O inevitável colapso
Em Os cinco estágios do colapso, pesquisador russo-americano Dmitry Orlov prevê o desmoronamento do atual sistema global, estruturado sobre especulações financeiras, endividamento e esgotamento de recursos naturais
Pablo Pires Fernandes
Publicação: 19/02/2016 04:00
Não, o mundo ainda não está acabando. O fim não está próximo. No entanto, há muitas pessoas que preveem mudanças radicais na maneira na qual vive a humanidade atualmente. Entre elas está Dmitry Orlov. Ele escreveu vários livros sobre a crise sistêmica global, bastante evidente, mas bem pouco discutida. O autor não se arrisca a dizer quando, mas garante que um colapso a nível planetário é inevitável.
Os cinco estágios do colapso é o título do livro de Orlov, lançado no Brasil pela Editora Revan. Resumindo sua tese: o sistema capitalista industrial, regulado pelos Estados Unidos e pela Europa, vai sofrer impacto e desmoronar. Seus argumentos são convincentes e os inúmeros exemplos que descreve corroboram de maneira inegável a sustentação de sua perspectiva. Seus livros alcançaram sucesso nos EUA e seu blog, acompanhado por leitores de todo o mundo, se tornou referencial sobre o tema.
Orlov aposta que a falência do modelo financeiro atual dará início a um ciclo de desestruturação de toda a sociedade. No livro, além da economia, ele discorre sobre outros quatro estágios do colapso: comercial, político, social e cultural. Dividida em capítulos que discutem cada estágio, sua obra é didática. Os escritos são difíceis de categorizar. Transitam pela política, economia, sociologia, mas são recheados de exemplos históricos pertinentes.
O subtítulo do livro é Kit de ferramentas para o sobrevivente e ele está falando sério. Embora não queira estimar quando o desastre ocorrerá, esse russo, que emigrou para os Estados Unidos ainda criança, se prepara para tal. “Muito da preparação é psicológica. É muito importante não se deixar afetar por uma crise nervosa ao se deparar com um colapso”, explica. Ele conta que vive em um barco a vela de maneira autossuficiente, o que lhe confere mobilidade e oferece um leque de opções para lidar com imprevistos.
Orlov acredita que, para lidar com o futuro colapso, a sociedade deve criar novas relações e promover uma completa reestruturação social e política. Como dica de sobrevivência, recomenda que as pessoas se organizem em grupos de pequena escala, autossuficientes, para lidar com o impacto das mudanças. Comunidades rurais, organizações de bairro, segundo ele, terão mais chance de absorver a crise global.
Formado em engenharia informática e linguística, por 25 anos se dedicou à pesquisa científica nas áreas de física energética e tecnologia de internet. Orlov relata que uma visita à Rússia, seu país natal, em 1996, o fez perceber que o que havia ocorrido com a União Soviética – que acompanhou com especial interesse – estava ocorrendo com os EUA, embora com certo lapso de tempo: “Grave déficit na produção de petróleo cru, déficit no comércio exterior agravante, orçamento militar enorme e dívida externa paralisante”, descreve.
Em um único parágrafo, por exemplo, descreve uma sequência histórica com impressionante objetividade: “E então veio o imperialismo ocidental, e os Estados-nação imperiais enriqueceram-se com a industrialização baseada em combustíveis fósseis, as economias de monocultura para produzir commodities e os mercados cativos para absorver produtos manufaturados. E, por fim, chegou a economia global, com finanças globalizadas, cadeias de abastecimento imbricadas espalhadas por todo o planeta e terceirização que desloca a produção para países de custo mais baixo. As instituições e corporações financeiras transnacionais suplantaram os governos nacionais como centros supremos do poder. Enormes desequilíbrios de comércio se expressam em pilhas de papel que representam a dívida pública, cujo valor deriva da capacidade governamental de continuar assumindo mais dívidas cada vez mais rapidamente; isso, por sua vez, só é possível quando há crescimento econômico sustentável”.
Entretanto, a economia global, depois da quebradeira de 2008, não dá qualquer sinal de sustentabilidade. Desde então, conforme relatório das Nações Unidas (2015), a taxa média de crescimento nas economias desenvolvidas teve queda de mais de 54%. Nesses países, o desemprego afeta cerca de 44 milhões de pessoas, 12 milhões a mais do que em 2007.
Além da crise econômica, o aquecimento do planeta também bate recordes históricos. O relatório divulgado esta semana pela agência espacial norte-americana (Nasa) afirma que o mês de janeiro registrou aumento de 1,13 grau na temperatura global, sobretudo no Ártico. Isso após a sequência de nove meses de aumentos acima da média histórica. Os dados recentes citados acima não constam no livro de Orlov, escrito em 2009. Sete anos depois, porém, os problemas apontados por ele se agravaram e reiteram suas previsões.
