NEI JIA : O KUNG FU INTERNO


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Nei Jia: O Kung Fu Interno





Atualmente estima-se que existam cerca de 300 estilos de kung fu. A riqueza marcial chinesa é tão vasta que acabou se tornando mais simples abraçar dezenas de escolas e estilos em um único termo. Existem, é claro, explicações culturais para isso, como o fato da China em sua história recente ser um país refratário à troca de informações com o mundo e também a inclinação (por razões socio-políticas) para a reserva e o esoterismo das famílias e dos mestres que vieram no século passado para o Ocidente.
As artes marciais chinesas costumam ser divididas em estilos de acordo com sua localização geográfica (Norte e Sul), desenvolvimentos familiares, formas imitativas (animais, conceitos, objetos) e diferenças relativas à linearidade e circularidade dos golpes. A distinção mais utilizada é a que é feita entre os estilos Interno (Nei Jia), que coloca ênfase no fluxo de energia, controle corporal e concentração, e Externo (Wai Jia), que tem foco prioritário na força muscular e na mecânica dos golpes.
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Mapa da China com a província de Hubei, berço do Nei Jia, destacada em vermelho e a de Henan logo acima
O Estilo Externo é comumente identificado com o Templo Shaolin de Henan e com as técnicas do Norte e o Interno com o mosteiro taoista da Montanha  Wudang, na província de Hubei, e com as características do Sul. Esse tipo de generalização, entretanto, apresenta muitos problemas.
Um deles diz respeito à ideia de que os estilos do Sul são de linhagem eminentemente taoista e não tem vinculação com a tradição Shaolin (e com o Budismo Chan-Zen). No Sul, a tradição Shaolin deu origem a muitas linhagens familiares, como o Hung Gar, o Choy Gar e o Lay Gar. E também  a estilos que guardam uma identidade profunda com a filosofia Chan, como o Choy Lay Fut, que foi criado a partir da mescla de técnicas do Lay Gar com as dos monges budistas Choy Fook e “Grama Verde” – que transmitiu a seu criador Chan Heung a técnica da “Palma de Buda” ou “Fut Gar”.
Outro problema é a ideia equivocada de que todo estilo interno veio necessariamente de Wudang e, por fim, a maior distorção: a de que os estilos internos não são marciais, ou seja, não apresentam características yang, não se prestam ao combate. Estes tipos de simplificação tornam comuns frases como a que diz: “Externo no Norte, Interno no Sul”.
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Sakyamuni, Lao Tsé e Confucio representados em obra do período Ming
Na China, e também no Japão, as artes marciais guardam uma relação íntima com a espiritualidade. Ao longo dos séculos as três principais correntes espirituais chinesas, o Budismo Chan, o Confucionismo e o Taoismo, se mesclaram e influenciaram mutuamente.  O Nei Jia é vinculado cultural e espiritualmente ao Taoismo (doutrina que tem como base os escritos de Lao Tsé e Zhiang Zi) e a noções como a Teoria dos Cinco Elementos, o Yin e Yang, geração e direcionamento do chi (qi),  alquimia taoista, medicina tradicional chinesa e I Ching.
Este artigo, que vou dividir em quatro partes, vai enfocar os três maiores e mais conhecidos Nei Jia, o Xingyiquan, o Bagua Zhang e o Taijiquan (que juntos são chamados de “Dragão Interno”), de forma objetiva e sucinta sem se aprofundar em suas faces espiritual e filosófica.
 Abaixo três docs panorâmicos sobre Nei Jia
Opening Dao – Doc sobre Artes Marciais Taoistas
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New Frontier HQ Chinese Kungfu (06) Wudang Kungfu

