O Observador publica um capítulo da biografia "Trump Revelado" que explica os passos decisivos nos negócios em Manhattan e a transformação do novo presidente dos EUA numa estrela pop financeira.
A obsessão por Nova Iorque e os planos que levaram à construção de um dos mais famosos arranha-céus da cidade: a Trump Tower. O negócio do Hyatt, do Commodore e as histórias à volta da Penn Station. O casamento com a primeira mulher, Ivana, o divórcio e o luxo que rodeava uma vida de ambição. Sempre com os olhos postos no poder e com dedos apontados aos imigrantes.
Este é o capítulo da biografia “Trump Revelado”, agora publicado em Portugal pela Planeta — e assinado pelos jornalistas Michael Kranish e Marc Fisher — que recorda os momentos fundamentais na transformação de Donald Trump num dos nomes mais influentes do negócio do imobiliário a nível mundial. Chegar à capa da Playboy em março de 1990 tornou-se quase inevitável.
“A cidade de Nova Iorque estava desesperada por dinheiro e em perigo de insolvência. No início dos anos de 1970, a cidade perdeu 250 mil empregos, o que esventrou a sua base de colecta de impostos, apesar de os custos dos serviços na cidade terem subido em flecha1 . O assessor de imprensa do presidente Gerald Ford, Ron Nessen, comparou a dependência da cidade da ajuda federal a «uma filha rebelde viciada em heroína» . Era uma época miserável para se ser construtor. Em 1971, o ano em que Donald se mudou para Manhattan, a ocupação hoteleira caiu para 62 por cento, o ponto mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial. Em 1975, cortes obrigaram a cidade e o Estado a parar a construção de novas casas subsidiadas, a base do negócio da família Trump . No escritório do pai, na Avenue Z, Donald estava desejoso de se libertar da construção de casas básicas para famílias de classe média nos subúrbios. Quando Fred Trump se expandiu para lá de Brooklyn, foi para comprar terrenos baratos de vendedores desesperados da Califórnia, do Nevada, do Ohio e da Virginia. Donald queria algo maior. Há muito que instava o pai a aceder às dezenas de milhões de dólares que tinha de capital próprio acumulado em mais de 80 edifícios de apartamentos, para usar esse valor para investir em Manhattan, onde estava a acção. Donald andava pela rede urbana, a avaliar edifícios, a sonhar acordado com aquilo que faria com cada lote.
Fred Trump era cauteloso sobre a despesa e a dificuldade de construir em Manhattan, mas Donald não conseguia afastar‑se do sítio que o cativava desde a infância. Enquanto a cidade de Nova Iorque se desmoronava, ele viu a oportunidade que iria mudar‑lhe a vida. A Penn Central, a outrora gigante dos caminhos‑de‑ferro, estava a afundar‑se. Em 1970, naquele que era, na época, o maior caso de falência na história dos Estados Unidos, a empresa de caminhos‑de‑ferro tinha precisado de um resgate de emergência de $300 milhões, de 53 bancos. Agora, os credores estavam desejosos de desmembrar a Penn Central e de vender as suas partes mais lucrativas, incluindo alguns dos maiores traçados ao ar livre de Manhattan: muitos estaleiros de comboios no meio da cidade e em Upper West Side. A falência da sociedade de caminhos‑de‑ferro despertou o interesse de xeques árabes, de banqueiros e de quem procurava terrenos para hotéis. Mas alguns sítios eram mais atraentes do que outros. A Penn Central possuía quatro outrora bons hotéis no centro da cidade, que há muito que tinham entrado em degradação. Foram feitas muitas ofertas por algumas das propriedades, mas o decrépito e infestado Hotel Commodore, cheio de ratos, na East 42 St., mesmo ao lado do terminal da Grand Central, não recebeu nenhuma oferta.
Três das propriedades da Penn Central tinham cativado a imaginação de Trump: uma faixa junto ao rio Hudson, das ruas 59 à 72, um estaleiro invulgar na 34, e o Commodore, o hotel mais deplorável, que Trump acreditava que era uma jóia subvalorizada. No Verão de 1974, Trump começou a apresentar propostas para estas propriedades, dizendo ao The New York Times que planeava comprá‑las por mais de $100 milhões. Embora o Times o tratasse como um «importante construtor de Nova Iorque», ele ainda não tinha o dinheiro para comprar as propriedades. Mesmo assim, começou a cortejar o homem que estava encarregado de vender os bens da Penn Central. Trump até lhe enviou uma televisão como presente de Natal, entregue pelo motorista. O funcionário recusou o presente. Trump teve mais sorte a usar a reputação do pai. Donald coordenou uma reunião com o homem dos caminhos‑de‑ferro e o mayor de Nova Iorque, Abe Beame, um amigo de longa data do pai. Beame abraçou ambos os Trump e afirmou: «Em tudo aquilo que Donald e Fred desejarem, têm todo o meu apoio».
Trump era um novato na construção, mas já era perito a dar a volta aos opositores. David Berger, um advogado que representava os accionistas dos caminhos‑de‑ferro, opôs‑se inicialmente a vender a Trump o Commodore, mas, num momento crucial das negociações, Berger passou a apoiar a proposta de Trump. Uns anos mais tarde, investigadores federais questionaram se a mudança súbita de Berger estava relacionada com a decisão de Trump de o ajudar num processo não relacionado, de $100 milhões, interposto pelos senhorios de Nova Iorque contra nove grandes empresas petrolíferas por estas combinarem os preços do combustível para aquecimento. A investigação federal acabou sem haver acusados. Tanto Trump como Berger negaram ter havido qualquer contrapartida.
Em Março de 1975, um juiz questionou se os mandatários da Penn Central tinham dado aos outros construtores que queriam os terrenos dos caminhos‑de‑ferro a mesma oportunidade que tinham dado a Trump. Mas o tribunal aprovou, mesmo assim, um acordo que dava a Trump uma opção para desenvolver a propriedade na 34th St., onde ele planeava construir um centro de convenções financiado pela cidade e 20 mil apartamentos, criando de uma só vez um império rival ao do pai. O plano dos apartamentos colapsou rapidamente, mas Trump avançou com o centro de convenções ao usar um conhecimento na política. Em 1974, contratou Louise Sunshine, na altura a principal angariadora de fundos para a campanha de Hugh Carey para governador, para o ajudar a persuadir os líderes da cidade a construir o seu centro de convenções nos estaleiros de caminhos‑de‑ferro de que Trump tinha agora opção. Donald e o pai eram grandes apoiantes de Carey, tendo doado mais de $135 mil (o equivalente a quase $390 mil em 2016) à campanha, mais do que qualquer outra pessoa, excepto o irmão do candidato.
Em 1978, a cidade decidiu construir o seu centro de convenções na 34th St. e Trump defendeu que a sua opção sobre a propriedade lhe dava o direito a uma comissão de mais de $4 milhões. Mas ofereceu‑se para abdicar desse valor se a cidade chamasse às instalações Centro de Convenções Fred C. Trump.
Donald conheceu Sunshine quando, depois de Carey ter sido eleito governador, Trump pensou que ela lhe poderia conseguir uma matrícula personalizada com as suas iniciais – na altura um raro privilégio. Tinha razão. Todas as manhãs, Donald ia de Manhattan a Brooklyn, agora numa limusina Cadillac com motorista e matrículas a dizer DJT – a sua versão do Cadillac azul do pai, com as iniciais FCT. Sunshine tornou‑se uma das mais eficazes defensoras do jovem construtor. «Toda a gente pensava que Donald era um jovem insolente e agressivo», disse Sunshine. «Era eu que fazia o Donald entrar em todo o lado […] independentemente de quem fosse, porque eles não conheciam realmente o Donald. Eu era o factor de credibilidade do Donald.»
Trump não tinha vergonha de usar os conhecimentos políticos de Sunshine. Ele tinha a ideia de comprar o World Trade Center, que era propriedade da Port Authority of New York. Pediu para se encontrar com o director executivo, Peter Goldmark, e durante o almoço no café dos executivos da Port Authority, no quadragésimo terceiro andar, Goldmark pressionou Trump para lhe dar pormenores sobre que tipo de negócio tinha em mente. Trump ficou‑se pelas generalidades. Sendo um novo jogador na cidade, Trump era um candidato improvável para tomar conta das icónicas torres e muitos outros promotores imobiliários já tinham demonstrado interesse nos edifícios. Mas as hipóteses de Trump dispararam em flecha quando ele começou a usar os seus conhecimentos. «Ele ameaçou: “Não se aguentava muito no seu cargo se o governador Carey decidisse que não estava a fazer as coisas da forma correcta neste caso”», recordou Goldmark. «“Tem de saber que eu tenho muito peso em Albany”.» Trump usou o nome de Sunshine. «Assim que ele fez as ameaças, deixei claro que não queria continuar a conversa», disse Goldmark. «Ele esperava que eu ficasse a tremer.» Trump nega a versão de Goldmark, dizendo: «Eu não falo dessa maneira.»
Um Trump na cidade
Em 1978, a cidade decidiu construir o seu centro de convenções na 34th St. e Trump defendeu que a sua opção sobre a propriedade lhe dava o direito a uma comissão de mais de $4 milhões. Mas ofereceu‑se para abdicar desse valor se a cidade chamasse às instalações Centro de Convenções Fred C. Trump. A cidade estava a considerar a ideia quando, um mês depois, um funcionário reviu o contrato de Trump com a Penn Central e reparou que, na realidade, ele tinha direito a receber um décimo daquilo que estava a exigir. A cidade acabou por pagar a Trump $833 mil de comissão quando comprou o terreno para o Centro de Convenções Jacob K. Javits. Trump não negou este relato, mas disse: «Se alguém tivesse vindo ter comigo da forma correcta, eu teria abdicado da minha comissão sem pedir que pusessem o nome do meu pai no edifício. Mas não vieram.»
Ao ganhar o direito de reconstruir o Hotel Commodore, Trump ganhou uma esquina de Grand Central, um bairro arruinado que até ele acreditava que era um desastre. O crime estava em crescimento no centro da cidade e cada vez menos passageiros usavam as linhas de metro sob a Grand Central. O edifício Chrysler, o marco de art déco do bairro, mesmo em frente ao Commodore, acabou por fechar. A Texaco, o seu principal inquilino, acabou por seguir algumas outras das maiores empresas norte‑americanas que fugiram para os subúrbios. O hotel de 1900 quartos, um dos maiores de Nova Iorque, era uma tristeza para os olhos, após o negócio ter sido esmagado pela substituição pós‑guerra dos comboios de luxo pelos aeroportos e as auto‑estradas. Quando abriu, em 1919, o hotel – designado em honra do «Commodore» Cornelius Vanderbild, o barão ladrão que se tornou um dos primeiros magnatas celebridade na América – exibia um lobby palaciano e o maior quarto de Nova Iorque, adornado ao estilo de um pátio italiano, incluindo uma cascata interior. No lounge, funcionários afixavam nas paredes os preços actualizados das acções e noutra sala havia uma orquestra.
