Sou francês muçulmano e estou cansado e com medo
Marwen Belkaid-Publicado:
Faz só dez meses, depois dos ataques contra o Charlie Hebdo e o supermercado Hyper Casher, que dissemos "basta".
Tinha sido a gota d'água. Agora, é uma torrente. Uma torrente de lágrimas, mas também uma torrente de sangue que movimenta o moinho do ódio e da intolerância. Nessa época trágica, é difícil pensar, se concentrar. Entender o que aconteceu não é apenas difícil, é praticamente impossível.
É praticamente impossível entender que 129 pessoas como eu e você estejam mortas, que qualquer um de nós pudesse ser uma das vítimas. É difícil dar-se conta de que o derramamento de sangue aconteceu em Paris, não numa cidade distante.
"Esses fantasmas querem derrubar não só a França, mas também o Islã e os muçulmanos."
"No amanhecer, quando o interior do país estiver branco / Vou partir", escreveu Victor Hugo em As Contemplações. Hoje, muitos de nós gostariam de encontrar a salvação nestas palavras, fugindo deste mundo.
Sofremos um golpe duríssimo. Não foram só as vítimas que ficaram feridas. Perdemos a esperança em um mundo melhor, no qual todos possam viver em paz, a despeito de cor ou religião. Mas a coisa mais assustadora, voltando ao poema de Victor Hugo, é que não podemos prever o futuro.
Nesse momento, estamos presos num eterno presente.
Não costumo me definir pela minha religião. Me considero primariamente francês. Mas hoje quero me expressar como um jovem muçulmano.
Por quê?
Porque, como francês muçulmano, fiquei completamente chocado com os ataques e porque esses fantasmas querem derrubar não só a França, mas também o Islã e os muçulmanos. É por isso que hoje estou cansado e com medo.
Cansado...
Estou cansado de ver meu país atacado. Cansado de vê-lo atacado por causa de seus valores centrais. Em sua literatura, o ISIS descreveu Paris como a "capital das abominações".
E, na sexta-feira 13 de novembro, o grupo atacou a alegria de viver, o simples prazer de ir a um show, tomar uma taça de vinho, curtir um jogo de futebol. É isso o que eles abominam: nossa liberdade, nosso orgulho.
Estou cansado de ser alvejado por causa dos valores fundamentais que nos fazem ser quem somos.
Cansado de dizer para mim mesmo que eles podem atacar a qualquer momento; que não vamos parar de viver por causa deles, pois isso só lhes daria mais motivos para lutar. Toda geração promete mudar o mundo, mas a nossa, não.
Estou cansado de lutar para impedir a ruína do nosso mundo, da nossa sociedade. Este é o desafio diante de nós. Hoje somos todos Atlas, carregando o mundo em nossos frágeis ombros.
E você, ISIS, vocês, terroristas, estou cansado de suas ações que aviltam a religião muçulmana - uma religião que ensina a seus seguidores que matar um homem é matar toda a humanidade.
Cansado de ter de repetir, por sua causa, que o Islã não exige que os muçulmanos matem as pessoas que amam a vida. Cansado de vê-los forçar outros muçulmanos a lutar e morrer em nome de sua versão deturpada da religião.
Cansado de saber de Adel, o jovem libanês que sacrificou sua vida para impedir que um de seus homens-bomba explodisse uma mesquita em Beirute.
Cansado de ouvi-los gritando "Allahu Akbar" toda vez que cometem um crime.
Vocês dizem que Deus é grande, e eu concordo. Mas, se Ele for grande como vocês acreditam, acham mesmo que precisa que vocês, bando de vermes, proclamem Sua grandeza?
"Reconhecemos que tu és o Mensageiro de Deus. Porém, Deus bem sabe que tu é Seu Mensageiro e atesta que os hipócritas são mentirosos" (63ª surata)
Isso é o que diz o Alcorão. Então leiam o Alcorão, em vez de sujar suas mãos de sangue. Estou cansado de vê-los deturpando minha religião, pois, como escreveu Camus em suas Cartas para um Amigo Alemão, "o que nos faz mais sofrer é ver ridicularizadas as coisas que amamos".
Com medo...
Desde sexta à noite, sinto medo. Mas não comemore tão cedo, ISIS. Não tenho medo de vocês. Tenho medo que seus atos inomináveis dividam meu país.
Tenho medo que vocês atinjam seu objetivo máximo: lançar sombras sobre os muçulmanos do Ocidente, para que eles sejam todos considerados terroristas em potencial.
Na verdade, o que mais me dá medo é que vocês criem uma luta maniqueísta, forçando o mundo a se dividir entre nós e vocês.
Tenho medo de retaliação. Tenho medo que o ciclo de violência tenha começado e que radicais de todos os tipos permeiem nossa sociedade. Porque, no fim das contas, o que o ISIS quer destruir, os laços sociais e a sociedade francesa, vamos destruir nós mesmos, como em Racines du ciel, de Romain Gary:
"Queria fugir de todas as coisas que vocês aprenderam conosco e que cedo ou tarde vocês inocularão na alma da África - conquistar esse objetivo vai exigir um nível de opressão e crueldade que vai fazer o colonialismo parecer água de rosas, algo que só Stálin sabia fazer, mas lhe confio o seguinte:Me preocupo com os reacionários e extremistas que vão aparecer. E também tenho medo das respostas idiotas que eles vão ouvir dos extremistas do outro lado. Tenho medo que meu país se renda às sirenes do ódio.
Você fará o melhor e conquistará definitivamente a África para o Ocidente."
Que meus compatriotas permitam que a França ignore sua moral e responda ao ódio com ódio. Que enfrentemos o fogo com fogo, as balas com balas, que abramos mão da inteligência e da razão. Temo que a espada responda à espada, a despeito da coragem, mesmo que a coragem e a espada sejam invencíveis.
Tenho medo que meu país se reduza a dualidades maniqueístas, que a lente do bem seja substituída pelo olhar suspeito. Não esqueçamos que "o bárbaro é o primeiro a acreditar em barbárie", nas palavras de Levi-Strauss. Tenho medo que nos esqueçamos dos valores que herdamos de nossa história.
Estou cansado e com medo, mas não perdi a esperança. Quem não conhece o medo não pode ser corajoso.
Hoje, me sinto cercado por uma multidão de pessoas como eu, profundamente afetadas por esses ataques. Juntos, somos invencíveis. Unida, a humanidade vai vencer esses ideólogos da morte.
"Coragem", disse o grande Jaurès, "é buscar a verdade e afirmá-la; não se submeter à lei da mentira triunfante e não deixar ecoar em nossos corações e mentes o regozijo dos imbecis e dos fanáticos".
Meus amigos, sejamos corajosos. Mais que nunca, é a hora.
Post publicado originalmente no blog do autor e republicado no HuffPost France
Fonte:http://www.brasilpost.com.br/marwen-belkaid/sou-frances-muculmano-e-e_b_8603790.html?
Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost FR e traduzido do francês.
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