RITUAL CHHAUPADI: CRUEL,PERVERSO E MORTAL ISOLAMENTO MENSAL DE MULHERES,PRATICADO HÁ SÉCULOS NO NEPAL
Ritual Chhaupadi: Cruel, Perverso e Mortal Isolamento Mensal de Mulheres,Praticado há Séculos no Nepal
Agora, trago ao conhecimento de vocês uma situação que deixaria muitas pessoas, principalmente mulheres, totalmente arrepiadas. Existe uma tradição social, que ainda prevalece em diversas regiões do Nepal, voltada para as mulheres hindus, que proíbe uma mulher de participar de atividades normais da família durante a menstruação, porque elas são consideradas impuras. As mulheres são mantidas fora da casa e tem que viver em um "abrigo" totalmente improvisado, apertado, em condições totalmente precárias, onde geralmente não fica apenas uma única mulher ou adolescente, mas diversas delas amontoadas, sendo que algumas morrem por asfixia durante esse confinamento forçado. Isso não acontece somente nesse período, visto que um período um pouco maior de confinamento também acontece logo após uma mulher dar à luz. E não importa o quão frio esteja, visto que elas não podem usar cobertores quentes, sendo permitido apenas um pequeno tapete, geralmente feito de juta. Elas também são geralmente impedidas de ir à escola, tomar banho, sendo obrigadas a permanecer no "abrigo", enfrentando perigos mortais como hipotermia, desnutrição, animais peçonhentos e até mesmo abusos sexuais. E se você acha que o verdadeiro terror está em assistir um filme de Hollywood ou em uma foto de fantasma, espere até conhecer, de fato, o terrível ritual Chhaupadi. Vamos saber mais sobre esse assunto?
Uma Rápida Introdução Sobre a Visão da Menstruação em Algumas Sociedades Pelo Mundo
A menstruação é definida como uma descamação periódica, normal e saudável, envolvendo sangue e tecido mucoso das paredes internas do útero, quando não há fecundação. Isso marca o período, no qual popularmente se comenta que a "menina se torna mulher", muito embora o mais apropriado a se dizer seria "o momento no qual um organismo feminino se torna apto a gerar uma nova vida."
Sem dúvida alguma, esse é um fenômeno único entre as mulheres, que começa na adolescência (geralmente entre os 11 e 15 anos de idade), se tornando, portanto, um claro indicativo de suas saúdes reprodutivas. No entanto, ao redor do mundo, existem diversos tabus relacionados a menstruação, ao sangue menstrual ou então relacionados a uma jovem ou mulher adulta menstruada.
Alguns desses tabus são baseados em motivos religiosos, enquanto outros têm suas raízes na cultura e na tradição, e se manifestam sob a forma de diferentes práticas. No Islã, por exemplo, as mulheres não podem rezar, jejuar ou ter relações físicas durante a menstruação. Da mesma forma, sob a tradição judaica, qualquer coisa ou pessoa tocada por mulheres menstruadas é considerada ritualmente impura.
Enfim, uma dessas práticas consiste em separar jovens e mulheres adultas do restante da família durante a menstruação, considerando-as impuras. O grau e tipo de separação, no entanto, difere entre as comunidades. Uma dessas formas poderia consistir em manter mulheres em um cabana, de maneira totalmente separada do vilarejo, em um caso de separação extrema, assim como acontece entre os nativos Huaulu, na Indonésia, ou mantê-los separados ao redor da casa, mas em uma cabana separada, assim como acontece com os Dogons, na região do planalto central de Mali. Entre essas práticas está o Chhaupadi, que permanece viva, em certas partes do Nepal, e envolve separar as mulheres menstruadas do restante da família.
Um Resumo do Ritual Chhaupadi
O Nepal é um país do sul da Ásia geograficamente pequeno, ainda que cultural, linguisticamente e etnicamente diverso, situado entre a República Popular da China e a Índia. Embora seja um país secular, a grande maioria da população nepalesa segue o Hinduísmo e a religião desempenha um papel importante na vida e na sociedade nepalesa.
Geograficamente, o Nepal é dividido em montanhas, colinas e planícies e, para fins administrativos, foi dividido em cinco regiões de desenvolvimento. Destas cinco regiões, as regiões do Centro-Oeste e do extremo Oeste ficam atrás do resto do país em termos de desenvolvimento geral e igualdade de gênero. Nessas regiões, oportunidades escassas de emprego e meios de subsistência são comuns e a vida cotidiana é difícil para a maioria das pessoas. Nas regiões que já enfrentam complexidades de casta, religião e etnia, o sistema sociocultural histórico patriarcal piora consideravelmente a situação das mulheres.
Embora a escala do problema varie entre as comunidades, o status das mulheres nessas duas regiões é uma espécie de reflexo do status das mulheres nepalesas em geral, visto que elas são tratadas como membros de segunda classe da sociedade, com menor autonomia, poder e liberdade em relação aos homens. Além disso, uma falta geral de educação e conscientização de seus direitos sociais e legais significa, que elas também são vitimadas em nome de rituais sociais, normas e tradições.
O ritual Chhaupadi é uma dessas práticas ocidentais, que continuam resistindo ao tempo nas regiões do Centro-Oeste e do extremo Oeste do Nepal, que bane as mulheres de suas casas durante o período da menstruação. Essa prática é derivada de uma tradição hindu relacionada às secreções associadas à menstruação e ao parto. Aliás, a própria palavra Chhaupadi é derivada de uma palavra local usada no dialeto "Raute" do distrito de Achham, no extremo Oeste, onde "Chhau" significa "menstruação" e "padi" significa mulher. Sob essa prática, as mulheres são consideradas impuras durante seus períodos menstruais e, portanto, devem se abster de participar das atividades diárias normais. Elas são forçadas a se isolar e dormir dentro de um pequeno "abrigo" feito de lama e pedras, sem janelas e fechaduras. Tais abrigos são especialmente preparados a uma distância de 20 a 25 metros da residência, e possuem um tamanho médio de apenas 1 x 2 m. Os "abrigos" não têm portas, são muito estreitos, escuros, apertados, congestionados, e possuem o chão frio e sujo, onde as mulheres se sentam e dormem.
Os "abrigos" não têm portas, são muito estreitos, escuros, apertados, congestionados, e possuem o chão frio e sujo, onde as mulheres se sentam e dormem. |
A Tentativa de "Justificar" o Ritual Chhaupadi
Muitas famílias tradicionais nepalesas hindus impõem certas restrições contra as mulheres, quando estão menstruadas. O ritual Chhaupadi é uma manifestação de tais restrições, mas de uma forma mais severa. É impulsionada principalmente por uma crença supersticiosa entre as pessoas de que se as mulheres ficarem em casa durante seus períodos menstruais, algo que é considerado uma fase de impureza, enfurecerá os deuses e, consequentemente, a ira dos mesmos afetará negativamente toda a família. Há também crenças de que, se as mulheres menstruadas tocarem no gado, ele morrerá, se elas atravessarem uma fonte de água, elas secarão, se tocarem alguma fruta, ela cairá antes de amadurecer, e assim por diante.
Assim sendo, as mulheres não são somente expulsas de suas residências para morar em "abrigos" apertados, mas também não podem tocar em seus maridos ou até mesmo em seus irmãos, gado, plantas que produzem frutos, e plantações. Se alguém tocar em uma mulher menstruada, "acidentalmente", deve se purificar, por exemplo, com urina de vaca, que é considerada sagrada. Elas não podem entrar nas instalações dos templos e são proibidas de comparecer a cerimônias religiosas, até mesmo casamentos, diante da crença de que são impuras. As mulheres também não podem se alimentar de modo adequado, uma vez que ficam proibidas de tomar leite, comer carne, frutas e verduras, e elas são obrigadas a sobreviver apenas com arroz, sal e alguns cereais ou alimentos secos. Invariavelmente, existe sempre um medo de que elas toquem em algo acidentalmente.