Modernizar o Commodore ia ser uma tarefa gigantesca. O hotel não tinha garagem. As fundações, atravessadas por duas linhas de metro, não podiam ser acrescentadas. Os quartos eram demasiado pequenos para converter em apartamentos e não tinha instalação moderna de gás nem de electricidade. Os quartos estavam vazios metade do tempo e as poucas lojas para a rua incluíam uma questionável casa de massagens chamada Relaxation Plus (relaxamento mais). («Ninguém falava sobre o que o Mais significava»36, brincava Trump.) Um perito imobiliário estimou que o edifício valia «o verdadeiro valor do terreno menos o custo da demolição» – noutras palavras, nada. A perder $1,5 milhões por ano, o encerramento do hotel estava previsto para o Verão de 1976, por volta da altura em que a cidade devia receber a Convenção Nacional Democrática, em Madison Square Garden.
Fred Trump tinha dúvidas sobre o plano do filho. O pai nunca tinha compreendido a atracção de Manhattan, que originava alguns dos mais elevados preços de terreno do mundo e as maiores chatices de construção. «Comprar o Commodore numa altura em que o Chrysler Building está em liquidação judicial», disse ele, «é como lutar por um lugar no Titanic.» Mas Donald estava determinado. «Sou basicamente um optimista», disse ele, «e vi o problema da cidade como uma grande oportunidade para mim. Por ter crescido em Queens acreditava, talvez até um grau irracional, que Manhattan ia ser sempre o melhor lugar para viver – o centro do mundo.» Apesar das dúvidas, Fred apoiou‑o, disponibilizando o seu próprio capital para o sucesso do filho – um sinal de que embora o pai não tivesse qualquer interesse em investir em Manhattan, ele ficaria sempre ao lado do filho, ajudando‑o em momentos cruciais nos anos de formação da carreira de Donald. Fred seria sempre também fiador dos empréstimos do Manufacturers Hanover Trust, garantindo que os banqueiros seriam pagos mesmo que os negócios de Donald colapsassem.
Para o plano de Donald ter sucesso, a Penn Central tinha de lhe vender o hotel, a burocracia de Nova Iorque tinha de aprovar a sua abordagem e dar‑lhe isenção fiscal, uma empresa de gestão tinha de se associar a ele para administrar o hotel e os bancos tinham de lhe avançar o dinheiro para pagar tudo. Donald cortejou a Hyatt, a cadeia de hotéis da riquíssima família Pritzker, para gerir o remodelado Commodore. Desde que abrira o seu primeiro hotel perto do aeroporto de Los Angeles, a empresa tinha explorado a sua popularidade, mas ficava atrás dos seus rivais num aspecto fundamental: não tinha nenhum hotel em Nova Iorque. Trump lançou uma ofensiva de charme. Antes de almoçar com Ben Lambert, um investidor imobiliário amigo dos Pritzker, Trump deu ao potencial parceiro uma boleia na sua limusina (que na realidade era alugada pela empresa do pai). No banco traseiro, tinha disposto rascunhos do plano de renovação. Trump sugeriu que o hotel beneficiaria de impostos imobiliários muito reduzidos – uma ideia atraente, mas um negócio que ele ainda não tinha assegurado.
Trump enganou a cidade, os vendedores e a cadeia de hotéis uns a seguir aos outros, utilizando um para alavancar o acordo com o outro. Assegurou aos negociadores da Penn Central que tinha um negócio sólido com o Hyatt quando não tinha e os caminhos‑de‑ferro deram‑lhe uma oportunidade exclusiva e não vinculativa para comprar a propriedade de $10 milhões. Trump não tinha os $250 mil de que necessitava para assegurar a posição, quanto mais o dinheiro para financiar o projecto de $70 milhões. O pai até tinha tido de lhe adiantar dinheiro para ele contratar um arquitecto. Mas em Maio de 1975, Trump convocou mesmo assim uma conferência de imprensa. Ao lado do co‑fundador do Hyatt, Jay Pritzker, Trump apresentou as elaboradas alterações da renovação do Commodore: 1400 quartos, 6,5 mil metros quadrados de espaço, um deslumbrante átrio ao estilo Hyatt e paredes de espelho a revestir o esqueleto envelhecido do hotel. Trump anunciou que tinha um contrato assinado com a Penn Central para comprar o hotel. Estava assinado, mas apenas por ele, porque ainda precisava de pagar 250 mil dólares. Depois, fez um truque de ilusionismo de que mais tarde se haveria de gabar. Quando um funcionário da cidade lhe pediu provas do compromisso da Penn Central, Trump enviou aquilo que parecia um acordo com os ven‑ dedores. Trump depois usou a consequente autorização da cidade para concretizar o negócio com a Hyatt.
Mostrem-me o dinheiro
Agora, Trump precisava de dinheiro. Sem garantias para apoiar a dívida, teve dificuldade em persuadir os bancos a adiantar‑lhe um empréstimo para construção. Após uma rejeição, Trump quis desistir. Disse ao seu agente imobiliário: «Vamos pegar neste negócio e enterrá‑lo.» Mas Trump, que cresceu a ver o pai a construir um império baseado em empreendimentos subsidiados, foi salvo pela primeira isenção fiscal de Nova Iorque a uma propriedade comercial. A Urban Development Corporation – uma agência quase na falência, lançada em 1968 para construir habitações integradas – tinha o poder de isentar as propriedades de impostos. Podia comprar o hotel por 1 dólar, depois arrendá‑lo a Trump e à Hyatt por 99 anos – um acordo que pouparia a Trump uns estimados $400 milhões durante os 40 anos seguintes. Sunshine ajudou Trump a conseguir uma reunião com o presidente da UDC, Richard Ravitch, que tinha crescido no sector da construção. O pai de Ravitch, Saul, era o fundador da HRH Construction, que Fred Trump tinha contratado para construir a Trump Village. Agora, Ravitch viu que o jovem Trump tinha uma forma diferente de fazer negócios. Donald foi ver Ravitch e disse‑lhe que tinha comprado o Commodore para o converter num Grand Hyatt. «Quero que me dê uma isenção de impostos», disse Trump.
Um Hyatt seria óptimo para a cidade, respondeu Ravitch, mas o projecto não se qualificava para uma isenção fiscal porque seria provavel‑ mente viável por si próprio. Trump levantou‑se e repetiu o pedido: «Quero uma isenção.» Quando Ravitch voltou a negar dar apoio à ideia, Trump disse: «Vou fazer com que seja despedido», e saiu do escritório, contou Ravitch. (Trump negou o relato de Ravitch e chamou‑lhe «uma pes‑ soa altamente sobrestimada».) Hoteleiros rivais concordaram com Ravitch e opuseram‑se àquilo que viam como um acordo chorudo para Trump. A Hotel Association of New York disse que os membros pagavam mais de $50 milhões por ano em impostos imobiliários e perguntou por que um jovem construtor impertinente, que nunca tinha construído um hotel e que não ia investir nenhum dinheiro próprio, merecia ajuda.
No dia anterior à influente autoridade nova‑iorquina sobre o uso dos terrenos, o Board of Estimate, votar a isenção fiscal, três legisladores de Manhattan convocaram uma conferência de imprensa à porta do hotel para exigir que a cidade procurasse um acordo melhor. Quando os políticos terminaram, Trump, que tinha aparecido para refutar os seus argumentos, disse aos jornalistas que se a cidade não aprovasse a ajuda, ele retirava‑se e o Commodore ficava a apodrecer. Para dramatizar o quão decrépito o Commodore ficaria sem ele, Trump tinha instruído os seus funcionários para substituírem as tábuas limpas que cobriam os vidros do hotel por madeira velha e suja.
Na realidade, havia outros investidores interessados no hotel, que se tinham oferecido para o renovar, pagar mais em impostos e partilhar mais dos lucros com a cidade do que Trump. Mas as ofertas alternativas foram ignoradas por causa do contrato que Trump tinha com a Penn Central – embora esse acordo ainda não estivesse assinado e concluído.
Em última análise, a opção de compra de Trump, a sua energia, os conhecimentos políticos e as promessas de partilha de lucros viraram a desesperada cidade a seu favor. Algumas semanas depois de os últimos turistas saírem do Commodore, o Board of Estimate concordou em abdicar de todos os impostos imobiliários, desde que o projecto de Trump fosse gerido como um hotel de «primeira classe». Trump exibiu a sua vitória no Times, gabando‑se da sua «criatividade financeira» ao poupar nos impostos e deixando clara a distinção entre o sucesso do pai e as suas próprias ambições em Manhattan: «O meu pai conhecia Brooklynn muito bem e conhecia Queens muito bem. Mas agora essa psicologia acabou.» Trump tinha garantido ao Times que valia mais de $200 milhões, embora um ano antes os negociadores da Penn Central tivessem estimado que o capital próprio da família Trump era de cerca de $25 milhões, todos sob o controlo de Fred. Em Dezembro de 1976, um mês depois de aquele artigo ser publicado, Fred Trump abriu oito fundos para os filhos e netos e transferiu 1 milhão de dólares para cada um. Durante os cinco anos seguintes, Donald recolheria $440 mil de juros só desse fundo.
Apesar de ter vencido a batalha do Commodore, Trump mantinha um ressentimento contra aqueles que se lhe tinham oposto. Cinco anos depois da reunião contenciosa de Trump com Ravitch, o Conselho da Metropolitan Transportation Authority, onde Ravitch se tinha tornado presidente, disse‑lhe que o advogado buldogue de Trump queria que a MTA gastasse fundos dos contribuintes para ligar o Commodore à estação de metro da 42nd St. Ravitch era contra. Na manhã seguinte, o mayor Ed Koch chamou‑o e perguntou‑lhe: «O que é que você fez ao Donald Trump? Ele quer que eu o despeça.» Ravitch referiu aquilo que o mayor já sabia: Ravitch tinha sido nomeado pelo governador. Ele mantinha o cargo.
Trump não atravessou a ponte apenas para construir um negócio. Ele também queria o estilo de vida de Manhattan. Tinha agora três quartos e vivia nos apartamentos Phoenix, na 65th St., a um quilómetro e meio de distância do Commodore, em direcção à alta da cidade.
