"As três grandes ondas de distorção do budismo no ocidente."
1ª onda: a distorção dos filósofos.
Por Padma Dorje.
Com a exceção de alguns contatos da cultura grega antiga com o oriente, o budismo só é estudado pelos ocidentais há 300 anos. Ainda assim, apenas na década de 1990 pode-se dizer que o trabalho acadêmico sobre budismo, bem como parte da visão pública, começou a realmente se aproximar e tentar reconhecer o fenômeno cultural budista sem impor tantas projeções ou distorções modernas/ocidentais. Não obstante, o peso de 300 anos de interpretações parciais e traduções duvidosas mantém vivas várias visões peculiares sobre os ensinamentos. Neste texto publicado em três partes tratarei de três grandes ondas de distorção dos ensinamentos budistas no ocidente: 1) as vindas do iluminismo e do pensamento da elite europeia, particularmente da filosofia de Schopenhauer; 2) as conectadas com o romantismo e seus derivados, principalmente os aspectos de misticismo, irracionalismo e universalismo da Teosofia, C. G. Jung, W. Y. Evans-Wentz e D. T. Suzuki; 3) e as vinculadas com a contracultura (beats e hippies), bem como desafios da cultura de consumo e da era da informação. Todas essas distorções, é claro, também possuem seus méritos relativos.
As três grandes ondas de distorção do budismo no ocidente – Introdução
O uso da palavra “distorção” no título desse texto é cuidadoso. Mais do que simplesmente tentar retificar as tantas apreciações do budismo na cultura global, e assim reificar uma versão “pura” dos ensinamentos, este texto visa apontar algumas tendências ainda muito vivas na visão pública e mesmo na prática privada de interessados pelo budismo em meio ao presente estado de ultramodernidade. Essas tendências podem em alguns casos conter efetivos equívocos e corrupções do ensinamento do Buda, mas de modo geral trata-se apenas da ênfase demasiada de certas características de fato presentes nos ensinamentos, mas que de forma alguma teriam tanta relevância nos contextos tradicionais. Em outros casos, mais raros, há a efetiva corrupção dos ensinamentos.
No cerne dessa discussão temos o papel do professor e da comunidade (a sangha) em “receitar” os textos e práticas que, segundo sua avaliação criteriosa, são melhores para um determinado praticante – uma vez que o darma é extremamente vasto e ninguém é capaz de dominá-lo completamente para só então começar a praticar. Há uma analogia presente nos ensinamentos que diz que isso seria o equivalente a estar com uma flecha fincada no olho e querer discutir, antes de qualquer procedimento para aliviar a dor, os detalhes da cirurgia com o médico.
Nossa tendência, como seres imersos na modernidade (seja lá qual versão desta, mas desde o séc XIX, sem dúvida) é querer individual e pessoalmente “escolher” este ou aquele pedacinho dos ensinamentos que conseguimos entender, e que por acaso não ofenda nossos hábitos e preconceitos arraigados, para (só então talvez) praticar essa versão arbitrariamente customizada do darma e chamar a coisa toda de budismo. Essa tendência faz parte do contato do budismo por parte de “convertidos”, isto é, gente que não se criou dentro da tradição, e que sim opta por ela – mesmo que como mero “interessado” e não alguém que quer explicitamente, necessariamente, “virar budista”. Isto é, todos os leitores de um texto em português basicamente se enquadram, hoje, 2015, nessa categoria. Temos algumas poucas crianças que se criaram em centros de darma, mas mesmo estas tiveram sua educação e convívio em termos absolutamente seculares, e ainda que tenham maior contato com os ensinamentos, precisam, como todos nós, optar ou não pelo caminho budista. Isso, pela globalização, também é assim hoje para os países asiáticos, mas não foi o caso por centenas de anos em dezenas de culturas, onde a pessoa simplesmente nascia naquele contexto e seguia a educação formal e informal disponível, que era voltada para o darma. Os ensinamentos eram muitas vezes apresentados nesse contexto e com essas expectativas.
Enquanto cultura, e de acordo com a época com que os textos budistas são traduzidos e comentados por ocidentais, encontramos os sabores particulares das visões temporais que se deparam com o darma. Esses sabores constituem particularidades que muitas vezes efetivamente se tornaram hábitos culturais comuns ao longo das décadas e séculos, ora porque impressos e vindos de certa elite intelectual ou outra, ora porque se encaixam novamente, vez que outra, com as expectativas de públicos de lugares e tempos específicos.
Este texto tem três partes.
Em primeiro lugar tratarei das primeiras tentativas ocidentais de produzir sentido do “orientalismo” particular que se referia à tradição budista. As primeiras traduções de textos budistas vem dessa época que vai do séc. XVII ao XIX – agrupadas aqui apesar do vasto período em questão por ocorrerem antes da primeira tentativa sistemática de traduzir os ensinamentos com algum grau de colaboração em algum modo de “igualdade” com a tradição estabelecida na Ásia, o que só veio a ocorrer, ainda que muito timidamente, no fim do séc. XIX. Nesta primeira grande distorção, temos a formação de uma idealização do budismo como algo bastante racionalista, por projeção do pensamento iluminista, e que “cunhou”, por exemplo, a própria tradução de bodhi como iluminação – sendo que, de fato, muitas outras terminologias que usamos ainda hoje para traduzir o darma vem do jargão filosófico do início da modernidade (a apropriação da palavra fenômeno para traduzir darma, por exemplo). A culminância dessa distorção é representada pela obra de Arthur Schopenhauer, ainda hoje associada com o budismo por alguns setores sem qualquer exame quanto a alguma peculiaridade possível ter ocorrido nessa leitura primitiva. Apenas dentro da tradição budista estabelecida se vai encontrar gente dizendo que a visão do filósofo não é muito acurada: a academia, modo geral, e particularmente a academia dos rincões incultos, o toma como entendimento acurado do budismo. De fato, em alguns âmbitos acadêmicos, budismo é simplesmente o que Schopenhauer descreveu, o que revela um tanto sobre nosso etnocentrismo.
Em segundo lugar, como uma reação a essa visão racionalista, o romantismo alemão começou a fazer sua própria interpretação do Buda e de sua relevância, e aspectos misteriosos ou irracionalistas começaram a ser valorizados. A partir do aspecto “misterioso” temos o fenômeno ocultista próprio do início do séc. XX, interpretando e propagando versões próprias de alguma mescla de hinduísmo com budismo, de onde, por exemplo, palavras hoje correntes como carma e maia, foram popularizadas (com sentidos bastante bastardos) – dentro da ideia de universalismo, isto é, que todas as religiões, no fundo, sejam a mesma coisa – o que, apesar de simpático a princípio, facilmente se torna um risco ao reduzir o budismo a essa coisa que se quer que todas as religiões sejam. E enfim as traduções de W. Y. Evans-Wentz, juntamente com as introduções de C. G. Jung ajudaram a compor uma visão do darma de sabor bastante particular, e que ainda estão bastante vivas em certos nichos. Já o aspecto “irracionalista” culmina com a interpretação do Zen por alguns autores, especialmente D. T. Suzuki.
Em terceiro lugar, como desenvolvimento direto disso, temos o budismo “liberal” que surge da contracultura hippie e beatnik, e da derrota dessa contracultura, e que se depara com e precisa enfrentar elementos próprios da modernidade como valores globalizados tais como democracia, feminismo, universalismo, multiculturalidade, a espiritualidade como um produto de consumo, e assim por diante. É um problema que vai além da modernidade dos convertidos e atinge o budismo tradicional, uma vez que como os valores se tornam globalizados, a sobrevivência própria da tradição depende de adaptação.
É certo que o budismo, e todos os seres que sofrem, se beneficiam da popularidade dos ensinamentos, ainda que ela se dê por caracterizações imperfeitas dos ensinamentos. Se o budismo pensasse em termos de relações públicas, talvez visões do budismo ligadas ao livre pensamento e ao poder progressista da razão, poderes misteriosos e universalismo religioso ou “paz e amor” descolados, fossem bem úteis dependendo do nicho particular do público visado. Porém, se por um lado o darma pode ser caracterizado dessas formas e isso não chegar a ofender (muito) a pureza dos ensinamentos, sem dúvida tratam-se de, no mínimo, visões limitadas – e já clichês esvaziados pela datação, até mesmo facilmente reconhecíveis como contraditórios uns com os outros. Ainda assim, nos meus poucos anos de praticante do darma, ainda estou para ver conversa com iniciante ou interessado que não recaia neles.
Primeira onda: a distorção dos filósofos
Os primeiros autores que discutiram e trataram do budismo no ocidente foram condicionados por dois fatores que, como se vai ver, intensificavam um ao outro. Com os valores do humanismo secular em alta, pela primeira vez se faz um olhar crítico, explícito, sobre as “velhas visões”, isto é, a tradição judaico-cristã. Junto com isso, pela primeira vez se olha para outros povos com alguma simpatia humanista: eles, que não estão condicionados por nossos valores sem dúvida obsoletos e fracassados, por certo podem ter algo novo a nos dizer.
Dessa forma o que se via de errado ou ruim com os próprios valores tradicionais, era projetado em inverso no “bom selvagem” oriental, que por não ser exatamente selvagem, era ainda mais fascinante.
O budismo em particular, dentre todas as formas de pensamento oriental, desponta na mente dos estudiosos europeus como esclarecimento racional. Afinal, o Buda de fato disse, no Sutra dos Kalamas, que algo não deve ser aceito apenas porque é tradicional, ou porque alguém importante disse, mas só quando for verificado pessoal e empiricamente. Ou pelo menos a citação mais famosa do sutra nos leva a ver sobre essa ótica – talvez a leitura do texto inteiro tornasse mais flexível essa epistemologia de livre-pensador onipotente perante as investigações que faz e decisões que toma, mas isso raramente ocorre.
Até hoje este aspecto dos ensinamentos é nosso mais forte contato com a modernidade. Autores chegam a chamar o budismo de uma forma de “ciência da mente”, e não mero blábláblá filosófico ou superstição religiosa. E a maioria das pessoas, inclusive o autor deste texto, evita caracterizar o budismo como a simples ideia de uma “religião asiática”, fundada por fulano, e com tais e tais dogmas.
Entre vários outros aspectos, a distorção central que surge disso diz respeito principalmente às noções budistas sobre renascimento. Enquanto que a meditação e principalmente as considerações éticas do darma foram quase sempre bem aceitas pela comunidade pensante da Europa, as várias noções de renascimento comuns nas religiões asiáticas e em algumas visões antigas do ocidente, conflagradas na noção de “reencarnação”, não tiveram a mesma aceitação. (E quando a tiveram, foi pelos motivos errados, como apego por familiares, vidas passadas supostamente glamorosas, extensões da doutrina freudiana de trauma, ânsia por alguma forma de imortalidade, desejo de prolongamento de uma existência pessoal, e noções lineares e progressivas de retribuição cármica, isto é, evolução sem percalços graves – todas elas visões incompatíveis com o darma).
Ainda assim a verdade é que o “budismo sem renascimento” tornou-se uma tradição no ocidente, com centenas de livros publicados, e até mesmo um centro reconhecível, que é a Universidade de Oxford. Hoje boa parte daqueles que praticam meditação no contexto budista no ocidente prefere uma interpretação não literal e bastante mítica dos discursos em que o Buda fala de vidas passadas. Essas pessoas facilmente encontram “professores”, ou pelo menos autores famosos, que corroboram seus vieses e hábitos mentais redutores.