Os Impactos na Saúde das Mulheres Devido ao Ritual Chhaupadi
Como era de se imaginar, o ritual Chhaupadi gera diversos impactos na saúde associados ao mesmo. As mulheres menstruadas são forçadas a suportar temperaturas congelantes no inverno e temperaturas sufocantes no verão dentro do "abrigo". Isso pode desencadear quadros de séria ameaça a vida, tais como: pneumonia, diarreia, infecção torácica, sufocamento e infecção do trato respiratório. Durante esses dias, embora as mulheres sejam proibidas de entrar na casa, elas ainda precisam trabalhar de forma extremamente árdua, atuando no transporte cargas pesadas, cavando poços, coletando lenha e capim, apesar da falta de uma dieta nutritiva e, evidentemente, de conforto. Como consequência, a taxa de prolapso uterino (quando os músculos pélvicos não conseguem mais sustentar o útero, causando perda da mobilidade, e causando grande impacto negativo na autoestima e qualidade de vida da mulher) é alta nesse grupo de mulheres.
E, conforme já sabemos, até mesmo as mães que acabam de dar à luz são confinadas em tais abrigos. Geralmente, as mães estão enfraquecidas após o parte, porém, para piorar a situação, elas são obrigadas a cuidar sozinhas dos recém-nascidos. Devido à má nutrição e as precárias condições de vida, a mortalidade neonatal e materna é alta nas regiões onde o ritual Chhaupadi é comum.
O ritual Chhaupadi também tem um impacto no bem-estar psicossocial das mulheres e meninas. O isolamento da exclusão familiar e social resulta em depressão, baixa autoestima e incapacitação entre as meninas. Além disso, há também o medo de abuso sexual e agressão à noite, juntamente com o ataque de animais selvagens e picadas de cobra. A maioria das mortes causadas por animais silvestres não é revelada, e muito menos os casos de estupro, temendo pelo futuro da filha solteira.
O Ritual Chhaupadi no Contexto de Acordos Internacionais Sobre Direitos Humanos e Direitos Reprodutivos
O artigo 25 da "Declaração Universal dos Direitos Humanos" declara que "toda pessoa tem o direito de viver uma vida normal com assistência médica, segurança, alimentação, vestuário, moradia e serviços sociais necessários".
Na "Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz", que foi um encontro organizado pelas Nações Unidas entre 4 de setembro e 15 de setembro de 1995 em Pequim, China, onde participaram 189 governos e mais de 5.000 representantes de 2.100 ONGs, ficou entendido que "os direitos humanos das mulheres e meninas são parte inalienável, integral e indivisível de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais".
O parágrafo 35, da "Declaração e Programa de Ação de Viena", resultante de uma conferência mundial sobre direitos humanos realizada em 1993, clama pela "erradicação de qualquer conflito que possa surgir entre os direitos das mulheres e os efeitos nocivos de certas práticas tradicionais ou consuetudinárias, preconceitos culturais e extremismo religioso".
Uma vez que o ritual Chhaupadi, como prática tradicional, viola os direitos das mulheres como seres humanos e como membros de um grupo etário reprodutivo, não é difícil notar, que a prática é um caso gritante da violação direta de todas essas leis e declarações internacionais.
O Ritual Chhaupadi no Contexto das Legislações Nacionais que Abordam os Direitos Humanos
A constituição interina do Nepal de 2007 garantiu o direito à igualdade em seu artigo 12 e ao direito à saúde reprodutiva em seu artigo 20. Em particular, o artigo 29 menciona que "ninguém deve ser explorado em nome de qualquer costume, tradição e uso ou de qualquer outra maneira". De forma mais incisiva, em maio de 2005, o Supremo Tribunal do Nepal já havia emitido uma diretiva ao governo do país para a formulação de leis para eliminar o ritual Chhaupadi. Em 2008, o Ministério da Mulher, da Criança e do Bem-Estar Social promulgou diretrizes para tentar eliminar o ritual.
Embora seja uma prática ilegal perante a lei nepalesa, e uma clara violação das leis e acordos internacionais, o ritual Chhaupadi é uma tradição que ainda permanece forte e viva em diversas partes do Nepal, principalmente porque foi promovida e preservada pela sociedade nepalesa por gerações. Como tal, o Chhaupadi dá origem a diversas preocupações legais e éticas. Essas preocupações éticas serão discutidas a seguir no contexto do liberalismo e do comunitarismo.
O Liberalismo e o Chhaupadi: Uma Questão de Liberdade Pessoal
O liberalismo é um ramo da filosofia ou ideologia, que propõe que os indivíduos precisam ser tratados com respeito, para si mesmos, não como meios para os fins de outros indivíduos. Os liberais têm a ideia de que, uma vez que os seres humanos são capazes de desenvolver e implementar suas decisões sobre como viver, eles têm o direito de fazê-lo. No geral, pode-se dizer que o liberalismo tem seu foco no bem-estar individual e nos direitos individuais. No sentido político amplo, refere-se ao controle mínimo do governo sobre as atividades individuais, que se acredita serem empreendidas por indivíduos guiados por sua racionalidade inerente à superação de obstáculos em relação a uma vida de qualidade. Essa mesma "ideia" é discutida em virtude do ritual Chhaupadi, em relação ao controle social sobre a liberdade das mulheres. Mulheres que moram na região Centro-Oeste e extremo Oeste do Nepal, que são forçadas ao banimento perante o Chhaupadi, ainda assim são consideradas pessoas racionais, que deveriam ser capazes de ter plena liberdade de ir atrás de seus interesses particulares, e continuar normalmente com suas vidas diárias.
Do ponto de vista liberalista, poderia ser argumentado, que é uma questão de escolha individual e liberdade das mulheres em todos os lares do Nepal sobre como administrar suas vidas diárias, estejam elas menstruadas ou não. Decidir entrar na cozinha de sua própria casa, assim como em qualquer outro dia; de passar a noite em sua própria cama aconchegante, assim como em qualquer outra noite ou mostrar sua veneração a sua divindade de sua preferência, visitando o templo de sua escolha, assim como em qualquer outra ocasião deveria ser uma questão de escolha pessoal. O mesmo deveria ser aplicado a ter acesso a uma dieta nutritiva e ir à escola, por exemplo. Nenhuma dessas atividades diárias deveria ser influenciada por nenhuma norma social pré-definida, que tentasse governar prescritivamente as maneiras pelas quais as mulheres devem viver suas vidas diárias, de tal maneira que as mesmas sejam tratadas como meios para os fins de crenças comunitárias supersticiosas.
O Comunitarismo e o Ritual Chhaupadi: A Perspectiva da Comunidade
O comunitarismo é um ramo da filosofia, que se concentra na noção de comunidade e enfatiza a ideia de priorizar as metas da comunidade sobre as dos indivíduos. Como tal, seus princípios estão em desacordo direto com as ideias do liberalismo e do libertarianismo, ambos enfatizando os direitos individuais e a escolha pessoal em detrimento das obrigações e expectativas da comunidade. Essa linha de pensamento é dividida em dois tipos: o comunitarismo universalista e o relativismo.
O comunitarismo universalista baseia-se na ideia de que existe uma única forma verdadeira de boa sociedade e suas virtudes associadas. Portanto, seus proponentes acreditam que todas as sociedades devem adotar e seguir um modo pré-definido de pensar e viver, que foi endossado por eles como virtuoso. Por outro lado, o comunitarismo relativista vê a moralidade e a virtude de uma sociedade como inerentemente contextual para a busca do bem comum.