Em 1977, enquanto Trump lutava para arranjar empréstimos, a cidade de Nova Iorque continuava a decair. A crise financeira tornou‑se mais grave. Um assassino em série, conhecido como Filho de Sam, aterrorizava a cidade. Durante uma vaga de calor em Julho, um apagão histórico deixou a cidade na escuridão, dando origem a incêndios devastadores, pilhagens de lojas e detenções. Mas a verdadeira ameaça a Trump era bem mais subtil. O mayor Beame, um amigo de longa data de Fred Trump e um forte apoiante do projecto de Donald, perdeu a reeleição para Koch, um assumido adversário da generosidade e do favoritismo políticos. A redução fiscal de Trump estava de repente em risco. Mas foi salva de novo quando Trump descobriu um aliado fundamental em Stanley Friedman, o número dois de Beame. Com a sua barbicha e um charuto Te‑Amo Toro sempre entre os dentes, Friedman era uma caricatura de Hollywood de um manda‑chuva da cidade. O seu ADN tinha lá escrito Nova Iorque. Cresceu no Bronx, era filho de um taxista chamado Moe, andou na escola pública, no City College e na Brooklyn Law School. Em Trump, Friedman viu outro tipo dos subúrbios a tentar estabelecer‑se em Manhattan, onde já se tinham cruzado em sítios como o Le Club e o Maxwell’s Plum.
Na última semana do mandato de Beame, em 1977, Friedman trabalhou intensamente, com maratonas de reuniões, para selar o acordo do Commodore. Na altura em que Beame abandonou o cargo, o apoio pago pelos contribuintes ao hotel de Trump tinha sido tornado à prova de bala – e Friedman tinha encontrado um novo emprego, na firma de advogados de Roy Cohn. «O Grand Central estava a transformar‑se no Times Square – um bairro moribundo», disse Friedman. «Independentemente de quem fosse o dinheiro que ele ia usar – o da cidade, o seu próprio ou o da Hyatt –, ele ia pegar num edifício de porcaria e criar uma operação de primeira classe. Era a coisa mais importante feita na cidade nos últimos anos.»
New York, New York
Trump não atravessou a ponte apenas para construir um negócio. Ele também queria o estilo de vida de Manhattan. Tinha agora três quartos e vivia nos apartamentos Phoenix, na 65th St., a um quilómetro e meio de distância do Commodore, em direcção à alta da cidade. Quando Mike Scadron, o amigo da academia militar, o visitou, ficou surpreendido pela pouca mobília que havia no apartamento – uma parede de espelho, um tapete felpudo, uma pequena mesa de vidro e uma representação do Commodore. A atenção de Trump estava focada em ser bem‑sucedido na grande cidade. Disse a Scadron que ia ultrapassar o sucesso do pai ao conquistar Manhattan, onde Fred Trump nunca tinha colocado um tijolo. Noutra altura, no escritório da Avenue Z, Scadron tinha assistido ao confronto entre pai e filho, «a falarem um por cima do outro. Podiam estar em salas separadas. Donald tinha algo a provar.» Mas, de regresso ao apartamento de Donald, havia um outro objecto com destaque: uma foto da nova namorada de Trump.
A história de como Trump e Ivana Zelníbková Winklmayr se conhe‑ ceram tem duas versões. Trump lembra‑se de os dois se terem visto pela primeira vez nos Jogos Olímpicos de Verão de Montreal, em 1976. Ivana, de acordo com a história oficial, tinha sido membro da equipa checa olímpica de esqui em 1972, em Sapporo, no Japão. Ambos os Trump o referiram a determinada altura. Mais tarde, Trump escreveu que Ivana era uma substituta na equipa olímpica. Mas quando a revista Spy entrevistou o secretário do comité olímpico checo, ele disse que não tinha essa pessoa nos seus registos.
A história mais popular sobre como o casal se conheceu tem Trump a apresentar‑se a Ivana na fila à porta do Maxwell’s Plum, o famoso bar de Warner LeRoy para solteiros, em East Side, atafulhado de candeeiros Tiffany e encimado por um tecto de vitral. Ivana estava em Nova Iorque durante uma semana para um desfile de moda que promovia os Jogos Olímpicos que se aproximavam. Estava com as amigas à espera de entrar no bar quando Trump lhe tocou no ombro, lhe disse que conhecia o dono e que as conseguia fazer entrar. Entraram. Trump pagou as festividades da noite, levou as senhoras ao hotel e depois encantou Ivana, no dia seguinte, com três dúzias de rosas.
Ivana, que cresceu na Checoslováquia sob o regime comunista, era filha única, uma modelo que emigrou para o Canadá antes de ir para os Estados Unidos. Assim que ela e Trump começaram a namorar, a história da vida dela tornou‑se tão cheia de superlativos Trump como muitas das suas propriedades. Ivana era «uma das maiores modelos do Canadá», escreveu Trump. Ela tinha desfilado em lojas de Montreal e posado para peleiros. Também tinha sido casada, durante pouco tempo, com Alfred Winklmayr, um esquiador austríaco. Mas esse casamento desapareceu da narrativa oficial, não sendo mencionado nas memórias de Ivana, de 1995, The Best Is Yet to Come: Coping with Divorce and Enjoying Life Again. Winklmayr tinha ajudado Ivana a mudar‑se para o Oeste e o casamento acabou imediatamente depois.
Aos 30 anos, Trump estava pronto para assentar. O casamento dos pais era o seu modelo. «Para um homem ter sucesso, precisa de apoio em casa, tal como o meu pai tinha da minha mãe, não de alguém que está sempre a reclamar e a queixar‑se», disse Trump. Ivana, uma imigrante como a mãe de Donald, parecia caber no molde. «Encontrei a combinação quase inacreditável de beleza e miolos», disse ele. «Como muitos outros homens, fui ensinado por Hollywood que uma mulher não pode ter as duas coisas.» Ivana viu Trump apenas como «um rapaz típico americano, alto e esperto, com muita energia, muito inteligente e muito bem‑parecido». Ela definiu Trump por aquilo que ele ainda tinha de alcançar. Ele «não era famoso» e «não era incrivelmente rico».
Na passagem de ano de 1976, Trump pediu Ivana em casamento, oferecendo‑lhe mais tarde um anel de diamante com três quilates, da Tiffany. Mas antes de poder haver um casamento, menos de um ano depois de se conhecerem, houve o acordo pré‑nupcial – algo com quatro ou cinco contratos. As negociações entre Trump e Ivana – Roy Cohn aconselhou Donald a começar a vida de casado com acordos financeiros codificados – seguiram um padrão que veio a definir o Trumpismo: ostentação de riqueza e de influência, demonstrações muito públicas de desgosto e uma batalha dramática encenada nas colunas de mexericos e nos tribunais. O casamento começaria – e mais tarde explodiria – com o acompanhamento de advogados. Cohn negociou o acordo pré‑nupcial, que foi assinado duas semanas antes do casamento. Ivana foi representada por um advogado que Cohn tinha recomendado. Numa sessão de negociação, em casa de Cohn, Cohn usou apenas um roupão de banho. Ivana estava preparada para assinar o acordo, mas recuou quando soube que a proposta de Cohn contemplava que ela devolvesse todas as prendas de Donald em caso de divórcio. Em resposta à fúria dela, Cohn adicionou algumas linhas que permitiam que ela ficasse com as roupas e as prendas. Com o consentimento de Trump, Cohn também adicionou um fundo para «uma emergência», de 100 mil dólares. Ivana podia começar a usar o fundo um mês após o casamento.
Ao mesmo tempo que Cohn ajudava Donald e Ivana a preparar o casamento, conduzia‑os pelo mundo hedonístico e movido a drogas da disco do final dos anos de 1970. Embora prezasse a sua reputação de abstémico, Donald adorava participar, pela noite dentro, na mistura de destacáveis e de mulheres bonitas. Em Abril de 1977, Trump e Ivana foram à noite de inauguração da Studio 54, a discoteca que se tornaria o icónico lar do movimento disco. Os donos, Steve Rubell e Ian Schrager, confiaram em Cohn para lhes dar aconselhamento legal e, em troca, ele servia como um porteiro informal, passando os ricos e os famosos à frente da fila de pessoas desesperadas para entrar na festa onde se encontravam pessoas como Andy Warhol, Liza Minelli, Truman Capote, Margaux Hemingway e David Bowie. Cohn também usou a sua influência para conseguir a entrada de grupos de jovens homossexuais. Embora Cohn sempre tivesse afirmado ser heterossexual, os amigos sabiam que não era assim.
(Apesar da sua sexualidade, Cohn manteve‑se fortemente anti‑homos‑ sexual em termos de políticas. Convidado para representar um professor despedido por ser homossexual, Cohn recusou, dizendo a um grupo de activistas gay que «os professores homossexuais são uma ameaça séria para as nossas crianças e não devem poluir as escolas da América».)
Trump tornou‑se uma presença habitual na discoteca e, mais tarde, contou: «Vi lá acontecerem coisas que até hoje nunca mais vi outra vez.» «Vi supermodelos a ser comidas, supermodelos bem conhecidas a ser comidas num banco no meio da sala. Eram sete e cada uma delas estava a ser comida por um tipo diferente. Isto era no meio da sala. Hoje em dia isso não podia acontecer, por causa dos problemas de morte.»
No sábado antes da Páscoa, Donald e Ivana foram casados pelo reverendo Norman Vincent Peale – autor do bestseller motivacional de 1952, O Poder do Pensamento Positivo, um pilar da cultura norte‑americana de auto‑ajuda, e pastor da Marble Collegiate Church de Nova Iorque, que os pais de Donald frequentavam ocasionalmente. Peale era a única pessoa, para além do pai, que Donald chamava de mentor (resistia a usar esse termo em relação a Cohn, insistindo que o advogado era «apenas um advogado, um advogado muito bom»). Peale «dava os melhores sermões, era um fantástico orador», disse Trump. «Ele achava que eu era o seu melhor aluno de sempre.» Os pais de Trump levaram‑no pela primeira vez a ouvir os sermões de Peale nos anos de 1950, quando o pastor estava no auge da fama, com uma coluna no jornal e um programa de rádio que chegava a milhões de pessoas. «Sei que com a ajuda de Deus eu consigo vender aspiradores», disse uma vez Peale, numa perspectiva que agradava aos empreendedores, incluindo Fred Trump e o filho. Quando Donald Trump obteve êxito, Peale previu que Donald se tornaria «o maior construtor do nosso tempo». Trump, por seu lado, dava crédito a Peale por o ter ensinado a vencer, por pensar apenas no melhor dos resultados: «A mente pode vencer qualquer obstáculo. Nunca penso na negativa.»