O budismo de fato geralmente se encontra numa sinuca de bico com relação a esse assunto: as pessoas no ocidente que aceitam a noção, a aceitam em parâmetros bastante incompatíveis com o darma budista – e a maioria simplesmente a considera uma noção embaraçosa, ou mesmo é hostil quanto a ela. Mas por que a noção de renascimento seria essencial para os ensinamentos budistas?
O renascimento no budismo é um conceito mais difícil para a maioria das pessoas porque o budismo considera falsa qualquer noção de pessoalidade ou identidade, e algumas veem nisso uma contradição – ainda que respostas sobre isso sejam dadas e estejam registradas em textos sobreviventes de dois séculos depois de Cristo. O que renasceria então? As forças de hábito que levam ao engano quanto a uma identidade. Apenas seres extremamente corajosos (isto é, bodisatvas) deliberadamente renasceriam, por compaixão com os seres presos nessa ilusão. Os outros seres renascem como parte do seu processo de sofrimento e engano quanto à noção de uma identidade pessoal, e mais sofrimento. Normalmente, da mesma forma que durante nossa vida, não somos a “mesma pessoa” que éramos 20 anos atrás, mas continuamos sendo; na próxima vida o mesmo tipo de lógica dupla embasada no engano segue: somos a mesma pessoa, mas já somos outra.
Portanto, o renascimento no budismo não é motivo de conforto. Renascer, modo geral, se dá de forma incerta, prolongando o sofrimento e muito provavelmente impedindo que se continue praticando o darma, uma vez que nenhuma das condições encontradas nessa vida estará necessariamente presente na próxima. O escopo do renascimento é vasto: não se fala muito em últimas 10 ou 20 vidas, mas em incontáveis existências, onde cada um dos seres (inclusive insetos) já foi nossa mãe bilhões de vezes (o que, se você conta para sua mãe, já acaba um pouco com a noção de identidade dela como sua mãe). Essa vastidão numérica no passado – e no futuro, caso não se interrompa esse ciclo através da prática do darma – implica em muita incerteza e caos com relação a condições futuras. Isto é, a determinação cármica, de que o sofrimento advém de nossas ações, não se dá tão linearmente a ponto de podermos saber quando uma ação negativa vai frutificar como sofrimento. Isso pode ocorrer quase imediatamente, ou, por uma miríade de condições, modo geral nada evidentes para o agente, daqui milhares de existências.
Como a ética budista é embasada nessa noção de carma, se temos apenas essa vida, o mais lógico seria talvez efetivamente roubar mesmo um banco – já que raramente reconhecemos a retribuição cármica de um ato determinado, e a maioria de nossos sofrimentos efetivos não tem explicação nesta vida. Nessa visão, se prejudicamos outra pessoa, isso logo cessará com nossas respectivas mortes – não restará nem consciência pesada quanto a atos passados. Uma ruptura completa na questão da moralidade elimina boa parte dos racionais, estabelecidos pelo próprio Buda, para a ação virtuosa.
Mesmo a noção de compaixão e de interconexão com todos os seres se torna limitada.
Isto não quer dizer que uma pessoa para ser praticante budista precise aceitar necessariamente o renascimento: mas ela certamente não pode negá-lo. E de fato, não há bons motivos para negar o renascimento, pelo menos enquanto possibilidade, fora não ser algo que preenche as expectativas e o senso de moda da elite pensante atual. “Inexistência de evidência não é evidência de inexistência” é uma máxima muitas vezes repetida em círculos científicos, e ela se aplica perfeitamente nesse caso. Mesmo considerar o renascimento um mero “exercício de pensamento” gerará sem dúvida uma interdependência forte com os ensinamentos budistas, o que facilitará (ou possibilitará) sua compreensão. De outra forma, se está seguindo uma versão diluída da versão de algumas pessoas preconceituosas.
Embora a pessoa não precise aceitar o renascimento como fato ou mesmo como crença obrigatória, ela deve no mínimo ser capaz de trabalhar com a ideia, caso contrário o budismo praticado será absolutamente débil, e sem dúvida descaracterizado.
Mas outros elementos reconhecidos como “supersticiosos” se perdem na visão do budismo filtrada pelo iluminismo racionalista, que na sua versão atual está vinculado com o que consideramos ser “visão científica”. Dois outros elementos são bastante essenciais: devoção e o que chamamos de “rituais”, o que por si só em nossa cultura já tem uma noção pejorativa de repetição sem reflexão e teatralidade vazia.
Embora absolutamente todas as versões de budismo existentes na Ásia trabalhem com essas noções, o budismo tibetano chegou a ser levado ao escanteio por “orientalistas” com a palavra pejorativa “lamaísmo”, devido à ênfase nesses dois elementos. O imperialismo etnocêntrico é tamanho que especialistas ocidentais se consideraram, desde muito cedo, capazes de determinar o que é ou não ensinamento budista – mais do que a própria tradição. E essa tendência segue até hoje, não sendo raro palestras acadêmicas onde o Cânone Páli é tido como o único registro autêntico de ensinamentos budistas, e as outras formas vistas como meras corruptelas – passando por cima da vida religiosa e da devoção pelo Buda de incontáveis grandes praticantes budistas ao longo da história.
É fato que o Cânone Páli representa o que são provavelmente os ensinamentos mais antigos disponíveis (embora as fontes primárias de outras tradições sejam mais antigas). Mas o sectarismo acadêmico europeu simplesmente reifica, a princípio, e em centros particulares (por exemplo Oxford) parte do sectarismo que já existia na Ásia. As tradições do Cânone Páli são favorecidas porque, aparentemente, são mais acessíveis ao tipo de distorção proposto por Schopenhauer, e talvez pelo iluminismo antes dele (embora se tivesse ainda menos noção sobre as especificidades e diferenças da vastidão de tradições budistas existentes na Ásia).
Embora o aspecto dos ensinamentos budistas que diz que tudo que o Buda pode fazer é ensinar o darma, e que a aplicação destes ensinamentos depende apenas de nós mesmos seja muito validado e verdadeiro, modo geral dependemos, enquanto praticantes, continuamente das Três Joias. O Buda nos fornece a inspiração, sendo o exemplo de alguém que completou o caminho. E o professor vivo que representa a linhagem do Buda representa a forma pura da comunidade, que também possui pessoas com dificuldades similares às nossas, e que fornece exemplos nesse sentido.
E enfim os próprios ensinamentos não são óbvios e naturais, pelo menos para a maioria de nós que sustenta todo tipo de visão arbitrária: eles precisam ser estudados com esforço. Com esses três elementos: inspiração, apoio direto e explicações contínuas e detalhadas, aí é possível colocar os ensinamentos em prática e fazer a verificação empírica tão prezada pela visão ocidental.
Esses elementos todos podem até ser mais enfatizados por determinadas tradições budistas, mas são comuns a absolutamente todas.
Quanto a recitações, oferendas, altar, cerimônias simples ou elaboradas, e toda uma riqueza de elementos que muitas vezes são simplesmente confundidos com armadilhas culturais, o fato é que o darma também confia em carma e renascimento em termos dessas experiências. Os sons, cores e o “algoritmo” de uma sadhana vajrayana, ou os detalhes tácitos de uma cerimônia de chá, servem não só para ocupar a mente durante uma meditação que não vai encontrar diferença entre a formalidade e a vida cotidiana (cheia de outros tantos rituais mundanos), e fazer obrigatoriamente ela reconhecer que não é o conteúdo da mente ou as ações externas que determinam se a meditação está presente ou não, mas também para criar um hábito forte, que supostamente ultrapassa uma só vida. Se hoje temos afinidade e facilidade com certas noções e práticas, é porque já temos os “receptores” mentais formados pela atividade contínua em meio a essas coisas vida após vida. E, mais do que isso, se vemos valor nos ensinamentos e reconhecemos a atemporalidade e a interconexão, percebemos que criar hábitos que nos vinculem e aproximem com o darma é crucial para que a prática prossiga. Essa confiança na interdependência com o darma que revela a natureza da realidade além de todas as ilusões é de fato parte essencial da prática.
Cada elemento de qualquer atividade dármica, elaborada ou simples, nos conecta diretamente com ensinamentos e valores budistas através de símbolos e da formação do mero hábito mental de considerar essas coisas repetidas vezes. Em outras palavras, são uma forma escancarada de autolavagem-cerebral. Ao reconhecer que determinados hábitos mentais levam a uma vida melhor e possibilitam as práticas que revelam a sabedoria inata, nos engajamos em todo tipo de atividade que fortaleça essa conexão.
Enfim, Arthur Schopenhauer vinculou sua filosofia ao budismo, e até hoje a visão prevalente em alguns círculos menos atualizados, do que seria o budismo, é que ele teria algo a ver com pessimismo.
Para sermos exatos com relação a essa minha afirmação, e a permanência de visões desse tipo, basta ler a encíclica do Papa João Paulo Segundo sobre o budismo, que foi elaborada principalmente pelo então Cardeal Ratzinger. Ali não só é destilado todo tipo de ataque ao budismo, mas a caracterização do budismo utilizada como espantalho para ser surrado vem da filosofia de Schopenhauer. Isto é, o budismo seria algo triste, que não vê a alegria no mundo como criação de Deus, e assim por diante. (Thinley Norbu Rinpoche escreveu uma brilhante resposta a essa encíclica em “Flores de boas-vindas do limpo limiar da esperança”.)
Schopenhauer, além de misturar suas visões próprias com o darma, e as interpretar de sua forma particular, o que pode acontecer em qualquer tempo, naquela época nem mesmo tinha como conhecer bem o budismo, uma vez que as primeiras traduções, para ser bem generoso, não produziam muita compreensão.
É certo que a primeira nobre verdade diz respeito à insatisfatoriedade de todas as coisas compostas. Não é exatamente o sofrimento num sentido romântico alemão, mas o fato de que mesmo as melhores coisas deste mundo não são verdadeiramente suficientes. Disso Schopenhauer buscou interpretar como segunda nobre verdade uma “aniquilação da vontade”, uma aniquilação da pessoa, que até hoje é confundida com o budismo. Mesmo a tradução “o desejo é a causa do sofrimento” não é perfeita. O texto diz trishna, que é algo mais próximo a sede, ou sofreguidão, fissura, fixação. Na verdade, a expectativa de obter felicidade destas coisas é a causa da insatisfatoriedade, porque elas não podem prover felicidade.
A “cessação” que é a tradução mais acurada para nirvana, diz respeito às três emoções aflitivas principais, ou “três venenos”: indiferença, apego e aversão. (“Ignorância, raiva e desejo” na tradução mais clássica usual. O principal sendo a ignorância, que é uma forma de torpor indiferente ou confusão em que uma visão automática e “normal” se instala, de forma que a realidade – que impede que depositemos expectativas equivocadas em fenômenos compostos que são necessariamente insatisfatórios – não é reconhecida.) São as três emoções aflitivas que cessam, não surgem mais na mente.
