os mortos e se tornam os espíritos e múltiplas expressões de Deus.
E de onde se tirou essa ideia de o vodu ser demoníaco? Em primeiro lugar, o Haiti era a única nação negra independente por cem anos. Os haitianos costumavam comprar navios de escravos que iriam para os EUA e dar-lhes liberdade no Haiti. O país deu dinheiro a Simon Bolívar em suas lutas de liberação na Gran Colômbia. Mas em 1915 o Exército americano ocupou o Haiti. Era época da segregação, e a maioria dos soldados eram homens sulistas, crescidos em meio ao racismo, e todos, do cabo ao sargento, acabaram assinando contrato para escrever um livro. E os livros que saíam tinham títulos como "Fogo vodu no Haiti", "Aparição na terra vodu" ou "A ilha mágica", todos cheios de crianças que eram levadas para o caldeirão e zumbis se levantando dos túmulos para atacar pessoas. Foram essas histórias que deram origem aos filmes de Hollywood da RKO dos anos 1940. Esses livros e filmes terríveis diziam essencialmente aos americanos que qualquer país onde coisas terríveis assim acontecem precisam de redenção pela ocupação militar.
G1 – Portanto, o sr. está dizendo que o preconceito marcou esses primeiros filmes?
Davis - Nenhuma dessas coisas era consciente. Não significa que alguém em Hollywood tenha dito: “vamos pegar os negros”. Era um período de segregação. Mas, por sinal, isso não foi embora. Você deve ter ouvido falar que o fundamentalista cristão e ex-candidato ao governo dos EUA Pat Robertson, na semana passada, culpou os haitianos pelo terremoto, dizendo que a tragédia é resultado de um pacto que eles teriam feito com o diabo na época da revolução. É difícil imaginar algo mais ignorante, cruel e insensível sendo dito por qualquer um.
G1 – Portanto, o sr. está dizendo que o preconceito marcou esses primeiros filmes?
Davis - Nenhuma dessas coisas era consciente. Não significa que alguém em Hollywood tenha dito: “vamos pegar os negros”. Era um período de segregação. Mas, por sinal, isso não foi embora. Você deve ter ouvido falar que o fundamentalista cristão e ex-candidato ao governo dos EUA Pat Robertson, na semana passada, culpou os haitianos pelo terremoto, dizendo que a tragédia é resultado de um pacto que eles teriam feito com o diabo na época da revolução. É difícil imaginar algo mais ignorante, cruel e insensível sendo dito por qualquer um.
G1 – De todo modo, os primeiros filmes de Hollywood, da década de 30 e 40, pareciam estar mais afinados com os relatos de zumbis haitianos – seres que tinham sido declarado mortos, enterrados e depois trazidos de volta à vida sem vontade própria por um feiticeiro vodu. Não eram as hordas de comedores de carne humana em que se transformaram os zumbis do cinema a partir dos anos 60.
Davis – O que minha pesquisa tenta sugerir não é que exista uma linha de produção de zumbis no Haiti, mas que o conceito se baseia em algo real. [Na lenda] um zumbi é alguém que teve sua alma roubada por um feitiço e que fica capturado em um estado de purgatório perpétuo e que acaba sendo mandado para trabalhar como escravo em plantações. Hoje sabemos que não há nenhum tipo de incentivo para criar uma força de escravos-zumbis no Haiti, mas dada a história colonial aliada à ideia de perder a sua alma – o que significa perder a possibilidade de ter uma morte digna para o voduista –, tornar-se um zumbi é um destino pior do que a morte. É por isso que no Haiti não se teme os zumbis, mas se tornar um zumbi.
O que minha pesquisa faz é perguntar quais são as ramificações dessa ideia. Seria possível existir um veneno que fizesse as pessoas aparentarem estar mortas para depois tornarem ao mundo dos vivos? Se isso existisse, talvez tivesse implicações médicas importantes. Esse veneno foi citado na literatura e nas lendas do povo, e há de fato um veneno no Haiti que tem um ingrediente que sabemos cientificamente que pode fazer precisamente isso: fazer alguém parecer que está morto, mesmo que esteja vivo. Mas fui procurar a base química do evento e acabei explorando o lado social, psicológico, político e cultural das possibilidades químicas. Sabemos de sociedades secretas na África Equatorial que, por uma função política tradicional, punem as pessoas com venenos. No Haiti também há sociedades secretas no campo que aparentam ter uma função política e que fazem a mesma coisa. Minha conclusão foi que a noção de zumbi, como sendo um destino pior que a morte, era de certa forma a punição maior para quem violasse as regras de uma cultura tradicional.
Davis – O que minha pesquisa tenta sugerir não é que exista uma linha de produção de zumbis no Haiti, mas que o conceito se baseia em algo real. [Na lenda] um zumbi é alguém que teve sua alma roubada por um feitiço e que fica capturado em um estado de purgatório perpétuo e que acaba sendo mandado para trabalhar como escravo em plantações. Hoje sabemos que não há nenhum tipo de incentivo para criar uma força de escravos-zumbis no Haiti, mas dada a história colonial aliada à ideia de perder a sua alma – o que significa perder a possibilidade de ter uma morte digna para o voduista –, tornar-se um zumbi é um destino pior do que a morte. É por isso que no Haiti não se teme os zumbis, mas se tornar um zumbi.
O que minha pesquisa faz é perguntar quais são as ramificações dessa ideia. Seria possível existir um veneno que fizesse as pessoas aparentarem estar mortas para depois tornarem ao mundo dos vivos? Se isso existisse, talvez tivesse implicações médicas importantes. Esse veneno foi citado na literatura e nas lendas do povo, e há de fato um veneno no Haiti que tem um ingrediente que sabemos cientificamente que pode fazer precisamente isso: fazer alguém parecer que está morto, mesmo que esteja vivo. Mas fui procurar a base química do evento e acabei explorando o lado social, psicológico, político e cultural das possibilidades químicas. Sabemos de sociedades secretas na África Equatorial que, por uma função política tradicional, punem as pessoas com venenos. No Haiti também há sociedades secretas no campo que aparentam ter uma função política e que fazem a mesma coisa. Minha conclusão foi que a noção de zumbi, como sendo um destino pior que a morte, era de certa forma a punição maior para quem violasse as regras de uma cultura tradicional.
E os primeiros filmes tentavam refletir isso. Em partes por influência de uma folclorista maravilhosa chamada Zora Neale Hurston, que [nos anos 30] escreveu o livro "Tell my horse", em que basicamente diz tudo isso sobre zumbis. Acho que os primeiros filmes de Hollywood de certa forma espelhavam o que Zora estava escrevendo. Mas então os zumbis se tornaram parte do gênero mais amplo dos filmes de horror, junto com múmias e fantasmas... Mas isso de certo modo reflete todas as nossas obsessões com a morte e a incerteza sobre o que ela representa, o pesadelo terrível da morte voltando para assombrar os vivos. Acho que os filmes de Hollywood, terríveis como podem ser, refletem uma fascinação geral humana por essa noção.
G1 – É possível afirmar que o conceito de zumbi como uma pessoa trazida de volta à vida sob o comando de um mestre é algo genuinamente haitiano? O zumbi haitiano é o “original”?