Para sobreviver ao caos
ENTREVISTA/DMITRY ORLOV »
"A 'tecnosfera' é uma ameaça à biosfera em vários aspectos, mas a ruptura climática, a degradação ambiental e o esgotamento de recursos naturais são os três principais"
Publicação: 19/02/2016 04:00
Por que o senhor acredita que o sistema global vai entrar em colapso?
Creio que o sistema global já está em colapso. O comércio global está regredindo e o mercado de commodities está muito volátil. Hoje em dia, o petróleo, especificamente, é muito caro para os consumidores ou muito barato para os produtores evitarem a falência. A produção convencional de petróleo alcançou um pico em 2006. Desde então, foi criado um déficit por causa do petróleo não convencional – principalmente, o petróleo de xisto e as areias betuminosas – nos EUA e no Canadá. Óleo de xisto é um recurso de pouca duração e parece que está no seu auge agora, enquanto as areias betuminosas não são rentáveis com a atual baixa no preço do petróleo.
Seu argumento se baseia, sobretudo, na lógica do capitalismo industrial e especialmente no sistema financeiro dos EUA, que tem regulado a economia global há décadas. Mas o capitalismo tem se reformulado constantemente. Por que agora estamos em um beco sem saída?
É uma questão de escassez. Todas as fontes naturais não renováveis têm sido esgotadas em grande escala, tornando impossível operar uma economia industrial. Isso se revela nos preços altos das commodities, que estagnaram o crescimento econômico. Não houve nenhum crescimento econômico real desde o colapso financeiro de 2008. Desde então, a relação total entre dívida e PIB no mundo subiu e agora se aproxima de 300%. O peso dessa dívida é insustentável e esse déficit nunca será reembolsado. Quando a bolha da dívida estourar, os bancos de todo o mundo vão se tornar debilitados e incapazes de honrar as cartas de crédito dos bancos parceiros (counterparty banks). Por isso, as mercadorias deixarão de ser enviadas. Isso, por sua vez, vai interromper as cadeias de abastecimento das fábricas, tornando impossível a manufatura de produtos. Este é o beco sem saída.
Como vê os movimentos europeus – e não apenas lá – que têm questionado o sistema econômico atual, dominado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial?
As instituições dirigidas pelos EUA (e, em menor medida, pela União Europeia) têm operado algo que funciona como uma bomba de riqueza, extraindo recursos e dinheiro das nações em desenvolvimento e dos países periféricos. No lugar de um colonialismo militar e industrial, é colonialismo financeiro puro. Isso foi estabelecido desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando os EUA se colocaram em enorme vantagem em relação ao resto do mundo. Desde o surgimento dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e sua habilidade de negociar entre si diretamente, sem passar por intermediários controlados pelos EUA, a habilidade de extrair recursos diminuiu de alguma forma, mas ainda é substantiva. A pior posição é a dos países do Leste da União Europeia (a maioria, antigos satélites da União Soviética, mas também Grécia, Espanha, Portugal, Itália e a antiga Iugoslávia), que entregaram sua soberania aos burocratas de Bruxelas, tornando-se vulneráveis.
O sistema democrático de representação tem sido colocado em xeque. Como o senhor vê o futuro da democracia?
Vejo um futuro brilhante para a democracia direta, praticada por pequenos grupos na escala de bairros ou vilas. Essas pessoas têm que ser gente que se conhece pessoalmente, o que limita o tamanho do grupo. Práticas similares podem ser seguidas por grupos de especialistas, em cooperação. Mas não vejo esperança na democracia enquanto a política for profissionalizada e a participação democrática for limitada a pinçar um representante entre um grupo de candidatos reconhecidos institucionalmente. Para mim, isso não é democracia, é mais pastoreio de gado.
Se considerarmos a falência do sistema democrático atual, quais seriam as opções?
Dado tudo o que ocorre no mundo, creio que é importante um recuo geral. As pessoas devem lidar apenas com aquelas que conhecem pessoalmente e se organizar em torno de pequenos grupos capazes de defender mutuamente e prover a si próprios com quase tudo o que precisam. Tais grupos podem ser democráticos e alcançar decisões consensuais. Isso está bem concebido e eu acabei de publicar um livro – 150 Strong: A pathway to a different future, de Rob O’Grady – que descreve, em detalhes, esse tipo de sistema e a justificativa para tal.
Como o senhor vê o papel da indústria bélica nesse contexto?
Vejo como uma batalha épica entre a “tecnosfera” e a “ecosfera”. É o tema do meu próximo livro – Shrinking the technosphere (Encolhendo a ‘tecnosfera’) –, que será publicado no segundo semestre. Se a “tecnosfera” prevalecer, a biosfera, que precisamos para viver, será destruída e todos nós morreremos. Se a “tecnosfera” falhar, muitas pessoas que dependem dela para sobreviver (especialmente nas cidades) vão morrer. Mas temos uma escolha: podemos determinar que tipo de tecnologia vai servir aos nossos interesses de longo prazo e encontrar meios de preservá-los, enquanto deixamos outros desaparecer. A “tecnosfera” é uma ameaça à biosfera em vários aspectos, demasiados para ser mencionados, mas a ruptura climática, a degradação ambiental e o esgotamento de recursos naturais são os três principais.
