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O CULTO AOS ANCESTRAIS
“Eu vivo, porém não viverei para sempre.
Somente a Mãe Terra vive eternamente”
Canção dos índios Kiowa
Somente a Mãe Terra vive eternamente”
Canção dos índios Kiowa
A morte faz parte do ciclo da vida, assim como o dia alterna-se com a noite, a luz com a sombra. A sombra da proximidade da morte nos permite compreender e respeitar o delicado equilíbrio da vida. Assim, seremos capazes de aceitar a continuidade da vida nos nossos descendentes, pois nós também somos a continuação da linhagem ancestral. As gerações nascem, crescem, florescem, amadurecem e decaem, feito frutos de uma mesma árvore, transformando-se no adubo rico necessário para a próxima colheita. Venerar os nossos ancestrais mantém viva a conexão entre as gerações, os vivos reconhecendo e agradecendo àqueles que trilharam antes os caminhos,abrindo portas e deixando o legado das suas experiências e realizações.
De uma forma ou de outra, todas as antigas culturas do hemisfério Norte reverenciavam os mortos, com celebrações e oferendas realizadas no final do outono, quando a própria natureza entrava em declínio. Festejavam-se ao mesmo tempo a última colheita, o abate dos animais para garantir a sobrevivência humana durante os meses de inverno e a lembrança daqueles que tinham passado para o mundo dos espíritos, ao longo do ano. Homenagear aqueles que viveram antes de nós era uma maneira de agradecer e perpetuar o legado ancestral. O termo geralmente usado de “ancestrais” inclui além dos antecessores na nossa linhagem familiar biológica (materna e paterna), as pessoas que representaram mestres, amigos e anciãos do nosso caminho espiritual. Mesmo desconhecendo os nomes dos nossos ancestrais podemos honrá-los, pois somos ligados a eles pelos laços de sangue, sofrimentos, desafios, aprendizados, esperanças e realizações. Nenhuma linhagem é melhor do que a outra - comemorar os que viveram antes de nós é a maneira como reconhecemos e agradecemos seus sacrifícios, sua luta, coragem, sabedoria e suas conquistas. Honramos seu trabalho de plantio e dedicação, cujos frutos estamos colhendo e aproveitando para nós mesmos, ou para aprimorá-los e expandi-los como uma dádiva para os nossos descendentes. Todos nós somos interconectados pelos sutis fios da teia cármica, pelos ciclos de vida, morte e renascimento, determinados e regidos pelas Senhoras do Destino. O nosso poder, força, resistência e sabedoria vêm das raízes ancestrais, todos nós sendo interligados pelos galhos, folhas e frutos da Árvore da Vida, Cósmica e Telúrica.
Os nomes das comemorações dos ancestrais variavam de um país para outro – Pitra Visarjana Amavasya, na Índia; “O Dia das almas errantes”, no Tibet; “Festival Obon”, no Japão; e “A festa dos fantasmas famintos”, na China. Na África, em Daomé (atual Benim), celebrava-se “colocar a mesa”; na Sicília, na festa dos I Morti as mesas eram postas com armuzzi– “as mãos do morto” modeladas em massa de pão, enquanto no resto da Itália os doces de clara de ovo com amêndoas e açúcar eram chamados de ossi di morti. No México, até hoje, os familiares fazem piquenique nos cemitérios, levando para os túmulos- que são enfeitados com guirlandas de calêndulas - os pratos e as bebidas preferidas dos falecidos. O Dia de Los Muertos mexicano não é uma comemoração macabra ou grotesca, mas uma maneira alegre, divertida e espontânea de reconhecer a inevitabilidade da morte. Ela aparece nos brinquedos das crianças (representada como soldado, herói, policial, médico, dentista, jogador de bola, professor, noivo ou noiva), nos enfeites de açúcar e nos doces, modelada como caveira ou esqueleto e nas calaveras –cartões e imagens de caveiras coloridas com dizeres engraçados trocados entre os amigos. Todos têm um esqueleto, todos vão acabar no cemitério, portanto, é melhor se acostumar desde criança com esta realidade.
