Entre os bispos, estão vários dos acusados de terem acobertado escândalos
Vítimas de bispos chilenos comemoram renúncia em massa
por AFP* — publicado 18/05/2018 14h13, última modificação 18/05/2018 14h13
Os religiosos colocaram seus cargos à disposição do papa Francisco depois dos escândalos de abuso sexual
Vítimas dos abusos sexuais por parte de membros da Igreja católica comemoraram a renúncia em massa, nesta sexta-feira 18, dos bispos chilenos, ao final de uma inédita reunião com o papa Francisco no Vaticano.
"Não souberam proteger os mais fracos, expuseram-nos a abusos e, depois, impediram a justiça. Por isso, devem sair", tuitou José Andrés Murillo, um dos acusadores do padre Fernando Karadima, cujo caso abriu uma inédita revisão por parte do Vaticano sobre a atuação de todo o clero chileno frente aos abusos sexuais e a seu acobertamento.
Outro denunciante, Juan Carlos Cruz, afirmou que a decisão dos bispos chilenos - anunciada em uma entrevista coletiva nesta sexta no Vaticano - "muda as coisas para sempre".
Trinta e quatro bispos chilenos, 31 deles no cargo, reuniram-se com o papa esta semana em Roma. Ao final dos encontros, anunciaram a renúncia de todos os participantes, depois de o sumo pontífice antecipar sua disposição de adotar "mudanças e resoluções" na Igreja chilena.
A renúncia dos bispos chilenos foi "para que o papa fique livre. Essa é a ideia. Não queremos dizer ao papa: 'você tem seu barco e agora conduza sozinho'. Pelo contrário, ele conta conosco", disse nesta sexta o bispo da cidade chilena de Chillán, Carlos Pellegrín, de volta a seu país.
"Estamos à sua total disposição para limpar o que tiver de fazer, para assegurar protocolos que nos permitam ajudar as vítimas da melhor maneira", acrescentou Pellegrín, em entrevista a jornalistas que esperavam, no aeroporto de Santiago, pelo retorno dos religiosos chilenos.
Renúncia coletiva
Os bispos chilenos puseram, nesta sexta-feira 18, seus cargos à disposição do papa Francisco, depois dos escândalos de abuso sexual cometidos por religiosos em seu país. O anúncio foi feito pelos porta-vozes da Conferência Episcopal do Chile, Fernando Ramos e Ignacio González.
Em uma declaração lida pelos porta-vozes à imprensa, os 34 bispos convocados pelo papa no Vaticano para prestar contas sobre os escândalos anunciaram que "todos" puseram seus "cargos nas mãos do Santo Padre para que livremente decida em relação a cada um".
O anúncio foi feito na sala Pio X de um prédio do Vaticano, a poucos metros da basílica de São Pedro.
Francisco se dispõe a tomar medidas severas, "mudanças e resoluções", dentro da Igreja do Chile, como antecipou em uma carta entregue ao fim de três dias de reuniões no Vaticano.
Na declaração, os bispos voltaram a "pedir perdão pela dor causada às vítimas", agradeceu-lhes por "sua perseverança e coragem", apesar das dificuldades e "dos ataques da própria comunidade eclesiástica".
Entre os 34 bispos presentes, 31 em funções, estão vários dos acusados de terem acobertado durante décadas os abusos cometidos pelo padre Fernando Karadima. Ele foi suspenso de forma vitalícia, após ser declarado culpado em 2011 de abuso sexual a menores nos anos 1980 e 1990.
É provável que o papa substitua pelo menos dez religiosos para abrir uma nova era na Igreja chilena.
"Estamos no caminho, sabendo que esses dias de honesto diálogo foram um marco dentro de um processo de mudança profunda (...) por meio da qual queremos restabelecer a justiça e contribuir para a reparação do dano causado", escreveram os bispos.
Fontes religiosas asseguram que o pontífice substituirá os religiosos Juan Barros Madrid, bispo de Osorno, Horacio Valenzuela, bispo de Talca, Tomislav Koljatic, bispo de Linares e do auxiliar de Santiago, Andrés Arteaga, gravemente doente.
Os quatro se formaram à sombra do influente Karadima na igreja de El Bosque, em Santiago.
Apesar de sua renúncia, os bispos se manterão em seus postos até que o papa tome as medidas que considerar cabíveis, o que deve acontecer em breve.
A ata de acusação do Papa
Em um documento de dez páginas vazado para a imprensa chilena, esses bispos foram acusados por Francisco de serem coletivamente responsáveis por "graves falhas" no manejo dos casos de abuso e da consequente perda da credibilidade da Igreja católica.
O documento detalhava pressões exercidas sobre aqueles que deviam investigar os abusos, assim como a destruição de documentos comprometedores.
A renúncia de toda a hierarquia de uma igreja local foi uma resposta sem precedentes, disseram à AFP especialistas em assuntos vaticanos.
Na ata de acusação, à qual a AFP teve acesso pelo Canal 13 da televisão chilena, o pontífice fala de "fatos criminosos" cometidos por representantes da cúpula da igreja chilena, de "escândalo", de "ir além" da remoção de pessoas para solucionar a crise.
Um dos trechos mais fortes do documento está na página 9, na qual cita o informe elaborado pelo monsenhor Charles Scicluna e pelo sacerdote espanhol Jordi Bertomeu.
"Meus enviados puderam confirmar que alguns religiosos expulsos de sua ordem - por causa da imoralidade de sua conduta e após terem minimizado a absoluta gravidade de seus fatos criminosos, atribuindo-lhes a simples fraqueza, ou falta de moral - teriam sido acolhidos em outras dioceses e até, de modo mais do que imprudente, se lhes teria confiado cargos diocesanos, ou paroquiais, que implicam um contato cotidiano e direto com menores de idade", afirmou Francisco ao descrever o método do acobertamento exercido por décadas, um dos grandes males obscuros da Igreja católica ao encarar a pedofilia.
*Leia mais em AFP
Fonte:https://www.cartacapital.com.br/internacional/vitimas-de-bispos-chilenos-comemoram-renuncia-em-massa
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