A boda de Donald e Ivana realizou‑se no 21 Club, anteriormente um bar clandestino famoso pela sua clientela de celebridades. Foram convidadas cerca de 200 pessoas, incluindo o mayor Beame, Cohn e um grupo de políticos e de advogados de Trump. Apenas um membro da família de Ivana, o pai, Milos, apareceu.
A 31 de Dezembro de 1977, um ano após o noivado, Ivana deu à luz Donald John Trump Jr., o primeiro dos seus três filhos. Ivanka chegou em 1981 e Eric em 1984. A nova família mudou‑se para um apartamento de oito assoalhadas no número 800 da Fifth Avenue, decorado de forma moderna e com poucos dos excessos que eventualmente se tornariam uma imagem de marca do estilo Trump. Depressa ofereceram aos fotógrafos uma sessão fotográfica com a deslumbrante modelo‑esquiadora e o rapaz‑maravilha do imobiliário. «Ele entrava numa sala e toda a gente olhava para ele», disse Stanley Friedman. «O mundo inteiro girava à volta de Donald. Ele era sempre o tipo que estava a falar contigo, mas a olhar por cima do ombro à procura da próxima pessoa. Sempre a trabalhar. […] Estava sempre à procura do próximo negócio, estava sempre à procura da próxima alguma coisa.»
Uma família mais ou menos às direitas
Essa próxima coisa geralmente envolvia mais o trabalho do que ser pai. Tal como o seu próprio pai tinha feito, Donald via os filhos sobretudo no escritório, onde eram sempre bem‑vindos. «Eu estava sempre lá para os meus filhos quando eles precisavam de mim», disse ele. «Agora, isso não significa empurrar o carrinho de bebé pela Fifth Avenue durante duas horas». Trump «não sabia o que fazer com os miúdos quando eles eram pequenos», disse Ivana. «Ele amava‑os, beijava‑os e pegava‑lhes ao colo, mas depois entregávamos porque não fazia ideia do que devia fazer». Os filhos acabariam por recordar estes primeiros anos com uma forte confiança no amor do pai e uma certa melancolia sobre as suas prioridades. «Não era uma relação pai‑filho do género: “Ei, vamos brincar à apanhada no quintal”», recordou Donald Jr. «Era: “Ei, chegaste da escola, vem ao meu escritório.” Por isso, eu sentava‑me no escritório, brincava com camiões no chão do escritório, ia pedir doces ou travessuras no escritório. Portanto, passava muito tempo com ele, mas nos termos dele. […] Nunca se escondia de nós, nunca era distante, mas nos seus termos. Sabe, essa tende a ser a forma como ele faz as coisas.»
Trump adicionou rapidamente Ivana ao seu pessoal no escritório, colocando‑a a trabalhar como vice‑presidente com responsabilidades sobre a decoração de interiores no Commodore, e mais tarde na Trump Tower, no Plaza Hotel e num dos casinos de Donald em Atlantic City. «Nunca se tinha ouvido falar num empresário que, nestes círculos, desse à mulher, à sua nova mulher, alguém que não tinha estado por ali toda a vida, tão grandes responsabilidades», disse Nikki Haskell, uma amiga de ambos os Trump. «Muitos homens ricos não deixam as mulheres ir ao escritório. Muitas mulheres não sabem o que os maridos fazem.»
«Donald e Ivana eram farinha do mesmo saco», disse Louise Sunshine. «Eles eram exactamente o mesmo tipo de pessoa – muito, muito determinados, focados, muito espertos […] muito sinergéticos e muito parecidos, demasiado parecidos. Era difícil diferenciá‑los. Podiam ter vindo do mesmo esperma.»
Trump controlava agora o contrato de arrendamento do edifício que ele considerava ter «a melhor localização em todo o mundo» – mas precisava de duas outras peças: do terreno por baixo, que era da gigante dos seguros Equitable, e dos direitos para construir em altura, que eram controlados pela Tiffany & Co.
No Commodore, Ivana entrava muitas vezes em conflito com o capataz da obra. Mas quando o trabalho encontrava obstáculos, Trump tendia a culpar o gestor de projecto e os assistentes, não a mulher. O Commodore era um trabalho difícil, enorme, com a reabilitação dos seus 26 andares a ser mais complicada do que qualquer coisa que o pai dele tivesse tentado. Quando as equipas de demolição chegaram ao trabalho, em Maio de 1978, encontraram piores condições do que esperavam. Estavam sem‑abrigo a viver na casa das caldeiras, quente e livre de piolhos. A moldura de aço sobre a qual Trump queria construir estava enferrujada e em perigo. Nas caves, os trabalhadores largaram gatos para caçar as hordas de ratos do tamanho de coelhos. Os gatos morreram e os ratos sobreviveram. Os custos rapidamente engrossaram. Vinte e seis andares de pedra exterior eram para ser forrados a espelho. Pisos inteiros eram para ser eviscerados. Os fornecedores e os empreiteiros estavam ansiosos para ser pagos. Quando Barbara Res, uma assistente de projecto da HRH Construction, a empresa que Trump tinha contratado para gerir as coisas, chegou ao local das obras, o patrão entregou‑lhe o contrato e deu‑lhe instruções para tomar nota de todos os segundos de trabalho que tinham de ser pagos: «Lê isto e decora‑o. […] Estas pessoas vão matar‑te. Mantém registo de tudo.»
A liderar o seu primeiro projecto, Trump era muito «insolente e extremamente autoconfiante», disse Res, mesmo quando muitas das suas decisões pareciam amadoras para os experientes trabalhadores de construção. Os arquitectos e os empreiteiros tinham medo de o desafiar, criando aquilo a que Res chamou uma «combinação fatal: […] uma pessoa agressiva e poderosa a mandar, que também é inexperiente». Com os credores a observar, Trump tentava poupar. Acreditava que podia recuperar alguns dólares salvando os velhos canos e o aço do Commodore. A ideia foi copiada do pai, um lendário forreta que uma vez se gabou de ter poupado 13 mil dólares num dia, ao convencer o empreiteiro a baixar o preço da pintura de 13 mil apartamentos em um dólar cada. A tentativa de poupança de Donald saiu‑lhe pela culatra. Os trabalhadores sindicalizados passaram muitas horas a pintar códigos de cor em cada objecto de metal – vermelho para o lixo, verde para guardar – atrasando imenso o ritmo das obras.
Como arquitecto, Trump tinha recrutado Der Scutt, uma estrela em ascenção no design modernista de Nova Iorque, que fumava cachimbo. Após o seu primeiro encontro, numa sexta‑feira à noite no Maxwell’s Plum, Trump convidou Scutt para ir ao seu apartamento. Tal como Trump, Scutt tinha a sua própria mistura de excentricidades motivadas pelo ego: tinha mudado o primeiro nome, de Donald para a palavra alemã «o». Estava perturbado pela técnica de venda «extremamente agressiva» de Trump e pela sua tendência para exagerar. Ainda assim, sentia‑se cheio de energia devido às exigências imparáveis de Trump. «Ele não se importa de me telefonar às sete da manhã num domingo e dizer: “Tenho uma ideia. Encontramo‑nos no escritório daqui a 40 minutos.”», disse Scutt. «E vou sempre.»
O modernizado Grand Hyatt abriu a 25 de Setembro de 1980, seis anos depois de Trump ter desejado o Commodore pela primeira vez. Criado inicialmente para servir os viajantes de classe média, o hotel de 1400 quartos tinha ganhado um luxo considerável, com acessórios de latão e preços de quarto que começavam nos 115 dólares por noite (o equivalente a cerca de 330 dólares em 2016). Para celebrar a abertura, o Grand Hyatt organizou uma festa cheia de estrelas, no salão de baile, em que participaram o governador, o mayor, o anterior mayor, Cohn e outros membros da elite do imobiliário de Nova Iorque. O Grand Hyatt seria a prova do estilo com que Trump desenvolveria os seus projectos: com generosas isenções fiscais, grande ousadia financeira e um toque de magia, alavancando os diferentes interesses em conflito. Trump defendeu que o hotel ajudou a dinamizar o bairro de Grand Central e a começar uma nova época de glamour em Manhattan. Trump disse que o projecto lhe mudou a vida: «Se eu não tivesse convencido a cidade a escolher o meu local, na 34th St., para o centro de convenções e depois avançado para desenvolver o Grand Hyatt, provavelmente estava hoje em Brooklyn, a recolher rendas.»
A ruína que Trump tinha previsto para o bairro nunca chegou a concretizar‑se. Quando começaram os trabalhos no Commodore, uma dúzia de outros projectos de escritórios, apartamentos e hotéis estavam já a surgir nos quarteirões circundantes – sem a ajuda governamental que Trump disse que era essencial para fazer alguma coisa naquela zona degradada. Agora, com os visitantes do hotel a entrar em grande número, ele apertou a bolsa naquilo que tinha sido uma das poucas concessões que tinha feito para conseguir a isenção fiscal. Em 1987, Trump disse aos contabilistas para alterarem os seus métodos de relatório, limitando a quantia que, segundo o acordo de partilha de lucros do Hyatt, deveria entregar à cidade. Quando a auditora geral da cidade, Karen Burstein, analisou os registos do hotel, descobriu que as «aberrantes» práticas de contabilidade tinham retirado à cidade milhões de dólares em impostos. Questionado anos mais tarde sobre essas alterações, Trump disse que não se lembrava da investigação.
Nos anos seguintes, Trump iria entrar muitas vezes em conflito com a família que geria a Hyatt, incluindo um processo desagradável que acabou com os Pritzker a concordarem, em 1995, pagar $25 milhões para fazer renovações. Lutando contra enormes dívidas, enquanto o império se expandia, Trump acabou por vender a sua parte do Hyatt à família, em 1996, acabando o seu envolvimento no projecto que lançou a sua carreira. Trump ficou com cerca de 25 dos 142 milhões de dólares do preço de venda, mas a maioria do dinheiro acabaria por ir para o pagamento de parte dos milhares de milhões que os seus negócios deviam na altura, incluindo centenas de milhões que Trump tinha dado pessoalmente como garantia.