As datas dos festivais de comemoração dos mortos também diferiam de uma cultura para outra. No Egito, a baixa do Rio Nilo, em novembro, marcava o início de Isia, a celebração de seis dias que lembrava a morte do deus Osíris. Procissões, drama sagrado, cânticos e danças reencenavam a sua morte e ressurreição,bem como a celebração do retorno das almas para visitar seus familiares. Lamparinas iluminavam suas antigas moradias e os caminhos para orientá-las, os templos e as casas eram enfeitados com flores e oferendas de comidas e bebidas. Do Egito, este costume se espalhou pela Europa e foi preservado e adaptado pelos povos celtas. Por serem povos pastoris, os celtas dividiam o ano em duas estações – o verão, quando o gado era levado para os pastos - e o inverno, quando era trazido de volta.
Na Tradição Nórdica, o mundo dos mortos era associado a seres sobrenaturais femininos, que apareciam como emissárias das divindades, condutoras dos espíritos ou regentes do além. A deusa da morte não era confinada apenas ao mundo subterrâneo, nem era separada da deusa doadora e mantenedora da vida, ambas representavam os ciclos biológicos e sazonais da eterna roda de nascimento, crescimento, vida, decadência, morte, renovação e renascimento. Existiam vários tipos de ancestrais, os Idises eram os guardiões das casas e dos seus moradores, enquanto as guardiãs da linhagem feminina - as Disir - eram espíritos que decidiram não mais encarnar para poder cuidar dos seus descendentes. Elas apareciam em tríades denominadas de Matres ou Matronas, cujas esculturas foram encontradas em vários lugares na Europa e Escandinávia. O festival Disirblot era celebrado em 14 de outubro com ceias de carne de porco, hidromel e maçãs (acreditava-se que estas refeições eram servidas também para os guerreiros mortos em Valhalla); durante a ceia faziam-se brindes para as Disir pedindo suas bênçãos para o próximo ano. Os povos nórdicos acreditavam que a sorte era transmitida pela linhagem feminina, passando de uma geração para outra, o que explica a importância do culto das Disir. Os ancestrais masculinos se chamavam Alfar, mas devido à semelhança desta palavra com o termo que designava os elfos moradores do reino sutil Alfheim, as referências aos ancestrais incluem tanto os femininos, quanto os masculinos, mas com a devida ênfase nas Disir. Muitas das sagas islandesas e das lendas expressam certo medo dos mortos, considerados seres hostis e invejosos em relação aos vivos, como no caso dos draugar, os “mortos vivos ou zumbis”, que podiam ser destrutivos, vingativos ou ferozes. A única forma de lidar com eles era vencê-los a força, decepar suas cabeças e cremar os corpos (como foi comprovado pelas escavações arqueológicas, onde foram encontrados corpos decapitados com as cabeças ao seu lado). Porém, além destes medos arraigados em relação aos “mortos vivos” (equivalentes aos strigoi romenos), existia o respeito pelos ancestrais ou alguns falecidos ilustres (como reis, magos, xamãs, sábios), que podiam agir como espíritos guardiões, auxiliando e protegendo suas famílias e comunidades. As colinas mortuárias eram consideradas habitações dos mortos, quando alguém morria, dizia-se que ”ele viajou para as colinas”. Pernoitar sobre o túmulo de um ancestral ou personagem famoso era uma prática que favorecia o recebimento de visões e mensagens para cura, solução de problemas ou inspiração poética. Denominada de utiseta, esta prática permaneceu mesmo após a cristianização, enquanto a crença nos sonhos como premonições ou mensagens dos ancestrais para auxilio e cura é valorizada até hoje, os sonhos sendo considerados como um elo importante entre os mortos e vivos.