A crise migratória no Mar Mediterrâneo tem sido um exemplo de como os Estados-nação falharam. Por que essa lógica não funciona mais?
O número de Estados-nação que têm se tornado Estados falidos tem crescido a cada ano. Com essa taxa, em algumas poucas décadas não vão sobrar mais Estados-nação. O Estado-nação é uma invenção recente e, aparentemente, sua utilidade já se tornou ultrapassada. O que acredito haver esperança para o futuro é um renascimento do regionalismo – centrado em torno de grupos com população relativamente pequena, cujo principal compromisso não é com um Estado, mas com um lugar e, mais especificamente, com tudo e todos que moram lá. O que vemos com a crise dos refugiados é o resultado de um processo: primeiro, uma população com raízes regionais é extraída de seu lugar para ser absorvida por um Estado-nação. Depois, esse Estado-nação sucumbe e essa mesma população explode através das antigas fronteiras nacionais feito sementes de mamona. Isso vai levar a um conflito permanente, a menos que as pessoas achem um meio de se recolocar, se enraizar novamente, se unir àqueles com afinidades e que tenham senso de compromisso similiar a um lugar e a um povo.
Quais são as maiores preocupações para evitar um desastre em nível planetário?
As maiores preocupações são se antecipar a uma falha sistêmica do sistema financeiro. Vimos um período de preços extremamente altos da energia, o que achatou os consumidores em todo o mundo, causou um grande colapso financeiro e só pode ser compensado por um rápido aumento dos níveis de dívida ao redor do mundo, o que leva a um ponto em que outro colapso financeiro parece inevitável. Hoje, estamos em uma situação na qual os produtores de petróleo estão falidos e não serão capazes de sustentar os atuais níveis de produção. Isso quer dizer que o preço do petróleo voltará a subir, mas, desta vez, não haverá reservas para amortecer o impacto. Isso pode ser um choque suficiente para minar todo o sistema. Países vitais para o sistema global de energia estão em colapso. No México, a Pemex (empresa estatal de petróleo), que foi o motor do desenvolvimento econômico do país nas últimas décadas, está se desintegrando. A Arábia Saudita, maior exportador de petróleo, está ficando sem dinheiro, água e pessoas sãs, tudo ao mesmo tempo. A Venezuela é um desastre econômico. Quantos fracassos serão necessários para que todo o sistema energético global pare de funcionar?
Qual o papel da Europa, da Rússia e da China nesse contexto?
A Europa tem demorado a se dar conta de que a União Europeia (UE) é, essencialmente, uma experiência fracassada. Nas partes mais prósperas da Zona do Euro, no Norte, as pessoas têm vivido demasiadamente confortáveis por muito tempo e dependentes dos políticos e da mídia controlados pelos EUA para perceber o que está ocorrendo. Nesse meio tempo, a Rússia e a China foram capazes de ganhar tempo para crescer e se tornar independentes. Eles se reorientaram para fora da esfera dos EUA e da UE. Recentemente, os EUA e a UE ficaram chocados ao se dar conta de que de que a Otan – mesmo sem gastar quantidades enormes de dinheiro com defesa – não tem mais capacidade militar do que a Rússia e a China juntas. Se tudo correr bem, a consciência desse fato deve limitar qualquer nova aventura da Otan (como fizeram no Iraque, Líbia, Ucrânia e planejavam fazer na Síria até a Rússia se envolver).
Qual a sua opinião do papel do Brasil nesse quebra-cabeça?
Espero que o Brasil encontre um caminho para uma sociedade e uma economia mais resiliente. Isso será difícil e vai requerer uma abordagem diferente da ditada pela comunidade internacional dos países ricos e pela oligarquia financeira. Mas espero que seja possível. Como muitos países populosos, existe uma grande população urbana que está em risco em qualquer cenário de colapso. E as áreas rurais foram suprimidas de camponeses que podem sobreviver por meio da agricultura de subsistência. A paisagem rural se rendeu ao agronegócio, que vai se fechar assim que perder a capacidade de assegurar seus ganhos e perder o acesso aos mercados de exportação para seus produtos. Para sobreviver no mundo que, para mim, me parece inevitável, o Brasil deve mudar o slogan de sua bandeira para “desordem e regresso”. Mas, dessa desordem e regressão pode nascer um novo começo e um novo modo de ser.
Fonte:http://impresso.em.com.br/app/noticia/toda-semana/pensar/2016/02/19/interna_pensar,172997/o-inevitavel-colapso.shtml
http://impresso.em.com.br/app/noticia/toda-semana/pensar/2016/02/19/interna_pensar,172998/para-sobreviver-ao-caos.shtml
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