Kung Fu Quest – Wudang ep 1 eng sub

Nei Jia: O Kung Fu Interno II – Xingyiquan



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Como ocorre com a maior parte dos estilos mais antigos, a criação do Xingyiquan (Hsing I Chuan) é alvo das distorções comuns às lendas. Alguns documentos datam sua origem no período da Dinastia Liang (502-557) no Templo Shaolin. Outra corrente sustenta que foi criado pelo General Yue Fei para treinar seu exército durante a Dinastia Song do Sul (1127-1279) a partir do estilo esotérico Xinyiba do Templo Shaolin. A maior parte dos textos de estudiosos concorda que é um estilo que veio de fora do Mosteiro Wudang.
Mesmo que não tenha sido seu criador de fato, Yue Fei é considerado como tal por ter escrito as teses que organizaram o Xingyiquan como um sistema de treinamento eficiente. Além disso, Yue era também um mestre de chi kun,  a ele é creditada autoria da obra “Chi Kun dos Oito Brocados” (Ba Duan Jin) e também o estilo de kung fu Garra de Águia da família Yue.
No intervalo entre as dinastias Song e Ming o rastro do estilo foi perdido e só voltou a se tornar popular em meados da Dinastia Qing (1644-1912). No século XIX, o grão mestre Li Luo Neng recodificou o estilo com base no sistema Xinyiquan que aprendeu na Província de Shanxi.
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Mural do Mosteiro de Henan (acima e abaixo): dados históricos apontam a origem Shaolin do Xingyi
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Dentre as artes internas, o Xingyiquan talvez seja a mais marcial de todas, no sentido de se prestar de maneira objetiva ao combate – embora este tipo de valoração seja particularmente ineficaz no kung fu, arte na qual a eficiência depende muito mais da perícia do praticante do que do estilo.
O Xingyi pode ser traduzido livremente como “Boxe da Intenção e da Forma” ou “Boxe do Corpo e da Mente”; Xing significa forma, corpo ou estrutura, Yi, intenção, mente ou pensamento e Quan, boxe ou punho. Alguns se referem a ele também como “Boxe do Coração e da Mente”. Por sua agressividade e explosão nos ataques lineares é conhecido ainda como “Boxe Impiedoso”. Não por acaso o estilo foi por muito tempo a arte marcial mais praticada pelos soldados e guarda costas da China.
Considerada a “cabeça” do “Dragão Interno”, o Xingyiquan é baseado nas formas animais, que variam de 10 a 20, e na Teoria dos Cinco Elementos da cosmologia taoista (adotada na filosofia e na Medicina Tradicional Chinesa). O estilo utiliza os elementos Madeira, Fogo, Terra, Metal e Água como símbolos dos padrões de ataque e reação no combate.
Seguindo a Teoria dos Cinco Elementos os praticantes adotam uma estrutura de combate que se divide em três ciclos aleatórios: o construtivo, o neutro e o destrutivo.  A forma de se comportar na luta, o jogo de pernas, as posturas e golpes, o uso das técnicas defensivas e de ataque são determinados pelo ponto do ciclo em que se encontram. Cada um dos cinco elementos (madeira, fogo etc.)  se exprime por via de um set de técnicas e aplicações que lhe permite ser usado para se defender contra todos os elementos (incluindo ele próprio).
Kung Fu Quest 2- Xing Yi Quan ep 1 (eng sub)

Xingyiquan

Xing Yi Application

Xing Yi Quan ( Hsing-I, 河北形意拳 ) 5 Elements and Linking form

Nei Jia: O Kung Fu Interno III – Baguazhang (Pa Kua Chang)