Os ancestrais consanguíneos representam os elos com a terra, enquanto os parentes, seres amados, amigos, namorados ou cônjuges falecidos são ancestrais do coração, ligados à água. Os ancestrais do elemento ar são os mestres, escritores e professores, cujos ensinamentos foram importantes ao longo da vida,por expandir a mente e auxiliar no aprendizado. Finalmente, os ancestrais do elemento fogo, são aqueles que despertaram a nossa chama sagrada, que nos encaminharam para uma senda espiritual e nos orientaram ao longo dela, ensinando como fortalecer o espírito e ampliar a conexão com o plano divino. Nesta conexão entram os xamãs, instrutores espirituais, dirigentes, curadores, pais de santo, sacerdotes ou conselheiros, que foram relevantes na nossa caminhada espiritual pelas suas vidas, lições, exemplos e obras.
Em um altar dedicado aos ancestrais, podem ser feitas as ligações específicas com os ancestrais, colocando seus nomes associados com o respectivo elemento e simbolismo. Não existe um modelo padrão para um altar aos ancestrais, mas ele precisa ser separado do altar dedicado às divindades. Uma simples prateleira é suficiente, sobre a qual podem ser colocadas imagens de divindades ligadas à morte (como Ereshkigal, Hel, Hécate, Ísis, Morrigan, Perséfone, Anúbis,Hades, Samhain, Odin, Osíris, Orixás), fotos dos ancestrais, objetos herdados ou ligados às suas vidas Acrescentam-se velas, flores, incensos, pedras semipreciosas ou cristais, terra e galhos secos de lugares sagrados. Ocasionalmente, nas datas tradicionais (Samhain, Finados ou outras ligadas às suas raízes nativas), nos aniversários de nascimento ou morte dos ancestrais podem ser colocadas oferendas de comidas tradicionais ou típicas nos altares, túmulos ou na natureza, que serão depois entregues em alguma água corrente ou doadas para um asilo. Outra forma de honrar os ancestrais é: visitar seus túmulos, dedicar cultos em sua memória, caminhar nos cemitérios enviando orações para todos os que fizeram sua passagem (mesmo sem serem seus parentes), realizar rituais de perdão para aqueles com que teve desentendimentos e que não foram resolvidos durante sua vida, participar de iniciativas que contribuam para diminuir a violência (assaltos, atentados, crimes), os massacres e as guerras no mundo.
Na tradição romana os espíritos guardiões benevolentes eram os Manes, que zelavam sobre os descendentes enquanto vivos e os auxiliavam na sua passagem. Eles recebiam sacrifícios de ovelhas negras e leitões, cujo sangue era coletado e derramado sobre os túmulos dos recém-falecidos, pedindo sua proteção. Sua comemoração era feita entre os dias 18-20 de fevereiro com oferendas e orações. Nas casas havia altares permanentes para eles, bem como para os Lares e Penates, os espíritos guardiões dos lares, cujo festival era celebrado em janeiro. Acreditava-se que os Lares moravam sob as casas, em esconderijos escuros por temerem a luz solar, que os petrificava; de lá saiam de noite e cuidavam dos seus protegidos. Os Penates viviam acima das casas ou em árvores e deviam voltar para lá antes do pôr-do-sol, cuidando dos seus deveres durante o dia. Para receberem sua proteção as pessoas lhes ofertavam pão e vinho e acendiam velas nos seus altares domésticos; realizava-se uma cerimônia familiar para honrá-los com libações no dia 8 de janeiro. Começando em 13 de fevereiro celebrava-se Parentalia preparando casinhas de madeira para os espíritos que iam vir e permanecer durante o festival. Havia comemorações conjuntas que incluíam Lupercalia e Feralia, quando se honravam os mortos e os ancestrais com oferendas e purificações dos seus altares. O festival de Saturnalia celebrado entre 17-24 de dezembro honrava os ancestrais e no dia do solstício de inverno,os familiares trocavam presentes em memória daqueles que tinham morrido ao longo do ano.