Disso não se obtém nenhuma noção amargurada da realidade, mas realismo quanto às coisas do mundo, e mais do que isso, a alegria e deleite supremo em reconhecer que as coisas são assim, e em se estar num caminho estruturado (a quarta nobre verdade, que Schopenhauer simplesmente ignorou). Modo geral os budistas não são seres angustiados, sombrios, como um alemão irascível poderia conceber no início do séc. XIX. Uma das qualidades que efetivamente se pratica é o contentamento e a alegria. Um exemplo extremo do tipo de alegria, talvez excêntrica ou esquisita para nossos padrões, é Milarepa cantando de felicidade quando uma de suas únicas posses, uma tigela coberta de restos de urtiga (seu principal alimento), quebrou. Até mesmo algo que poderia ser considerado o cúmulo da infelicidade, levou Milarepa a gargalhar, como se ele por algum instante pensasse que aquela tigela fosse eterna. Milarepa riu como rimos após nos atrapalharmos, e reconhecemos que, no fundo, nada aconteceu: nada se quebrou que não pudesse se quebrar. Não há nada de triste em nada disso.
Da visão de Schopenhauer caímos em Nietzsche, que não discutiu as fontes do pessimista, mas criticou seus resultados – sem nunca chegar a pensar em verificar se aquilo se aplicava mesmo aos budistas. Em 2012 um pesquisador (McDonald, Nietzsche’s Reception of Buddhist Psychology With Constant Reference to Christianity) listou todas as obras a que o filósofo teria tido acesso com relação ao assunto: 9 livros sobre religião oriental, todos em alemão, dois emprestados da biblioteca. Dois deles (!) eram sobre budismo, sendo que nenhum era tradução de qualquer fonte primária, mas elaborações de alemães, ainda mais descredenciadas que as dele. Que isso tenha ocorrido bem mais de um século atrás, não é surpreendente. Que até hoje pessoas sustentem a crítica de Nietzsche ao budismo como embasada num entendimento relativamente correto do darma, isso é ultrajante.
Sem entrar em quanto Nietzsche podia estar errado por si só, sem sequer mencionar o budismo – e ele é idolatrado por gente que talvez nem seja capaz de inferir algumas de suas ironias, ou por gente que regozija na sua abjeta transformação da arrogância num dever ético – o fato é que a autoajuda teutônica de “afirmação da vida” através da “glória” do “grande sofrimento” de “grandes homens” é particularmente vil na visão budista.
Ora, a alegria no budismo é um valor a ser cultivado, e se encontra principalmente em observar as qualidades dos outros – de forma equânime, uma vez que todos possuem qualidades. Essa é uma alegria sem limites a ser cultivada pelo praticante. Além disso, há a alegria em esforçar-se no darma, em entendê-lo e divulgá-lo – em se deparar com obstáculos no caminho como quem se depara com algo muito curioso, interessante.
Não é possível alguém ser médico e ter nojo de infecções, fezes, ou do interior do corpo de um doente. Um bom médico desenvolve um gosto por resolver uma situação difícil, ele não vê a situação difícil do outro com aversão – mesmo os psiquiatras. Se encara com aversão, não vai tratar direito.
Da mesma forma, os Budas salivam perante a ignorância do samsara, porque é uma oportunidade de expressar a atividade, ora, dos Budas, que é a compaixão e sabedoria. Não há nenhum tipo de amargor, ressentimento ou angústia. E tampouco uma inversão masoquista do ser pisoteado pela vida em “papo de filósofo” de que, no fundo, essa é uma grande e boa coisa.
O experimento de pensamento do “eterno retorno” em Nietzsche pode até ter se inspirado na ideia de samsara, mas não é de forma alguma igual a este. No budismo não fazemos “as mesmas coisas” cada vez. Em certo sentido, dá para dizer que são coisas de um mesmo tipo – mas o experimento de pensamento de Nietzsche leva em conta que tudo acontece vez após vez, igual, daí o amor fati, etc.
O ciclo de renascimentos é a experiência dos seres imersos em ignorância, não é algo que realmente existe ou realmente ocorre. É um sonho da ignorância. A experiência dos Budas não há retorno algum, e essa experiência é que é real. De toda forma, a experiência dos seres ignorantes também não é exatamente o que Nietzsche descreveu – o amor fati nietzschiano é o recalque transformado em troféu, a oportunidade perdida transformada em alguma fantasia de vitória por um truque filosófico. Não que os Budas, ao se iluminarem, não olhem para tudo que fizeram como se fosse iluminado desde o princípio: apenas que esse olhar equânime, aplicado a todos os seres, não redunda em nenhum tipo de glória. Os sugatas são aqueles “que foram para além dos extremos do samsara e do nirvana em êxtase”, em que nada está determinado nos quatro tempos, passado, presente, futuro ou atemporalidade: porque todas as experiências duais são feitas de tecido de sonho – é nessa liberdade que vivem os Budas. Eles não impedem que seu olhar pouse sobre qualquer coisa, numa equanimidade ainda maior do que a proposta por Nietzsche – mas não dizem “sim” para absolutamente tudo: essa é uma visão extrema. O êxtase dos Budas está além dos extremos de dizer sim, ou não: é um “mesmo sabor”, mas por compaixão e liberdade a discriminação da sabedoria segue operante. Não está na mera aceitação de uma sucessão de particulares, mas no reconhecimento da interconexão de tudo com tudo mais. É outro tipo de glória, e não fica só no papel.
Por outro lado, na visão popular, o que realmente ficou do budismo (e é reforçado pela academia) é a visão anterior, a visão iluminista do budismo como religião racional, científica. Como o cientismo é a ideologia dominante de nossa era, isso ajuda muito o budismo em termos de Relações Públicas, mas, como se viu, não é nada livre de distorções – e essas distorções são as mais antigas.
Logo em seguida e concomitantes com Schopenhauer, no entanto, vieram os românticos, que gostaram dessa “curtição de fossa” do budismo, e logo agruparam no seu peculiar estilo dramático e teatral noções místicas e irracionalistas ao entendimento ocidental do budismo, o que será o assunto da próxima parte.
Padma Dorje é praticante budista e é autor de Filosofia: forma de vida & passarela de egos. Saiba mais sobre seu trabalho no site tzal.org.
"As três grandes ondas de distorção do budismo no ocidente."
2ª onda: a distorção dos românticos
Na segunda parte do artigo examinaremos algumas das consequências da tomada do “orientalismo” das mãos do iluminismo para as mãos de seu contramovimento, o romantismo. A partir dos ideais místicos deste, temos a fundação do que hoje chamamos de “movimento esotérico” ou “nova era”, com várias organizações espirituais embasadas num universalismo que simpatiza bastante com o budismo, mesmo enquanto o distorce. A primeira grande forma popular de universalismo é a Sociedade Teosófica. Em seguida vemos as traduções do teósofo W. Y. Evans-Wentz, algumas vezes prefaciadas por C. G. Jung, apresentando o budismo tibetano para o ocidente (no Brasil, até a década de 90 basicamente os únicos livros disponíveis sobre o assunto). Em contrapartida, a partir do ideal irracionalista do movimento romântico, o pensamento alemão se fundiu com o budismo zen dentro do Japão mesmo, isso, pasmem, alguns poucos anos antes da Segunda Grande Guerra. Sem entrar na questão do militarismo zen da época, a visão romântica alemã até hoje influencia como vemos esta forma de budismo através principalmente da obra popularizada de D. T. Suzuki (que no Brasil, até a década de 90, era possivelmente o principal de dois ou três autores traduzidos disponíveis sobre o zen).
As três grandes ondas de distorção do budismo no ocidente
Segunda onda: a distorção dos românticos
O romantismo foi uma resposta direta ao racionalismo iluminista. Em vez da caminhada racional para uma pessoa e sociedade melhores, uma entrega passional às próprias peculiaridades, sempre inseparável de uma natureza misteriosa e incompreensível. Um retorno ao místico, e aos valores “primitivos” – algumas vezes representados por outros povos, mas muitas vezes pelo próprio passado. Ironicamente, o século XX logo em seguida nos mostraria com seus campos de extermínio que uma separação efetiva entre a frieza racionalista e as paixões cegas não era assim tão possível – e que entre o mecanismo letal dos campos de concentração e as paixões demagógicas do nacionalismo temos nada mais que o filho teratogênico do pensamento oitocentista em seus dois extremos.
É com o romantismo que o glamour do orientalismo na Europa atinge outros níveis – se do barroco ao ápice do iluminismo a Ásia tinha a oferecer muito luxo e exotismo, principalmente na forma de arte, “especiarias”, chinoiserie, ideias ainda bastante mal compreendidas e vastos âmbitos de exploração comercial – agora o colonizador se volta a Ásia com respeito. Nasce o orientalismo, a fascinação sistemática com o oriente que hoje chamamos de “estudos asiáticos”. E junto com esse fascínio e os raios nascentes da pós-modernidade, surge o universalismo.
O universalismo para a grande maioria das pessoas parece extremamente simpático. Ora, verdade é verdade não interessa a cultura, e não faria sentido nenhum alguma cultura particular ser “dona” da versão final das coisas, principalmente na forma espiritual. Dessa forma, a “versão pura” de todos os ensinamentos espirituais é reconhecida como uma só, incerta no sentido de sempre indefinida, sempre redefinível, mas presente em tudo, por todos os lados. Hoje, quando as pessoas não subscrevem ao cientismo agnóstico ou ateu, é, modo geral a essa versão das coisas que subscrevem. Por mais que se identifiquem com essa ou aquela tradição espiritual, reconhecem nas outras os mesmos valores. Quem não o faz, é taxado de fundamentalista. Afinal de contas, (quase) ninguém quer soar preconceituoso ou racista.
Mas já vale o aviso: “aqui há dragões”. Muitas vezes quando alguém afirma “que todas as tradições possuem um cerne comum”, isto pode ser uma estratégia sutil de conversão. “Você já pensa como eu penso”: e para onde vamos após isso? Vamos examinar como eu faço as coisas, para então “aprendermos juntos”, afinal nossos objetivos são comuns. E, se não são, “por decreto” se faz ser, já que no fundo, todo mundo pensa igual… pensa como eu.
Alguém pode argumentar que Sua Santidade o Dalai Lama opera assim. Mas é preciso entender que esta estratégia é facilmente confundida com a única forma de discurso viável para a comunicação com a modernidade – ou talvez mesmo em qualquer tempo. Se chegamos ao outro expandindo alteridade, seremos rechaçados. Chegamos perante o outro como ele é, o aceitando dentro de nós mesmos – essa é a única forma possível de comunicação. Mas há uma sutil ainda que dramática diferença entre triturar o outro na própria visão ou acolhê-lo na alteridade. Uma coisa pejorativamente chamamos de universalismo, dizer que tudo é uma coisa só, a outra chamamos, talvez, de multiculturalidade, que é conviver na diversidade.
Os valores fundamentais que Sua Santidade (e outros professores budistas e não budistas que pregam o não sectarismo) reconhece, e que nos unem a todos como seres humanos, são efetivamente universais – em um sentido óbvio de que a comunicação sempre ocorre num terreno comum. E de fato, como ele mesmo diz, esses valores não são nem mesmo religiosos. Por outro lado, não podemos ignorar que sem dúvida Sua Santidade reconhece objetivos e métodos específicos no budismo, e é a filiação a esses detalhes secundários como de alguma forma melhores que determina a que tradição pertencemos. “Pratiquem sua própria religião séria e sinceramente”, diz o Dalai Lama. E esse pertencimento é considerado essencial para esses objetivos e métodos particularmente budistas. Em outras palavras, o budismo não é universalista – por mais que parte de seu discurso público soe assim, ou, melhor dizer, que as pessoas assumam isto devido aos ideais românticos e pós-modernos que elas mesmas sustentam.
