@The Economist
Os mísseis e o nuclear da Coreia do Norte: estamos mesmo à beira do abismo?
Devemos mesmo preocuparmo-nos com a situação na Coreia do Norte? Ou estamos
apenas perante uma escalada verbal e de troca de ameaças entre Kim Jong-un e
Donald Trump? O regime de Pyongyang já provou que tinha mísseis balísticos e
armas nucleares, pelo que pode realmente ameaçar a ilha de Guam, no Pacífico,
onde os Estados Unidos têm uma grande base militar, porventura fazer chegar
mesmo a morte a São Francisco ou Los Angeles. Mas será que têm a precisão
necessária? Quanto à capacidade americana para levar “fogo e fúria” ao
território da Coreia do Norte ela é indiscutível. Mas será que é usável?
São muitas as perguntas que o aumento de tensão dos últimos suscita. Aqui há dois meses, quando já se começava a perceber que a situação se podia deteriorar, debati a situação com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto num Conversas à Quinta, Tudo o que precisa saber sobre a Coreia do Norte, e nem sabia como perguntar. Recupero-o agora porque um dos cenários que Jaime Gama nele discute é a possibilidade de um ataque americano antes de a Coreia do Norte estar em condições de ela mesma atacar. É muito interessante recordar o que disse, pois trata-se de informação muito actual e pertinente.
Alguns dos aspectos que aborda são precisamente aqueles que George Friedman discute na Geopolitical Futures numa análise intitulada North Korea, Nukes and Negotiations. Nela explica, nomeadamente, porque é que os Estados Unidos estão tão relutantes em atacar: “The nuclear program sites are dispersed and hardened, making airstrikes difficult, and North Korean artillery concentrated near the demilitarized zone could devastate Seoul. So as it considers not just whether a strike should be made, but whether one is even possible, the U.S. has been trying to motivate China to use its influence in North Korea to get Pyongyang to halt its weapons development. The U.S. position is that a strike will take place if diplomacy fails, but also that a conflict with North Korea would be difficult, dangerous and potentially devastating to allies. Thus, the U.S. is postponing such an action as long as possible.”
Mas a discussão nos Estados Unidos em torno da viabilidade de um ataque preventivo decorre ao mesmo tempo que se discute a sua moralidade e mesmo a sua legalidade, como se vê bem neste artigo do New York Times, que coloca uma questão central: If U.S. Attacks North Korea First, Is That Self-Defense? Organizado na forma de perguntas e respostas, aborda as seguintes questões:
São muitas as perguntas que o aumento de tensão dos últimos suscita. Aqui há dois meses, quando já se começava a perceber que a situação se podia deteriorar, debati a situação com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto num Conversas à Quinta, Tudo o que precisa saber sobre a Coreia do Norte, e nem sabia como perguntar. Recupero-o agora porque um dos cenários que Jaime Gama nele discute é a possibilidade de um ataque americano antes de a Coreia do Norte estar em condições de ela mesma atacar. É muito interessante recordar o que disse, pois trata-se de informação muito actual e pertinente.
Alguns dos aspectos que aborda são precisamente aqueles que George Friedman discute na Geopolitical Futures numa análise intitulada North Korea, Nukes and Negotiations. Nela explica, nomeadamente, porque é que os Estados Unidos estão tão relutantes em atacar: “The nuclear program sites are dispersed and hardened, making airstrikes difficult, and North Korean artillery concentrated near the demilitarized zone could devastate Seoul. So as it considers not just whether a strike should be made, but whether one is even possible, the U.S. has been trying to motivate China to use its influence in North Korea to get Pyongyang to halt its weapons development. The U.S. position is that a strike will take place if diplomacy fails, but also that a conflict with North Korea would be difficult, dangerous and potentially devastating to allies. Thus, the U.S. is postponing such an action as long as possible.”
Mas a discussão nos Estados Unidos em torno da viabilidade de um ataque preventivo decorre ao mesmo tempo que se discute a sua moralidade e mesmo a sua legalidade, como se vê bem neste artigo do New York Times, que coloca uma questão central: If U.S. Attacks North Korea First, Is That Self-Defense? Organizado na forma de perguntas e respostas, aborda as seguintes questões:
- How can a country even claim self-defense when
attacking another country that has not attacked it?