Davis - Uma das coisas que nunca investiguei a fundo é que o peixe que contém a toxina que identifiquei [como fundamental no preparo do veneno] existe também em águas de rios da África Equatorial. Mas acho que uma das coisas que aconteceu nas Américas é que, para onde que fossem os africanos, eles estavam sujeitos a vários tipos de influências. E uma das coisas que é bastante única no Haiti é que, diferentemente da Jamaica que foi colônia britânica até 1963, o Haiti era um país independente desde 1804. E depois da revolta dos escravos um certo manto de isolamento cobriu o Haiti, até a igreja foi expulsa. Enquanto no século XIX lugares como Brasil ou Jamaica ou o Sul dos EUA eram expostos à cultura europeia, o Haiti já estava isolado, e formas africanas persisitiram no Haiti de forma significativa. Claro que há influências da Europa, da Igreja Católica, o [idioma] francês se tornou o creole, mas o isolamento e a influência da Àfrica fizeram do Haiti único. Embora outras culturas, como o candomblé no Brasil, tenham noções de possessões de espíritos e o senso fundamental de adoração de ancestrais, o zumbi, na minha experiência, é algo unicamente haitiano.
G1 – No Brasil também temos nosso Zumbi dos Palmares, um líder negro das revoltas escravas, mas que não parece ter a ver com a noção de zumbi dos haitianos.
Davis - É sempre perigoso dizer porque as palavras podem ser usadas de múltiplas maneiras. Há várias origens diferentes para a palavra zumbi e não se sabe claramente qual é a correta. Vodu é só uma forma de dizer “espírito de deus”. Não se esqueça também que houve muito contato entre os caribenhos e o Brasil naquela época, claro. A revolta bem-sucedida dos escravos no Haiti ficou conhecida e provavelmente também incentivou os brasileiros assim como os americanos a fazerem as suas.
G1 – Seus livros foram publicados na década de 80. Desde então deu seguimento à pesquisa?
Davis - Eu nunca me vi como um expert em vodu. Estava trabalho na região amazônica como botânico e antropólogo quando recebi convite para ir ao Haiti pesquisar os zumbis. Esse acabou se tornando o tema do meu doutorado em Harvard, fiz os livros, mas no final o filme foi tão ruim, se tornou tão controvertido... Um amigo professor uma vez chegou até a mim e disse, brincando, você quer se tornar um zumbiólogo, quer passar o resto da vida defendendo essa hipótese e correndo pelo Haiti procurando zumbis? Eu ri e disse que não. Passei três anos no Haiti e quatro anos no total pensando sobre vodu e escrevendo os dois livros, realmente já disse tudo o que eu queria dizer. Tinha muito mais interesse em questões gerais de cultura, e já tendo estado no Haiti queria ir pra outro lugar. Era hora de mudar. Escrevi mais 14 outros livros, fiz outros filmes e agora sou um explorador pela ”National Geographic”, celebrando as maravilhas das outras culturas. O que eu sempre quis fazer é tentar expôr os equívocos que temos sobre o outro. E foi isso que tentei fazer no Haiti.
G1 – Durante o tempo em que passou lá, você fez diversos amigos no Haiti. Teve notícias deles após o terremoto recente em Porto Príncipe? Acha que a religião vodu teria uma resposta diferente a eventos como esse?
Davis - Sim. Um dos meus amigos é uma figura importante em “A serpente e o arco-íris”. Mas ele e sua família estão bem. Os africanos dizem que nenhum evento tem uma vida própria sua, e tenho certeza de que haverá fortes consequências psicológicas. Mas isso acontece em qualquer cultura. Todos se fazem a pergunta fundamental: por que nós, por que agora, por que isso aconteceu depois de tudo o que passamos? Afinal, era isso que os americanos estavam se perguntando depois dos ataques de 11 de setembro: por que eles nos odeiam? Por que isso está acontecendo? Acho que essa é uma resposta bastante universal para cataclismas tão inesperados. Mas uma coisa importante para a comunidade mundial se lembrar é o quanto Haiti já deu para o mundo.
G1 – É possível afirmar que o conceito de zumbi como uma pessoa trazida de volta à vida sob o comando de um mestre é algo genuinamente haitiano? O zumbi haitiano é o “original”?
Davis - Uma das coisas que nunca investiguei a fundo é que o peixe que contém a toxina que identifiquei [como fundamental no preparo do veneno] existe também em águas de rios da África Equatorial. Mas acho que uma das coisas que aconteceu nas Américas é que, para onde que fossem os africanos, eles estavam sujeitos a vários tipos de influências. E uma das coisas que é bastante única no Haiti é que, diferentemente da Jamaica que foi colônia britânica até 1963, o Haiti era um país independente desde 1804. E depois da revolta dos escravos um certo manto de isolamento cobriu o Haiti, até a igreja foi expulsa. Enquanto no século XIX lugares como Brasil ou Jamaica ou o Sul dos EUA eram expostos à cultura europeia, o Haiti já estava isolado, e formas africanas persisitiram no Haiti de forma significativa. Claro que há influências da Europa, da Igreja Católica, o [idioma] francês se tornou o creole, mas o isolamento e a influência da Àfrica fizeram do Haiti único. Embora outras culturas, como o candomblé no Brasil, tenham noções de possessões de espíritos e o senso fundamental de adoração de ancestrais, o zumbi, na minha experiência, é algo unicamente haitiano.
G1 – No Brasil também temos nosso Zumbi dos Palmares, um líder negro das revoltas escravas, mas que não parece ter a ver com a noção de zumbi dos haitianos.
Davis - É sempre perigoso dizer porque as palavras podem ser usadas de múltiplas maneiras. Há várias origens diferentes para a palavra zumbi e não se sabe claramente qual é a correta. Vodu é só uma forma de dizer “espírito de deus”. Não se esqueça também que houve muito contato entre os caribenhos e o Brasil naquela época, claro. A revolta bem-sucedida dos escravos no Haiti ficou conhecida e provavelmente também incentivou os brasileiros assim como os americanos a fazerem as suas.
G1 – Seus livros foram publicados na década de 80. Desde então deu seguimento à pesquisa?
Davis - Eu nunca me vi como um expert em vodu. Estava trabalho na região amazônica como botânico e antropólogo quando recebi convite para ir ao Haiti pesquisar os zumbis. Esse acabou se tornando o tema do meu doutorado em Harvard, fiz os livros, mas no final o filme foi tão ruim, se tornou tão controvertido... Um amigo professor uma vez chegou até a mim e disse, brincando, você quer se tornar um zumbiólogo, quer passar o resto da vida defendendo essa hipótese e correndo pelo Haiti procurando zumbis? Eu ri e disse que não. Passei três anos no Haiti e quatro anos no total pensando sobre vodu e escrevendo os dois livros, realmente já disse tudo o que eu queria dizer. Tinha muito mais interesse em questões gerais de cultura, e já tendo estado no Haiti queria ir pra outro lugar. Era hora de mudar. Escrevi mais 14 outros livros, fiz outros filmes e agora sou um explorador pela ”National Geographic”, celebrando as maravilhas das outras culturas. O que eu sempre quis fazer é tentar expôr os equívocos que temos sobre o outro. E foi isso que tentei fazer no Haiti.
G1 – Durante o tempo em que passou lá, você fez diversos amigos no Haiti. Teve notícias deles após o terremoto recente em Porto Príncipe? Acha que a religião vodu teria uma resposta diferente a eventos como esse?
Davis - Sim. Um dos meus amigos é uma figura importante em “A serpente e o arco-íris”. Mas ele e sua família estão bem. Os africanos dizem que nenhum evento tem uma vida própria sua, e tenho certeza de que haverá fortes consequências psicológicas. Mas isso acontece em qualquer cultura. Todos se fazem a pergunta fundamental: por que nós, por que agora, por que isso aconteceu depois de tudo o que passamos? Afinal, era isso que os americanos estavam se perguntando depois dos ataques de 11 de setembro: por que eles nos odeiam? Por que isso está acontecendo? Acho que essa é uma resposta bastante universal para cataclismas tão inesperados. Mas uma coisa importante para a comunidade mundial se lembrar é o quanto Haiti já deu para o mundo.