Não há budismo sem pertencimento. Mas não há nada de errado em não haver filiação ao budismo: o budismo não é proselitista – o budismo reconhece a diversidade, e não planeja a “conversão de todos os seres”, mas sim que todos os seres deixem de sofrer e encontrem felicidade atemporal. Ainda assim, aqueles que anseiam pelo darma enquanto método não podem permanecer observadores em qualquer nível: precisam ser participantes, pertencerem no sentido de tomar refúgio na comunidade budista. E nesse caso, o budismo de quem olha de fora é muito diferente do budismo de quem olha de dentro – e é bastante diverso do budismo que não vê fronteiras entre eu e o outro, mas que ainda assim não condena o outro a uma visão totalitária que impede a diversidade.
Em outras palavras, há diversas formas de entender o conceito de igualdade, e de praticar a equanimidade. Sem dúvida Sua Santidade sempre reafirma as vantagens da diversidade e do convívio com a diversidade. A diferença deve ser reconhecida, e é uma forma de riqueza. A noção de universalismo que bate tudo num liquidificador, transformando um banquete variado e colorido em algo que parece vômito, essa é a noção criticada aqui. Infelizmente ela é muito mais comum do que uma possível versão especializada, que permitiria o respeito mútuo em meio à integridade mútua, em que não se olha para o outro o reduzindo a uma versão de nós mesmos – e que já talvez preferimos chamar por outro nome.
O aparente universalismo do Dalai Lama não é o mesmo universalismo da Sociedade Teosófica (que surge em plena era de imperialismo condescendente), ou do movimento “nova era” ainda bem vivo, que é em grande parte resultado também do romantismo, e da modernidade de forma geral. Ele de fato é quase como uma reação a esse universalismo que devora o outro na própria interpretação. Para o universalista bonzinho da modernidade, modo geral, a diversidade só pode ser aceita, nessa forma espúria de tolerância, quando o outro é igualado à força – quando o outro é reinterpretado e digerido por nosso próprio viés. E nada facilita mais isso do que uma hermenêutica do “oculto”, uma interpretação que viola o texto o projetando num segredo a que apenas iniciados detém acesso. É o parasitismo de pretender saber melhor que o outro o que ele conhece de si mesmo, e assim eliminar sua alteridade.
Fica claro no exame de qualquer texto clássico budista que os ensinamentos lutaram para se preservar perante centenas de visões alheias e outras tradições. A refutação é o modo clássico dos shastras, os comentários aos sutras (diálogos do Buda com alunos). Os diálogos contidos nos textos raiz comentados também contém muitas refutações, mas os shastras em particular são basicamente estruturados em termos de confrontos com outras tradições budistas e não budistas. As visões são consideradas vitoriosas ou derrotadas se não passam no escrutínio empírico, lógico e hermenêutico (nessa ordem) desses debates.
Mas ainda assim quando um budista algumas vezes expõe o fato de que em sua tradição as coisas não são vistas assim ou assado, ele pode, no contexto atual, ser chamado de intolerante apenas por não concordar com o que o universalista está expondo. É só sugerir que não faz parte da massa triturada e indistinta, mas que tem voz própria, que soará “dono da verdade” e intolerante.
A ideia de um monge debatendo e apresentando razões (isto é, mais do que criticando ou apresentando opiniões, portanto) contra outra tradição (budista ou não) pode parecer contraditória para a visão popular, mas pelo menos nas tradições do norte da Índia, China e Tibete (e também Japão) a prática do “duelo” de darma é comum entre alunos, entre professor e aluno, e em contato com outras tradições religiosas, algumas vezes na forma de uma efetiva “licitação pública” para determinar que doutrina seria ensinada naquela região.
A instituição budista que pode ser considerada a primeira universidade do mundo, Nalanda, era particularmente interessada em estudar toda a variedade de pensamentos da Índia clássica (e por isso pode ser considerada uma “universi-dade”). É nessa instituição que o Dalai Lama se inspira, e é muito curioso o que as pessoas muitas vezes entendem, por exemplo, nos diálogos dele com cientistas – porque ele é totalmente não violento, mas ao mesmo tempo ele não exatamente acata certos argumentos que as pessoas acreditam que ele esteja acatando. A fala do Dalai Lama é simples e unicamente acolhedora na interpretação superficial, mas é extremamente sutil se a colocamos no contexto de vários ensinamentos dele ao longo do tempo, dos ensinamentos budistas de forma geral, e pela forma com que ele penetra a modernidade sem jamais desafiar a tradição. É uma virtuose retórica e meios hábeis extraordinários que muitas vezes passa despercebida ao leitor ou ouvinte comum, que apenas se deleita na positividade envolvente do nível explícito.
Se entendemos contexto, subtexto, intertexto, o Dalai Lama alfineta sim, e muito. Sua Santidade refuta, ou, quando não é o momento, deixa no ar as premissas que levarão aquela visão a sua derrocada. E não poderia ser diferente, os praticantes agem em várias formas de compaixão, uma delas a compaixão irada, que destrói a negatividade, mesmo, por exemplo, quando ela surge na forma de visões errôneas. (E não é que a ciência, ou outros setores que dialogam com o Dalai Lama, estejam sempre errados e sejam completamente inúteis e equivocados. Bem pelo contrário. É só que há pontos em disputa, e muita gente nem reconhece isso).
Essas sutilezas não ocorrem no liquidificador do misticismo romântico. Sarat Chandra Das (um indiano que operou como espião britânico no Tibete) naquele que viria a ser o primeiro dicionário tibetano-inglês, traduziu na primeira edição o termo literal tibetano “três joias”, que se refere ao Buda, ao seu ensinamento, o darma, e a comunidade de praticantes, a sanga – os principais objetos de devoção e refúgio do povo tibetano –, como simplesmente “Deus”. Logo se vê que não se trata de uma definição de dicionário, mas um trabalho de antropologia comparativa, e não muito elaborada ou bem feita – universalismo de um tipo que chega a ser ingênuo. (Chandra Das não era teósofo, embora tenha se encontrado com Blavatsky e Olcott nos primeiros anos da Sociedade Teosófica, e estivesse inserido no mesmo milieu britânico-indiano de fim do século.)
“Madame Blavatsky transformou os ensinamentos de Guru Rinpoche em materialismo espiritual” foi o que ouvi em confidência de um professor budista ocidental altamente conceituado. Isto é, uma espiritualidade de autoengrandecimento e “progressão”, onde se acumula cada vez mais credenciais – que indicam sabe-se lá o que, mas sinalizam aos outros sua suposta proximidade com a fonte secreta da coisa toda. O universalismo da Sociedade Teosófica começa com um achatamento de várias doutrinas dentro de um viés próprio, de forma que seus vocabulários e suas próprias existências se tornam mera justificação para a doutrina dos “mestres secretos”. Aldous Huxley, em a Ilha, aponta criticamente esse tipo de colonização imperialista da cultura – ainda que ele como adepto da “Filosofia Perene” sofra de exatamente o mesmo tipo de tendência universalista, o que fica claro em sua bizarra ficcionalização de uma mescla de ensinamentos hindus e vajrayana no livro em questão. (Um paralelo ironicamente semelhante virá a ocorrer décadas depois com Ken Wilber: a crítica vem acurada, mas um renovado sistemão universalista é então estabelecido.)
Quanta gente no ocidente é capaz da sofisticação teológica de reconhecer que o budismo, todo ele, refuta a noção de um criador, mas não de seres protetores dotados de suprema compaixão? E quanta gente cem anos atrás? Praticamente ninguém. A refutação budista de um criador retira o budismo de uma série de discussões sobre o surgimento do mal no mundo, ou a função da criação, por exemplo – o budismo só tem teologia na medida da refutação das tradições hindus com que debateu, particularmente na “Índia Clássica”, isto é, o período que vai do ano 200 e termina com a invasão muçulmana e eliminação do budismo na Índia no ano 1000. Mas a refutação budista elimina completamente qualquer noção possível de Deus? A sutileza teológica de reconhecer o que poderia conter uma noção de deus no budismo pode variar de tradição budista para tradição budista, e não é simples. (Um Deus “herético” de Escoto Erígena ou Meister Eckart seria compatível com o budismo? Bons estudos para a religião comparada.) E isso se torna mais complicado porque a palavra “deus” vem da mesma raiz da palavra “deva”, que no budismo representa seres mundanos que vivenciam vidas extremamente longas e prazerosas, ainda que vastamente ignorantes em termos espirituais. Mas que para os hindus…
Para tornar a coisa ainda mais complexa, a relação do budismo com o hinduísmo (que como “Índia” é uma mera invenção da nomenclatura britânica) enriqueceu a ambos, fazendo com o passar dos séculos a sofisticação de um interpenetrou a do outro. A questão de identidade budista na Índia, portanto, passa exatamente pela refutação, pelo reconhecer no outro a ideia que não podemos aceitar – e a dialética budista é a refutação ad absurdum, se usar (tomar mesmo) o argumento do outro até que ele se mostra contraditório. Aqui temos a alteridade sendo compassivamente internalizada até se revelar problemática, e, ao se reconhecer assim, se autodissolver.
Ainda assim o budismo é extremamente flexível: a noção de deva surge como uma crítica a objetivos espirituais considerados pouco elevados (noções de céu semelhantes a “72 virgens”, etc., mas incluindo aí estados meditativos espúrios cujas descrições qualquer esquizotérico nova era acharia excelente: “união completa com um espaço sem limites e sem noção de corporealidade”), mas termina cooptando os deuses hindus como bodisatvas convertidos, pela compaixão do Buda, ao budismo, ou mesmo como formas e objetos de meditação. A instrução essencial que permite a inclusão destas formas é “reconhecê-las como vazias”, isto é, desprovidas de existência separada, ou uma essência – atman. Forma que nada mais é que vacuidade, vacuidade que nada mais é do que forma: como nós, a cadeira e o gato, não são coisas verdadeiras, mas ao contrário de nós, são uma “falsidade pura”, cuja vinculação e interdependência com a realização do Buda inevitavelmente também levará ao reconhecimento da lucidez atemporal.
Podemos então acusar o budismo de praticar esse universalismo devorador que foi criticado acima? Ou do oposto, de se “sujar” de hinduísmo? Não exatamente: o sincretismo das deidades hindus no budismo não ocorreu em termos de reconhecer igualdade, mas exatamente reconhecer valor na diversidade, e acolher a diversidade, sem perder a integridade. Alguns mestres budistas agiam como “agentes secretos” ou duplos, e não se sabia se eram budistas ou hindus – mas o mestre, se era mestre, conhecia a própria integridade. Uma visão mais cínica sobre o assunto pode ser possível, sem dúvida, e até arrazoável: apenas não para um praticante budista, e nesse caso não ocorreria, também, nos moldes do universalismo, mas do simples imperialismo cultural descarado. Ora, a confiança na própria visão e nos próprios métodos (com o controle de qualidade da comunidade) é aceita como um valor positivo do praticante. Se o sincretismo com o hinduísmo (que foi mútuo, Buda para eles é só mais um avatar de Vishnu) foi imperialismo cultural ou visão não sectária, isso não é uma questão para o praticante budista, mas para o estudioso de religião comparada.