Subir ao alto da Torre
Nesses dias, Trump e Sunshine andavam a passear por Manhattan, na limusina de Trump, à procura de potenciais projectos. Um dia, passaram na Fifth Avenue pela Bonwit Teller, uma grande loja cara de roupa de mulher, que estava a passar por maus momentos. «Oh, adoro aquela localização, vamos descobrir quem é o dono e vamos deitar o edifício abaixo», disse Trump. Este, decidiu Trump, seria o local para o seu projecto emblemático, a Trump Tower, uma cintilante afirmação na avenida mais majestosa de Nova Iorque. Sunshine direcionou Donald até um dos maiores accionistas da Genesco, o conglomerado proprietário do contrato de arrendamento da Bonwit Teller. Em Novembro de 1978, quando Trump soube que a empresa estava disponível para vender, ele garantiu, sem pagar nada, uma opção que lhe permitia comprar o contrato de arrendamento por 25 milhões – uma enorme oportunidade num dos mais importantes quarteirões do centro de Manhattan. Quando os construtores rivais souberam do negócio e ofereceram preços melhores, Trump lutou, ameaçando ir a tribunal se os administradores não honrassem a sua palavra.
Trump controlava agora o contrato de arrendamento do edifício que ele considerava ter «a melhor localização em todo o mundo» – mas precisava de duas outras peças: do terreno por baixo, que era da gigante dos seguros Equitable, e dos direitos para construir em altura, que eram controlados pela Tiffany & Co., a icónica joalharia, no edifício ao lado, cuja montra Audrey Hepburn namora no filme “Boneca de Luxo”, e onde Trump tinha comprado o anel de noivado de diamante para Ivana. Com o Grand Hyatt construído e aberto, Trump já não tinha de lutar pelos empréstimos. O Chase Manhattan adiantou‑lhe fundos para comprar os direitos por cima e por baixo da Bonwit Teller, mais $100 milhões para a construção. Trump persuadiu a Equitable, um dos credores do Grand Hyatt, a vender‑lhe o terreno em troca de 50 por cento das acções do projecto.
Der Scutt foi de novo contratado como arquitecto e desenhou um imponente edifício de contornos serrilhados que, visto de lado, parecia uma escadaria. Os apartamentos superiores da Trump Tower teriam duas vistas da cidade, uma razão para Trump cobrar preços mais elevados. A crítica de arquitectura do Times, Ada Louise Huxtable, elogiou a torre de vidro escuro, «uma estrutura dramaticamente atraente», com «28 lados brilhantes». As leis da cidade teriam bloqueado uma torre tão alta num terreno tão pequeno, mas Trump usou de forma inteligente os direitos de construção em altura da Tifanny e outras regras menos rigorosas dos projectos combinados de escritórios, lojas e residências, para se expandir para cima. A torre também aproveitou uma cláusula que permitia maior altura se o construtor providenciasse espaços públicos, como átrios. Os planeadores da cidade tinham‑se tornado desconfiados sobre os novos arranha‑céus, sobretudo numa altura em que o público se manifestava contra a falta de sol em Manhattan. Mas o desenho de Scutt e a capacidade de negociação de Trump venceram. Os responsáveis da cidade reduziram o projecto de 63 para 58 andares, mas Trump ficou com a última palavra, renomeando simplesmente os pisos para, no total, contabilizarem 68.
Primeiro, a elegante fachada da Bonwit Teller tinha de desaparecer. Mas alguns nova‑iorquinos adoravam o edifício art déco, sobretudo o trabalhado em bronze sobre a entrada e um par de esculturas em baixo‑relevo de quatro metros e meio, com deusas quase nuas a dançarem sobre a Fifth Avenue. («Um mau anúncio, poderia pensar‑se, para uma loja dedicada a roupa de senhora», escreveu um colunista de arquitectura da New Yorker, em 1930.)
Robert Miller, dono de uma galeria de arte do outro lado da rua, e Penelope Hunter‑Stiebel, a curadora do Metropolitan Museum of Art, acreditaram que conseguiam convencer Trump a preservar as peças, ao doá‑las ao museu a troco de uma avaliação generosa – estimada em mais de $200 mil – que ele poderia usar para descontar nos impostos. Hunter‑Stiebel tinha experiência a apelar ao sentido de história dos senhorios: o MET tinha adquirido do Rockefeller Center um elevador dos anos de 1930 que representava o estilo de arte moderna. Talvez Trump também cooperasse. Ele pareceu entusiasmado. «Isto vai ser um óptimo negócio!», disse Trump quando se encontraram no escritório dele.
Mas a 5 de Junho de 1980, Miller telefonou a Hunter‑Stiebel da sua galeria e disse‑lhe que podia ver os trabalhadores de construção em andaimes à porta da Bonwit Teller. Estavam a rebentar com as esculturas. Hunter‑Stiebel, grávida de nove meses, saiu a correr do MET, saltou para dentro de um táxi e, quando ficaram presos no trânsito, correu os últimos 10 quarteirões até à Bonwit Teller. Entretanto, no local, Miller ofereceu dinheiro ao capataz para poupar as esculturas. O capataz recusou, dizendo‑lhe: «O jovem Donald disse que há uma mulher estúpida na alta da cidade, num museu, que as quer e que nós temos de as destruir.» Hunter‑Stiebel chegou a arfar com «um horror incrédulo», recordou ela. «Estavam com um martelo pneumático a arrancar o pescoço de uma das figuras. Era inacreditável.»
«Construtor destrói as esculturas Bonwit», lia‑se na manchete de primeira página do Times da manhã seguinte. O artigo citava «John Baron», um «vice‑presidente da Trump Organization», que explicava que a empresa se tinha decidido pela demolição após três avaliadores independentes terem concluído que as esculturas não tinham «mérito artístico», valiam menos de $9 mil e teriam custado 33 mil a remover. John Barron – geralmente escrito com dois r – era um pseudónimo que Trump usava com frequência, quando não se queria identificar perante um jornalista. Dois dias depois, Trump, a usar o seu verdadeiro nome, falou sobre o incidente, dizendo que a remoção das esculturas teria custado mais de 500 mil dólares. «O meu maior receio era a segurança das pessoas que passavam na rua», insistiu ele. «Se uma dessas pedras tivesse resvalado, podiam morrer pessoas.»
O incidente tornou‑se o primeiro fracasso de relações públicas de Trump. «O Sr. Trump pode assumir que o vandalismo estético desaparece depressa da memória cívica», escreveu o Times no editorial. «Mas aquilo que ele destruiu com as esculturas foi a imagem pública que estava a construir com o seu novo arranha‑céus da Fifth Avenue.» Kent Barwick, presidente da Comissão para a Conservação de Monumentos Históricos de Nova Iorque, disse que a demolição estabelecia Trump como «um mau tipo, afinal de contas, certa ou errada, havia uma questão de confiança». Trump manifestou mais tarde «arrependimento» pela demolição e argumentou que tinha de avançar depressa com a demolição para evitar longos atrasos causados pelos conservacionistas históricos. Porém, no livro Trump: The Art of the Deal, disse que estava encantado com a reacção negativa da imprensa, porque tinha gerado publicidade grátis e ajudado a vender apartamentos. Nos anos de 1980, Trump disse que as esculturas «não eram nada» e eram «lixo». Uma década depois, visitantes da sua penthouse de 53 quartos repararam numa peça particularmente notável de baixo‑relevo na sua sala de jantar de dois andares: um painel de marfim esculpido.
A Bonwit Teller estava tão bem inserida entre os edifícios da Fifth Avenue que as equipas de construção não podiam usar ferramentas tradicionais de demolição, como a bola de demolição ou a dinamite. Em vez disso, o edifício histórico teve de ser desmantelado, peça a peça. Para realizar este extenuante trabalho, Trump recorreu à Kaszycki & Sons Contractors, que tinha dado um orçamento muito baixo. O trabalho foi feito por centenas de imigrante polacos sem documentos, conhecidos como a «brigada polaca». Os homens trabalharam durante a Primavera e o Verão de 1980 com martelos e maçaricos, mas sem capacetes, 12 a 18 horas por dia, sete dias por semana, a dormir muitas vezes no chão da Bonwit Teller. Ganhavam menos de cinco dólares à hora e às vezes recebiam em vodca. Muitos acabaram por não ser pagos e eram ameaçados com a deportação se se queixassem. Em 1983, no ano em que a Torre de Trump abriu, membros do sindicato Housewreckers Local 95 processaram Trump, acusando‑o de ter imigrantes ilegais a trabalhar na torre. John Szabo, um advogado de imigração que representava os trabalhadores, disse que um Sr. Barron – esse nome outra vez – lhe tinha telefonado da Trump Organization e o tinha ameaçado com um processo se os trabalhadores não abandonassem as exigências de ser indemnizados. Em 1990, após anos de adiamentos, Trump testemunhou que não sabia que os trabalhadores não tinham documentos. Culpou a Kaszycki & Sons.
O juiz decidiu contra Trump e o empreiteiro, dizendo que um dos principais assistentes de Trump na obra, Thomas Macari, «estava envolvido em todos os aspectos do trabalho de demolição». Trump apresentou recurso e conseguiu uma inversão parcial, mas o tribunal decidiu que Trump «devia saber» sobre os trabalhadores polacos. O caso acabou em 1999 com um acordo. Anos mais tarde, Trump chamaria à imigração ilegal «uma bola de demolição apontada aos contribuintes dos Estados Unidos».
Com a Bonwit Teller demolida, começou a sério a complicada construção da Trump Tower. Alguns dias depois da festa de inauguração do Grand Hyatt, Donald e Ivana tinham convidado Res para ir ao cintilante apartamento da Fifth Avenue. A sala de estar tinha uma vista deslumbrante sobre o Central Park e a mobília, as cortinas e os tapetes combinavam, com o mesmo tom de branco. Quando Ivana ofereceu a Res um sumo de laranja, ela recusou, com medo de deixar alguma nódoa. No Grand Hyatt, Res – com 1,65 metros, cabelo castanho pelos ombros, muitas vezes vista com um capacete, camisa de flanela, calças de bombazina e botas de trabalho – tinha‑se aguentado como uma das poucas mulheres na obra, onde os trabalhadores urinavam livremente contra as colunas e cobriam as paredes com desenhos grosseiros dela e de Ivana nuas. Mas embora Res soubesse que tinha ganho o respeito de Trump, não estava à espera do pedido que Donald lhe fez.
«Quero que tu construas a Trump Tower por mim», disse ele. O arranha‑céus teria as lojas mais glamorosas, escritórios topo de gama e os apartamentos mais luxuosos. Trump não tinha tempo para estar tão envolvido como tinha estado no Grand Hyatt. Precisava de alguém que fosse os seus olhos e ouvidos, uma «Donna Trump», como lhe chamou, encarregue da construção do «mais importante projecto do mundo». Res tornar‑se‑ia a engenheira‑chefe da torre, responsável por toda a construção, quando tinha apenas 31 anos. Era uma de muito poucas mulheres com uma função executiva no sector imobiliário, na altura, e Donald nomeou‑a apesar da objecção do pai de que aquele tipo de trabalho não era para mulheres.