Na Romênia, Sântandrei era uma celebração com data fixa (30 de novembro), dedicada a um antigo deus dácio, protetor dos lobos, transformada pela igreja ortodoxa no dia do Apostolo André. Antigamente, esta data coincidia com a Brumalia romana e as Dionisíades gregas, festas com muitas comidas, danças e bebidas. Sântandrei era considerada “a Noite dos Strigoi” (vampiros), tanto dos vivos – os espíritos que saiam dos seus corpos durante o sono - como dos mortos, que abandonavam seus túmulos, visando criar sofrimentos aos seres humanos e animais. Acreditava-se que durante esta noite, os mortos vivos, strigoi e almas errantes podiam perambular à vontade, tirando o leite dos animais e a virilidade dos homens, espalhando doenças e malefícios ou brigando entre si. Os strigoi vivos eram espíritos de pessoas que nasciam com um defeito físico ou característica estranha (rabo, placenta colada na cabeça, manchas escuras no corpo, dedos a mais ou menos, corcova). Eles saiam dos seus corpos e se esgueiravam pela porta ou chaminé, depois davam três cambalhotas assumindo o corpo de um animal (gato, cachorro, galo, porco, carneiro, cavalo, sapo), montavam sobre uma vassoura, barril ou roda de fiar e iam se encontrar com os strigoi mortos nas encruzilhadas, florestas distantes ou lugares ermos. Lá, eles reassumiam a forma humana e começavam a brigar e lutar entre si, até que um deles vencesse e se tornasse o condutor de todos durante um ano. Em seguida, curavam milagrosamente suas feridas e voltavam antes da meia-noite pelo mesmo caminho e maneira como tinham vindo. Os strigoi mortos eram espíritos que não tinham alcançado o além após seu enterro, ou que não mais quiseram voltar para lá depois dos dias de visitar seus parentes nas datas especiais como Natal e Sântandrei. Tendo saído da realidade comum e sem ter alcançado o “outro mundo”, eles se tornavam muito perigosos para os vivos, trazendo doenças e pragas, prejudicando a terra, as colheitas, o gado e as abelhas, manipulando de forma mágica fogo e água. Diferente das Iele (um tipo de fadas) que flutuam no ar, cantando, tocando instrumentos e descendo ao chão para dançar, os strigoi mortos viajam sobre terra e água, gritando ou chorando e usando vassouras, barris ou rodas de fiar para se locomover. Eles se originaram dos strigoi vivos quando eles morreram, de outros mortos que não receberam ritos adequados de enterro ou oferendas nas datas adequadas, ou que não traziam consigo as moedas necessárias para pagar o “pedágio”exigido na transição de um mundo para outro. Por isso, a “moeda do morto” era amarrada num lenço preso no seu pulso ou enfiada na sua boca.
Para identificar a presença de um strigoi no cemitério, usavam-se cavalos; o túmulo que o cavalo não queria saltar era o sinal de que o seu morador era um strigoi. Ao abrir o respectivo caixão, o morto era encontrado em posições estranhas (de bruços ou de lado, com arranhões no rosto e o cabelo e as unhas crescidas). Para evitar qualquer possibilidade de enterrar alguém em estado de coma ou morte aparente (que ia se transformar depois em strigoi), o cadáver era “morto” em definitivo, enfiando um fuso, foice, tridente ou pedaço de aço em brasas no coração, retirando o coração para incinerá-lo ou mesmo dando um tiro nele. Depois, o caixão era fechado numa caixa com tranca, eram quebradas quatro vasilhas de barro com oferendas colocadas nos cantos do caixão ou era feita a cremação do cadáver, salpicando depois suas cinzas no rio. Estas práticas de defesa contra os strigoi foram usadas até a metade do século XX. O que se percebe - além da crueldade e bizarrice dos métodos usados- é a crença firme dos romenos na sobrevivência do espírito após a morte. As práticas são reminiscências dos ritos funerários neolíticos, usadas até a aparição do cristianismo e continuadas depois às escondidas na área rural em caso de necessidade. Como defesa contra os strigoi, na noite de Sântandreias pessoas comiam alho e esfregavam com ele as portas e janelas das casas, dos estábulos e depósitos de cereais, bem como as tetas das vacas e das ovelhas, para que os strigoi não se alimentassem do leite, nem prejudicassem pessoas ou animais. Paradoxalmente, Sântandrei também era uma noite favorável aos encantamentos de amor e às magias de proteção contra fantasmas e lobisomens, já que os lobos recebiam dons especiais de seu padroeiro nesta noite. Eram feitos vários encantamentos, predições oraculares para fins meteorológicos e orientações agrárias,feitiços de amor e talismãs de proteção.