Para o praticante, resta entender que o budismo é uma máquina de reciclagem de nossas visões errôneas (culturais ou pessoais) como meios hábeis para o reconhecimento da lucidez inata. O Buda não usa palavras porque ele tenha necessidade de expressar sabedoria, ele usa palavras que se encaixam em nossos “receptores” ignorantes, por compaixão – essas palavras são habilmente abençoadas pela sabedoria, mas nelas, como e em qualquer fenômeno particular que o Buda use para ensinar, não há nem sabedoria, nem ignorância. Elas só nos esclarecem pela interdependência da compaixão do Buda exterior com nossa sabedoria inata, o nosso Buda interior.
Todas estas considerações, no entanto, escapavam a W. Y. Evans-Wentz, em suas seminais traduções de importantes textos tibetanos, como o Bardo Thodol (“Iluminação através da audição no estado intermediário”, que por causa do universalismo da Teosofia, para servir de paralelo ao “Livro dos Mortos” egípcio, acabou sendo muito mais conhecido no ocidente como “Livro Tibetano dos Mortos”) e a biografia de Milarepa. Evans-Wents traduziu essas obras Kagyu e Nyingma com ajuda de um tibetano da escola Gelug – que, particularmente antes do não sectarismo fortemente promovido pelo XIV Dalai Lama a partir da invasão chinesa, eram basicamente inimigas, e, mais significativamente, utilizavam todo um jargão diferenciado para tratar de coisas essenciais a cada tradução. Sems, “mente”, para a escola Gelug e para a escola Nyingma, são duas coisas diferentes. O que nos leva a crer que as traduções de Evans-Wentz, além de carregar sabor teosófico próprio, não eram muito bem compreendidas pelos dois sujeitos envolvidos na tradução.
No entanto é preciso frisar que muitas pessoas se conectaram ao darma justamente através destes livros tão imperfeitos. E por esse motivo é difícil criticá-los. (Uma vez aventei uma crítica sobre os livros de Evans-Wentz ao professor Alan Wallace, eminente erudito tradutor e detentor autorizado dos mais elevados ensinamentos Nyingma, e ele me disse que “foi ao ler o nome de Padmasambhava em a A Ioga Tibetana e as Doutrina Secreta que decidi ir para a Ásia” – onde ele foi monge por 14 anos, estudando com os maiores professores budistas no exílio.)
Não se trata, nestes livros, do materialismo espiritual de Blavatsky, a galhofa de viagem de Alexandra David Neel ou o pastiche de espiritualidade de banca de revista de um farsante como Lobsang Rampa. É o esforço genuíno de uma pessoa que, considerando o que estava disponível na época, e seus próprios interesses, fez seu melhor. Ainda assim, é bom saber que hoje há melhores alternativas (mesmo quando mantém o título apócrifo “Livro Tibetano dos Mortos” ou algo assemelhado).
Outra mistura entre Teosofia (“Viagem ao Oriente”) e Nietzsche (“O Lobo da Estepe”), é Hermann Hesse. Tendo escrito na época da distorção romântica, só ficou famoso após o movimento beat, nos anos 1960 – assunto da terceira parte deste artigo. Em Siddharta não há muita similaridade entre o que ele fala e os ensinamentos do Buda – é apenas uma mistura desses aspectos todos da efervescência romântica europeia (o “transe da dor” se transformando num esquisito grito de “afirmação da vida”) com hinduísmo e budismo, em grande parte destilado pela teosofia ou por Schopenhauer. É bom dizer que ele, de fato, apesar do título, não tem a pretensão de falar do Darma do Buda, mas muita gente, pelo título, obviamente associa.
E quanto às introduções de C. G. Jung, e seu interesse pelo pensamento oriental? Jung não parecia ser capaz de sequer distinguir formas diversas de pensamento oriental: para ele tudo era um amálgama “coniunctionis” com os próprios interesses na alquimia, no ocultismo e nas tradições místicas europeias. Vez que outra ele identificava uma ideia com a outra, mas na mesma esteira de um universalismo desbragado do romantismo alemão, de quem ele é um herdeiro direto (bem como de Schopenhauer!). Diferentemente da escrita cirúrgica de Freud, e de sua tentativa de manter-se dentro do status da ciência, Jung, sacerdote gnóstico ostentando anel esotérico, escrevia da forma mais nebulosa possível, e via tudo como um corpo de sabedoria indistinto, cujas ideias fracamente delimitadas usava para corroborar o próprio corpo teórico, assumidamente igualmente hermético e “incerto”.
Os fãs de Jung hoje ficam contentes por ele ter expresso certa simpatia condescendente para com o pensamento oriental, mas ele não deixou de pisar na bola mesmo ao fazer isso. Em mais de uma das introduções a Evans-Wentz ou Richard Wilhelm (e na a D. T. Suzuki, mencionada a seguir) ele menciona o fato de que o temperamento do ocidental não serve para práticas orientais, tais como a meditação – em uma caracterização que se tornará irônica algumas décadas depois, quando a “disputa de território” pressentida por Jung descamba para o oposto, isto é, na apropriação do budismo pela macmindfulness da psicologia. Embora sua visão sobre meditação como algo étnico seja uma afirmação que qualifica de alguma forma o universalismo, e por isso em certo sentido um refresco na destruição da identidade do pensamento oriental pela assimilação – o reconhecimento de alguma diferença que permite ao pensamento oriental respirar! –, até hoje professores budistas precisam enfatizar que a meditação é algumas vezes difícil, no início, para todo mundo, independente de etnia ou background cultural.
Não há, para o budismo, uma mente ocidental ou oriental, há obstáculos ocidentais ou orientais – e os individuais são mais importantes do que o contexto cultural –, mas nada é inovador ou diferente em termos de obstáculos: são as mesmas emoções aflitivas e condicionamentos em concentrações um pouco diferentes.
E, de todo modo, para Jung, fora isso, o orientalismo era mesmo só mais uma forma de reafirmar o universalismo de suas viagens místicas, filtradas e fracamente disfarçadas por uma corroboração teórica que ele ainda pretendia impor como ciência – mas que atualmente ninguém, senão os convertidos, aceita como tal.
Particularmente, Jung não tinha como ver o mundo hoje, onde a agitação moderna é global, e onde a meditação tem amplo respaldo científico. Ainda que a visão de Jung seja bem mais erudita (erudita demais, alguns diriam) do que a dos grupos relativamente simplórios que avançavam o universalismo, a contribuição que restou desse contato realmente não passou do olhar simpático e condescendente. Não há aprofundamento no tratamento dos temas, em termos dos prefácios ou em outros textos, senão para corroborar o próprio arcabouço teórico extremamente peculiar do próprio Jung. Em outras palavras, as introduções de Jung são propagandas de sua teoria, em meio a uma muito fraca tentativa de cooptar a terminologia da tradução em questão e reciclar algumas teorias errôneas de Schopenhauer sobre o budismo.
E de associações simpáticas o darma está cheio. Todo mundo quer tirar uma foto com o Dalai Lama, e todas as ideias do supermercado espiritual (ou mesmo secular) acabam vez que outra buscando corroboração naquela que é a visão com a melhor relação pública (por não convertidos) nos últimos 2600 anos. “Influenciado pelo budismo” é um selo comercialmente viável, propaganda melhor do que “contém ômega 3” ou assemelhado. Psicanálise, vários filósofos, falsos gurus como “Osho”, psicólogos cognitivo-comportamentais, “budismo dionisíaco”, jornalismo gonzo, espiritualidade drogada, autoajuda, seminários empresariais: todo mundo quer se esfregar no budismo para ver se ganha um pouquinho de respeitabilidade. E esse é um padrão que se perpetua mesmo com o ápice da visão positiva da media mainstream quanto ao budismo ter ocorrido talvez entre 95 e 2005.
…
Enfim, retornando à transição do iluminismo para o romantismo desbragado, entre Nietzsche e Heidegger (outro a quem atribuem conexão com o romantismo orientalista) o pensamento alemão fica suspenso em duas guerras e em ideologias populares bastante problemáticas que ninguém parece querer traçar até a academia – e mesmo no caso do Heidegger, onde o envolvimento hoje se sabe foi bem direto, tenta-se sempre “salvar o que é positivo” e trabalhar uma versão inócua, dissociada do elefante na sala.
A influência do romantismo alemão sobre o zen é tão arraigada, e não ocorre apenas no ocidente, que torna difícil efetivamente julgarmos a tradição livre de noções perpetradas pelo imperialismo cultural. Ainda assim, há um fenômeno semelhante ao do “lamaísmo”, onde uma forma de budismo tenta ser isolada, e aqui positivamente, da corrente geral dos ensinamentos. Ora, o “zen que nem mesmo é budista” pode ser um desenvolvimento japonês, de escolas determinadas, influenciadas ou não pelo pensamento alemão –, mas esse exagero romântico de uma tradição “ronin”, dissociada da tradição, é, não obstante, próprio da independência romântica.
Quanto à irracionalidade, novamente fica difícil traçar o que é exagero ocidental e o que é asiático e tradicional. Mas sem dúvida há uma distorção na noção de que “o pensar além do pensar e do não pensar” seja feito de meros enigmas paradoxais maluquinhos, gritos inesperados, pancadas, non sequiturs e iconoclastia nonsense. Essa redução da tradição particularmente japonesa e chinesa a um estereótipo de “santa loucura” tem um viés romântico positivo, isto é, é vista como credo quia absurdum, uma visão cristã tradicional, que logo, mutatis mutandis, redunda para a caricatura da noção popular de “zen”, que quer dizer três coisas no imaginário ocidental: despojado, calmo e absurdo. Uma quarta coisa é adicionada quando conhecemos praticantes ocidentais: que dureza! Há um quase orgulho do caminho ser seco, direto, cansativo, dolorido.
E o zen não seria isso? Sem dúvida não seria apenas isso. O zen tem uma poética que superficialmente soa absurda, despreza a elaboração e o excesso de intelectualismo, e foca aspectos de simplicidade e “silêncio” que algumas vezes se traduzem em algum ideal quase espartano de rigor e dureza. Isso está contido na tradição, e é anterior ao imperialismo cultural. Mas agora façamos o exercício de imaginação de alguém impondo conceitos românticos sobre tudo isto e reificando essas formas como fins em si próprios, e simplesmente ignorando que a não conceitualidade não é uma mera irracionalidade arbitrária, mas antes de tudo um estado de flexibilidade cognitiva… e também ignorando que a crítica budista ao intelectualismo advém, antes de tudo, do exagerado intelectualismo literário que a tradição produziu, e no qual muitas vezes se perdeu! Não é como se o budismo fosse iletrado, e ansiasse por simplicidade nesse sentido, de cara: isso é uma reação a uma tensão contínua entre a ênfase exagerada nos textos, sistematização e intertextualidade, e a ênfase na meditação e no contato com a natureza. As duas coisas seguem acontecendo, e seguem reagindo e esclarecendo uma à outra.
Igualmente, a dureza do zen também se dá em contraponto com sua leveza. Praticantes que enfatizam o aspecto duro talvez não tenham se acostumado a relaxar em meio à disciplina. E sem dúvida há lugar no budismo para, até certo ponto, prezar o esforço. Há uma tensão viva entre o aspecto tradicional e o transcendente – mas isso não quer dizer mero embate de contradições numa violação em contínua dissonância cognitiva: a imperturbabilidade zen não é um aguentar ou tolerar o intolerável, ou só ficar sem palavras.