Nos primeiros cinco andares da torre ficava uma galeria comercial. Sobre esta haveria 11 andares de escritórios, 38 andares de apartamentos de luxo e vários pisos de manutenção, para manter tudo a funcionar. Trump queria que a torre, ao contrário da maioria dos arranha‑céus com estrutura de aço, fosse construída sobretudo com betão reforçado, permitindo uma gestão mais flexível dos andares. A construção, disse Res, foi elaborada para ser de «alta velocidade», com equipas a começarem a trabalhar ainda antes de os desenhos estarem completos. As equipas trabalhavam seis dias por semana, colocando um piso de betão a cada dois dias. Um responsável pelo betão, Eddie Bispo, disse que o planeamento de construção era tão exigente que ele ia para o trabalho às seis da manhã e por vezes não saía antes das onze e meia da noite.
Os inquilinos diziam que Trump tentou intimidá‑los para os forçar a sair. Ele propôs trazer pessoas sem‑abrigo para viverem dentro de pelo menos 10 apartamentos que estavam vagos, mas a cidade declinou a generosa proposta.
A decisão de acelerar o trabalho obrigou Trump a cruzar‑se com o poderoso «clube de betão» de Nova Iorque, um cartel de sindicatos controlados pela Máfia e de empreiteiros que conspiravam para fazer subir os preços, bloquear os adversários e punir, com greves dispendiosas, os construtores que resistiam. Muitos outros construtores de Nova Iorque sentiam‑se, na altura, obrigados a entrar no mesmo tipo de acordos. O betão da Trump Tower vinha da S&A Concrete, na altura propriedade dos líderes de duas famílias do crime de Nova Iorque: «Fat» Tony Salerno, da família Genovese, e Paul «Big Paul» Castellano, dos Gambino (Castellano foi assassinado em 1985, à porta da Sparks Steak House, no East Side de Manhattan, num ataque da Máfia organizado pelo mafioso John Gotti). Roy Cohn tinha representado Saleno e outras personalidades da Máfia e conhecia outro chefe, John Cody, que mandava no sindicato Teamsters, que controlava os camiões de cimento. Documentos citados pelo Subcomité para a Justiça Criminal, em 1989, chamaram a Cody «o maior extorsionário de mão‑de‑obra, a aproveitar‑se da indústria da construção em Nova Iorque».
Em 1982, quando as greves sindicais congelaram as obras pela cidade, a construção da Trump Tower não parou um segundo. Quando a torre abriu, no ano seguinte, foram vendidos a Cody e à sua namorada, Verina Hixon, três enormes duplex nos pisos 64 e 66, mesmo por baixo da penthouse de Trump. Apartamentos esses que levaram dispendiosos melhoramentos, incluindo a única piscina interior da torre. Os engenheiros de estrutura de Trump fizeram o trabalho, incluindo desenhar uma moldura especial para acomodar a piscina. Durante seis meses após se instalar, Hixon teve 30 a 50 homens a trabalhar nos seus apartamentos todos os dias, a instalar cedros e roupeiros lacados, grandes espelhos e uma sauna, num custo total de $150 mil. Quando Trump resistiu a um dos pedidos de Hixon, ela telefonou a Cody e as entregas de materiais de construção no edifício pararam até as obras no apartamento recomeçarem.
Hixon destacava‑se entre a clientela incrivelmente rica dos apartamentos da Trump Tower. Num depoimento, em 1986, conduzido após ela ter falhado os pagamentos de um empréstimo de $3 milhões, Hixon disse que nunca tinha tido um emprego ou possuído uma conta bancária com dois dólares, e que não tinha poupanças, acções ou propriedades para além do seu apartamento na Trump Tower. Disse que o ex‑marido, um empresário rico do Texas, lhe dava 2000 dólares por mês de pensão de alimentos, pagava os 7800 de custos de manutenção mensal do apartamento e a escola do filho de 16 anos de ambos. Hixon disse que o seu apartamento estava na maioria por mobilar, com apenas um par de cadeiras e «mesas muito usadas», para condizer com a piscina interior. Tinha outra mobília armazenada, mas não se lembrava onde: «Algures na América, Brooklyn, sabe‑se lá para onde estas coisas vão?» Ela disse que nunca comia em casa e que preferia comer em bons restaurantes, incluindo o La Côte Basque, o La Grenouille e o 21. Como pagava isso tudo? «Tenho amigos ricos», disse ela. «Eles adoram convidar‑me.» Depois de Cody ter sido condenado por acusações de extorsão, em 1982, e enviado para a prisão, Trump levou Hixon a tribunal. Depois de ela ter falhado o pagamento de 300 mil dólares de manutenção dos apartamentos, Hixon abriu falência e os credores ficaram com os apartamentos na Trump Tower.
Intimado pelos investigadores federais, em 1980, Trump negou ter cedido os apartamentos para manter o projecto em construção. Cody, entretanto, disse que «conhecia Trump muito bem», acrescentando: «Donald gostava de negociar comigo através de Roy Cohn.» Após a morte de Cody, em 2001, Trump chamou‑lhe «um filho‑da‑mãe psicótico» e «escumalha».
Um passeio no parque
Ainda a torre estava a ser construída, já Trump estava a avançar com planos para construir um enorme complexo de apartamentos na ponta sul de Central Park. Em 1981, comprou dois edifícios velhos – o Barbizon Plaza Hotel e um edifício de apartamentos de 15 andares ao lado, no número 100 de Central Park South – por $13 milhões. Comprou‑os para os demolir, mas encontrou forte resistência dos inquilinos, desejosos de manter as suas casas de renda controlada. Trump descreveu os seus adversários como «milionários de casacos de vison e a conduzir Rolls‑Royce». Alguns dos resistentes eram séniores com rendimentos fixos, outros eram, realmente, estrelas bem na vida.
Os inquilinos diziam que Trump tentou intimidá‑los para os forçar a sair. Ele propôs trazer pessoas sem‑abrigo para viverem dentro de pelo menos 10 apartamentos que estavam vagos, mas a cidade declinou a generosa proposta. Os encarregados da manutenção ignoravam as torneiras a pingar e os electrodomésticos estragados e cobriam as janelas dos apartamentos vazios com folhas de alumínio feias. Um grupo de inquilinos acusou Trump de assédio, mas ele negou tudo. «Deixem‑me dizer‑lhes uma coisa sobre os ricos», disse ele. «Têm uma resistência muito baixa à dor.»
Após um impasse de cinco anos, Trump abandonou os planos de demolição e disse que ia reconverter o número 100 de Central Park South em 26 apartamentos de luxo. Os actuais inquilinos podiam ficar. O Barbizon Plaza Hotel estava fechado, portanto, os seus 950 quartos podiam ser convertidos em 400 apartamentos de luxo. No início de 1983, antes de Trump iniciar a reconversão, perguntou a Stephen N. Ifshin, um vendedor de imóveis comerciais de nicho, se ele conseguia encontrar um comprador tanto para o Barbizon Hotel como para o prédio ao lado. Ifshin estava convencido de que conseguia.
– Quero 100 milhões de dólares pelos dois edifícios juntos – disse Trump.
– É muito dinheiro – disse Ifshin, surpreendido por aquele preço tão elevado. Era um valor nunca antes visto no sector imobiliário de Manhattan, mesmo como um valor oficioso para pôr a circular entre clientes ricos, o chamado «número sussurro». Mas ser intermediário de uma venda destas poderia representar vários milhões de comissão para Ifshin, portanto, ele espalhou palavra de que os edifícios podiam ser comprados. Sherman Cohen, um negociador duro no mercado de propriedades de Manhattan, mostrou interesse e Ifshin marcou uma reunião no escritório de Trump. Antes de se sentar à mesa de conferências de Trump, Cohen acendeu um cigarro. Mas quando agarrou o cinzeiro que estava no meio da mesa, este não se mexeu.
– Donald – disse Cohen –, tem esta coisa aparafusada?
– Esta mesa de conferências vem do meu hotel, o Barbizon – disse Trump –, e nós aparafusámos todos os cinzeiros porque as pessoas estavam a roubá‑los como lembranças.
O sorriso de auto‑satisfação de Trump sugeria que ele estava apenas a proteger o seu investimento. Começaram a negociar e Trump anunciou, de forma firme, que os edifícios estavam à venda por 100 milhões de dólares.
– Quando refiro um preço, esse é o preço – disse ele.
Cohen respondeu que não tinha 100 milhões de dólares para oferecer, mas que podia chegar aos 90 milhões.
Eles estavam quase, mesmo quase, pensou Ifshin. Agora podia começar uma negociação a sério. Mas Trump agradeceu simplesmente a Cohen e repetiu o preço, 100 milhões, nunca menos. Cohen não disse mais nada. Trump não disse mais nada. E ficaram a olhar um para o outro, num impasse. A reunião acabou em menos de meia hora. Cohen foi‑se embora, mas Ifshin ficou perplexo.
– Porquê? – perguntou a Trump. – Porquê recusar uma oferta daquelas? Vocês estavam perto.
– Não era o que eu estava a pedir – disse Trump. – Nunca vendo por menos do que aquilo que peço.
Que absurdo, pensou Ifshin. Há sempre uma negociação. E depois Ifshin percebeu que tinha sido usado.
– Donald – disse ele. – Esta foi a sua forma de obter uma avaliação informal, de ver se alguém mordia o isco e por quanto. – Trump negou, mas Ifshin reagiu: isto tinha sido só um estratagema para saber quanto os edifícios podiam valer no mercado, e agora Trump sabia que valiam, pelo menos, 84 milhões.
– Deve‑me uma comissão por lhe ter arranjado uma avaliação informal do meu comprador – disse Ifshin. – Deve‑me 10 mil dólares.
Trump olhou para ele como se ele estivesse louco, mas disse‑lhe que o recompensava com um favor no futuro. Isso nunca aconteceu. Ifshin nunca mais lidou com Trump e Trump não vendeu os edifícios. «Ele não foi frontal», disse Ifshin. «Ele escondeu as suas intenções. E foi isso que me aborreceu – foi muito esperto, mas não correcto.» Ifshin concluiu que Trump era alguém em quem não se podia confiar, que não se importava com relações de longo prazo e que usava as pessoas. Trump ficou com os edifícios. O Barbizon foi mais tarde renomeado Trump Parc East e passou a ter lareiras a lenha, e o edifício de apartamentos tornou‑se o Trump Parc. Três décadas depois, o filho de Trump, Eric, viveu no décimo terceiro andar.