Nas comunidades onde o ritual Chhaupadi é uma prática bem aceita entre os idosos, maridos, sogras, curandeiros tradicionais e sacerdotes (que têm profunda influência na comunidade) e, em muitos casos, das próprias mulheres praticantes, a continuidade dessa prática para eles é uma maneira de preservar uma tradição que existe há muito tempo com foco na pureza, visando satisfazer as veneráveis divindades, que acreditam que cuidam da comunidade. Aqueles que apoiam esta prática como justificável, independentemente de ser ou não uma boa prática do ponto de vista de um observador externo, o fazem com base no fato de que ela é feita com o propósito de um bem comum geral das mulheres, famílias e comunidade como um todo. Acreditam que ao deixar as mulheres morarem dentro da residência familiar, em vez do "abrigo" isolado, permitindo que entrem nas cozinhas ou templos, enfurecerá os deuses e que a ira dos mesmos poderia infligir sérias consequências à família e a toda a comunidade.
Isso poderia ser facilmente interpretado como um caso de um argumento sem nenhuma base, que suprime as mulheres do ponto de vista do liberalismo, por exemplo, ou de uma tradição social forçada do ponto de vista do comunitarismo universalista. Por outro lado, do ponto de vista dos membros da comunidade, também poderia ser entendido como a crença das pessoas na tradição existente e sua crença na ideia de moralidade contextual e virtude dentro de uma sociedade. Eles poderiam, ao mesmo tempo, argumentar e perguntar: "Qual seria o mal que alguém estaria fazendo ao tentar proteger toda a comunidade (o bem comum) das consequências da não fidelidade às restrições a serem observadas durante a menstruação?"
A avaliação feita por alguém de fora, baseada nos princípios do comunitarismo universalista, poderia fazer com que o ritual Chhaupadi fosse visto como uma prática supersticiosa e infundada como resultado do analfabetismo, da ignorância e do atraso geral daqueles que usam mulheres impotentes como bodes expiatórios. Por outro lado, aqueles que o praticam podem acreditar que o não cumprimento dessa "tradição" resultaria no sofrimento e danos à comunidade, algo que seria contra a sua ideia relativista de bem comum.
O Ritual Chhaupadi Como Uma Questão de Saúde Pública: Algo Muito Além do Debate Filosófico
Todo esse debate "filosófico" nos leva a um ponto em que podemos querer nos alinhar com um lado do argumento sobre quais objetivos e prioridades devem vir primeiro: aqueles da comunidade que tem um conjunto de crenças sobre essa questão ou das mulheres que são afetadas por esta prática, que se torna uma questão de opressão e alienação de suas liberdades individuais. Porém, quando o ritual Chhaupadi é visto como um problema de saúde pública, uma questão que envolve diretamente a saúde (sendo também uma questão de vida ou morte em muitos casos) de milhares de mulheres indefesas em algumas das partes mais pobres e mais remotas do mundo, o mesmo acaba sendo estendido além de um argumento meramente filosófico da centralidade dos objetivos da comunidade versus a liberdade individual.
Os efeitos sobre a saúde das mulheres resultantes desta prática são múltiplos. As mulheres isoladas correm um alto risco de sofrer de hipotermia durante o inverno, além de desidratação, levando à insolação, durante o verão. A falta de água corrente nesses "abrigos" leva a uma falta de higiene e infecção subsequente. O isolamento de mulheres menstruadas por um período prolongado de tempo sem que ninguém fale ou compartilhe seus sentimentos pode ser uma razão por trás do medo e da depressão a longo prazo. Um período prolongado de isolamento após o parto é algo extremamente sério nas regiões onde a taxa de mortalidade materna e as taxas de mortalidade neonatal são relativamente muito altas. Também é importante notar que a infecção e a hipotermia são os principais fatores responsáveis pela morte de recém-nascidos no Nepal. Além da má nutrição, o risco de ataque de animais, picadas de cobra e tentativas de estupro tornam muito difícil a mulher passar pelas provas de reclusão infligidas pelo ritual Chhaupadi.
Portanto, do ponto de vista da saúde pública, há diversos argumentos, que podem ser apresentados sobre a razão pela qual essa é uma prática prejudicial, e que destrói a saúde e o bem-estar de meninas e mulheres (e em muitos casos dos recém-nascidos), se tornando um claro motivo para a abolição completa da prática, que teoricamente é proibida por lei, mas que continua a existir devido as fortes crenças comunitárias e tradições profundas, além do medo de boicote da comunidade no caso de qualquer família tentar ignorar a prática.
A Realidade do Ritual Chhaupadi: Um Ato Desumano em Nome de uma Crença Infundada
Acredito que muitos possam ter estranhado o formato do texto acima. Tudo o que vocês acompanharam até agora partiu de um artigo publicado por Arja R Aro, professora de saúde pública, e Shanti Kadariya pesquisadora assistente, ambas da Universidade do Sul da Dinamarca (SDU), em junho de 2015, no periódico científico "Medicolegal and Bioethics". Porém, a partir de agora vou mostrar a vocês a realidade apresentada pela mídia internacional. Se já estava difícil acreditar que algo assim esteja acontecendo nesse exato momento no Nepal, a situação irá piorar drasticamente.
Em agosto de 2014, o site da revista "Times" publicou um rápido artigo intitulado "The 'Untouchables': The Tradition of Chhaupadi in Nepal" (As 'Intocáveis': A Tradição do Chhaupadi no Nepal", em português). O texto inicialmente tentou definir a palavra "tradição" dizendo que a mesma era amplamente definida como uma crença ou costume, que é passado entre gerações. Pode ser algo cultural, religioso ou algo totalmente "diferente". Pode ser exaltado, celebrado e adaptado ao longo do tempo ou pode ser visto como ultrapassado, incompreensível e imposto a pessoas que, naturalmente, não participariam. Pode gerar tristeza e culpa, medo ou até mesmo infligir dor. Em muitos casos, pode ser ou fazer todas essas coisas ao mesmo tempo. Em algumas partes do Nepal, isso se chama "Chhaupadi", onde meninas e mulheres são obrigadas a morar em "abrigos" improvisados, enquanto estão menstruadas, com base no raciocínio supersticioso e uma tradição ligada ao Hinduísmo, de que seu sangue é considerado impuro. Conforme sabemos, a Suprema Corte do Nepal considerou a prática ilegal em 2005, mas a decisão não havia chegado aos distritos de Surkhet e Achham, no extremo Oeste do país, que só pode ser acessado após uma longa caminhada.
Em agosto de 2014, o site da revista "Times" publicou um rápido artigo intitulado "The 'Untouchables': The Tradition of Chhaupadi in Nepal" (As 'Intocáveis': A Tradição do Chhaupadi no Nepal", em português). |
Poulomi Basu disse que conheceu meninas e mulheres que suportavam circunstâncias únicas, ou seja, que eram proibidas de socializar, compartilhar comida e usar a principal fonte pública de água de onde moravam. Ela disse que algumas delas foram abusadas sexualmente ou sequestradas, sendo que outras morreram por asfixia ou queimadas vivas, enquanto tentavam se aquecer devido ao frio. Ela também conheceu uma garota, que morava em um "abrigo" repleto de livros, tentando estudar em um ambiente que a deixava completamente exposta. Outra estava com tanta dor, que precisava se rastejar para usar o "banheiro" do lado de fora. Quando chegou a hora de comer, sua irmã veio, e jogou a comida para ela, de longe. Em uma ocasião Poulomi Basu testemunhou um curandeiro tradicional batendo em uma garota na frente de duas dúzias de homens. Havia pouco que ela pudesse fazer. Em declaração a revista "Time", a fotógrafa disse que aquela "tradição" gerava um impacto extremamente alto na saúde física e mental das mulheres, visto que a autoestima das mesmas era completamente esmagada.