Quando aquele homem horrível - Pat Robertson - disse aquilo sobre o terremoto e o pacto com o diabo, ele não estava só revelando sua loucura e crueldade mas também sua própria ignorância sobre a história americana. Se não fosse pela revolta dos escravos e patriotas haitianos, os americanos estariam provavelmente falando francês a oeste do Mississipi. Porque Napoleão no alto de seu poderio chegou a mandar um batalhão para ir ao Haiti, massacrar a revolta dos rebeldes, e então seguir até Nova Orleans, onde deveria derrotar as colônias espanholas e britânicas e restaurar o domínio francês. Os EUA devem uma boa parte ao Haiti por derrotar aquelas forças de Napoleão.
Agora é hora de a comunidade internacional se unir pelo Haiti. E há tanto que pode ser feito. Os haitianos sofreram por tanto tempo, e o incrível é que em tempos de escassez as pessoas voltam suas mentes para a imaginação. O Haiti é possivelmente tão interessante culturalmente quanto qualquer outro lugar nas Américas, essas pessoas têm uma reserva impressionante de espírito, de esperança e de poder. Só se espera que essa capacidade possa ser usada e não permaneça sob o domínio de oficiais corruptos. O que o Haiti precisa é de investimentos reais, não de piedade.
Agora é hora de a comunidade internacional se unir pelo Haiti. E há tanto que pode ser feito. Os haitianos sofreram por tanto tempo, e o incrível é que em tempos de escassez as pessoas voltam suas mentes para a imaginação. O Haiti é possivelmente tão interessante culturalmente quanto qualquer outro lugar nas Américas, essas pessoas têm uma reserva impressionante de espírito, de esperança e de poder. Só se espera que essa capacidade possa ser usada e não permaneça sob o domínio de oficiais corruptos. O que o Haiti precisa é de investimentos reais, não de piedade.
Fonte:http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,MUL1466802-7084,00-CIENTISTA+DEFENDE+VERDADES+POR+TRAS+DO+MITO+DOS+ZUMBIS.html
Das origens racistas aos quadrinhos cult, descubra
como os mortos-vivos devoraram a cultura pop dos séculos 20 e 21
COMO NASCERAM OS ZUMBIS
Tudo começou com uma invasão americana.
Foi em 1915, quando os Estados Unidos costumavam tratar os países do Caribe como seu playground, que fuzileiros navais americanos ocuparam o Haiti, e de lá não saíram até 1934. A tradicional instabilidade política do país – nada menos que seis presidentes subiram ao poder e foram derrubados entre 1911 e 1915 – estava ameaçando os interesses econômicos dos EUA, segundo avaliou o governo do presidente Woodrow Wilson, e a solução foi transformar o Haiti numa espécie de colônia extraoficial. Durante quase 20 anos, soldados e civis americanos tiveram contato direto com as crenças populares “exóticas” (como eles as definiam) da nação caribenha – entre elas, a ideia de que os mortos podiam voltar à vida de um jeito nada agradável.
Assim, graças a uma aventura neocolonialista, as histórias de zumbis deixaram de ser basicamente uma especialidade haitiana e invadiram os pesadelos do Ocidente. Mas nossos mortos-vivos, que são sujeitos extremamente adaptáveis, como você já sabe, logo deixariam para trás a ginga africana para adotar outras origens e personalidades, bem mais aterrorizantes.
O mais interessante, segundo os que estudam o fenômeno cultural dos mortos-vivos, é que cada nova encarnação dos monstros parece acompanhar os grandes temas e as angústias de uma época, da Guerra do Vietnã à guerra ao terror. Parece forçada de barra? Pois então acompanhe os detalhes dessa história nas páginas a seguir e depois tire suas próprias conclusões.
Gringos com medo
Os zumbis adentraram a cultura pop de um jeito diferente de outros monstros populares da modernidade, como os vampiros e os lobisomens. É o que afirma o especialista americano Kyle William Bishop, professor do Departamento de Língua Inglesa da Universidade do Sul de Utah. Bishop, que se autodenomina o “Dr. Walking Dead” em seu Twitter, explica que os zumbis passaram de modo quase direto do folclore para as telas do cinema, sem antes terem vivenciado (ou “morrenciado”?) uma fase literária, diferentemente do que aconteceu com o Conde Drácula, que primeiro foi retratado num romance do irlandês Bram Stoker.
Na verdade, embora não tenham tido uma “infância” literária, os zumbis figuraram inicialmente em meios jornalísticos e até científicos. Quando viajantes americanos começaram a visitar o Haiti nos anos seguintes à ocupação militar, as criaturas apareceram em The Magic Island (“A Ilha Mágica”), livro-reportagem sensacionalista do jornalista William Buehler Seabrook publicado em 1929, e Tell My Horse (“Diga ao Meu Cavalo”), sofisticado ensaio da antropóloga negra Zora Neale Hurston que saiu em 1938. O objetivo desses livros, ao menos em princípio, era simplesmente descrever as crenças e os costumes daqueles misteriosos haitianos.
Os anos 1930, no entanto, também foram a primeira Era de Ouro do horror cinematográfico, conta Kyle Bishop em seu livro American Zombie Gothic (“Zumbi Gótico Americano”). Os diretores estavam sempre em busca de um novo monstro para estrelar suas fitas (como se dizia na época e o Zé do Caixão ainda diz), e foi então que os zumbis, em sua encarnação haitiana, entraram nessa lista.
A questão, porém, é que a sociedade americana dessa época era profundamente racista e funcionava na base da segregação racial institucionalizada em grande parte de seus Estados. Trocando em miúdos: era muito difícil que negros conseguissem entrar nos mesmos restaurantes, nas mesmas escolas e até nos mesmos ônibus que os brancos, independentemente de seu nível financeiro ou de educação. O linchamento sumário de supostos criminosos afroamericanos era relativamente comum.
E o principal crime do qual esses coitados costumavam ser acusados era o estupro de uma mulher branca, algo visto como pior que a morte nessa época.
Durante a Guerra Civil dos EUA, conflito entre o norte e o sul do país cujo pomo da discórdia foi justamente a continuidade da escravidão, os adversários do presidente republicano Abraham Lincoln, o líder do norte, diziam que seu objetivo sórdido ao defender os escravos era “misturar as raças”. “Diziam que ele ia organizar ‘bailes da miscigenação’, no qual negros fariam sexo com brancas”, diz o historiador David Blight, da Universidade Yale (EUA). Previsivelmente, o primeiro filme de zumbis dessa história dramatiza justamente esse temor irracional dos brancos americanos.
Não é à toa, portanto, que o filme, lançado em 1932, tenha recebido o título de Zumbi Branca. Isso porque, na trama que tem como vilão o húngaro-americano Béla Lugosi (eternizado no papel de Drácula), tudo gira em torno da tentativa de transformar uma bela americana, prestes a se casar, numa morta-viva sexualmente escravizada por um feiticeiro haitiano. (O noivo da moça se alia a um missionário protestante para tentar salvá-la, uma alegoria nada sutil do combate do cristianismo contra as “trevas” da crença vodu.)
Outro filme da mesma safra, A Morta-Viva, também tem como centro da trama a transformação de uma jovem branca em zumbi, embora sua trama seja menos abertamente preconceituosa com os nativos do Haiti.
Da geladeira ao estrelato
Curiosamente, os zumbis passaram as duas décadas seguintes meio esquecidos. Em seu lugar, alienígenas e cientistas malucos se tornaram os principais vilões do horror hollywoodiano. Mas esses anos, por outro lado, também ajudaram a gestar o que seria uma ideia central da moderna mitologia zumbi: a da catástrofe apocalíptica na qual uma doença misteriosa transforma a quase totalidade da população mundial em monstros.