- Have those requirements been met yet?
- If the legal conditions for a first strike were met,
would the destruction of North Korea, as critics of Mr. Trump say he
implied when he threatened “fire and fury,” be legally justified?
- How do we know that Mr. Kim’s threat of attacking the
United States is not an imminent threat?
- Why is it important for the Trump administration to
have a justification under international law for striking North Korea
first?
- Is there anything in the United Nations Charter that permits
one state to attack another before it is attacked?
O académico Kori Schake também discute esta possibilidade num artigo no site da Hoover Institution, Considering Preemptive War. Destaco este artigo sobretudo por ele recordar a forma como a hipótese de um ataque por antecipação à União Soviética foi debatido nos Estados Unidos na década de 1950, até porque considera que “Debates among the Eisenhower Administration’s national security cabinet are some of the most serious-minded explorations of strategy ever conducted by Americans.” É interessante ver as considerações morais que estiveram então presentes nesses debates. Ao mesmo tempo nesse artigo também se recorda que o “President Trump is by no means the first American president to publicly threaten the government of North Korea. Much of the over-heated coverage of President Trump’s admittedly unhelpful statement overlooks that Nobel Peace Prize-winner President Barack Obama publicly said “We could, obviously, destroy North Korea with our arsenals.”
O que me obriga a, de alguma forma, deixar os textos mais analíticos para referir alguns que ajudam a perceber o que se passa. E aqui começo por um pequeno vídeo da The Atlantic, How North Korea Became a Crisis, que tem a vantagem de em menos de três minutos recapitular o essencial. O mesmo faz um trabalho da BBC em espanhol, ¿Cómo sería una guerra con Corea del Norte?, um texto cuja leitura pode ser complementada com o apanhado da NBC sobre 10 momentos de crise e tensão nas últimas sete décadas de conturbado relacionamento entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte. Em Has It Ever Been This Bad With North Korea? Yes, Actually começa-se, naturalmente, por recordar o 25 de Junho de 1950, quando a Coreia do Norte invadiu a Coreia do Sul, assim iniciando uma guerra que só terminaria três anos depois e deixou a península devastada.
Continuando a focarmo-nos em testos mais informativos, é sempre útil ler a The Economist, que na sua edição desta sexta-feira, em Donald Trump threatens North Korea with “fire and fury”, recorda outras alternativas que estão sobre a mesa de quem pensa na melhor forma de conter Kim Jong-un. Por exemplo, “Sanctions will only work if they are part of a “cohesive, clearer strategy”, argues a report by the Brookings Institution, an American think-tank. But analysts accuse the Trump administration of sending mixed messages. Only a week before Mr Trump’s inflammatory remarks, Rex Tillerson, his secretary of state, had reassured North Korea, calling for talks and insisting, “We are not your enemy, we are not your threat.” Mark Fitzpatrick of the International Institute for Strategic Studies, another think-tank, says a response to the nuclear threat requires “carefulness and co-ordination”, which are “not Trump hallmarks”.”
Recordemos que esta crise foi capa da revista britânica a semana passada (com a ilustração reproduzida a abrir esta newsletter), que lhe dedicou o seu principal editorial: It could happen - How to avoid nuclear war with North Korea. Na verdade a própria revista reconhecia que “All the options for dealing with the North are bad”, o que não significava que não devêssemos estar muito preocupados: “On July 28th it tested an intercontinental ballistic missile that could hit Los Angeles. Before long, it will be able to mount nuclear warheads on such missiles, as it already can on missiles aimed at South Korea and Japan. In charge of this terrifying arsenal is a man who was brought up as a demigod and cares nothing for human life—witness the innocents beaten to death with hammers in his gigantic gulag. Last week his foreign ministry vowed that if the regime’s “supreme dignity” is threatened, it will “pre-emptively annihilate” the countries that threaten it, with all means “including the nuclear ones”. Only a fool could fail to be alarmed.”
