RELIGIÃO : AINDA É POSSÍVEL TORNÁ-LA HUMANIZADORA PARA APROXIMARMOS DE DEUS ?

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Religião: ainda é possível torná-la humanizadora para aproximarmos de Deus? 


Na verdade, se fizermos uma leitura mais abrangente, perceberemos que a religião só causou grandes problemas quando ela se apropriou de um discurso hierárquico e patriarcal e, consequentemente, justificou práticas de opressão. Desta maneira, ao formarem-se grupos que tinham o poder econômico, político e intelectual, dentro das religiões, que passaram a ser instrumentos de controle e manutenção de poder, diversas facções religiosas assumiram, estrategicamente falando, um grande papel ideologizante.

Apesar de eu ter uma forte simpatia pelas ideias anarquistas/libertárias, gostar muito de um de seus principais expoentes, Bakunin, e admitir o quanto seria interessante existir uma sociedade sem a presença do Estado e que a própria população criasse suas regras de convívio, não necessitando da intervenção estatal e da própria religião, nunca consegui romper com o meu lado religioso. Por mais que eu tente, não consigo deixar de acreditar num Criador e que eu posso ligar-me a Ele de alguma forma. No entanto, entendo que essa crença na existência de Deus, não me atrapalha em ser racional a ponto de pensar que talvez eu creia numa divindade pelo fato de não ser capaz de suportar a ideia de que vida é algo que não tenho controle e, portanto, preciso iludir a mim mesmo. Nietzsche, se não me engano, dizia algo semelhante ao fazer críticas à religião, em especial ao cristianismo.
Para Karl Marx, a religião era o ópio do povo. E não era ele o único a pensar dessa forma. Basta lembrar que, bem antes dele, o movimento iluminista, surgido no século XVIII (alguns historiadores acreditam que tenha sido no final do século XVII), além de questionar o absolutismo, também via com maus olhos o papel da Igreja e das verdades baseadas unicamente na fé. Os iluministas acreditavam no uso da razão (luz) como forma de combater a ignorância (as trevas, fazendo referência ao período medieval).
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Não há como negar que, em muitos momentos da história da humanidade, diversas instituições religiosas colaboraram para deixar a população à mercê de classes que detinham o poder. Neste sentido, Marx não estava errado ao definir a religião como ópio, ou seja, ela causa “letargia” intelectual, perda do contato com a realidade, incapacidade de raciocinar e dependência. Mas veja que as responsáveis por essa situação de domínio e domesticação do povo são por parte de “instituições religiosas” e não propriamente da “religião”. Na verdade, se fizermos uma leitura mais abrangente, perceberemos que a religião só causou grandes problemas quando ela se apropriou de um discurso hierárquico e patriarcal e, consequentemente, justificou práticas de opressão. Desta maneira, ao formarem-se grupos que tinham o poder econômico, político e intelectual, dentro das religiões, que passaram a ser instrumentos de controle e manutenção de poder, diversas facções religiosas assumiram, estrategicamente falando, um grande papel ideologizante.
Entretanto, não podemos negar a importância de muitos princípios religiosos que adotamos em nossa sociedade, e, queiramos ou não, serviram de base para a construção de um pensamento que visa a igualdade e solidariedade entre as pessoas. Parece absurdo o que digo? Sim. Principalmente quando vemos muitos líderes religiosos justificarem as desigualdades (de classe, de gênero, orientação sexual) não dá para conceber a religião como um elemento humanizador de verdade.
No islã, por exemplo, aprendemos que as mulheres muçulmanas, no início daquela religião, adquiriram direitos que somente foram conquistados pelas mulheres da Europa no século XIX. O que é confirmado pela especialista em religião Karen Armstrong, em sua obra Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. O que teria ocorrido para que as mulheres islâmicas perdessem o status que possuíam após a morte de Maomé? Infelizmente, uma única resposta: o contato com povos autoritários e patriarcais. O que não é novidade, pois o mesmo não ocorreu com o cristianismo?
Aliás, voltando a Marx, que juntamente com Engels, propôs o socialismo científico como alternativa ao capitalismo e o fim das desigualdades sociais, talvez desconheceu um certo episódio vivido pelos primeiros cristãos que foi narrado nas Bíblia, no livro de Atos dos Apóstolos, que diz: Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. Todos os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. (Atos 2:42-45)
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Ao que parece, o cristianismo, nos seus primeiros dias, estabeleceu uma espécie de comunismo, no sentido de que essa comunidade (ou podemos chamar de sociedade?) cristã fazia uma distribuição de bens de acordo com as necessidades de cada um. No entanto, há um detalhe: não fica claro se houve uma ordem direta por parte dos apóstolos para que ocorresse essa divisão de bens ou se partiu da iniciativa própria de cada membro de vender e compartilhar suas riquezas. Seja como for, talvez tal comunidade não conseguiu levar avante esse modo de agir entre as pessoas em função da constante perseguição que sofreram, tanto por parte do Império Romano, quanto de judeus ortodoxos.
Pois bem! Enquanto Marx teorizava uma sociedade comunista, uma religião, que era o ópio do povo, segundo ele, demonstrou que era possível a prática de vida em comum relativa a divisão de bens e propriedades entre as pessoas, e isso sem que fossem coagidas a isso.
Talvez muitos possam discordar de mim, objetando que esse incidente, como foi narrado no livro de Atos seja uma ficção. Mas, de qualquer maneira, dá-nos uma ideia de como as religiões podem, sim, servir de modelo e orientar-nos numa direção que eleve o ser humano como prioridade, de fato.
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Ao contrário do que pregam hoje o que chamam de teologia da prosperidade (que foca muito a acumulação de riquezas e incentiva o individualismo), os princípios religiosos, neste caso específico a então insipiente fé cristã, ensina-nos a importância de amar ao próximo, mesmo que ele não seja tão semelhante a nós, e nos inspira a cuidar uns dos outros. Se ela hoje mudou seu propósito, com certeza cabe àqueles que ainda acreditam em Deus, torná-la realmente significativa, ou seja, ligar-se a Ele através do respeito pela diversidade humana.

Por Carlos Beloto

Fonte:
© obvious: http://obviousmag.org/carlosalves/2015/04/religiao-ainda-e-possivel-torna-la-humanizadora-para-aproximarmos-de-deus.html#ixzz3XnDfFATM

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