Os koans não são “sem sentido”, eles ultrapassam o sentido ao trabalhar algumas vezes com vários sentidos simultâneos, muitos não só ligados a conceitos, mas a uma tradição detalhada que reconhece símbolos e registra, tradicionalmente e sistematicamente, conversas famosas entre mestres. O “som de uma palma só” ou o “rosto original” não são coisas que surgem para deixar alguém perplexo (ou apenas para isso), mas são antes de tudo elementos repetidos à exaustão, muitas vezes explicados, comentados ou elaborados; eles próprios com origens definitivamente literárias ou do folclore de uma tradição específica, inseridos num contexto particular onde se tornam problemáticos (uma “grande questão”), e cuja “solução” só advirá de um entendimento direto da natureza do darma. Geralmente reconhecido num embate com o professor (que não são dissimilares aos debates da Índia Clássica e Tibete recém descritos, apenas mais cheio de referências internas no sentido de uma escolarização e vivência de tais debates em termos de uma “literatura de debates”, num sentido sem dúvida mais poético e menos puramente inferencial/lógico, como no norte da Índia/Tibete).
Faça o seguinte experimento de pensamento: visualize dois velhos atores da tradição da dramaturgia inglesa fazendo piadas sobre Yorick, tirando um com a cara do outro usando referências a Beckett, usando terminologia de técnicas de palco e preparação – lembrando mesmo velhas piadas internas, trechos de textos e atuações, bares frequentados e noites de bebedeira, e referências só conhecidas pelas companhias em que atuaram. Pegue um tradutor Tibetano que, digamos, viveu alguns anos na Inglaterra, mas que viu só duas peças; que tudo que sabe sobre Shakespeare é que foi alguém importante – talvez tenha ouvido falar em Romeu e Julieta, e por estereótipo ache que é alguém que faz historias de amor –, e o faça traduzir essa conversa. Dai mostre o texto em tibetano dessa tradução para monges sem contato com a cultura ocidental: completamente papo de louco, não é mesmo? Só que os românticos, para piorar as coisas, assumem as críticas do zen quanto ao intelecto como tábula rasa (e não como resultado exato dessa hipertextualização!), e a aplicam às traduções sem conhecimento, contexto, ou qualquer possibilidade de entendimento. E daí vibram, tal como fãs de Monty Python, perante o que se torna mero nonsense, e, mais que isso deleite romântico irracionalista no nonsense! Misticismo do besteirol: é a isso que reduzem o zen.
É certo que ao iniciante, o ocidental estudioso que passou duas semanas convivendo com os monges, e já está cansado da rotina, e que quer entender tudo aquilo de uma vez, um professor vai dizer “não adianta pensar”, “senta aí”. Sim, passe algumas décadas conosco e os contextos surgirão: mesmo porque os contextos específicos da prática de meditação requerem tempo. Pessoas que não passaram por experiências similares e não cultivaram um vocabulário mútuo sobre essas experiências, não tem muito como descrever para a outra todo o contexto que viveram. A maioria das pessoas que fala de meditar sem alguns milhares de horas de meditação, descreve a superfície turbulenta de um mar revolto – quem meditou muito, descreve os seres esquisitíssimos das fossas abissais: são duas experiências muito diferentes. E da recomendação de “desistir de pensar”, e porque riem muito (porque são bem humorados!) o ocidental infere: ahá, é besteirol. Só que como é romântico, ele vê, ainda por cima, um misticismo misterioso na “bobagem”.
E isso penetra o budismo, de forma geral, porque nós ocidentais criamos nossa identidade budista em meio às noções distorcidas que produzimos, mesmo que aos poucos as estejamos tentemos dissolver. Por exemplo, num website brasileiro de um centro budista, não vinculado ao zen, quando entramos num endereço que não existe (Erro 404), se apresenta a seguinte piada: “nada encontrado… contemple a vacuidade de sua busca”. Ora, isso seria apenas divertidinho, não prejudicasse em certa medida o entendimento do que é vacuidade, que não é uma mera ausência, e não reificasse noções de misticismo irracionalista, de que o budismo já está justamente saturado. Achamos divertido porque brinca exatamente com visões estereotipadas do budismo, e sabemos disso, mas ao mesmo tempo reforçamos esse estereótipo.
Essa distorção não diz respeito apenas a certos elementos inflados no zen ou impostos sobre ele. A popularidade desses divulgadores distorceu o budismo na direção do Japão, e dentro do Japão, para uma entre dezenas de formas legítimas de darma budista que se expressam ali. Isso é ainda mais marcante aqui no Brasil, onde temos uma pequena comunidade de imigrantes japoneses. O oriental é chamado de “japa”, venha de onde vier. E, o budismo é “zen” seja que budismo for, senão por identificação direta, por estereotipia.
A imagem do budismo, no mundo, é uma conflagração da popularização do zen, algum elemento Theravada, e aspectos ligados ao Dalai Lama. Três formas de budismo que viveram isoladas umas das outras por centenas de anos, e que guardam especificidades muito próprias – darma genuíno as três, mas muito diverso. E não raro as distorções que uma sofreu geram um estereotipo que recai sobre as outras, indistintamente.
E é difícil para uma pessoa sem grande estudo, aqui no Brasil, identificar o que é sincretismo japonês (novas religiões japonesas que incluem conceitos e expressões budistas, uma popular no Brasil é a Seicho-no-ie); o que são tradições budistas bastante criticadas e não reconhecidas como budismo tradicional por várias outras formas tradicionais (a Sokka-gakkai internacional, por exemplo, também presente no Brasil); tradições budistas japonesas que não são zen; e o Soto Zen, o Rinzai e o C’han e outras formas menores de Zen no Japão, na China e em outros países asiáticos. O racismo e o preconceito vem da ignorância: “todos tem o mesmo rosto”, e tudo é tratado mais ou menos com as mesmas expectativas populares. Afinal, Claudia Raia é (foi?) “budista”, pouco importa se a forma que ela praticava não é reconhecida como budismo exceto por aquele grupo particular – e o budismo tem uma vasta e diversidade comunidade não-sectária, em que o reconhecimento mútuo é muito comum…
Isto é, de forma algum aqui se quer diminuir em algo a importância ou relevância do zen. Mas o fato é que o budismo ficou marcado, no ocidente, pelas interpretações alemãs de certas formas japonesas. E nem tudo (pouco, na verdade) no budismo tem as especificidades do zen, muito menos no seu sabor romântico. E, ainda assim, “zen” acabou virando uma marca – sem dúvida mais reconhecida que qualquer outra religião asiática – em parte devido a sua promoção em termos do romantismo alemão.
Quando cursei filosofia, os colegas algumas vezes simpaticamente, e condescendentemente, tratavam o budismo assim: com piadas algumas vezes bonachonas e ingênuas, outras vezes meio maldosas, sobre a suposta irracionalidade, e o suposto absurdo, de histórias populares do zen.
Ora, a aporia, ataraxia, apatheia: valores clássicos no ocidente, substituídos pelo sublime apoteótico no romântico. Mas não se confundem. O orgasmo (paroxismo!) da irracionalidade é um valor romântico, que foi, em algum momento, no Japão ou fora dele, imposto sobre o zen, e sobre o budismo de forma geral. Puxa vida, não faz muito tempo, o AVC de uma pessoa foi descrito em artigos na internet como uma experiência de “iluminação” – este é o cúmulo da visão romântica (com rebarbas de cientismo iluminista no fetiche pelo cérebro) distorcendo o budismo.
Também a noção de “destruir o eu”, que se é que existe em algumas formas de budismo, é no mínimo extremamente rara. Ora, destruir um “eu” significa postular um “eu”: e o eu, de pessoas ou mesmo a essência de objetos, para o budismo simplesmente não é real. Podemos destruir um engano com relação ao eu, mas “destruir o eu” simplesmente faz parte desse engano e o piora, em particular quando quer dizer “virar uma pessoa submissa”. “Destruir o eu” de tantas formas de esoterismo é piorar o problema do eu, aumentar o engano quanto a ele. O romantismo de D. T. Suzuki, porém, mistura o aspecto do paroxismo da irracionalidade com algum tipo de autoaniquilação – que é absolutamente negada pela tradição budista.
Já correndo o risco de cometer os mesmos preconceitos de Jung, beirando ao racismo, só que invertendo os envolvidos, parece evidente por que a mentalidade alemã encontra nos ideais japoneses, particularmente os do período Edo – eficiência, limpeza, dureza, e o que reconhece como irracionalidade romântica (mas que provavelmente é mais “tenha paciência, vai levar algumas décadas”) – algum tipo de irmandade. E a supererudição e o texto com vários níveis de hermenêutica também possui relação com a Alemanha no seu contexto pós-romântico, ainda que a conexão seja mais indireta, porque o ocidental não os reconhece diretamente no Japão ou na China. A pós-modernidade alemã, a mesma da banalidade do mal, é a que se identifica com uma versão (explicita ou implicitamente) não budista do zen. E daí os abusos do militarismo, pelos quais a tradição zen, bastante envolvida, profundamente se desculpa.
Se a tradição assume, a erudição japonesa pré-guerra – a presente nas universidades, e não nos centros de meditação ou templos –, como a alemã, por seu lado, não assume responsabilidade pelo que aconteceu no Japão nos anos subsequentes. Na filosofia (ocidental!) japonesa, que vem diretamente da escola romântica, o elefante é também bastante ignorado, e até hoje certa erudição manchada de sangue continua sendo estudada e promulgada no Japão.
De todo modo, o talvez principal autor e divulgador do Zen no ocidente até os anos 1990, não era um praticante. Não era alguém autorizado a ensinar o zen, ou mesmo um especialista avalizado pela estrutura tradicional japonesa – era um pesquisador universitário, em um período em que o Japão estudava o ocidente com olhos de muito nacionalismo preservacionista (o que ia mudar, óbvio, depois da Segunda Grande Guerra, e da grande vergonha e humilhação sofrida principalmente pela elite nacionalista japonesa). D. T. Suzuki era um cristão principalmente educado em filosofia alemã, dentro do Japão. Seu olhar para o zen era similar ao olhar dos nazistas perante o passado mitológico germânico: uma forma romântica de fortalecer o nacionalismo.
O outro grande divulgador do zen era uma espécie de discípulo seu: Alan Watts, também bastante tocado pelo romantismo alemão, mas por seu lado mais próximo da teosofia, e enfim conectado via contracultura com os mencionados na terceira parte deste texto.
É realmente curioso, mas entre os dois autores mais populares de zen em inglês, ou português, até 1990, os dois não tinham treinamento, não eram praticantes, e o japonês era talvez um pouco menos confiável – Alan Watts foi bastante criticado por grandes professores do Zen – particularmente por não enfatizar a prática intensa de meditação –, mas foi também elogiado. Já D. T. Suzuki não encontra defensor na tradição, até onde eu saiba.
Jung, numa introdução de 30 páginas, obviamente louvava D. T. Suzuki como “uma das melhores contribuições para o conhecimento do budismo vivo” – mas claro, advertia para termos cuidado de não “pegar emprestada” tanta espiritualidade asiática, já que, convenhamos!, usamos gravatas e moramos em casas de alvenaria. Em outras palavras, “o ricochete do romantismo alemão tá bonito, mas essa coisa étnica aí, saí para lá”: é basicamente esse o resumo da introdução de Jung, se a lemos com olhos multiculturais e iluminados pela erudição atual sobre o budismo de Suzuki e o orientalismo de Jung – bem como pela própria tradição, como tem generosamente se apresentado a nós a partir da globalização.