Essa é a premissa de Eu Sou a Lenda, romance do americano Richard Matheson publicado originalmente em 1954, e inspiração para o filme de mesmo nome estrelado por Will Smith em 2007. OK, é importante ressaltar que as criaturas que tentam destruir o último humano sobrevivente da Terra em Eu Sou a Lenda se comportam como vampiros, e não como zumbis “clássicos”, mas o isolamento do personagem principal e o comportamento de manada assassina dos antigos habitantes de sua cidade, entre outras características marcantes dessa ambientação, acabaram inspirando um certo George Romero.
Esse jovem diretor de comerciais, fã de Eu Sou a Lenda, fez uma vaquinha com os amigos e colegas, chegando a um orçamento final de US$ 114 mil – o que dá uns US$ 750 mil em dinheiro de hoje, mas mesmo assim uma ninharia para os padrões de Hollywood – e filmou A Noite dos Mortos-Vivos. Lançada em 1968, a fita em preto e branco ajudou a estabelecer de forma quase instantânea as regras do “subgênero zumbi”: a criação dos monstros não é sobrenatural, mas mais ou menos explicada por causas “científicas”; os zumbis são canibais (os mortos-vivos haitianos não comem carne humana); um pequeno grupo de sobreviventes é cercado numa casa e precisa enfrentar tanto os zumbis quanto outros humanos.
Críticos de cinema imediatamente associaram a violência e o preconceito (contra o herói negro do filme) presentes em A Noite dos Mortos-Vivos com traumas americanos recentes, como a Guerra do Vietnã e o assassinato do líder negro Martin Luther King Jr. Romero reconheceu a influência desse momento histórico violento em sua obra. É claro, no entanto, que a molecada que lotou os cinemas queria mesmo era ver canibais sanguinolentos.
O sucesso foi tamanho que, ao longo dos anos 1970, surgiram imitadores de todos os tipos, inclusive em países como Espanha e Itália (era o fenômeno dos filmes “zumbi espaguete”, mais ou menos como os “faroestes espaguete” feitos em estúdios italianos). O processo atingiu seu pico por volta de 1980, ano em que 15 diferentes filmes de zumbis foram produzidos, segundo as contas do pesquisador Kyle Bishop.
Em geral, essa foi uma era de zumbis relativamente sérios e assustadores, mas os anos 1980 veriam o surgimento dos mortos-vivos mais engraçadinhos, desde o clipe da canção “Thriller”, de Michael Jackson, até A Volta dos Mortos-Vivos, de 1985, primeiro filme a retratar zumbis devoradores de cérebros (e não só de carne humana de modo geral). Segundo os especialistas, um período de economia em alta fez as pessoas perderem o interesse nos zumbis “críticos sociais”. Depois disso, a coisa foi meio ladeira abaixo. Em meados dos anos 1990, não havia zumbis nas telas.
Ao mesmo tempo, porém, o gênero começava a ser revitalizado no mundo dos games, com o surgimento de jogos como a série Resident Evil em 1996. Os jogos zumbizescos foram ganhando cada vez mais adeptos – e o tema se tornou mais uma vez popular no cinema a partir do começo da década passada.
Para Bishop, os atentados de 11 de setembro de 2001 podem estar por trás dessa “Renascença Zumbi”: de repente, para o público ocidental, o fim do mundo nas mãos de forças assassinas voltava a ser um conceito plausível. Seja como for, os últimos anos viram algo em torno de 30 filmes sobre mortos-vivos a cada 12 meses, uma média sem precedentes, para não falar no sucesso das HQs The Walking Dead e da série de TV inspirada nelas. Pelo visto, os mortos ainda têm um longo trajeto a caminhar no meio de nós.
Pornografia zumbi invade as telas
Uma vez que você começa a conceber a existência de gente apodrecendo e caindo aos pedaços andando por aí, o céu é o limite quando se trata de bizarrice. Surgem então sub-subgêneros do filme de zumbi, como a “zombédia” (a comédia zumbi) e, socorro, até o “zombô” (pornô zumbi).
O próprio clássico A Volta dos Mortos-Vivos é um dos grandes exemplos de “zombédia”. Um exemplo mais recente é Dead Snow (“Neve Morta”), de 2009. A premissa do filme? O diretor norueguês Tommy Wirkola estava pensando consigo mesmo: “O que seria mais malévolo do que um zumbi? Já sei, um zumbi nazista!”. E filmou a história de soldados nazistas transformados em mortos-vivos que atacam jovens noruegueses. Um ano antes, saía uma “zombédia” com um pezinho no “zombô”: Zombie Strippers, estrelado pela ex-atriz pornô Jenna Jameson. E sim, conforme o nome sugere, as strippers viram zumbis e continuam se apresentando mesmo assim na história.
O rei do zombô foi o diretor italiano Joe D’Amato, morto em 1999. Ele filmou, por exemplo, Porno Holocaust, no qual o zumbi de uma ilha misteriosa, dono de um pênis gigantesco, primeiro estupra e depois mata as infelizes mulheres que vão parar no local.Fonte:https://super.abril.com.br/cultura/como-nasceram-os-zumbis/
Como
surgiram as histórias de zumbis?
As histórias de Zumbis, que tiraram o sono de tantos jovens desde a década de 50 parecem ter sido totalmente desmistificadas nos últimos anos. Hoje, mais do que em qualquer outra época anterior, filmes, seriados, livros e até o mundo da moda abordam o assunto de forma bem-humorada e até jocosa.
E de onde se tirou essa ideia de o vodu ser demoníaco? Em primeiro lugar, o Haiti era a única nação negra independente por cem anos. Os haitianos costumavam comprar navios de escravos que iriam para os EUA e dar-lhes liberdade no Haiti. O país deu dinheiro a Simon Bolívar em suas lutas de liberação na Gran Colômbia. Mas em 1915 o Exército americano ocupou o Haiti. Era época da segregação, e a maioria dos soldados eram homens sulistas, crescidos em meio ao racismo, e todos, do cabo ao sargento, acabaram assinando contrato para escrever um livro. E os livros que saíam tinham títulos como "Fogo vodu no Haiti", "Aparição na terra vodu" ou "A ilha mágica", todos cheios de crianças que eram levadas para o caldeirão e zumbis se levantando dos túmulos para atacar pessoas. Foram essas histórias que deram origem aos filmes de Hollywood da RKO dos anos 1940. Esses livros e filmes terríveis diziam essencialmente aos americanos que qualquer país onde coisas terríveis assim acontecem precisam de redenção pela ocupação militar.
Davis - Uma das coisas que nunca investiguei a fundo é que o peixe que contém a toxina que identifiquei [como fundamental no preparo do veneno] existe também em águas de rios da África Equatorial. Mas acho que uma das coisas que aconteceu nas Américas é que, para onde que fossem os africanos, eles estavam sujeitos a vários tipos de influências. E uma das coisas que é bastante única no Haiti é que, diferentemente da Jamaica que foi colônia britânica até 1963, o Haiti era um país independente desde 1804. E depois da revolta dos escravos um certo manto de isolamento cobriu o Haiti, até a igreja foi expulsa. Enquanto no século XIX lugares como Brasil ou Jamaica ou o Sul dos EUA eram expostos à cultura europeia, o Haiti já estava isolado, e formas africanas persistiram no Haiti de forma significativa. Claro que há influências da Europa, da Igreja Católica, o [idioma] francês se tornou o creole, mas o isolamento e a influência da África fizeram do Haiti único. Embora outras culturas, como o candomblé no Brasil, tenham noções de possessões de espíritos e o senso fundamental de adoração de ancestrais, o zumbi, na minha experiência, é algo unicamente haitiano.