Era suposto o primeiro filho de Fred Trump, Freddy, suceder ao pai no negócio de família. Com os dois primeiros nomes do pai (Frederick Christ), Freddy era o primeiro foco das altíssimas expectativas do pai. (Freddy era o segundo filho, a seguir a Maryanne, a filha mais velha.) Freddy andou numa escola episcopal em Long Island, depois entrou na Lehigh University, onde a sua paixão era a aviação. Depois de se licenciar, em 1960, regressou ao escritório da Avenue Z e juntou‑se ao pai. Fred era um chefe rígido e o afável Freddy esforçava‑se para conseguir estar à altura das exigências do pai. Quando Freddy instalou janelas novas num edifício velho, durante a renovação, o pai repreendeu‑o por ser gastador. Freddy queixou‑se aos colegas da fraternidade que o pai não lhe dava valor.
Donald admirava o irmão mais velho. No início dos anos de 1960, Freddy levava Donald, na altura no liceu, em viagens de Verão para pescar na sua lancha Century. No dormitório da academia militar, Donald tinha uma fotografia com o irmão ao lado de um avião. No início, ao crescer na sombra do irmão, Donald competia pela afeição do pai. Mas assim que viu que o irmão não conseguia obter a aprovação do pai, Donald achou que faltava ao irmão a dureza para sobreviver na sua competitiva família. «O Freddy não era um matador», disse Donald, repetindo o termo que o pai gostava de usar para um filho bem‑sucedido.
Depois de um empreendimento proposto pelos Trump para o Steeplechase Park, em Coney Island, não ter avançado, Freddy deixou o negócio e foi trabalhar como piloto da Trans World Airlines. Aos 23 anos, casou com uma assistente de bordo e o casal teve dois filhos, Fred e Mary. Freddy parecia muito mais feliz do que tinha sido sob o jugo do pai. Donald, no entanto, não resistia a embirrar com a falta de ambição de Freddy e perguntava‑lhe: «Qual é a diferença entre aquilo que fazes e conduzir um autocarro?» O consumo de tabaco e de bebida de Freddy, que piorou quando tinha 20 e poucos anos, levaria Donald a evitar os cigarros e o álcool para o resto da vida. Freddy divorciou‑se e deixou de voar. No final dos anos de 1970, voltou a viver com os pais e era supervisor de uma equipa de manutenção num dos complexos de apartamentos do pai, em Brooklyn. Em 1977, Donald pediu a Freddy para ser o padrinho do seu casamento com Ivana, dizendo que acreditava que seria «uma coisa boa para ele».
A 26 de Setembro de 1981, Freddy, oito anos mais velho do que Donald, morreu de ataque cardíaco após anos de alcoolismo. Tinha 43 anos. Freddy foi enterrado em Queens, no talhão da família, num cemitério luterano. Donald chamou à sua morte «a coisa mais triste» por que já tinha passado. Disse que aprendeu com o fracasso do irmão a «manter‑se 100 por cento à defesa». «O homem é o mais perigoso de todos os animais e a vida é uma série de batalhas que acabam em vitória ou em derrota», disse Trump dois meses após a morte do irmão. «Não podemos deixar que as pessoas façam pouco de nós.»
Trump espalhou o rumor, publicado nos jornais de Nova Iorque, de que a família real britânica – Carlos, príncipe de Gales, e a mulher, a princesa Diana – estavam interessados em gastar 5 milhões de dólares para comprar um apartamento de 21 quartos, um piso inteiro da Trump Tower. Eles nunca apareceram.
A Trump Tower foi um êxito. Os seus 266 apartamentos, que começaram a ser vendidos no final de 1982, com preços a partir de $500 mil por um apartamento com um quarto, renderam no total $277 milhões, o suficiente para pagar todo o investimento ainda antes de o primeiro inquilino se instalar. Os compradores interessados encontravam‑se com Sunshine e Trump, que por vezes os levavam a dar uma volta pelo edifício. As brochuras de venda elogiavam uma entrada escondida para a 56th St., «totalmente inacessível para o público». Trump explicou a sua estratégia para conquistar os compradores dos apartamentos: «Vendemos‑lhes uma fantasia.» Muitas unidades foram vendidas como apartamentos corporativos ou como segunda habitação para estrangeiros ricos. Mas para a satisfação promocional de Trump, várias celebridades também compraram, incluindo Steven Spielberg, Michael Jackson e Johhny Carson, que acusaria dois trabalhadores da construção de lhe roubarem o seu casaco de lã de vicunha. Depois de Trump ter despedido os homens, Carson encontrou o casaco no roupeiro.
Trump espalhou o rumor, publicado nos jornais de Nova Iorque, de que a família real britânica – Carlos, príncipe de Gales, e a mulher, a princesa Diana – estavam interessados em gastar 5 milhões de dólares para comprar um apartamento de 21 quartos, um piso inteiro da Trump Tower. Eles nunca apareceram. Trump não confessou ter criado o rumor, que o Times atribuiu a «alguém do sector imobiliário», mas disse: «O rumor de certeza que não nos prejudicou.»
Para aumentar a imagem da torre, Trump procurou marcas de renome mundial para a galeria comercial. Os primeiros 48 inquilinos de retalho incluíam a Mondi (roupa), a Botticellino (moda), a Charles Jourdan (sapatos), a Buccellati (joalheiro italiano), a Ludwig Beck (cadeia alemã), a Harry Winston (joalharia) e a Asprey (joalheiro de Londres), e alguns pagavam rendas que chegavam a $1 milhão por ano. Nos primeiros anos, alguns dos inquilinos iniciais saíram, com dificuldades em ter lucro com os muitos turistas americanos de classe média que visitavam a torre.
Ao mesmo tempo que a fama da Trump Tower crescia, aconteceu a mesma coisa com os mitos sobre Trump. Em 1982, Trump entrou na primeira lista da Forbes das 400 pessoas mais ricas da América, com a revista a estimar que ele valia $100 milhões. Embora os negócios de Trump estivessem a aumentar a sua fortuna, o seu rendimento continuava muito modesto. Os investigadores de Nova Jérsia que o avaliaram para uma licença de casino disseram, em 1982, que Trump ganhara $100 mil por trabalhar para o pai, $1 milhão de comissão do Grand Hyatt, que tinha $6 mil em poupanças e uma linha de crédito de $35 mil no Chase, obtida com a ajuda do pai.
A torre, que alguns tradicionalistas de Manhattan desdenhavam como sendo um exemplo berrante dos excessos dos novos‑ricos, ganhou defensores, com o crítico de arquitectura do Times, Paul Goldberger, a admitir que tinha assumido que o edifício «seria ridículo, pretensioso e mais do que um bocadinho vulgar». Em vez disso, achou o átrio «caloroso, luxuoso e até emocionante […] o espaço público interior mais agradável que tinha sido construído em Nova Iorque nos últimos anos». Nos primeiros tempos da torre, havia sem‑abrigo nos bancos de mármore do átrio para ouvir a música. Trump arranjou seguranças e deu instruções aos jardineiros para cobrir os bancos com vasos de flores. Foi «algo cómico», recorda Res. «Todo este vidro e mármore na mais opulenta das torres, um músico brilhante a tocar no seu piano de 50 mil dólares, e os cidadãos mais pobres da cidade sentados nos seus sacos de papel a passar o dia.»
A Trump Tower enraizou Trump, o seu nome e a sua fama no firmamento de Manhattan, tal como ele tinha sonhado em criança, a olhar sobre a ponte de Queens. Ele mudou‑se para um escritório cor de mel no piso 26, onde trabalharia nas décadas seguintes, com a secretária de mogno feita à medida coberta de revistas com artigos sobre ele, as paredes cheias de prémios e tributos e uma vista espectacular do Plaza e do Central Park. Ivana mudou‑se para o escritório ao lado, pelo menos durante algum tempo (na fase de design, Trump pediu aos arquitecto para desenhar um segundo apartamento apenas para Donald, no caso de o casamento acabar). Em Março de 1984, os Trump – Donald, Ivana e os três filhos – mudaram‑se para a penthouse de três andares. O triplex de 53 quartos tinha uma sala de estar com nove metros de altura, instalações para as empregadas domésticas, murais no tecto com querubins renascentistas, lustres de cristal, uma fonte romanesca com controlo remoto, ónix azul da «África mais profunda e mais escura» e o seu próprio elevador. O casal tinha cada um a sua casa de banho: a de Donald era em mármore castanho‑escuro e a de Ivana em ónix cor‑de‑rosa translúcido. Trump reservou um apartamento por baixo da penthouse, com lareira, para os pais. Eles estavam quase sempre em Queens.
O Grand Hyatt tinha tornado Trump famoso em Nova Iorque. A Trump Tower tornou‑o famoso em todo o lado. A GQ avaliou as suas mãos («pequenas e bem tratadas»), a sua estatura («elegante, mas bem alimentado») e os seus instintos («eu sei o que as pessoas querem»). No programa Lifestyles of the Rich and Famous, o colosso da televisão, Robin Leach, disse que a mansão de Trump em Greenwich, no Connecticut, valia $10 milhões – três vezes mais do que ele tinha pago por ela «Acredito em gastar mais dinheiro do que as outras pessoas considerariam racional», disse Trump para a câmara.
Os bancos estavam finalmente a emprestar o suficiente para satisfazer o apetite de Trump. Em 1985, comprou uma mansão de 118 quartos, em Palm Beach, chamada Mar‑a‑Lago, com um empréstimo de $8,5 milhões. «Todos os financiadores eram obcecados com celebridades», disse Jon Bernstein, um antigo sócio da Dreyer & Traub, o principal escritório de advogados dos anos de 1980. «Todos eles queriam estar ligados a Donald Trump de qualquer forma que conseguissem.»
Última estação
Nesse mesmo ano, Trump regressou a um dos primeiros pedaços de imobiliário por que se tinha apaixonado em Manhattan – o grande terreno da Penn Central em Upper West Side. Comprou a propriedade a outro construtor, por $115 milhões, e declarou a sua intenção de construir o edifício mais alto do mundo, uma torre de 150 andares com vista para o rio Hudson, acompanhada por seis torres de 76 andares, 8 mil apartamentos, um centro comercial, 8500 espaços para estacionamento, 162 mil metros quadrados de parques e uma sede para a National Broadcasting Company, que Trump esperava atrair do Rockefeller Center. «A Cidade da Televisão» era, como dizia no comunicado à imprensa, «o mais grandioso dos planos do mestre construtor.»
