‘Religião é como um vírus de computador’, afirma
Dawkins no Fronteiras do Pensamento
Richard Dawkins abriu
a temporada do Fronteiras 2015 traçando paralelos entre evolução e economia: o
biólogo descreveu a chamada corrida armamentista evolutiva
Um dia depois de conceder uma entrevista exclusiva a GALILEU no hotel em que estava hospedado em
São Paulo, o biólogo britânico Richard Dawkins palestrou para um auditório
lotado no Complexo Ohtake Cultural e abriu a temporada de 2015 do Fronteiras do
Pensamento na cidade. Na noite desta quarta (27), Dawkins usou vários exemplos
retirados da natureza para ilustrar um conceito que nos é familiar das aulas de
história, só que, neste caso, aplicado à biologia evolutiva. “Predadores e
presas estão amarrados a uma corrida armamentista, em que se empurram
mutuamente na mesma direção”, disse. Assim como a obtenção de soberania militar
aumentaria as chances de uma nação sobreviver a uma guerra, essa corrida
evolutiva teria um único e inabalável objetivo - a sobrevivência do indivíduo
mais apto e a consequente transmissão de seus genes, bem-sucedidos do ponto de
vista da seleção natural, para as gerações seguintes.
Um dos
casos utilizados pelo biólogo na conferência é razoavelmente semelhante com a
maneira como descreveu a visão aérea de São Paulo, que chamou sua atenção
momentos antes de seu avião pousar. Em uma carta publicada ontem no site de sua
fundação, Dawkins comparou a cidade a outras megalópoles parecidas dos Estados
Unidos, onde existem alguns aglomerados de edifícios altos cercados por áreas
suburbanas menos verticalizadas. “São Paulo é o oposto. Uma floresta de prédios
altos parece se estender de horizonte a horizonte, com poucas clareiras
pontilhadas. E a cena toda é enevoada com o que me foi dito ser poluição”,
escreveu. Um pouco como a especulação imobiliária paulistana, que estimula a
construção de prédios cada vez mais altos, a natureza opera um processo
semelhante nas florestas - se uma árvore cresce acima da média, estimula o
crescimento das demais. O motivo da competição, como não poderia deixar de ser,
é a sobrevivência.
Economia da sobrevivência
No contexto de uma floresta, quanto mais alta
for uma árvore, maior será a quantidade de luz que vai receber e, portanto,
produzirá mais alimento. Se as outras não crescerem também, vão ficar em
regiões sombreadas e correm o risco de não sobreviver. “As árvores só são altas
para serem mais altas do que as outras”, afirmou o cientista, entre comparações
em que dizia que a economia natural é movida a energia solar e que, sob o ponto
de vista econômico, a altura das árvores é um desperdício. “Elas crescem muito
mais alto do que um planejador econômico recomendaria”, disse. Ainda traçando
paralelos, como bom divulgador de ciência que é, Dawkins relacionou a situação
com a de um estádio - quando uma única pessoa se levanta, obriga todas as demais
a se levantarem também para conseguir enxergar. “Se ao menos todos concordassem
em se sentar, teriam a mesma vista e mais conforto”, apontou, em uma provável
referência ao tema geral do Fronteiras deste ano: como viver juntos?
Talvez
para a decepção de muitos que o assistiam, o polêmico biólogo só alfinetou os
religiosos uma única vez durante sua palestra. Ele citou um aspecto da corrida
armamentista evolutiva que “pode aborrecer os que gostam da teoria do designer
inteligente” - no caso do guepardo e da gazela, o primeiro parece ter sido
desenhado para caçar a segunda. “De que lado está o designer?”, provocou,
arrancando risadas da plateia. Falando em guepardos, outro aspecto explorado
nas pontes entre economia e evolução foi a questão do risco e da priorização de
recursos na velocidade dos animais. “Pernas compridas e finas são boas para
correr, mas também para quebrar”, observou Dawkins. Para a presa, uma perna
quebrada pode significar o assassinato, e para o predador, a morte pela fome.
Uma boa referência para entender o que explicava, segundo o cientista, seriam
as ideias do maior teórico do liberalismo. “Se for pra fazer analogias
econômicas, temos que pensar na mão invisível de
Adam Smith”.
E as polêmicas?
Apesar de ter proferido uma conferência
interessante, foi na hora das perguntas do público que Richard Dawkins trouxe à
tona sua verve polêmica e apresentou algumas das reflexões mais instigantes da
noite. Quando questionado sobre sua posição a respeito do aborto de fetos com
Síndrome de Down, o biólogo reforçou que não condenava a prática do ponto de
vista ético, e um dos argumentos que usou para se justificar foi que um grande
número de mulheres recorriam ao procedimento nesses casos. A polêmica surgiu no ano passado depois da seguinte resposta
de Dawkins no Twitter: “Aborte [o feto com Down] e tente
de novo. Seria imoral trazê-lo ao mundo se você pudesse escolher”.
É claro
que a declaração provocou uma enxurrada de críticas e pegou bem mal, tanto que
o cientista publicou um texto logo no dia seguinte explicando melhor
sua posição. Basicamente, para ele, seria imoral do ponto de vista do
sofrimento da criança. Outra resposta polêmica a um questionamento da plateia
foi, é claro, sobre religião. Dawkins afirmou que “a religião é como um vírus
de computador”, pois se aproveita de traços psicológicos criados pela evolução
que favoreciam a sobrevivência dos nossos ancestrais, como a crença na
sabedoria tribal e o respeito pela autoridade. “Elas exploram os bons aspectos
da maquinaria cerebral humana, que são acreditar e obedecer”, disse.
Quanto ao
seu “grau de descrença”, em uma escala de um a sete, ele afirmou que está em
seis. “Nenhum cientista pode afirmar com cem por cento de certeza que algo não
exista, porque alguém pode achar evidências”, explicou. Mas não se engane: como
acrescentou em seguida, para o biólogo, Deus está no mesmo plano que os
unicórnios e as fadas. Quando indagado sobre se o ateísmo não é, em si, uma
forma de fundamentalismo, a resposta foi afiada. “Se alguém me mostrar
evidências boas sobre a existência de Deus, estou pronto para mudar de ideia -
e isso não é fundamentalismo”. Ao comentar o dado de que 40% da população dos
EUA acredita que a Terra tenha sido criada há apenas 10 mil anos, Dawkins foi
categórico, no melhor estilo Dawkins: “é como se uma nação que está entre as maiores
potências científicas mundiais fosse dividida em duas espécies, sendo que uma
delas é de ignorantes idiotas”.
Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Biologia/noticia/2015/05/religiao-e-como-um-virus-de-computador-RICHARD DAWKINS ABRE FRONTEIRAS DO PENSAMENTO 2015 (FOTO: DIVULGAÇÃO)
DAWKINS PALESTROU PARA UM AUDITÓRIO LOTADO (FOTO: DIVULGAÇÃO)
DAWKINS FALOU SOBRE A CORRIDA ARMAMENTISTA EVOLUTIVA (FOTO: DIVULGAÇÃO)
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