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O estilo da Palma dos Oito Trigramas, Baguazhang, foi estruturado na Dinastia Qing, meados do século XIX, pelo mestre Dong Hai Chuan. O sistema é um dos que possui características mais marcantes e distintas no kung fu. Contrariamente ao Taiji e ao Xingyiquan, que usam técnicas de palma e punho, o Bagua utiliza unicamente a palma para aplicar seus golpes. Outra característica do estilo, e que se relaciona a seu nome, é a movimentação que segue o padrão do símbolo Bagua do I Ching (o Livro das Mutações, um dos maiores clássicos chineses).
A postura básica é baixa e a movimentação é feita de forma circular com mudanças constantes de direção e de posicionamento das palmas, cada uma correspondendo a um dos trigramas. Os oito trigramas representam as quatro direções cardeais e as quatro angulares – nesse particular o Baguazhang também difere do Xingyiquan, que possui ataques lineares. A técnica de movimentação circular tem três objetivos: confundir, esgotar e absorver o chi de maneira uniforme nas quatro direções.
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Como a maior parte dos Nei Jia, o Baguazhang é extremamente complexo e sofisticado em sua técnica
O estilo também utiliza muito o Chin Na, técnica de agarramento, imobilização e controle dos adversários – Chin, agarrar, apanhar e Na, controlar, prender.  A técnica data de milhares de anos e consta de golpes aplicados em pontos de pressão e distensão das articulações, tendões e músculos com o intuito de neutralizar o oponente; existem 108 pontos. Os golpes vão da simples pressão à projeção e sua perícia não deriva unicamente da mecânica, mas do domínio no uso dos canais e meridianos de chi.
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O “feto imortal”  cultivado no Dantien em ilustração de O Segredo da Flor de Ouro
A ênfase na circulação e projeção do chi é um dos traços do sistema e a técnica utiliza como fonte de energia o Dantien, ponto localizado logo abaixo do umbigo. Vital na prática de muitos estilos de kung fu e em artes japonesas como o Aikido (que possui técnicas muito semelhantes ao Baguazhang e ao Xingyiba), o Dantien (Hara Tanden no Japão) significa literalmente “Campo de Cinábrio”. Cinábrio é um mineral comum na China – de onde é extraído o mercúrio – utilizado na alquimia taoista como símbolo da transmutação dos processos espirituais.
Assim como o Choy Lay Fut, o Baguazhang é indicado para a luta com adversários múltiplos pelo seu trabalho de pernas em constante movimentação e mudança direcional. Como ocorreu com o Xingyiquan, também foi ensinado aos guarda-costas imperiais em Pequim e era o sistema preferido pelas escoltas das caravanas de mercadores e pelos cobradores de impostos. As armas do estilo variam entre as pequenas, para serem escondidas de maneira fácil nas roupas formais usadas pelos guarda-costas, como facas chifre de veado, soqueiras cônicas, punhais etc. e as imensas, como o Bagua Dao, o Facão Bagua.
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Armas Bagua: mestres Fu Song com Bagua Dao e Li Zi Ming com Anéis da Serpente
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A teoria do Baguazhang é exposta no Shi Yao Ba Fa.  Shi Yao significa as “As 10 Orientações” e Ba Fa “Os oito princípios”. As 10 Orientações são recomendações detalhadas sobre posicionamento e alinhamento postural, relaxamento e contração muscular e movimentação dos pés, pernas, braços e mãos. Assim, a palma tradicional é explicada orientando o praticante a manter os polegares afastados dos outros dedos, que devem permanecer colados formando a “Boca do Tigre” (Ho Ku em chinês), na qual o espaço entre o dedo polegar e o indicador forma uma concavidade. Outro exemplo são as orientações sobre o encaixe do quadril, que prescrevem a contração e suspensão do baixo ventre e do períneo de forma a permitir a ligação dos meridianos Ren Mai e Du Mai, Vaso Concepção e Vaso Governador.
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Zhang Ziyi em O Grande Mestre: espaço entre o polegar e o 
indicador na palma se chama “boca do tigre”
Já os Oito Princípios são regras  motoras e posturais, de  intenção (concentração) e de circulação e emissão de chi,  que reúnem o corpo, a mente e o espírito e são alocadas em blocos de três: Os três Kou relativos à firmeza, por exemplo,  são: Firmar os ombros de modo que a energia seja transmitida aos cotovelos com naturalidade; firmar o dorso das mãos de modo que a energia flua para as mãos e firmar o lado de cima dos pés, apreendendo o solo com os dedos do pé, de modo que toda a energia enraizada nas plantas possa ser transmitida para o corpo e que as posturas sejam estáveis.
Os Três Bao, por sua vez, dizem respeito à preservação: Preservar o coração e a intenção de modo que a energia não se perca ao ser exteriorizada; preservar os flancos para reter a energia e preservar a audácia e a coragem para permanecer íntegro diante do adversário.
Master Zhang Hong Mei demonstrates Bagua Zhang

八卦刀 ~Bagua Broadsword~ by 旺龍堂(Ohryudo)

Baguazhan aplications

Bagua applications


Fonte:https://zenkungfu.wordpress.com/2014/09/10/nei-jia-o-kung-fu-interno/

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