De acordo com Poulomi, quebrar a tradição, ao menos para essas comunidades, traria má sorte. Alguns acreditam que mulheres menstruadas poderiam atrair cobras se entrassem na casa de alguém, ou enfurecer os deuses, se permitidas dentro de um templo. Segundo Poulomi, uma mulher menstruada é vista como alguém realmente "poderoso", alguém a ser "temido" e "evitado". São intocáveis. Tradições como essas não são encontradas apenas em terras remotas. Em Katmandu, durante o festival "Rishi Panchami", as mulheres costumam se banhar em esterco e urina para "lavar" e se redimir dos pecados cometidos durante a menstruação, por medo de que elas renasçam como prostitutas. Acontece da mesma forma, tanto nas cidades quanto nos vilarejos, apenas é feito de maneiras diferentes.
Poulomi Basu disse que as que as mudanças estão acontecendo lentamente graças aos programas tecnológicos e escolares. Porém, o ritual Chhaupadi está tão arraigado na vida de parte da sociedade nepalesa, que as campanhas femininas de higiene e o engajamento do governo não iriam durar muito tempo. Ela disse que um compromisso nacional para a educação em nível comunitário, ou seja, lições para meninas sobre seus direitos e lições para os meninos, para que a menstruação não seja vista como um tabu, surtiria mais efeito. Segundo ela, a mudança só pode chegar a esses lugares quando você faz as mulheres agirem sobre isso, quando as mulheres se tornam as principais propagadoras da mudança, quando elas têm o poder e a posição para serem capazes de executá-la.
No ano seguinte (2015), o site da Al Jazeera, a maior emissora de televisão jornalística do Catar e a mais importante rede de televisão do mundo árabe, publicou uma matéria interativa sobre o Chhaupadi. Inicialmente, fomos apresentados a Sabrita Bogati, 30 anos, que estava se preparando para ficar isolada por cerca de cinco dias. Confira seu depoimento através de dois vídeos que foram divulgados pela Al Jazeera, em um canal de terceiros, no YouTube (com legendas em inglês):
Sabrita Bogati disse que as mulheres não podiam se aproximar das próprias casas ou da cozinha das mesmas, usar a fonte de água disponível do local ou visitar curandeiros tradicionais, e que a entrada de mulheres não era permitida nos templos. Quando questionada se ela podia tocar em sua família e nos filhos, ela disse que podia tocar nas crianças, porém não em seus parentes. Posteriormente, ela disse que tinha que dormir no "abrigo", mesmo durante o inverno e na estação chuvosa, e que o local era muito apertado. Ela disse que batia constantemente com sua cabeça no "teto" do "abrigo, e que não conseguia esticar as pernas. Para piorar, frequentemente, ela ouvia o som de cobras rastejando ao redor do "abrigo". Sabrita Bogati morava com seu marido, seus dois filhos, duas vacas e algumas galinhas.
Entretanto, não pensem que o "abrigo" é individual, porque até cinco ou mais pessoas podem compartilhar o mesmo local. No caso de Sabrita, a sua vizinha, Madhu Bogati, também estava menstruada e compartilharia com ela o mesmo "abrigo" naquela noite.
Sabrita Bogati morava com seu marido, seus dois filhos, duas vacas e algumas galinhas. Na foto acima é possível ver o tamanho do abrigo. |
É possível ter uma noção da distância dos distritos de Achham e Doti, que foram visitados pela equipe da Al Jazeera, e as dificuldades enfrentadas para chegar até as localidades, em dois vídeos que foram apresentados, e que vocês podem conferir em um canal de terceiros, no YouTube:
A equipe visitou o vilarejo de Rikhada, no distrito de Doti. Inicialmente, os moradores estavam muito receosos e desconfiados, mas eles conseguiram conversar com um homem chamado Bahadur Nepali que, assim como a maioria dos homens na região, trabalhava na Índia. Aliás, ele aparecia apenas durante alguns poucos dias no mês para visitar a família. Ele contou, orgulhosamente, que sua esposa e suas filhas não precisavam ficar em um abrigo no lado de fora da casa. Ele tinha uma "solução diferente". Ele tinha construído uma "câmara menstrual" debaixo da casa, com cerca de 1,5 m de altura e 1 m de largura.
Ele disse que, algumas vezes, a "câmara menstrual" precisava ser compartilhada entre 3 ou 4 mulheres ao mesmo tempo, mas que ele permitia que elas levassem cobertores para se sentirem mais confortáveis.
Aliás, ele tinha uma explicação bem simples sobre a razão pela qual tudo precisava ser daquele jeito. Confira a declaração de Bahadur no vídeo abaixo, que foi publicado em um canal de terceiros, no YouTube (com legendas em inglês):
Bahadur disse que eles mantinham as mulheres no lado de fora das casas em virtude de Deus, e que não era bom mantê-las no interior das casas enquanto estivessem sangrando. Aliás. para vocês terem uma ideia, o caminho mais curto para chegar até o vilarejo seguinte passava por uma espécie de local de oração.
Um grupo de adolescentes passou justamente no momento em que a equipe da Al Jazeera estava filmando no local. Uma delas estava menstruada, ou seja, precisou seguir por um caminho diferente, no meio do matagal, uma vez que a menina era proibida de passar pelo local sob essa condição.
No vilarejo seguinte, as mulheres não queriam falar sobre o ritual Chhaupadi, porém, após alguma hesitação, uma jovem chamada Bhaku Kumari Bista e sua mãe resolveram falar com Pema, e mostrar seus "abrigos".
Durante a entrevista, Bhaku disse que tinha apenas 16 anos, e que tinha largado a escola desde os seis anos de idade. O motivo? Tinha que trabalhar em casa, juntamente com sua mãe. Ela precisava cortar capim, varrer a casa e lavar os pratos, ou seja, ajudar a mãe nas tarefas domésticas. Ao ser questionada se era difícil para sua mãe, quando ela precisava dormir no "abrigo", Bhaku respondeu que sim, e que era permitido que ela trabalhasse enquanto estava menstruada. Ela também disse que preferia dormir em casa do que no "abrigo", e quando questionada se ela achava correto a proibição de dormir em casa, Bhaku disse que não.
De qualquer forma, se ela dormisse dentro de casa, ela disse que algo ruim poderia acontecer, que cobras poderiam entrar em casa ou algo assustador poderia acontecer. Aliás, ela tinha medo que algo ruim acontecesse com sua família. Ao final, ao ser questionada se aquilo deveria mudar, Bhaku disse que sim. Pema Lhaki disse que frequentemente tinha esse tipo de conversa com meninas e mulheres do Nepal, e que elas não gostavam de serem banidas, porém, dificilmente, alguma delas protestava de alguma forma contra esse ritual.
Durante a jornada, a equipe da Al Jazeera encontrou os pais de Sarmila Bhul, que era a filha mais velha do casal, e que morreu há dois anos dentro do seu "abrigo".
Durante a jornada, a equipe da Al Jazeera encontrou os pais de Samila Bhul, que era a filha mais velha do casal, e que morreu há dois anos dentro do seu "abrigo". |
A mãe disse elas dormiam em casa durante a menstruação, porém os demais moradores passaram a alegar que esse era o motivo pelo qual o marido havia se tornado alcoólatra, e passado a agir de forma estranha com os demais moradores. Além disso, começaram a circular inúmeros rumores. De qualquer forma, a mãe permaneceu na casa, e queria que a filha também ficasse. Porém, a jovem disse que pessoas continuariam falando cada vez mais sobre esse assunto, se ela não seguisse as regras do ritual Chhaupadi. Então, a jovem acabou dormindo do lado de fora da casa, no "abrigo".