Samhain (pronunciado “souen”) era o festival celta dos mortos, celebrado no dia 31 de outubro, considerado o primeiro dia de inverno e marcando o início do Novo Ano. Neste dia, os véus entre os mundos se tornavam mais tênues, as almas transitavam mais facilmente de um lado para outro. Além dos familiares mortos, outros seres se manifestavam nesta noite – fadas escuras, elfos, almas perdidas, espíritos zombeteiros. Para se protegerem deles, os celtas usavam máscaras de animais e acendiam fogueiras nas colinas para guiarem os espíritos dos seus ancestrais de volta para suas antigas casas, enfeitadas com lamparinas de abóbora ou nabo colocadas nas janelas e nas portas. Durante séculos, o cristianismo tentou, em vão, suprimir os festejos ancestrais de três dias do Sabbat Samhain, profundamente enraizados nos costumes e almas celtas. Por não conseguir, apelou para o sincretismo religioso, dividiu a data e criou duas comemorações: o“Dia de Todos os Santos” e o “Dia de Finados”, sobrepondo assim as datas cristãs ao antigo festival pagão.
Os milhões de emigrantes europeus (principalmente irlandeses que estavam sem meios de sobrevivência após a grande fome de 1846) levaram para sua nova pátria – os EUA– seus costumes folclóricos e práticas ancestrais. Surgiu, assim, a festa profana de Halloween, pela metamorfose dos significados antigos (máscaras, fantasmas, lanternas, comidas), disfarçados em apresentações caricaturais (bruxas, magos, duendes,chapéus pontudos, perucas coloridas, vassouras, lanternas de abóboras, caça aos doces – este costume sendo uma reminiscência do hábito antigo de dar esmolas aos pobres e comida para as almas). O comércio e Hollywood contribuíram, em muito, para tornar o antigo festival Samhain em uma festa folclórica infantil ou em um simples baile de máscaras. Mesmo assim, grupos neo-pagãos, eco-feministas e tradicionalistas preservam e perpetuam de forma autêntica as tradições dos seus ancestrais.
Os nativos norte-americanos celebram até hoje, na primeira lua cheia após o solstício de inverno “o retorno dos Kachinas”– os espíritos dos seus antepassados -, com o Festival Soyal, que inclui danças com máscaras, fogueiras e oferendas. Os Kachinasse instalam nos altares construídos especialmente para eles e ficam até o final do inverno e o começo do novo plantio, protegendo seus descendentes e suas atividades agrícolas. Na última lua cheia antes do solstício de verão eles retornam para o “Outro Mundo” e são honrados com o festival Nimman Kachina.
No Havaí, os mais antigos espíritos ancestrais foram divinizados e denominados de Aumakua, que eram procurados e honrados para interceder perante as divindades em benefício dos seus descendentes. Eles eram cultuados como protetores das famílias e recompensavam as condutas corretas com bênçãos ou, pelo contrário, puniam os erros de conduta, falsos valores e atitudes imorais com infortúnios.
Na África, muitas tribos acreditam que os espíritos dos seus ancestrais cuidam dos seus familiares e que podem ser feitos pedidos a eles para atuarem como intermediários com as divindades. Para as questões comunitárias, os chefes e xamãs realizam rituais, pedindo a proteção e orientação para as respectivas questões.
Na China são preparados altares para os ancestrais e feitas peregrinações anuais aos seus túmulos, com a intenção de mantê-los a par da situação dos seus descendentes e fazendo oferendas para obter suas bênçãos. A lua nova de novembro é conhecida como a “Lua dos Ancestrais”, quando são feitas peregrinações para os túmulos deles e partilhadas refeições familiares, além de oferendas de moedas, roupas e mechas de cabelos. À meia noite são colocadas lanternas de papel ao longo dos rios e entoadas canções, para que os espíritos dos recém-falecidos sigam as correntezas com suavidade e proteção, levando agradecimentos dos vivos aos moradores do “Mundo dos Mortos”.