Jorge Almeida Fernandes também discute o que fazer na sua coluna no Público, Fazer guerra ou aprender a coexistir com “Kim nuclear”?, onde considera que “Este pode ser um momento decisivo. A bombástica declaração de Trump pode ter o inesperado mérito de pôr as alternativas em cima da mesa. Uma será criar uma situação “à beira do abismo”, tentando forçar a mão à China na resolução de uma crise dramática. A outra será partir do princípio de que a desnuclearização só será possível com guerra e com “mudança de regime”. Ou Washington faz a opção militar, o que é improvável, ou inventará o modo de coexistir com a Coreia do Norte e o seu nuclear. Os Estados Unidos não estão preparados para aceitar esta via. Mas a vida traz surpresas. É ainda cedo para compreender o alcance da ameaça de Trump.”
Ora o alcance da ameaça de Trump é precisamente outros dos temas em debate nos Estados Unidos, onde a aparente incontinência verbal do Presidente mereceu muitos reparos. A começar por gente teoricamente do seu campo, como a que escreve na National Review, caso de David French que, em Into the Abyss: A Scenario for the Next Korean War começa por nos traçar um cenário apocalíptico do que seria uma nova guerra na península da Coreia. Depois de o fazer é muito claro: “Did we want to risk 1 million lives to stop North Korea’s nuclear program during the Clinton administration? While Bill Clinton’s triumphalism over his “nuclear deal” now looks ridiculous, and other options might have worked, any fair-minded observer would say that he was presented with a host of bad options. Any escalation in Korea has always carried incredible risk. The North knows this truth. Arguably it still exists because of this truth.”
Eliot Cohen defende uma perspectiva muito parecida na The Atlantic, em America Is Not Ready for a War in North Korea: “A preventive war is an act fraught with moral problems, even against a depraved regime like that of Kim Jong-un. Such an attack could completely upend the international relations of Asia, turning South Korea permanently against the ally who so carelessly disregarded its interests. It could bring in Chinese intervention, if Beijing believes that the Americans seek to reunify the peninsula on their own terms. It could convince other American allies, on whom the United States depends, and who form the core of its international strength, that its leader is mad, and the political system that produced him gone dangerously haywire.”
Não se pense porém que não há quem esteja a pensar seriamente em todos os cenários, caso de Jeffrey Lewis, do Arms Control Wonk, que numa entrevista à Bloomberg explica porque é que não devíamos ter ficado surpreendidos com as proezas nucleares e balísticas do regime de Pyongyang, sendo também por isso muito claro: Scared About North Korea? You Aren't Scared Enough. Eis uma passagem da sua argumentação: “I don’t think the North Koreans are going to deliberately start a nuclear war, but I think they might use those weapons if they thought a war was coming and they needed to get a jump on the U.S. and South Korea. And, despite the poor track record of decapitation strikes, the idea really frightens the North Koreans. But instead of making them behave, I suspect it will lead them to do things that I really don't like, such as releasing nuclear weapons to lower level missile units. Also, it would be great if someone would take away President Trump’s smartphone. That would be a boon to global security, not just on the Korean peninsula.”
Talvez este texto já fosse suficientemente assustador para tirar o sono a alguns leitores, mas a conversa que Cátia Bruno teve com duas fugitivas e que publica num especial do Observador, Elas fugiram da Coreia do Norte. Histórias de quem não pode, nem quer, regressar, é de nos obrigar a reflectir sobre como ainda é possível existirem no mundo regimes como o de Kim Jong-um, regimes de que dificilmente escapa quem quer que seja, como testemunhou Jihyun Park, hoje com 49 anos. Como se conta no Observador, “A sua história é tão impressionante que parece ficção, mas as marcas que a coreana traz no corpo são bem reais. São fruto da tortura que sofreu no campo nos arredores de Chongjin e chegaram para convencer as autoridades britânicas de que tinham perante si uma verdadeira refugiada”.
E por aqui me fico por hoje, pedindo desculpa pelo adiantado da hora. Mesmo assim ainda espero ir a tempo de vos desejar com descanso.
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Fonte:em
observador.pt
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