Na manhã seguinte, a mãe foi acordar a filha, mas ela estava deitada de bruços, com o rosto colado ao chão e não se movia. Segundo a mãe, a mesma parecia estar em paz, como se estivesse dormindo, mas não se movia. Então, a mãe virou a jovem e viu que ela tinha espuma ao redor da boca. A mãe percebeu que a filha estava morta, entrou em estado de choque e desmaiou.
O local onde a jovem foi encontrada morta pela manhã, há dois anos atrás. |
De qualquer forma, o caso de Sarmila não era uma "exceção infeliz". Os jornais locais frequentemente relatavam incidentes envolvendo o Chhaupadi. Mulheres que congelavam até a morte, eram mordidas por cobras ou então estupradas em seus "abrigos", as principais razões pela qual o ritual foi proibido por lei, em 2005. Contudo, apesar de alguns vilarejos terem se livrado do ritual Chhaupadi, a tradição, conforme podemos notar ainda é muito forte em determinas regiões. Muitas vezes, apesar de diversos abrigos serem destruídos, os mesmos são reconstruídos ou acontece algo ainda pior, quando as mulheres são obrigadas a dormir no meio do campo, completamente desprotegidas.
Segundo Pema Lhaki, quando ela fala com as meninas e as mulheres nepalesas, rapidamente ela percebe que a principal razão atribuída aos seus medos é a falta de conhecimento sobre seus corpos. É exatamente isso que Pema quer mudar. Homens e mulheres precisam entender o que acontece no corpo de uma mulher menstruada, a razão pela qual elas sangram. A ideia é que, uma vez que eles compreendam que não existe nada sobrenatural ou ameaçador acontecendo, as mulheres comecem a questionar por elas mesmas: Por que tenho que dormir em um "abrigo"? Por que sou considerada intocável? Por que não posso entrar na cozinha da minha casa? E, acima de tudo, por que alguma coisa ruim irá acontecer se as mulheres não obedecerem a essas regras?
Ao mesmo tempo, as mulheres também precisam aprender mais sobre a higiene menstrual e como lidar com seus respectivos períodos. A maioria delas utiliza pedaços de pano. Pema introduziu absorventes reutilizáveis, além de coletores menstruais em diversas comunidades. Ela estima que ainda irá ser necessário uma ou duas décadas para que o ritual Chhaupadi não seja mais praticado no Nepal.
Alguém lembra da Sabrita Bogati a primeira personagem citada na matéria interativa? Pois bem, a equipe da Al Jazeera acompanhou a saga de Sabrita até o quinto e último dia de seu isolamento mensal. Na manhã do quinto dia, ela precisava passar por um "ritual de purificação". Inicialmente, ela tomou banho de balde em uma torneira local e lavou suas roupas.
De acordo com a tradição, uma virgem solteira precisa coletar urina de uma das vacas de Sabrita. Naquele dia, essa função foi desempenhada por uma vizinha chamada Uttara Bogati. De acordo com a tradição Hindu a vaca é sagrada e supostamente purificaria Sabrita, porém ela precisava beber a urina.
Então, a virgem solteira abençoou a casa de Sabrita, assim como suas roupas recém-lavadas.
Após todo esse processo, foi permitido que Sabrita entrasse novamente em casa. Ela finalmente conseguiu voltar a cozinhar para si mesma e para sua família pela primeira vez após cinco dias, quer dizer, ao menos até sua próxima menstruação.
Curiosamente, as filmagens foram realizadas algumas semanas antes dos devastadores terremotos no Nepal. Devido a grande distância do epicentro dos terremotos, os vilarejos retratados foram poupados e não houve vítimas ou feridos. Contudo, a situação dessas regiões em relação ao Chhaupadi permanece a mesma. Pema Lhaki e sua equipe da NFCC continuando lutando pelo fim desse medonho ritual.
As Declarações de um Curandeiro Local Sobre o Ritual Chhaupadi e Novos Depoimentos de Mulheres que Passam Mensalmente por Esse Doloroso e Vexatório Ritual
Em 2016, o britânico "The Guardian" também publicou um artigo sobre o ritual Chhaupadi, e acrescentou maiores informações sobre o mesmo. Logo no início do texto fomos apresentados a adolescente Safalta Rokaya, então com 16 anos, que por cinco dias consecutivos, todo mês, deixava o relativo conforto de sua cama para morar em um "abrigo" de pedra, entre as vacas que a família possuía. O local era congelante no inverno e sufocante no verão, além de estar repleto de feno, sujeira, insetos e esterco.
Ela disse que ficou apavorada em relação a contar para seus pais sobre a primeira vez que menstruou. Segundo ela, isso significava que ela permaneceria no estábulo, e não sabia se conseguiria fazer isso. Ela disse que se sentia horrível no local e que desejava não ter menstruado uma única vez. Como sabemos, Salfata é apenas uma entre milhares de meninas e mulheres, que são submetidas ao Chhaupadi, que não é praticado apenas no Nepal, mas em algumas regiões da Índia e de Bangladesh.
"Se ficarmos em casa, ficaremos doentes, uma vez que nossas deidades não aprovam. Não queremos viver assim, mas nossos deuses não vão tolerar isso de outra forma", explicou Gita Rokaya, uma moradora do vilarejo montanhoso de Sanigaun, no distrito de Jumla, o mesmo vilarejo de Salfata, diga-se de passagem.
De acordo com Radha Paudel, uma ativista social a frente da organização Action Works Nepal (Awon), cerca de 95% das meninas e mulheres da região central e do extremo oeste do Nepal praticam o Chhaupadi, sendo que a maioria é banida para estábulos. No entanto, as mulheres nepalesas em todo o país, incluindo mulheres nepalesas no exterior, ainda praticam a tradição em diferentes graus.
Em Katmandu, os terrenos são muito caros, ou seja, como as pessoas poderiam ter uma vaca ou um estábulo? Porém, as mulheres ainda vivem separadas durante seus períodos menstruais, mesmo que a família alugue apenas um quarto.
Pesquisas realizadas pela Awon revelaram que 77% das meninas e mulheres se sentem humilhadas durante o período menstrual, e 2/3 relataram se sentir sozinhas e com medo ao ficar em estábulos. A ONU também descreve relatos de diarreia, pneumonia e doenças respiratórias; perigo de ataque de cobras, animais selvagens e homens bêbados; incidentes de abuso e estupro; e altas taxas de mortalidade infantil e materna, uma vez que a mãe e bebê são banidos para o "abrigo" após o nascimento de uma criança.
Uma mulher chamada Laxmi Raut contou como ela e sua filha recém-nascida suportaram temperaturas congelantes em um estábulo após o parto. A filha sobreviveu até o 18º dia de vida, e acabou morrendo após pegar uma simples gripe. Depois de perder sua filha, Raut disse que sua opinião sobre Chhaupadi mudou. Ela acreditava que as mulheres deviam ficar em suas próprias casas em vez de serem banidas. Segundo Radha Paudel, definir a menstruação como intrinsecamente "impura" e reforçar as restrições sobre o que as mulheres podem comer, onde podem ir e com quem podem interagir claramente equivale a discriminação baseada em gênero. Apesar da proibição por parte do governo, ainda não havia uma política governamental para erradicar Chhaupadi, nem qualquer imposição (penas ou multas) sobre a proibição, mesmo após 11 anos desde a tal proibição. Ainda segundo Radha, o governo não considerava o problema como sendo uma questão de construção da paz, direitos humanos, capacitação ou desenvolvimento.