Por cuidar de crianças, a casa já recebeu ajuda dos brasileiros da Missão de Estabilização da ONU (Minustah, na sigla em francês). Mas, segundo um oficial brasileiro, alguns dos soldados teriam ficado assustados. Ele disse que, ao verem o que acreditaram ser um crânio humano, os militares contaram discretamente o número de crianças no local com receio de que fossem usadas em sacrifícios. O suposto crânio, porém, não foi visto pelo iG.
Questionada, Rosemarite afirmou que no terreiro do seu marido, que estava trabalhando no momento da visita da reportagem, não há sacrifício humano. Explicou que a modalidade de vodu praticada no local só inclui sacrifício de animais (bois, bodes e galinhas) em datas específicas, em oferendas às entidades.
Depois surge uma sala maior, mas completamente destruída pelo terremoto. “Vamos entrar, mas não podemos ficar muito tempo aqui. É arriscado”, adverte Rosemarite, referindo-se ao perigo de colapso do local.
Como
surgiram as histórias de zumbis?
Eles estão no cinema há
décadas, já causaram terror nos videogames, desenhos animados, têm um desfile
de rua em várias cidades do planeta e invadiram até a literatura clássica,
transformando um dos clássicos de Jane Austen em "Orgulho, preconceito e zumbis"!
Mas de onde surgiu a lenda desses mortos-vivos sedentos por carne humana? Por
incrível que pareça, os zumbis surgiram de uma crença religiosa, o vodu
haitiano. As informações são do site Life's Little Mysteries .
Os feiticeiros do vodu
aparecem em histórias nas quais dão a alguma pessoa um veneno não mortal, mas
que faz com que ela pareça estar morta. A vítima é então enterrada e o
feiticeiro retorna e toma o poder sobre o corpo, o qual não obedece mais à
vontade do dono. As histórias evoluíram e ao longo do tempo os feiticeiros
passaram a reviver os mortos nesses contos.
As fábulas sobre zumbis
passaram inclusive por estudos científicos. Nos anos 80, o botânico Wade Davis
foi ao Haiti e afirmou ter identificado duas drogas que são capazes de entrar
na corrente sanguínea e colocar alguém em um transe, agindo como um zumbi, ou
pelo menos algo parecido.
O folclore
haitiano ainda tem histórias de terror nas quais esses mortos-vivos seriam
vistos em ruas de vilas à noite. Apesar disso, os mortos-vivos do vodu são
diferentes dos zumbis que ficaram famosos na cultura popular contemporânea,
principalmente por não comerem carne humana.
Fonte: https://www.terra.com.br/noticias/educacao/voce-sabia/como-surgiram-as-historias-de-zumbis,9d08859fd53ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
O mito sobre os zumbis no Haiti
Nos últimos anos muitos filmes foram lançados falando de Zumbis, e o assunto virou uma verdadeira febre. Alguns desses filmes abordam o tema com um tom mais engraçado, outros mais sérios. Mas no Haiti esse é um assunto sempre levado muito a sério, tanto que até uma lei sobre esse assunto já foi feita nesse pais. Convido a todos a conhecerem um pouco mais sobre o assunto.
Essa postagem foi uma dica enviada pela amiga Amanda Carvalho (@Mandinhaa8) em uma conversa do grupo do Covil do Terror no WhatsApp. Quem estiver afim de participar desse grupo pode enviar seu número de telefone com o código de Área para os emails: noitesinistra@gmail.com ou anurbalorittab@gmail.com, com o assunto "Grupo".
Porém, as histórias reais que deram origem a estas lendas são muito mais assustadoras do que poderíamos imaginar.
As lendas dos Zumbis nasceram de rituais executados por Feiticeiros Vodu, uma religião de origem africana que alcançou seu ápice com os escravos haitianos durante a época colonial no Caribe. Diz a lenda que os feiticeiros Vodu tinham o poder de ressuscitar os mortos de suas tumbas, fazendo-os obedecer à suas vontades.
Durante as primeiras décadas do século XX, alguns casos de "Zumbis" se tornaram famosos e até foram fotografados vagando pelo Haiti, trabalhando como escravos em fazendas de cana-de-açúcar, servindo cegamente seus Mestres Vodu.
O caso Felícia Felix-Mentor
Em 1936, um corpo com andar cambaleante, vestido apenas com uma bata branca, surge no horizonte de um estrada suja, perto da capital do Haiti, Porto Príncipe.
Pessoas correram para ajudar e levaram a estranha mulher para o hospital. Constatou-se que ela era surda, cega e muda, mas reagia a estímulos e movimentava a cabeça freneticamente. Quem seria esta mulher? A identidade seria revelada quando seu mariado e irmão a reconheceram. Era Felícia Felix-Mentor. Mas não podia ser! Ela estava morta, e foi enterrada em 1907.
A única explicação possível que o médico pode dar foi "zumbi".
Este caso foi investigado e documentado pela escritora norte-americana Zora Neale Hurston, uma cética severa que encontrou e fotografou a garota "morta", e saiu convencida de ela ser uma vítima genuína dos Bokors, os feiticeiros vodus que praticam a magia negra. Este foi um caso que Hurston nunca mais esqueceria.
Zora Neale Hurston |
"As visão foi terrível. Aquele rosto imóvel, com os olhos mortos. As pálpebras eram brancas em torno dos olhos, como se tivessem sido queimadas com ácido. Não existia nada que você pudesse dizer a ela ou retirar, exceto olhar para ela, e a visão de sua ruína era demais para suportar por muito tempo."
Essa estória foi abordada no filme "A Maldição dos Mortos-Vivos" (The Serpent and the Rainbow - dirigido por Wes Craven - 1988), onde o tema eram os "mortos-vivos", não pela versão do fantástico, mas sim pelo lado científico e baseado em fatos reais. O filme foi baseada no livro do explorador Wade Davis, chamado "The Serpent and the Rainbow".
O zumbi Clairvius Narcisse
Em 1980, um homem apareceu numa vila rural do Haiti dizendo ser Clairvius Narcisse, que havia morrido no Hospital Albert Schweitzer, de Deschapelles, Haiti, em 2 de maio de 1962. Ele se dizia consciente mas paralisado durante sua suposta morte: ele até teria visto o médico cobrir seu rosto com um lençol. Narcisse disse ter sido ressuscitado e transformado em zumbi por um sacerdote.
Os vizinhos também reconheceram Narcisse e logo um médico psiquiatra foi chamado para ajudar a entender o acontecido. O haitiano respondia a todas as perguntas pessoais e da família sem o menor problema. Quando todos confirmaram mesmo que Narcisse era Narcisse, a imprensa internacional logo apareceu para cobrir a história mais do que bizarra.
Clairvius Narcisse foi um cidadão haitiano que se diz ter sido convertido em um zumbi mediante o uso de uma combinação de drogas. Seu caso provocou um considerável interesse e algumas investigações científicas.
Segundo relatórios, Clairvius foi envenenado com uma mistura de diversos venenos naturais para simular sua morte. Alegou-se que o instigador da intoxicação foi seu irmão, com quem tinha tido uma disputa pela venda de umas terras. Segundo seu relato, após sua “morte” e posterior enterro em 2 de maio de 1962, seu corpo foi desenterrado e lhe foi dada uma massa feita de Datura, a qual em determinadas dose tem efeitos dissociativos e alucinógenos e pode causar perda de cor. Seu novo “amo”, um Bokor (bruxo) obrigou-lhe, junto com muitos outros zumbis escravos, a trabalhar em umas plantações de açúcar até que o bruxo morreu em 1964 . Depois daquilo e de que as doses regulares do alucinógeno cessaram, Clairivius finalmente recuperou a sensatez – diferente de muitos outros que sofreram danos permanentes no cérebro – e voltou com sua família. Em 18 de janeiro de 1980 foi encontrado vagando, seminu e em um estado de choque nos arredores de seu povo natal.