No Japão, onde a tradição pagã do Shintoismo ainda é seguida, o Festival Obon é celebrado durante 18 dias em agosto, requerendo uma esmerada preparação prévia dos templos, jardins, casinhas e altares para a recepção dos shugoray – os espíritos dos ancestrais. As famílias se reúnem, acendem inúmeras velas e lamparinas e invocam os espíritos com danças circulares chamadas bonn odori, que induzem a um estado de transe, facilitando percepções paranormais e manifestações de ectoplasmiae telecinésia. Antes do começo de Obon, os familiares vão fazer uma peregrinação para os cemitérios, onde limpam os túmulos,altares dos ancestrais e toda a área ao redor, plantam flores e deixam oferendas de comidas, peixes vivos (representando nova vida), bebidas e imagens de cavalos (os animais que ajudam o deslocamento dos espíritos entre os mundos). No último dia do Festival, os ancestrais estão sendo encorajados para voltar para a “Terra dos Mortos” e enormes fogueiras são acesas para lhes iluminar o retorno. Uma celebração menor é Hina Matsuri ou o “festival das bonecas” em que as meninas vestem suas bonecas com trajes representando suas ancestrais. É feita uma comemoração coletiva em que são acesas cem velas; para cada uma, antes de apagá-la, é contada pelos parentes uma história da vida dos ancestrais, até que se extingue a última vela e na escuridão as pessoas oram em silêncio para os seus entes falecidos.
Deste amálgama de informações e costumes, cada pessoa pode criar uma homenagem pessoal para seus antepassados, seja criando um pequeno altar na sua casa (colocando fotos, objetos, lembranças no canto especificado pela filosofia do Feng Shui), seja preparando um pequeno altar externo (como na Tailândia), usando uma miniatura de casa (como uma gaiola de pássaros), pintada com símbolos que propiciem o renascimento, para “recepcionar” os visitantes do Além. Uma alternativa é seguir o costume vigente, levando flores para seus túmulos, encomendar um culto, orar agradecendo pelo seu legado e visualizá-los envoltos pela Luz Maior.
Para evoluir espiritualmente precisamos do legado dos nossos ancestrais, seja a qual tradição espiritual eles ou nós pertencermos. Eles têm a sabedoria para nos auxiliar na nossa caminhada, revelando ensinamentos ocultos e necessários ao nosso crescimento interior e evolução espiritual. Por sermos seus herdeiros, eles querem nosso progresso e realização, por isso, se devidamente honrados e cultuados, eles podem nos oferecer auxílios inesperados. Porém, para merecermos sua ajuda, devemos ter uma conduta ética e moral apropriada, seguir um caminho espiritual com dedicação e afinco e honrar os seus ensinamentos e tradições. Uma casa não pode ser construída sem tijolos e cimento, homenagear os ancestrais simboliza o barro do qual são feitos os tijolos e nossa ligação com eles será o cimento que permite a solidez da construção. Muitas vezes surge a dúvida ligada ao culto dos ancestrais quando se sabe de familiares com comportamento indigno, valores errados, vícios, agressões, sem ter nenhum vínculo, caminho ou fé espiritual. Devemos lembrar que aprendemos tanto dos acertos, quanto dos erros dos antepassados; não precisamos honrar os familiares indignos, mas aqueles cujos atos e valores podem nos auxiliar no nosso aprendizado e crescimento. Por outro lado, emanar luz e perdão para antepassados agressivos, raivosos, revoltados e sofredores, irá ajudá-los na sua redenção, elevação, cura e transformação.