De acordo com Sandhya Chaulagain, da organização WaterAid Nepal, que trabalha com parceiros locais para erradicar a prática do ritual Chhaupadi, mudar uma tradição de longa data, que é apoiada por familiares e anciãos das comunidades, e aparentemente sancionada pela religião das pessoas, é extremamente complicado. Ela disse que o principal foco era na juventude, porque eles seriam os propagadores da mudança e os futuros anciões de suas comunidades.
Estranhamente, no corpo da matéria do "The Guardian" não foram publicados os depoimentos completos das mulheres, e muito menos de um curandeiro tradicional e de um familiar do sexo masculino de uma das mulheres citadas. Vocês podem conferir a matéria, em vídeo, através de um canal de terceiros, no YouTube (com legendas em inglês, mas irei comentar a seguir):
Confira abaixo, em detalhes, o que cada pessoa envolvida nessa matéria mencionou para a imprensa.
Gita Rokaya
Além do que foi mencionado, Gita Rokaya questionou qual pessoa gostaria de permanecer em um lugar tão sujo quanto aquele que estava. O local era frio, as roupas ficavam constantemente sujas, e que obviamente ela queria estar em casa naquele momento. Ela disse que o local tinha um mau cheiro muito forte, e que ela não tinha apetite e mal conseguia comer no interior do "abrigo". Gita não queria viver daquela forma, mas os seus deuses não iriam tolerar que aquilo fosse feito de outra maneira.
Gita também disse que seu marido apreciava a ideia de que ela não ficasse no "abrigo", mas que ela não tinha o que fazer. Devido a insistência do marido, ela permaneceu em casa, quando teve seu filho e, como consequência, Gita disse que ficou doente por quatro anos, ou seja, por desobedecer aos deuses. Essa teria sido a razão pela qual ela teria voltado a ficar mensalmente em seu "abrigo". Gita esperava que aquela situação em relação as deidades mudasse, para que sua filha não tivesse que ficar por dias, mensalmente, dentro do "abrigo".
Safalta Rokaya
Além do que foi mencionado, Safalta Rokaya disse que se sentia horrível no interior do estábulo, que servia de "abrigo", e que o local cheirava a esterco. Isso sem contar os animais que a pisoteavam. Ela também reclamou da quantidade de insetos, e que elas ficavam doentes por conta disso. A sujeira e o feno impregnavam em seu corpo.
Para piorar, quando a noite caía, homens começavam a assediá-la. Safalta disse que homens se aproximavam do "abrigo", mas que ainda não tinham feito nada com ela, porque seus pais batiam nesses homens, e eles saíam correndo. Após sua primeira experiência no estábulo, ela desejava nunca ter menstruado na vida.
Laxmi Raut
Além do que foi mencionado, Laxmi Raut disse que era muito frio no estábulo, e que rapidamente elas (as mulheres de modo geral) ficavam resfriadas e com constantes dores pelo corpo.
Além do que foi mencionado, Laxmi Raut disse que era muito frio no estábulo, e que rapidamente elas (as mulheres de modo geral) ficavam resfriadas e com constantes dores pelo corpo. |
Ramal Rokaya
As declarações de Ramal, marido de Gita Rokaya, não figuraram no corpo do texto da matéria publicada no site do britânico "The Guardian". Ramal disse que sua experiência em viver no "andar de cima" e sua esposa no "andar de baixo" não era agradável. Ele disse que o local era muito sujo, e que existia o perigo de diversas bactérias contaminarem o seu corpo, razão pela qual ele não gostava dessa prática.
Entretanto, devido a cultura e as tradições da sociedade em que viviam, eles eram forçados a fazer isso. Mesmo quando ele tentou manter a esposa em casa, no passado, ele foi forçado a se submeter a vontade da sociedade e permitir que ela realizasse o ritual Chhaupadi. Ramal também disse que não queria que sua filha praticasse o Chhaupadi, algo que ele definiu como não sendo humano, e que esperava que a menina não tivesse que fazer aquilo.
Dhami Jhakari
As declarações do sorridente e alegre Dhami Jhakari, autointutilado como xamã e curandeiro tradicional, também não figuraram no corpo do texto da matéria publicada no site do britânico "The Guardian". Inicialmente, Dhami disse que não diria que os deuses iriam possuir as mulheres, se elas não permanecessem dentro de seus "abrigos", mas que se elas fossem até a cozinha de suas casas antes que o período menstrual terminasse, elas seriam possuídas. Sorrindo e feliz diante das câmeras, ele disse que, se elas ficassem em um "cômodo" separado, elas não seriam possuídas.
Segundo Dhami, os "deuses cristãos" não se importavam se uma mulher estava ou não menstruada, ou até mesmo que estivessem impuras, mas que os deuses hindus se importavam. Em relação a ida de homens até os abrigos, Dhami disse que eles iam apenas para conversar e flertar com as meninas e mulheres, algo que acabava resultando em possibilidades de casamento.
Aliás, novamente sorridente, Dhami disse que as mulheres queriam permanecer nos "abrigos" na esperança de se casarem, e que elas não se sentiam mal. Na verdade, segundo Dhami, quanto mais elas permaneciam no abrigo, mas felizes elas eram. Aliás, essa última declaração o fez soltar uma longa risada.
Posteriormente, o "xamã" disse acreditar que, quando uma mulher está menstruada, a mesma deve morar em um "cômodo" separado, no qual possam mantê-lo limpo. Então, eles não se importavam em fazer com que as mulheres morassem isoladas, em um lugar onde pudessem comer, sangrar e manter limpo. Porém, caso fizessem alguma "bagunça", como curandeiro tradicional e xamã, ele precisava "repreendê-las com veemência", e elas acabavam ficando chateadas."
Ao final, Dhami disse que o ritual Chhaupadi não podia ser abolido, e que isso era algo impossível de acontecer. Ele também disse que as pessoas deveriam ser comprometidas, e que deveria haver "cômodos" separados.
Não sei quanto a vocês, mas é necessário, no mínimo, respirar muito fundo após as declarações de Dhami Jhakari. Enfim, vamos continuar nossa jornada sobre o ritual Chhaupadi.
O Depoimento de uma Jornalista e Ativista que Já Passou pelo Ritual Chhaupai, no Nepal, e a Situação de uma Adolescente que Permanece Sob as Regras do Ritual Chhaupadi
Em janeiro do ano passado, o "The Guardian" voltou a comentar sobre o ritual Chhaupadi, dessa vez ao apresentar o depoimento de uma jornalista e ativista chamada Pragya Lamsal. Ela disse que, quando tinha 13 anos, teve sua primeira menstruação. Inicialmente, devido a sua pouca experiência, Pragya pensou que fosse disenteria. Quando ela foi falar com sua mãe sobre o que estava acontecendo, a mãe enrolou diversos pedaços de pano em sua mão e disse: "nani ta nachune bhais". Traduzindo, "minha filha, você se tornou intocável" (você está menstruada). Imediatamente, a mãe a levou para dentro do quarto do irmão, sendo que tudo era escuro e assustador. Posteriormente, veio a lista de restrições, que incluía: ficar longe da cozinha, das áreas de orações, do pai, e dos demais parentes. Pragya teve que ficar sozinha no quarto do irmão por cerca de uma semana. No entanto, o que mais a machucou é que ela não podia ver seu pai ou qualquer membro masculino de sua família durante aqueles dias.