O antropólogo americano Wade Davis investigou o caso e analisou algumas dessas “poções de zumbi” feitas pelos sacerdotes da região. Percebeu que o único ingrediente comum a todas elas era um tipo específico de baiacu. Esse peixe possui no fígado e nos órgãos sexuais um potente veneno, chamado tetrodoxina, que paralisa o sistema nervoso central e pode fazer as pessoas parecerem mortas. No Haiti, o TTX pode ser encontrado em uma espécie de sapo. Ele também analisou a substância usada para manter os zumbis em estado de estupefação e percebeu que eles eram feitos da Datura stramonium, uma planta com fortes substâncias psicoativas. A imagem de uma pessoa que ressuscita para andar tonta e cambaleante pelas plantações não era, portanto, tão fora de propósito.
Ninguém sabe se a descoberta de Davis é a resposta definitiva ao mistério. Por via das dúvidas, o código penal do Haiti determina que fazer uma pessoa parecer morta a ponto de ela ser enterrada é considerado assassinato, não importa o que aconteça depois.
Narcisse foi o incentivo para o Projeto Zumbi: um estudo sobre as origens dos zumbis feito no Haiti entre 1982 e 1984. Durante essa época, o etnobotânico e antropólogo Wade Davis viajou pelo Haiti na esperança de descobrir o que dá origem aos zumbis haitianos.
Wade Davis e o projeto Zumbi
O etnobotânico Wade Davis não gosta de ser chamado de “zumbiólogo”. Ainda assim este cientista canadense que hoje trabalha como explorador da “National Geographic” é um dos raros acadêmicos que se dedicou a entender o que há de verdade naquilo que conhecemos como zumbis.
O etnobotanista Wade Davis em foto tirada no Haiti no início dos anos 1980 |
Em quatro anos de pesquisa na década de 1980 – três dos quais vividos no Haiti, berço do mito contemporâneo dos zumbis –, Davis afirma ter encontrado “um veneno que faz alguém parecer que está morto, mesmo que esteja vivo”. A poção, produzida por feiticeiros vodus a partir da toxina de um peixe nativo misturada a ervas alucinógenas e restos humanos como ossos e pele, seria o elemento central no processo de zumbificação, prática que iria bem além da simples magia negra, defende o cientista, mas que funcionaria como punição social dentro da cultura e dos costumes da religião vodu.
Suas conclusões foram registradas em dois livros “Passage of darkness: the ethnobiology of the Haitian zombie”, de 1988, resultado da tese de doutorado de Davis em Harvard, e “A serpente e o arco-íris”, lançado no Brasil pela Jorge Zahar em 1986, e que ganhou uma adaptação para o cinema no ano seguinte pelas mãos de Wes Craven, de “A hora do pesadelo” , da qual o autor não quer nem ouvir falar.
“O que minha pesquisa tenta sugerir não é que exista uma linha de produção de zumbis no Haiti, mas que o conceito se baseia em algo real”, argumenta Davis em entrevista por telefone ao G1 no ano de 2010. “[Na lenda] um zumbi é alguém que teve sua alma roubada por um feitiço e que fica capturado em um estado de purgatório perpétuo e que acaba sendo mandado para trabalhar como escravo em plantações. Hoje sabemos que não há nenhum tipo de incentivo para criar uma força de escravos-zumbis no Haiti, mas dada a história colonial aliada à ideia de perder a sua alma – o que significa perder a possibilidade de ter uma morte digna para o voduista –, tornar-se um zumbi é um destino pior do que a morte”, explica.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Davis de sua casa, em Washington DC.
Descobri só há pouco que um de seus livros, “A serpente e o arco-íris”, também já foi transformado em filme...
Wade Davis - Sim, infelizmente.Foi uma dessas coisas em que eles prometem um diretor e depois aparecem com outro. Nesse caso me prometeram Peter Weir ["O ano que vivemos em perigo", "A testemunha", “Sociedade dos poetas mortos”, “O show de Truman”] e achei que ele seria um ótimo diretor para aquele livro em especial. Mas ele não podia fazer porque tinha acabado de fazer um filme e precisava descansar. E, sendo um jovem escritor, você sabe que não tem muito controle sobre o processo, infelizmente.
Qual é sua opinião geral sobre os filmes de Hollywood que tratam de zumbis?
Davis – É preciso voltar ao porquê de termos essa ideia de vodu como magia negra. Se você se perguntar sobre as grandes religiões do mundo – budismo, judaísmo, cristianismo, islamismo – haverá sempre um continente deixado de fora, a África. Afora os países islâmicos, o que se assume é que os africanos não tem religião, mas é claro que têm. Quando os africanos foram trocados como escravos, eles trouxeram suas crenças religiosas e, dependendo de aonde as pessoas foram levadas, nas diferentes circunstâncias históricas, formas diferentes de religião se desenvolveram. Você tem a santeria nos países de colonização hispânica como Porto Rico, Cuba e República Dominicana, tem o candomblé no Brasil e o vodu no Haiti. Vodu não é magia, mas uma forma complexa e metafísica de ver o mundo. É uma religião dinâmica e viva em que os seres humanos entram em contato com os mortos e se tornam os espíritos e múltiplas expressões de Deus.
Portanto, o sr. está dizendo que o preconceito marcou esses primeiros filmes?
Davis - Nenhuma dessas coisas era consciente. Não significa que alguém em Hollywood tenha dito: “vamos pegar os negros”. Era um período de segregação. Mas, por sinal, isso não foi embora. Você deve ter ouvido falar que o fundamentalista cristão e ex-candidato ao governo dos EUA Pat Robertson, na semana passada, culpou os haitianos pelo terremoto, dizendo que a tragédia é resultado de um pacto que eles teriam feito com o diabo na época da revolução. É difícil imaginar algo mais ignorante, cruel e insensível sendo dito por qualquer um.
De todo modo, os primeiros filmes de Hollywood, da década de 30 e 40, pareciam estar mais afinados com os relatos de zumbis haitianos – seres que tinham sido declarado mortos, enterrados e depois trazidos de volta à vida sem vontade própria por um feiticeiro vodu. Não eram as hordas de comedores de carne humana em que se transformaram os zumbis do cinema a partir dos anos 60.
Davis – O que minha pesquisa tenta sugerir não é que exista uma linha de produção de zumbis no Haiti, mas que o conceito se baseia em algo real. [Na lenda] um zumbi é alguém que teve sua alma roubada por um feitiço e que fica capturado em um estado de purgatório perpétuo e que acaba sendo mandado para trabalhar como escravo em plantações. Hoje sabemos que não há nenhum tipo de incentivo para criar uma força de escravos-zumbis no Haiti, mas dada a história colonial aliada à ideia de perder a sua alma – o que significa perder a possibilidade de ter uma morte digna para o voduista –, tornar-se um zumbi é um destino pior do que a morte. É por isso que no Haiti não se teme os zumbis, mas se tornar um zumbi.
O que minha pesquisa faz é perguntar quais são as ramificações dessa ideia. Seria possível existir um veneno que fizesse as pessoas aparentarem estar mortas para depois tornarem ao mundo dos vivos? Se isso existisse, talvez tivesse implicações médicas importantes. Esse veneno foi citado na literatura e nas lendas do povo, e há de fato um veneno no Haiti que tem um ingrediente que sabemos cientificamente que pode fazer precisamente isso: fazer alguém parecer que está morto, mesmo que esteja vivo. Mas fui procurar a base química do evento e acabei explorando o lado social, psicológico, político e cultural das possibilidades químicas. Sabemos de sociedades secretas na África Equatorial que, por uma função política tradicional, punem as pessoas com venenos. No Haiti também há sociedades secretas no campo que aparentam ter uma função política e que fazem a mesma coisa. Minha conclusão foi que a noção de zumbi, como sendo um destino pior que a morte, era de certa forma a punição maior para quem violasse as regras de uma cultura tradicional.