Ainda assim, como com W. Y. Evans-Wentz (cujos equívocos não chegavam a ser tão amplos, ou tão daninhos), é difícil criticar D. T. Suzuki (as letras do prenome devem ser mantidas sempre ao citar, já que um grande professor extremamente qualificado do zen que ensinou na Califórnia, e que devia ser muito mais popular que D. T., se chamava Shunryu Suzuki Roshi). Muitos ocidentais adentraram o darma por suas elaborações sobre os ensinamentos budistas. E destrinchar o que é exagero romântico, idealismo, transcendentalismo americano, cristianismo ou germanismo disfarçados, ou budismo e zen autênticos no que essas pessoas praticam, isso é tarefa para grandes mestres, não para um texto desse escopo. De todo modo, fica o alerta, porque isso é pouco falado: D. T. Suzuki não é alguém que se reconheça como conhecedor, praticante ou boa fonte sobre zen ou budismo.
E, exatamente como com a encíclica papal diretamente derivada de um espantalho budista erigido por Schopenhauer tenta refutar o budismo, como descrito no texto passado, o antagonista secular mais proeminente do budismo na atualidade, Slavoj Žižek cita D. T. Suzuki como se fosse descritor fidedigno da tradição. Um erro para se cometer até a década de 1970, talvez – mas hoje? Mas os padrões continuam, principalmente com escritores populares, mas sem qualificações, sendo tomados como especialistas no assunto – particularmente durante refutações. O espantalho budista é mesmo grande e surrado.
”As três grandes ondas de distorção do budismo no ocidente.”
3ª onda: a distorção dos descolados
Por Padma Dorje.
Na terceira parte do artigo focamos no entusiasmado interesse dos beatniks pelos budistas, e como os desafios da contracultura finalmente consolidaram as distorções do iluminismo e do romantismo. As estruturas tradicionais do budismo se deparam com a horizontalidade (indisposição com a hierarquia) e a falta de senso de comunidade da contemporaneidade individualista e que valoriza a independência. Além disso, na ressaca do fracasso do ideal hippie, encontramos a cultura de consumo lidando com a espiritualidade, o materialismo espiritual grosseiro de um darma finalmente transformado em produto. A terceira distorção é a primeira que aconteceu na consolidação da globalização, e os desafios não afetam mais ocidentais ou orientais, mas a todos indistintamente.
As três grandes ondas de distorção do budismo no ocidente
Terceira onda: a distorção dos descolados
A maior parte dos professores budistas hoje se preocupa em separar o que é essencial à tradição e o que são “armadilhas culturais”. Ainda que alguns concedam que as armadilhas culturais (de outra cultura) são importantes para nos desapegarmos de nossa própria cultura (isto é, como um método para isso), entende-se de modo geral que aspectos dos ensinamentos dizem respeito a necessidades e adaptações particulares ao espaço e ao tempo, e que podem, portanto, ser alterados ou mesmo eliminados de acordo com a mudança de contexto.
A determinação de que aspectos são essenciais ao darma faz parte da prática de todos os budistas, mas é particularmente um motivo de consideração constante para os professores.
Ainda que exista virtude em preservar elementos culturais em extinção, num argumento similar ao da biodiversidade, em que esses nichos preservam soluções não reconhecidas para problemas humanos atuais, ou mesmo os que ainda nem existem, essa virtude não é especificamente budista. Isto é, não há uma noção de preservação do patrimônio cultural dentro dos ensinamentos do Buda, esse é um adendo que pode não se contrapor aos ensinamentos (por ser virtuoso em várias medidas), mas que também não necessariamente deve ser considerado essencial.
Por outro lado, questões como a defesa da causa tibetana – que começou ambiciosa, com a reconquista da independência, e hoje está no nível de preservar a língua, a cultura de forma geral, e garantir uma China mais democrática – muitas vezes estão intimamente associadas com a prática dos ocidentais. Frequentemente a verve ativista e a simpatia pelos tibetanos é o que garante a conexão de alguém com o darma. E o mesmo se deu com Vietnamitas e Coreanos, em outros momentos históricos.
Essa luta pela diversidade, pelos povos menos favorecidos, é descendente direta dos bons valores iluministas, que proveram uma visão mais equânime e permitiram o multiculturalismo, bem como da romantização do oriente (e dos “bons selvagens”) promovida pelas ideologias posteriores. E nenhuma forma de expressão artística representa tão bem esses elementos quanto sua síntese tardia, refinada com o sabor próprio do transcendentalismo de Emerson e Thoureau, refogada pela mistura do jazz com milk-shake nos guetos e subúrbios americanos, entre uma juventude transviada buscando a transcendência pela vida como forma de expressão artística. Isto é, os beatniks.
Aqui encontramos o romantismo montado numa Harley-Davidson, metáfora que carrega três pontos importantes: 1) a vida levada de forma extrema, ainda que sem o peso de alguma seriedade reminiscente do romantismo; 2) o americanismo do ultraindividualismo e dos valores mais puros do patriarcas constitucionais, e a destilação pura do iluminismo colorida por muito Thoureau, apreciação da natureza e valorização da excentricidade; 3) a publicação de polpa, e a sensação – de sensacionalismo mesmo, por parte da imprensa careta, que se horrorizava com esses delinquentes, e também de “onda” cultural que redundará numa popularização ainda mais intensa, os hippies.
Robert Thurman, em sua introdução a biografia de Buda por Jack Kerouac, o chama simplesmente de “bodisatva” (Despertar: Uma vida de Buda, publicado no Brasil pela LP&M) – isto é, alguém que adentrou o caminho do mahayana, e é um exemplo para outros, corajosamente abandonando o prospecto do nirvana para trabalhar incansavelmente em benefício dos seres. Ele é cuidadoso em não cometer o erro, descrito no texto anterior, que eu mesmo cometi ao falar de W. Y. Evans-Wentz com Alan Wallace, isto é, evita de todo modo efetuar uma crítica e analisar o texto de Kerouac buscando defeitos – ainda que implicitamente se ganhe uma noção do mérito em meio à distorção que existe na conexão do selvagem quebécóis. Essa é a atitude budista, refutar o que precisar ser refutado sem que sequer se sinta o que está sendo refutado – vai que um dia “cai a ficha”, e é melhor não criar um mal-estar. E Robert Thurman é ele mesmo um perfeito resultado dessa era, erudito tibetanólogo, ativista, praticante budista, nascido 19 anos depois de Kerouac – um velho hippie caolho com credenciais de gente séria. Pai de Uma (“Caminho do Meio” em Tibetano) Thurman, amigo de Sua Santidade o Dalai Lama e luz do darma na degenerescência pós-moderna, ocasionalmente traduz com escolhas inusitadas – que por vezes soam hippies mesmo – mas sem erro.
Porém, falando de modo direto, e concordando que Kerouac, como Evans-Wentz, fez muito pela imagem do budismo e conectou muita gente com os ensinamentos autênticos, é fácil reconhecer nesse bodisatva delirante os “meios hábeis” de não deixar de apresentar o darma sem configurar algum sabor bem próprio. Isso para ser bastante cuidadoso, e abusar do eufemismo.
Kerouac teve alguns anos de interesse profundo pelo budismo, mas num nível meramente textual. Ele sem dúvida “sentou”, mas sozinho e sem orientação. Tudo começou quando encontrou uma cópia do A Buddhist Bible, uma coletânea de traduções budistas de várias tradições, produzida por Dwight Goddard nos anos 30. (Este livro em si também muito querido de toda uma geração de praticantes ocidentais, inclusive nosso Lama Padma Samten aqui no Brasil. O livro tem escolhas e tradução idiossincráticas, e é tendenciosamente cristão – sendo hoje mais importante num estudo da entrada do Darma do Buda no ocidente do que propriamente como melhor forma de entrar em contato com os textos raiz – considerando que há melhores traduções disponíveis em inglês).
Fascinado pelo Sutra do Diamante (O “Vajrachedika Sutra”, Sutra Lapidador de Diamantes) ele introduziu várias noções de budismo, misturadas com o romantismo inevitável das produções intelectuais que encontrou sobre o assunto (inclusive também D. T. Suzuki – a quem quase conheceu pessoalmente), em sua prosa experimental e vertiginosa. Em Os Vagabundos do Darma descreve, com alguma ficcionalização superficial, os amigos budistas fazendo trekking na natureza, festas de arromba, inclusive com algum amor livre e, claro, drogas.
Há uma dicotomia, curtida pelos beats (“beatíficos”/“surrados”, que se tornaram beatniks pela imprensa sensacionalista, que os ligou, pela mera configuração de serem novidades simultâneas, ao satélite russo Sputnik), entre o ascetismo e o caminho blakeano da “estrada do excesso leva à sabedoria”. E eles viviam nessa tensão, num ciclo infindável de curtição equilibrado por ressacas introspectivas, uma bipolaridade “automedicada” tentando coadunar sua ideia de arte com as noções da espiritualidade universalista, ambas herdadas dos românticos.
Kerouac também mantém em alguns momentos de sua prosa certos ideais românticos sobre uma morte enquanto jovem, depois de alguns anos gloriosos, com um “desaparecimento” ao estilo niilista schopenhaueriano. Isso não chegou a acontecer com ele, mas talvez, junto com o movimento romântico, naquela época já com 100 anos, inspirou muitas overdoses e suicídios.
Algumas vezes Kerouac não entende que carma positivo também é causa para renascimento, se ele não é dedicado ao darma. Assim surge alguma noção de progresso através de boas ações, que se não é contextualizada, leva a renascimentos pouco auspiciosos entre os devas da forma e da não forma, onde não é possível praticar o darma porque simplesmente há muita distração com prazeres e coisas divertidas.
No aspecto positivo, Kerouac parece entender algo da insubstancialidade onírica dos ensinamentos.
Dois outros beats, amigos de Kerouac e poetas, também precisam ser mencionados em conexão com o budismo: Gary Snyder e Allen Ginsberg. O primeiro fez treinamento no Japão já nos anos 50, e não era, ao contrário de Kerouac, um diletante em termos do budismo. Seus escritos são extremamente lúcidos, e é difícil encontrar as afetações anfetaminadas comuns no escritor mais popular – ainda que seus escritos se mantenham belamente pessoais. Allen Ginsberg evitou escrever sobre o darma, mas se tornou praticante, discípulo de Chögyam Trungpa – um professor tibetano extraordinário que se dedicou a ensinar dicção oxfordiana para hippies que vestiu em terno e gravata –, e parece ter incorporado o darma de uma forma muito positiva em sua vida.
Kerouac, o bodisatva caído, abandonou o budismo nos últimos amargos e alcoolizados dias de sua vida. Popularizou a coisa toda como ninguém – defeitos ou sem defeitos –, mas não parece ter conseguido usufruir os resultados de sua conexão. É uma figura romântica que o budismo incorporou no ocidente, até mesmo aceitou como exemplo da variedade de quem pode ser tocado pelos ensinamentos – e ao longo dos séculos não vai se deixar de falar da em conexão com o budismo.