Pragya disse que perguntou por diversas vezes para a mãe sobre a razão pela qual ela não podia sair do quarto, mas ela permaneceu em silêncio. Pragya apenas sentia uma sensação incapacitante percorrendo seu corpo inteiro, e que o sangue avermelhado era um pecado. O mesmo sangue avermelhado que lhe representava como mulher. Em um acesso de raiva, ela entrou na cozinha e tocou em tudo o que a mãe disse para não tocar. De qualquer forma, na segunda vez que ela menstruou, Pragya manteve isso em segredo. Era apenas mais um dia normal para ela. Ela acordou, foi até a cozinha, e fez o que quis. Então, quando todos acabaram descobrindo que ela estava menstruada e tocando em tudo pela casa, logo a situação se transformou em um debate acalorado. Porém, Pragya teve sorte, uma vez que seu pai tinha uma mente aberta e progressista, e a apoiou em sua mudança de comportamento. O mesmo não é possível dizer em relação a milhares de mulheres em situação semelhante a de Pragya.
A jornalista ainda apontou para duas mortes de jovens mulheres no Nepal devido ao ritual Chhaupadi, no distrito de Achham, em menos de um mês. No dia 18 de novembro de 2016, Dambara Upadhyay, 21 anos, do vilarejo de Timilsen, havia sido encontrada morta no "abrigo", enquanto Roshani Tiruwa, de apenas 15 anos, moradora de Gajra, morreu em 17 de dezembro daquele mesmo ano. Elas não foram as primeiras e, infelizmente, com certeza, não serão as últimas. Os números exatos não são conhecidos, mas acredita-se que dezenas de mulheres morram todos os anos em nome de uma tradição, como se as mulheres menstruadas não merecessem os direitos humanos básicos.
Em maio do ano passado, Pragya Lamsal contou a história de uma adolescente nepalesa de apenas 17 anos, chamada Kalpana Majhi, para o britânico "The Independent". Kalpana morava em Kuine, um pequeno vilarejo em Tatopani, na região Centro-Oeste do Nepal. O vilarejo ainda praticava o Chhaupadi. Kalpana tinha 16 anos, quando menstruou pela primeira vez, e se lembrava do exato momento em que tudo aconteceu. Ela disse que estava indo em direção a casa de sua irmã, quando sentiu o sangue escorrendo pelo seu corpo. Ela lembrou que, assim que chegou em casa, pediu à irmã um pedaço de pano. Ela disse que sentiu vergonha de admitir ao seu próprio pai, que estava menstruada. Foi sua mãe e sua irmã, que avisaram ao pai da condição da adolescente.
Kalpana ficou apavorada. A sensação de ficar do lado de fora de casa, muitas vezes, a deixava triste. Ela disse que, por diversas vezes, ficou no "abrigo" com suas amigas e isso, de certa forma, tirou todos os seus medos, mas, ainda assim, ela tinha medo de cobras. Kalpana disse que sentia falta de sua casa, irmãs e de sua mãe. Apesar de estar entre amigas, ela se sentia sozinha e estranha. Aliás, ela ficava perguntando para si mesma: "Por que não posso dormir em minha própria casa?".
Tulasi Majhi, 50 anos, mãe de Kalpana, disse que elas tinham crescido ouvindo que Deus ficava zangado se uma mulher menstruada entrava na cozinha ou tocava em familiares do sexo masculino. Elas temiam tudo aquilo, que havia sido retransmitido ao longo de gerações, e que tudo de ruim aconteceria caso quebrassem as regras. Além da temência a Deus, outra razão principal para a continuidade do ritual Chhaupadi era o medo do isolamento da sociedade. Segundo Tulasi, havia o receio que os demais moradores do vilarejo parassem de frequentar sua casa, caso descontinuassem com a tradição. Ela disse que o vilarejo inteiro seguia essa tradição, e que não estavam em posição de desafiá-la. Tulasi disse que, sozinhos, não tinham como iniciar uma mudança, e que eles amavam muito as filhas. Para completar, ela disse que alguns vizinhos mantinham as filhas nos "abrigos" por cerca de sete dias, porém eles deixavam as meninas apenas por cinco dias nos "abrigos".
Apenas um exemplo de "abrigos" existentes em áreas remotas do Nepal |
Kalpana também disse que lavava suas próprias roupas, ou seja, não precisava ir a mercados ou centros urbanos para comprar absorventes. Porém, ela indicou, ainda que de forma velada, a razão para isso. Segundo a adolescente, ela precisava andar uma longa distância para comprar um único absorvente.
Uma Tentativa de Reprimir o Ritual Chhaupadi? O "Paliativo" Pouco Eficaz Aprovado pelo Poder Legislativo do Nepal em Agosto do Ano Passado
Em 9 de agosto do ano passado, o parlamento do Nepal aprovou uma lei criminalizando os homens e mulheres, que perpetuassem o ritual Chhaupadi. Diversos veículos de imprensa internacionais divulgaram essa nova legislação, que é bem simples de ser compreendida. Segundo a nova lei, meninas e mulheres poderão prestar queixa na polícia, se forem obrigadas a dormir nesses "abrigos" escuros e úmidos. Caso isso aconteça, qualquer pessoa (não importando ser homem ou mulher) que as obriguem a seguir o Chhaupadi serão presas por até três meses e deverão pagar uma multa de cerca de 3.000 rúpias nepalesas (algo em torno de US$ 28 dólares ou R$ 100 pela cotação atual).
Diversos veículos de imprensa, incluindo a BBC, DW e CNN, repercutiram essa nova lei, baseados puramente em agências de notícia internacionais, assim como a Associated Press. O problema, no entanto, é que a nova lei é totalmente eficaz por diversos motivos. Quem melhor apontou esses motivos foi a jornalista Subina Shrestha, em um artigo publicado no site da rede Al Jazeera. Segundo Subina, qual adolescente ou mulher irá realmente denunciar seus pais, mães, maridos ou sogros? Além disso, mesmo que elas denunciem, suas famílias pagarão as 3.000 rúpias nepalesas e ainda farão com que as mesmas durmam nos "abrigos"? Aliás, de acordo com a jornalista, a lei tinha sido aprovada tão somente após uma repercussão nas redes sociais sobre uma adolescente chamada Tulasi Shahi, 19 anos, que morreu em seu "abrigo" após uma picada de cobra. No entanto, algumas semanas antes, outra jovem morreu em circunstâncias semelhantes, mas ninguém falou absolutamente nada. Para piorar a situação, quando Tulasi morreu, alguns repórteres ficaram "chocados" com o fato de seus pais terem dito, que ainda seguiriam o ritual Chhaupadi.
Em 9 de agosto do ano passado, o parlamento do Nepal aprovou uma lei criminalizando os homens e mulheres, que perpetuassem o ritual Chhaupadi. |
A CNN repercutiu a opinião de Pema Lakhi, do Centro de Tratamento da Fertilidade do Nepal (NFCC), que disse, que criminalizar validava o fato de que o governo do Nepal achava que o Chhaupadi era um crime, mas não garantia que as pessoas parassem de praticá-lo. Os ativistas há muito tempo pressionavam os legisladores por uma lei, que punissem aqueles que forçassem as mulheres a praticar Chhaupadi, um ritual enraizado em tabus hindus sobre a menstruação. Porém os ativistas acreditavam que seriam necessários mais programas de conscientização para mudar o comportamento e as mentalidades, e eles não estavam convencidos de que apenas a lei não resolveria o problema. Pema Lakhi também estava preocupada com o fato de que a criminalização faria com que as pessoas parassem de falar sobre o assunto e pudessem ser contraproducentes em relação ao trabalho que ela e outros ativistas fazem.
Um ativista chamada Amar Sunar chegou a tentar registrar um boletim de ocorrência após a morte da jovem Tulasi Shahi, mas a polícia se recusou a registrar o caso porque não havia lei criminalizando a prática. Ele se mostrou "animado" com a nova lei, porém não estava muito otimista em relação a mudanças imediatas diante da mesmo, indicando que os "abrigos" seriam demolidos, mas as meninas e mulheres ainda seriam mandadas para algum canto escuro de seus vilarejos.