E os primeiros filmes tentavam refletir isso. Em partes por influência de uma folclorista maravilhosa chamada Zora Neale Hurston, que [nos anos 30] escreveu o livro "Tell my horse", em que basicamente diz tudo isso sobre zumbis. Acho que os primeiros filmes de Hollywood de certa forma espelhavam o que Zora estava escrevendo. Mas então os zumbis se tornaram parte do gênero mais amplo dos filmes de horror, junto com múmias e fantasmas... Mas isso de certo modo reflete todas as nossas obsessões com a morte e a incerteza sobre o que ela representa, o pesadelo terrível da morte voltando para assombrar os vivos. Acho que os filmes de Hollywood, terríveis como podem ser, refletem uma fascinação geral humana por essa noção.
É possível afirmar que o conceito de zumbi como uma pessoa trazida de volta à vida sob o comando de um mestre é algo genuinamente haitiano? O zumbi haitiano é o “original”?
No Brasil também temos nosso Zumbi dos Palmares, um líder negro das revoltas escravas, mas que não parece ter a ver com a noção de zumbi dos haitianos.
Davis - É sempre perigoso dizer porque as palavras podem ser usadas de múltiplas maneiras. Há várias origens diferentes para a palavra zumbi e não se sabe claramente qual é a correta. Vodu é só uma forma de dizer “espírito de deus”. Não se esqueça também que houve muito contato entre os caribenhos e o Brasil naquela época, claro. A revolta bem-sucedida dos escravos no Haiti ficou conhecida e provavelmente também incentivou os brasileiros assim como os americanos a fazerem as suas.
Seus livros foram publicados na década de 80. Desde então deu seguimento à pesquisa?
Davis - Eu nunca me vi como um expert em vodu. Estava trabalho na região amazônica como botânico e antropólogo quando recebi convite para ir ao Haiti pesquisar os zumbis. Esse acabou se tornando o tema do meu doutorado em Harvard, fiz os livros, mas no final o filme foi tão ruim, se tornou tão controvertido... Um amigo professor uma vez chegou até a mim e disse, brincando, você quer se tornar um zumbiólogo, quer passar o resto da vida defendendo essa hipótese e correndo pelo Haiti procurando zumbis? Eu ri e disse que não. Passei três anos no Haiti e quatro anos no total pensando sobre vodu e escrevendo os dois livros, realmente já disse tudo o que eu queria dizer. Tinha muito mais interesse em questões gerais de cultura, e já tendo estado no Haiti queria ir pra outro lugar. Era hora de mudar. Escrevi mais 14 outros livros, fiz outros filmes e agora sou um explorador pela ”National Geographic”, celebrando as maravilhas das outras culturas. O que eu sempre quis fazer é tentar expôr os equívocos que temos sobre o outro. E foi isso que tentei fazer no Haiti.
Durante o tempo em que passou lá, você fez diversos amigos no Haiti. Teve notícias deles após o terremoto recente em Porto Príncipe? Acha que a religião vodu teria uma resposta diferente a eventos como esse?
Davis - Sim. Um dos meus amigos é uma figura importante em “A serpente e o arco-íris”. Mas ele e sua família estão bem. Os africanos dizem que nenhum evento tem uma vida própria sua, e tenho certeza de que haverá fortes consequências psicológicas. Mas isso acontece em qualquer cultura. Todos se fazem a pergunta fundamental: por que nós, por que agora, por que isso aconteceu depois de tudo o que passamos? Afinal, era isso que os americanos estavam se perguntando depois dos ataques de 11 de setembro: por que eles nos odeiam? Por que isso está acontecendo? Acho que essa é uma resposta bastante universal para cataclismas tão inesperados. Mas uma coisa importante para a comunidade mundial se lembrar é o quanto Haiti já deu para o mundo.
Quando aquele homem horrível - Pat Robertson - disse aquilo sobre o terremoto e o pacto com o diabo, ele não estava só revelando sua loucura e crueldade mas também sua própria ignorância sobre a história americana. Se não fosse pela revolta dos escravos e patriotas haitianos, os americanos estariam provavelmente falando francês a oeste do Mississipi. Porque Napoleão no alto de seu poderio chegou a mandar um batalhão para ir ao Haiti, massacrar a revolta dos rebeldes, e então seguir até Nova Orleans, onde deveria derrotar as colônias espanholas e britânicas e restaurar o domínio francês. Os EUA devem uma boa parte ao Haiti por derrotar aquelas forças de Napoleão.
Agora é hora de a comunidade internacional se unir pelo Haiti. E há tanto que pode ser feito. Os haitianos sofreram por tanto tempo, e o incrível é que em tempos de escassez as pessoas voltam suas mentes para a imaginação. O Haiti é possivelmente tão interessante culturalmente quanto qualquer outro lugar nas Américas, essas pessoas têm uma reserva impressionante de espírito, de esperança e de poder. Só se espera que essa capacidade possa ser usada e não permaneça sob o domínio de oficiais corruptos. O que o Haiti precisa é de investimentos reais, não de piedade.
Lei proíbe a criação de zumbis no Haiti
"Os haitianos são 50% católicos e 100% praticantes do vodu", anuncia um militar brasileiro integrante das forças de paz que atuam na capital Porto Príncipe desde 2004. O misticismo dos habitantes da parte oeste da ilha de Hispaniola, no Caribe, é considerado tabu pela maior parte do mundo ocidental e pouco tem de relação com bonequinhos de pano alvejados de agulhas.
O vodu haitiano, de raízes na África, é largamente aplicado na nação caribenha, cuja miséria consistente a coloca com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Américas. Militares brasileiros que fazem parte da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti) recordam terem recolhido nas ruas, no início da missão, corpos com tórax retalhado e olhos arrancados. Acreditam terem encontrado vítimas de sacerdotes voduístas bokors, que realizam magia negra.
Os mesmos militares relembram ainda terem colhido o depoimento de um padre italiano que foi sequestrado com uma noviça por supostos praticantes do vodu. A religiosa foi estuprada recorrentemente, inclusive com espetos e paus, em um suposto ritual religioso. As vítimas conseguiram fugir quando novos bandidos brigavam com os primeiros sequestradores pela posse dos reféns.
Para além dos rituais de morte e purificação, a mística voduísta tem também na transformação de seres humanos em "zumbis" um dos maiores temores para a sociedade leiga. Os haitianos acreditam que um zumbi é criado a partir da feitiçaria do sacerdote, que tomaria para si o "bon ange", ou a alma da pessoa. Para os estudiosos de práticas voduístas, no entanto, o estado de letargia dos supostos zumbis pode ser resultado da aplicação de tetrodotoxina, uma neurotoxina encontrada em espécies do peixe baiacu.
O artigo 246 do Código Penal haitiano chega a fazer referência ao envenenamento que tenha por objetivo produzir um "estado letárgico" na pessoa, principal característica dos ditos zumbis haitianos. "É classificado como envevenamento todo atentado à vida de uma pessoa por efeito de substâncias que podem levar à morte mais cedo ou mais tarde, de qualquer forma que essas substâncias tenham sido aplicadas ou administradas e quaisquer que sejam suas consequências.