Os ancestrais são reconhecidos e honrados atualmente nas diversas vertentes neo-pagãs e nos grupos da Senda da Deusa. Cada vez mais é resgatada a antiga tradição que os honra por terem sido eles os responsáveis pela nossa vida atual, pelos conhecimentos, conquistas e realizações a nos legados, pelos valores éticos, culturais e morais, pela tradição e fé espiritual que moldaram nossas crenças atuais. Honrando a memoria ancestral celebramos a corrente existente entre o passado e o futuro, a continuidade da linhagem e a transmissão da sabedoria ancestral.
Independentemente da época em que viveram nossos antepassados, das suas dificuldades, costumes, erros e realizações, o importante é reconhecer e honrar o seu legado benéfico, reverenciar a nossa linhagem maternal, preservar as tradições e crenças antigas e agradecer a sua sabedoria, lembrando a frase de Kahlil Gibran: “Todos os que viveram no passado vivem em nós agora. Que possamos honrá-los como hóspedes valiosos”.
Culto aos Antepassados
O Culto aos Antepassados remonta as religiões mais antigas da Humanidade, que estão ligadas à preservação das tradições familiares em todo o mundo. Na verdade, podemos dizer que o que entendemos como religião surge, em diferentes partes do planeta, na forma dos diferentes cultos aos familiares falecidos.
Os gregos, romanos, japoneses, chineses e africanos cultuavam seus antepassados como uma forma de se conseguir sua proteção e auxílio e também de manter os vínculos familiares. Por isto, era fundamental a continuidade da linhagem familiar através dos filhos; quem não tivesse filhos estava condenado a ser esquecido, pois não teria quem o relembrasse após sua morte.
Para os africanos, os mortos só existiam se fossem cultuados por seus descendentes que oravam pedindo sua proteção e os alimentavam. Entre os gregos e os romanos, o culto era totalmente proibido a quem não fosse da família; se um estranho assistisse à cerimônia era considerada sem efeito. Seus rituais e hinos eram de conhecimento exclusivo dos familiares.
Os antepassados na antiga Grécia eram alimentados com leite, mel e vinho. Animais sacrificados e bolos também eram ofertados. O culto aos ancestrais, assim como na África, era de linhagem masculina, sendo o pai de família aquele que presidia as cerimônias. O culto africano ainda existe na África e no Brasil, na Ilha de Itaparica.
Para todos estas religiões, uma alma que não recebesse as devidas honras fúnebres era condenada a ficar vagando com fome e sede e perturbando os vivos. Para que isto deixasse de ocorrer, era necessário que os cultos fossem realizados periodicamente. A falta com este dever religioso pelos vivos era considerada extremamente grave. Aos condenados por faltas graves era negado o sepultamento, o que os condenava a uma pena neste e no outro mundo.
Na religião católica ficou preservado o culto aos mortos, através das homenagens às almas, consideradas benditas e protetoras quando invocadas. Quando falece alguém em uma família, são celebradas missas, de sete dias, um ano ou mais, de acordo com as preferências familiares.
Entre os já extintos índios Tupinambás, também os antepassados eram constantemente relembrados; normalmente, eram sepultados com seus pertences (armas e ornamentos) dentro das malocas de seus parentes vivos para que estes pudessem cuidar deles com mais dedicação. Entre os índios xavantes, existe a festa do Quarup, a mais importante de sua cultura, que relembra os mortos ilustres.
Antigamente, era bastante comum que os túmulos ficassem muito próximos de onde estavam os vivos, geralmente próximos às casas – perto da vista de seus moradores – para que estes não esquecessem de cultuar os que partiram; portanto os mortos compartilhavam do cotidiano dos vivos.
Nas religiões orientais, como a Igreja Messiânica e a Seicho-No-Iê, encontramos até hoje o culto aos ancestrais, considerado extremamente benéfico por trazer aos vivos bênçãos, prosperidade e proteção. Aos que já se foram, este culto traz, segundo seus praticantes o equilíbrio que acaba se refletindo no mundo dos vivos em tranqüilidade e proteção para todos os familiares. Assim, as várias gerações de uma família mantêm seus vínculos através da espiritualidade com a prática de uma tradição milenar.
Fonte:http://www.venturaesoterico.com.br/culto_antepassados.html
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