Os vizinhos não iam admitir isso. Prometeram uma luta fortíssima. O Times chamou à proposta de Trump uma «tentativa de imortalidade». Os adversários alinharam‑se para barrar o caminho a Trump, criando uma organização sem fins lucrativos chamada Westpride, que realizou uma angariação de fundos que atraiu celebridades como o apresentador de televisão Bill Moyers, a feminista Betty Friedan e Robert Caro, o biógrafo de Lyndon Johnson. Passado um ano de batalha, Trump mudou de arquitectos e encolheu a sua planta. Ele e Koch entraram numa guerra verbal, com o construtor a chamar ao mayor «idiota» e um «desastre» para Nova Iorque. «Se Donald Trump está a guinchar como um porco entalado, devo ter feito alguma coisa bem», declarou Koch, antes de acrescentar: «Porquinho, porquinho, porquinho.»
Sob pressão financeira, Trump acabaria por desistir da sua ambição de construir o edifício mais alto do mundo. Aceitou o plano alternativo dos adversários, com menos de metade da densidade que Trump tinha proposto. Trump elogiou o novo plano numa reunião com Roberta Gratz, uma proeminente adversária, dizendo: «Isto é brilhante! Os meus arquitectos têm estado a desperdiçar o meu tempo durante anos.» Espantada por ouvir tal cedência, Gratz respondeu: «Donald, um dia quero ouvi‑lo dizer isso em público.» Trump agitou‑se na cadeira e não respondeu.
A 28 de Maio de 1986, Trump escreveu uma carta a Koch: «Caro Ed, durante muitos anos observei com espanto como Nova Iorque falhava repetidamente as suas promessas de terminar e abrir o Wollman Skating Rink.» Há anos que Trump olhava pela janela do escritório para o rinque encerrado em Central Park, chocado com a incapacidade da cidade de recuperar aquela instalação pública. Agora, ele estava disposto a fazer aquilo que a cidade não conseguia e, já agora, suplantar o mayor. A construção do rinque, prometia a Koch, «que essencialmente envolve colocar uma base de betão, não deve demorar mais de quatro meses».
Trump ofereceu‑se para pagar a construção e gerir ele próprio o rinque.
Koch escreveu‑lhe no mesmo dia, a dizer que ficaria «encantado» se Trump fizesse a obra de reparação, mas a rejeitar a sua oferta para gerir o rinque. E o mayor desencorajava Trump a tentar dar o seu próprio nome ao rinque: «Lembre‑se, a Bíblia diz que aqueles que fazem a caridade de forma anónima ou, se não for de forma anónima, sem requerer o uso dos seus nomes, são duplamente abençoados.»
Trump rapidamente transformou o projecto Wollman numa mina de ouro de tempo de antena gratuito. Deu meia dúzia de conferências de imprensa enquanto os trabalhos decorriam, o que irritou os responsáveis da Câmara. Quando o comissário dos Parques, Henry Stern, chegou à primeira conferência de imprensa, encontrou uma placa que dizia «Proprietário: Trump Ice, Inc.». Ordenou ao seu pessoal que removesse a placa. Em vez de dar o nome de Trump ao rinque, Stern ofereceu‑se para plantar uma árvore em sua honra. Os funcionários dos parques escolheram um pinheiro japonês de três metros, a que chamaram Árvore Trump. Por acaso, o construtor estava a chegar ao rinque na altura em que se preparavam para plantar a árvore. Furioso, gritou: «Digam ao Ed Koch e ao Henry Stern que podem enfiar a árvore nos rabos.» Trinta anos mais tarde, quando Trump estava a concorrer à Presidência, a árvore, agora com 12 metros, continuava ao lado do rinque.
Livre dos regulamentos burocráticos que tinham frustrado os esforços da cidade para reconstruir o rinque, Trump terminou‑o dois meses antes do previsto e abaixo do orçamentado, conquistando a batalha de relações públicas contra o mayor – e os corações de muitos nova‑iorquinos.
Em público, Trump tinha‑se tornado aquilo que sempre quisera ser: uma estrela. A revista Playboy chamou‑lhe um dos homens mais sexy da América e, em Março de 1990, ele foi capa da Playboy, encostado a uma modelo que o olhava com adoração.
Trump transformou aquela boa vontade numa nova onda de celebridade, retratando‑se como um negociador que consegue fazer coisas, alguém com gostos exuberantes de bilionário e com uma queda populista para conversa directa. O magnata da imprensa, Si Newhouse, reparou que as vendas da sua revista GQ dispararam quando Trump apareceu na capa, por isso, apresentou a Trump uma ideia: escrever um livro para a editora dele, a Random House. Escrito, na realidade, por Tony Schwartz, Trump: The Art of the Deal transformava a celebração de Trump do ego, da excelência e das ambições de expansão nos negócios num livro fácil de ler com receitas de sucesso. A sua bíblia de negócios incluía a alegria das reduções nos impostos, do poder de uma história sensacionalista e da importância de jogar com as fantasias dos clientes. O livro desfazia os críticos (a administração de Koch era «tanto amplamente corrupta como totalmente incompetente») e fomentava o seu currículo («os negócios são a minha forma de arte. Adoro fazer negócios, de preferência grandes negócios»). Fazendo eco do «pensamento positivo» do reverendo Norman Vincent Peale, Trump oferecia uma fórmula de 11 passos para o sucesso. No primeiro passo («Pense em grande»), Trump dizia que «muitos empreendedores de imenso sucesso» possuíam um nível de concentração a que ele chamava «neurose controlada».
Os críticos menosprezaram o livro, considerando‑o superficial, arrogante e de autopromoção. Um crítico do The Washington Post disse: «A falta de gosto do homem é tão grande quanto a sua falta de vergonha.» Mas nas primeiras semanas após o lançamento, o livro escalou para o topo das listas dos mais vendidos. Vendeu mais de um milhão de exemplares, em parte devido a um bombardeamento de publicidade que parecia uma campanha presidencial: Trump fez anúncios de página inteira nos jornais a exigir uma política de negócios estrangeiros mais dura nos EUA, fez um discurso em New Hampshire no auge da época das eleições primárias e distribuiu autocolantes a dizer «Eu adoro Donald Trump». Mas essa campanha não era para ser eleito, era para vender livros – e a ele próprio. «Foi tudo para ter muita visibilidade», disse Peter Osnos, que editou o livro na Random House. «Trump tinha esta necessidade de ser um nome realmente grande, por isso, cultivava a fama. Mas o estilo de vida dele era surpreendentemente pouco glamoroso. Ele é muito disciplinado em algumas coisas. Não fuma, não bebe, vive por cima da loja. Ele não foi uma grande figura do social em Nova Iorque, nunca foi. Ele gostava, simplesmente, de subir as escadas e ver televisão. Aquilo que lhe interessava era a fama e os negócios – construção, imobiliário, jogo, wrestling, boxe.»
Enquanto o império de Trump crescia, algumas das pessoas mais próximas dele notaram uma mudança. Tornou‑se mais distante, por vezes petulante, por vezes explosivo. Nos dias do Grand Hyatt, a Trump Organization, por maior que parecesse, vivia com um pequeno escritório e uma equipa reduzida: Sunshine, o advogado e conselheiro de Trump, Harvey Freeman, e um grupo restrito de agentes imobiliários, de advogados e de secretárias. A vaidade de Trump instilou um forte tribalismo na sua equipa: os funcionários, dizia ele várias vezes, eram os melhores. Embora mais tarde ficasse conhecido pela frase «Estás despedido!», Trump geralmente sentia‑se pouco à vontade a livrar‑se de um empre‑ gado. Se tinha de ser feito, ele preferia delegar a tarefa num subalterno. «Sentimos sempre que se a pessoa estivesse suficientemente próxima dele para ter de ser ele a fazê‑lo, então a pessoa tinha um emprego para toda a vida», disse Res.
No início dos anos de 1980, Res caminhava pelos passeios com Trump até às reuniões, a fazer conversa fiada sobre edifícios ou negócios. No final da década, quando Trump ia almoçar com outros executivos, ia rodeado por três guarda‑costas. O escritório tinha sido sempre competitivo, mas a porta para a sala de Trump ficava sempre aberta, mesmo quando estava a fazer telefonemas sob o falso nome de John Barron. Mas após os primeiros grandes sucessos, o humor em torno de Donald começou a mudar. Rodeou‑se, disse Res, de bajuladores que aplaudiam tudo o que fazia, em vez de questionarem a sua lógica. «Não era o mesmo Donald com que nos podíamos sentar na cavaqueira», disse ela. «Já não queria que o questionassem. Era uma estrela demasiado grande.» Começou a beber os refrigerantes diet por uma palhinha e só quando lhe eram entregues pela sua assistente, Norma Foerderer, porque tinha demasiado medo dos germes das outras pessoas. Os executivos começaram a chamar a Norma «o barómetro». Se Donald estava no escritório com um humor especialmente conflituoso, ela parava os visitantes, dizendo: «Não entrem aí.»
As exigências de Trump entraram numa espiral. Uma vez, por volta das duas da manhã, quando passava pelo Trump Parc de limusina, Trump viu uma lata de refrigerante caída no passeio perto da entrada. Telefonou a Blanche Sprague, responsável pelo desenvolvimento de projectos, e disse‑lhe: «Telefone‑me quando já lá não estiver.» Ela pediu a um empregado da manutenção para tratar disso e depois telefonou a Trump a informá‑lo. «Depois voltei a dormir até às seis horas, quando o Donald me telefonou sobre outra coisa qualquer», disse ela. Ao mesmo tempo que os negócios cresciam e se tornavam mais complicados, o mau feitio de Trump disparou. Após lhe terem dito que um projecto estava atrasado, ele pontapeou uma cadeira da sala de conferências. «Ele tem sempre de ter as coisas à sua maneira», disse Scutt, o arquitecto.
Alguns dos seus executivos mais próximos começaram a sair: o principal advogado de Trump em Nova Iorque, o responsável de vendas, o conselheiro financeiro, e até Res, a engenheira que tinha levantado o nome dele para o céu, a mulher que ele tinha nomeado «Donna Trump». Mas isto era tudo nos bastidores. Em público, Trump tinha‑se tornado aquilo que sempre quisera ser: uma estrela. A revista Playboy chamou‑lhe um dos homens mais sexy da América e, em Março de 1990, ele foi capa da Playboy, encostado a uma modelo que o olhava com adoração. A mulher de Trump não se manifestou contra a foto, pelo menos em público, mas algumas mulheres nos escritórios de Trump estavam desiludidas. «Acho que foi o princípio do fim de ele ser um homem de negócios sério», disse Res. «Ele passou a ser um desenho animado.» Arrojado, Trump adorou a publicidade. «O espectáculo é Trump», disse ele, «e as actuações estão esgotadas em todo o lado.»”
Fonte:http://observador.pt/especiais/primeiro-o-imobiliario-depois-a-capa-da-playboy-como-trump-conquistou-a-america/
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