Também será qualificado como atentado à vida de uma pessoa, por enevenamento, o emprego feito contra ela de substâncias que, sem levar à morte, irão produzir um estado letárgico mais ou menos prolongado, não importando a forma como essas substâncias tenham sido empregadas e quais sejam as consequências na vítima", diz a legislação do Haiti.
Se a maior parte da população haitiana praticava o vodu aliada a outras religiões, como o catolicismo, a situação pós-terremoto de 2010, quando pelo menos 220 mil pessoas perderam a vida, e o agravamento do surto de cólera no final do ano passado provocaram em parte de Porto Príncipe reações violentas contra sacerdotes do vodu.
Em casas cujos telhados estampam uma espécie de espantalho com farrapos vermelhos, pelo menos 40 sacerdotes foram assassinados, relata o embaixador do Brasil do Haiti, Igor Kipman. Parte da população atribuía a eles responsabilidade pela morte de mais de 3,3 mil pessoas vítimas do cólera.
Conhecendo um Terreiro de Vodu
Em 2011 uma equipe do iG esteve no Haiti e pode conhecer mais de perto um "Terreiro de Vodu". Abaixo os amigos e amigas poderão conferir essa reportagem e entender um pouco mais sobre os dois principais tipos de Vodu.
Vodu, magia negra, Haiti. Os três termos são sempre relacionados quando o assunto é uma religião que sincretiza tradições cristãs e africanas e que, apesar de reconhecida oficialmente na Constituição do país de 1987, atrai rumores de que incluiria sacrifícios humanos, transformação de pessoas em “zumbis” e até canibalismo.
Praticante do vodu, Marie Rosemarite, uma senhora de sorriso simpático, recebeu a reportagem do iG em sua casa marcada com o símbolo característico dos terreiros: uma bandeira do Haiti ou uma vermelha e preta, tremulando durante o dia, recolhida à noite.
Marie Rosemarite |
O terreno, humilde, que serve também como orfanato, abriga o desconhecido. A escuridão da estrutura abalada no terremoto de janeiro de 2010 em Tabarre, bairro de Porto Príncipe, pede uma lanterna para ser visitada ao cair da tarde, substituída por dezenas de velas durante as cerimônias, que normalmente acontecem nas noites de sexta e domingo ou em datas específicas que, como na umbanda, não raramente coincidem com o calendário católico.
“O nosso vodu é Franc Guinen, os outros, que envolvem sacrifício humano, são o Sampoil, Bizango e Makamba. Tem vodu que é direito, outros não, existem para fazer o mal. Nós sabemos que matam pessoas, mas não fazemos isso. O chefe do terreiro desse tipo de vodu se chama bruxo de duas mãos”, disse a senhora. Essas modalidades de vodu seriam praticadas, de acordo com os nativos, com mais frequência no norte do país e em Léogâne, ao sul de Porto Príncipe.
Dentro do local dos rituais
Sente-se um calafrio quando se entra em uma sala sem qualquer iluminação, onde estão os artefatos religiosos. Cada cômodo tem uma finalidade, um tipo de espírito a convocar.
Na primeira sala, uma estante coberta com um pano vermelho e outro branco. Em seguida, outra parecida, com um móvel coberto por pano vermelho. Por fim, uma com artefatos cor de rosa, a sala para trabalhos amorosos. Só é possível enxergar tudo isso após o flash da câmera ser disparado.
No canto esquerdo, um pequeno túmulo feito com um pedaço de telha e uma cruz de cimento. O teto côncavo, pintado de azul, realça um grande artefato de madeira, chamado “Tronco do meio”. É onde são convocados os espíritos mais fortes, explicou. O tronco, pontiagudo, traz duas serpentes entrelaçadas, também em madeira. Dali para frente, só escombros. Foi impossível continuar.
As datas do vodu
Rosemarite contou quais são algumas das datas importantes da religião. As principais são os dois primeiros dias de novembro, quando se realiza a “Festa dos Mortos”. Nela, sacrificam-se animais no terreiro.
Na véspera de Natal, 24 de dezembro, é preparado um banho de proteção para as crianças do orfanato. Em 6 de janeiro, há a “Festa do Papa Loco”, uma das entidades locais. Esse é o dia dos espíritos no vodu. Os dias 1º e 2 de maio são de “Cousin (primo) Zaka”, espírito que trabalha a terra e, por isso, usam-se frutas como oferenda. Em 24 de junho, celebra-se o dia de “Tijan Dantó”, equivalente a São João Batista no catolicismo.
As práticas e os sacrifícios
Com um pouco de hesitação, Rosemarite começa a responder perguntas sobre os sacrifícios do vodu. Apesar de reiterar que seu terreiro não faz sacrifícios humanos, reconhece que, em alguns casos, podem ser feitos trabalhos de “ataque”. “Por exemplo, se o marido troca sua mulher por outra e a ex-mulher pede um trabalho para reconquistar seu amado, fazemos uma cerimônia para ‘colocar fogo’ na casa (tornar a vida do novo casal insuportável) até que o marido volte para a mulher. Mas a gente não mata.”
Nas ruas do Haiti, ouvem-se rumores macabros, mas não há como comprovar até onde vão os boatos e começa a verdade.
Segundo alguns relatos, os sacrifícios humanos seriam realizados pelos “bruxos” de maior poder nos cultos. As vítimas seriam escolhidas na rua para serem mortas e terem olhos e corações extraídos. De acordo com o que relataram à reportagem, os órgãos seriam comidos e o sangue, bebido.
Caça aos bruxos
Embora o vodu no Haiti já tenha sido uma religião extremamente popular, começa a perder espaço para outras vertentes, como o evangelismo. Isso porque há uma rejeição dos haitianos a quem pratica o vodu para fazer o mal.
Entre militares e alguns haitianos comenta-se que alguns dos chefes de terreiro têm sido assassinados sob a acusação de recorrer a uma prática hedionda. Em vez de sacrifícios, usariam os chamados “lenços do cólera” para disseminar a doença, que deixou quase 3,9 mil mortos desde outubro no país.
“Cerca de 40 sacerdotes do vodu foram assassinados nos últimos meses. Parte da população acredita que eles foram responsáveis pela disseminação do cólera no país”, confirmou o embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman.
Agradecimentos a amiga Amanda Carvalho pela dica.
Fontes: iG, G1, Estranhos Fenômenos e Assombrado
http://www.noitesinistra.com/2015/08/o-mito-sobre-os-zumbis-no-haiti.html#.WxFReZ9KiUk
Zombie Walk, o que é isso afinal? (O Mito Dos Zumbis)
O universo zumbi é muito difundido nos dias de hoje, seja através de jogos, livros, filmes, seriados RPG e etc. Cresce cada vez mais a adoração e o fascínio pelo assunto, principalmente da parcela mais jovem. Hoje os zumbis estão no cinema, na literatura, nos quadrinhos. Mas, afinal, existe fundamento para o mito dos zumbis? Por quais motivos esses seres levantam tanta curiosidade e temor? Para investigar e tentar entender, eu fui pessoalmente na zombie walk 2013, observar e tentar traduzir tudo isso em forma de imagens.A Zombie Walk é uma passeata composta por um grande grupo de pessoas que se vestem de zumbis. Geralmente caminhando ou correndo por grandes centros urbanos, os participantes organizam uma rota através das ruas da cidade, passando por shoppings, parques e outros locais com grande público. O evento é promovido via internet ou através de flyers, cartazes etc. As Zombie Walks são consideradas por muitos participantes como um evento underground. Durante o evento, os participantes se caracterizam como zumbis e se comunicam como zumbis (iguais aos filmes de horror), grunhindo ou gemendo. (continua no blog: dmisterio.blogspot.com)
Fonte:YouTube
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