Novas Mortes e Novos Paliativos Para Tentar "Contornar" o Ritual Chhaupadi
Na primeira semana de janeiro deste ano, uma mulher nepalesa que estava dormindo em uma cabana durante o período menstrual foi encontrada morta por seus vizinhos. De acordo com a investigação preliminar, a polícia suspeitava que Gauri Bayak, 23 anos, moradora do vilarejo Turmakhad-3, no distrito de Accham, morreu devido ao "sufocamento", graças ao "abrigo" estreito e apertado, onde ela estava dormindo. Ela havia se tornado a mais recente vítima do ritual Chhaupadi. Os relatórios indicavam, que mais de 90% das mulheres nos distritos do extremo Oeste e do Centro-Oeste do Nepal seguiam o ritual Chhaupadi, fosse devido à pressão social ou de acordo com seus próprios desejos.
Um artigo publicado pela revista "The Diplomat" chegou a divulgar as declarações de Tika Kunwar, 30 anos, uma professora que ensinava seus próprios alunos a desprezar esse ritual, mas que ainda assim dormia mensalmente, por vários dias, no abrigo de seu vilarejo. Ela disse que havia 25 famílias em seu vilarejo e apenas 2 abrigos, ou seja, podemos ter uma ideia de como é a vida de Tika.
Recentemente, no início de março, a Australian Broadcasting Corporation (ABC), uma emissora pública de TV da Austrália comentou que coletores menstruais de silicone eram alternativas duradouras de longo prazo para absorventes, eliminando a necessidade de troca ou descarte, em relação ao ritual Chhaupadi.
Segundo uma ativista chamada Clara Garcia i Ortes, da organização "Be Artsy", que forneceu coletores menstruais gratuitos a centenas dessas mulheres e meninas no ano passado, os mesmos tiveram uma taxa de aceitação de 92%, com apenas nove meninas relatando nenhuma mudança em relação a sua experiência com o ritual Chhaupadi. Uma vez que o sangue era coletado no interior do corpo da menina, as mesmas eram consideradas "limpas".
Uma vez que o sangue era coletado no interior do corpo da menina, as mesmas eram consideradas "limpas". |
A especialista em Proteção Infantil da UNICEF, Pragya Shah Karki, concordava que os coletores menstruais por si só não mudavam as atitudes que sustentavam o Chhaupadi. Ela defendia uma estratégia multifacetada, ou seja, capacitar meninas e mulheres com informações e habilidades para serem capazes de desafiar essa prática prejudicial, e trabalhar com homens e meninos, e outros membros da comunidade, assim como sacerdotes, professores e líderes políticos para educá-los sobre o efeito físico e psicossocial do Chhaupadi.
Apesar de Clara Garcia i Ortes defender o uso de coletores menstruais, e que os mesmos podem durar até 10 anos, Shreya Thapa disse que os mesmos não são compatíveis com a realidade financeira das mulheres nepalesas, visto que isso exigia um custo inicial entre US$ 25 e US$ 50 (entre R$ 80 e R$ 160), um gasto inimaginável para a maioria das mulheres nepalesas. Enfim, conforme vocês podem perceber, até mesmo as medidas sobre como combater o Chhaupadi são controversas.
Comentários Finais
Quando comecei a escrever essa matéria, imaginei que faria um comentário final gigantesco, efusivo, inflamado e repleto de frases de efeito moral. Ao chegar no final, no entanto, percebi que nada do que eu pudesse escrever aqui mudaria a vida daquelas mulheres no Nepal. Nada, absolutamente nada. Tudo o que resta a muitas dessas mulheres é a submissão e o silêncio. Fiquei imaginando qual era a sensação do(a) jornalista ao presenciar aquele "xamã" rindo, gargalhando e dizendo que as mulheres ficavam cada vez mais felizes ao passar pelo ritual Chhaupadi. Olhar e não poder fazer nada para interferir chega a ser igualmente cruel para a mente e alma de quem escreve, filma ou fotografa. Talvez seja essa a sensação que eu e vocês temos nesse momento. Uma revolta contida, um silêncio ensurdecedor e um olhar perplexo e sem rumo, em direção ao horizonte vazio. É igualmente cruel saber que leis podem piorar uma situação, que já é degradante, e que tal situação se arrasta há séculos, podendo durar mais algumas décadas apesar do trabalho de inúmeras organizações não governamentais. São casos assim que nos fazem refletir sobre nossas próprias vidas. Sobre a importância e relevância que queremos ter para nós mesmos, e se temos realmente condições de ajudar a vida de alguém. Pensei que ficaria com raiva, mas tudo o que sinto é desânimo e tristeza.
Ao longo de quase três anos que venho escrevendo neste blog, no qual sou um mero redator, já abordei inúmeros assuntos, e apesar de cada caso ser realmente um caso diferente, é impossível não ser afetado por situações como essa, mesmo estando atrás de um monitor. Poderia ficar horas escrevendo, nada iria mudar. Poderia encontrar mil palavras diferentes para descrever essa situação, nada iria mudar. Poderia entrar em contato e entrevistar dezenas de ativistas, nada iria mudar. A razão pela qual continuei escrevendo para vocês até hoje foi sempre para mantê-los informados da melhor forma possível. Aliás, da forma mais justa e honesta possível. Fazer com que saibam que casos assim acontecem e, de certa forma, tornar este blog como uma parte confiável do dia a dia de vocês em meio a uma internet cada vez mais poluída e recheada de mentiras. Acho que cumpri bem esse papel, e agradeço a todos que me acompanharam até hoje. Talvez seja esse o momento de levantar da cadeira e fazer realmente algo que possa mudar a vida de alguém. Faça isso você também. Quem sabe um dia nos encontremos por aí, em uma esquina qualquer.
Criação/Tradução/Adaptação: Marco Faustino
Fontes:
http://kathmandupost.ekantipur.com/news/2017-08-10/new-law-criminalises-chhaupadi-custom.html
http://time.com/3811181/chhaupadi-ritual-nepal/
http://www.abc.net.au/news/2018-03-10/chhaupadi-nepal-menstrual-cup-revolution/9531814
http://www.bbc.com/news/world-asia-40885748
http://www.dw.com/en/nepal-criminalizes-centuries-old-hindu-tradition-of-chhaupadi-for-women/a-40035024
http://www.independent.co.uk/voices/world-menstrual-hygiene-day-first-hand-account-nepal-menstrual-huts-death-confinement-a7752951.html
https://edition.cnn.com/2017/08/25/health/nepal-menstruation-huts-chhaupadi-ban/index.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Chhaupadi
https://interactive.aljazeera.com/aje/2015/BanishedNepal/#16162
https://thediplomat.com/2018/01/nepals-deadly-chhaupadi-custom/
https://www.aljazeera.com/blogs/asia/2017/08/nepal-menstruation-banishment-start-170812092558130.html
https://www.eldiario.es/desalambre/delito-nepali-menstruacion_0_738426905.html
https://www.independent.co.uk/voices/world-menstrual-hygiene-day-first-hand-account-nepal-menstrual-huts-death-confinement-a7752951.html
https://www.researchgate.net/publication/282447220_Chhaupadi_practice_in_Nepal_-_analysis_of_ethical_aspects
https://www.theguardian.com/global-development-professionals-network/2017/jan/09/fighting-menstruation-taboo-nepal-periods
https://www.theguardian.com/global-development/2016/apr/01/nepal-bleeding-shame-menstruating-women-banished-cattle-sheds
Fonte:http://www.assombrado.com.br/2018/04/o-ritual-chhaupadi-o-cruel-perverso-e.html
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