O importante, para quem admira esses artistas, e me incluo aí, é reconhecer que nessa primeira onda de escritos artísticos sobre o budismo, nos anos 50 e nos EUA, não temos muito darma. Temos mais algumas palavras importantes de se ver impressas, e belas conexões incipientes, mas nada que se possa levar a sério como praticante – em termos de aproximação efetiva com os ensinamentos ou a prática.
Uma distorção específica importante a ressaltar é que o budismo ali parece muito liberal, no sentido moral: e embora o darma não seja uma “religião de fugir da tentação” como o cristianismo algumas vezes se apresenta, ele tem várias restrições, que vem, é certo, menos de regras do que da pessoa reconhecer o que não é bom para ela e para os outros. Mas o budismo, embora não julgue tanto quanto talvez algumas outras tradições julgam, é efetivamente bastante conservador moralmente falando.
Fora a homossexualidade, que aparentemente cada vez se deixa mais de tratar como uma questão de saúde ou moral – mas como uma questão pessoal, e com que a sanga no ocidente, em sua maior parte, convive bem –, drogas e aborto não são nunca bem vistos pelo budismo. E ainda que se possa discutir as melhores políticas públicas, e isso se deva fazer como praticante inserido num mundo secular, a premissa toda é que os seres sofrem porque estão agindo por automatismos que tomam por liberdade, e que, portanto, sim, muitas vezes devem ser protegidos de si próprios. O budismo é assim claramente conservador quanto a esses tópicos, mesmo quando é mais flexível do que normalmente consideramos algo conservador.
Mas Kerouac não associou o budismo a essa liberalidade – não é nem um erro que podemos atribuir a ele, senão em tom: a associação às vezes acontece simplesmente porque leitores se interessam pelas duas coisas simultaneamente: Kerouac e o que ele achava tão interessante, esse “darma de vagabundo”. Podemos sim louvar Kerouac pelo que ele fez pelo darma, sem precisar levar a sério o que ele escreveu, pelo menos não a sério enquanto praticantes – e podemos achar a arte muito relevante e viva, mas isso é outra coisa.
Quando o movimento beat tomou a juventude inteira nos EUA durante os anos 60, e virou movimento hippie, ideias de renascimento e carma, gurus indianos e tudo mais, entraram na visão pública junto com as drogas e os cabelos longos. O outro romântico meio nietzschiano e teosófico, Hermann Hesse, ganhou popularidade também nessa época. O paralelo com as drogas e a excentricidade no vestir e em como aparar os pelos corporais é relevante: no século anterior eruditos estudavam o oriente, médicos experimentavam com drogas, e transcendentalistas, místicos e artistas exibiam sua excentricidade colorida. O que ocorreu foi uma popularização no sentido mais cru: os pobres e pouco educados passaram a ler e admirar a elite e a influência cultural de tantas modernidades. Foi uma “antropofagia” ao modo estadunidense: caipiras doidões rolaram na lama ao som de amplificadores ingleses, glorificando um ídolo meio índio, meio negro dotado de uma Stratocaster. É difícil hoje, tendo tudo que aconteceu em retrospectiva, entender a rapidez das mudanças sociais nos EUA (principalmente) dos anos 60.
Um prospecto beat realmente bom, que seguiu pela visão hippie e chega no ativismo liberal de hoje, é o darma fazer “slumming”, penetrar as favelas, se relacionar com outras etnias, com os marginalizados, e valorizar a diversidade. Foi uma prática de equanimidade, ainda que não tenha durado, e hoje os centros budistas no ocidente sejam ostensivamente classe-média alta e branca, com poucas exceções. O Buda, no Surangama Sutra, recomendava aos alunos próximos: renasçam entre prostitutas, marginais, na pobreza – que é um tipo de voto que quase espelha certos aspectos do cristianismo no que ele tem de mais belo.
Porém, apesar das muitas conquistas efetivas dessa geração, e de lutas importantes – basicamente a formação da esquerda moderna (pós-dicotomia “mundo livre” versus “mundo comunista”), o ambientalismo, direitos civis, a critica a sociedade de consumo, e assim por diante – tudo associado àquele tempo corre o risco de ser estereotipado, e muitas vezes tratado como ridículo. Como se o que é válido pertencesse a uma estética e a uma época.
Da mesma forma que com Schopenhauer ou Emerson, também temos simpatia pelos hippies, que assumiram valores budistas, e levantaram algumas vezes a bandeira budista – por mais distorcidamente que isso tenha ocorrido. São parte do passado embaraçoso, próximo à tradição nesse novo contexto. Eles aos poucos se tornaram a Califórnia dos implantes de silicone, do suco verde, das reverências de palmas juntas e do uso corriqueiro de termos como “carma”.
Quando o Dalai Lama veio pela segunda vez ao Brasil em 1999 a revista Veja publicou uma reportagem insidiosa contra o evento, em que descrevia a plateia como vestida de “hippie chic”. Duas coisas acontecem aí: por um lado a plateia vem na onda dessas conexões, e por outro lado, é isso que impressiona a revista.
E o budista, até hoje, é bem verdade, muitas vezes ainda lida com o conservadorismo “normótico” de sua família, tendo que “erguer alto sua bandeira freak”, porque na cultura classe-média se identificar como budista é ser criticado como diferentão ao mesmo tempo em que se é criticado por cair em modismos. É ser obrigado a ser uma pessoa calma, que nunca rebate uma opinião, caso contrário somos hipócritas: ora, a ironia!
Mas, mais do que isso, o budismo não possui só um modo “tradicional” em seu âmbito nativo alienígena: lá na Ásia mesmo ele tem uma tradição de auto-iconoclasmo. Trata-se de uma tradição, de fato, essencialmente contracultural. Afinal de contas, Buda largou família e posição social e foi viver com os sem-teto, e “estudar a mente” passando fome e fazendo posturas corporais esquisitas. Entrar na sangha é encontrar outra família, viver noutra sociedade. Embora ele seja reconhecido muitas vezes por seus estereótipos institucionalizados (o monge pacífico, líder moral e professor), ele é culturalmente muito mais desafiador e iconoclasta do que isso.
E isso não para no Buda: ao mesmo tempo em que os mosteiros sustentam o estudo, há uma tradição paralela, em florestas e na cidade, em lugares ermos e nos campos de cremação, onde budistas selvagens mantém vivo o aspecto contracultural do darma.
Esta é uma tradição que tem santos que defecam em ícones, namoram cadelas e queimam bibliotecas.
Por outro lado, o liberalismo moral beat não tem necessariamente a ver com esse aspecto “louca sabedoria” do budismo – a não ser que queiramos desenvolver devoção por esses escritores, o que não tenho certeza ser recomendável. Mas não é pelo comportamento dessa gente que se mede o quanto “não estão próximas do Buda”: é pelo que podemos assimilar como prática genuína, e aí talvez não haja mesmo muito, se há alguma coisa. Em termos do comportamento, por ele só, não dá para dizer nada.
Mesmo com essas considerações, o budismo é visto pelo crítico Slavoj Žižek como uma ótima forma de preservar o status quo, já que o “vazio” (no viés alemão e cristão de um D. T. Suzuki, é claro) permite que tudo esteja acontecendo nos números abstratos da bolsa de valores, que é só ficar calmo e aproveitar os dividendos. Para alguns teóricos de esquerda, portanto, o budismo é uma forma de desviar energia de ativismo que seria muito importante.
O budismo, curiosamente, culturalmente parece ter feito uma volta de 180 graus, nos últimos 40 anos, na visão de alguns intelectuais. De desafio à normalidade, a reificador da normalidade. Mas é claro que Slavoj Žižek, como bom pós-moderno irracionalista koânico detêsuzukiano, adora uma autocontradição e uma ressignificação desconstruidora. Se algo se mostra o oposto do avesso do contrário, é isso que acha bonito!
Mas o pior é que o budismo, mesmo o budismo tradicional, é em parte de fato culpado dessa vinculação com o status quo, em particular com a sociedade de consumo. E a mcmindfulness e as meditações para executivos estão aí para talvez corroborar que essa distorção é possível, ainda que culpar o budismo por isso seja absurdo.
Além disso, hoje, no ocidente, tendemos a distorcer (ou ignorar completamente) a noção de oferendas, tanto efetivas quanto simbólicas.
O darma, para se estruturar no ocidente, normalmente tem se prostituído. Isso significa que o darma é aqui, bem distintamente do que ocorre na Ásia, vendido. E isso não ocorre sempre, como a maioria das pessoas pode pensar, simplesmente porque alguns monges, lamas e sacerdotes são gananciosos e vivem estilos de vida incompatíveis com a pobreza exemplificada pelo Buda e sua primeira comunidade (ainda que isso ocorra vez que outra). Não, isso se dá mais por que nossa cultura transforma tudo em um produto, e o que não for um produto encontra dois problemas: não é valorizado por quem o recebe e não se sustenta, porque não recebe apoio. Na Ásia o darma é valorizado de uma forma que ele se sustenta por causa desse valor reconhecido. Aqui nossa mentalidade, nosso arcabouço cultural, só vê valor em algo que custe dinheiro – e da mesma forma, não damos nosso suado dinheirinho para sustentar a sanga, porque, afinal de contas, “cada um por si”. Na Ásia o darma é como, por muito tempo, foram as universidades estadunidenses: sustentado por doações de gente que passou por lá e depois fez fortuna (hoje já não é tanto assim, as universidades também viraram corporações).
Ainda assim, principalmente do lado do praticante, a oferenda é essencial. Oferecemos para as Três Joias e seus representantes de forma a purificar nosso próprio apego e gerar mérito ao sustentar os ensinamentos que beneficiam os seres. Oferecemos atenção, tempo, trabalho, dinheiro e estrutura. E, de forma a nos treinarmos na mente ampla e generosa, fazemos também oferendas simbólicas. O Buda recomendava para uma pessoa muito miserável que oferecesse um objeto da mão esquerda para a direita e vice-versa, até se acostumar com a natureza da oferenda. Dessa forma, mantemos altares onde várias substâncias são oferecidas simbolicamente, em termos desse treinamento da mente.
Se o mestre budista é autêntico, ele recebe sua oferenda para ajudar você, não porque ele queira ou precise.
Além disso, é importante oferecer para os seres que sofrem. No ocidente o budismo não surge em tantas formas caridosas como as religiões ocidentais. Os praticantes muitas vezes não estão dispostos a fundar escolas ou hospitais, ou simplesmente servir sopa nas ruas. Por um lado existe a desculpa de que isso não era feito de forma ampla nem mesmo na Ásia, nas formas tradicionais – e que “consertar o samsara” nunca foi, nem nunca será, a prioridade do budismo. Embora os mosteiros muitas vezes abrigassem uma quota de desvalidos.
O fato é que o darma não vê a modificação do mundo como ele se apresenta como a maior forma de produzir benefício para os seres. Isso não é uma antítese aos ensinamentos, mas realmente não pode ser prioridade. A prioridade é desenvolver uma liberdade interna que não oscila na dependência de uma circunstância externa. A partir disso o “budismo engajado” pode até existir (embora seja redundante com o darma verdadeiro), mas uma distorção ocidental possível é priorizar podar os galhos, e não arrancar as raízes do problema.
Isto é, confiar no darma é confiar que a felicidade verdadeira só pode ser encontrada quando os seres reconhecerem a realidade como ela é. O darma é o método por excelência para chegar nesse resultado. Focar-se demasiado em ações sociais é, nesse sentido, como se preocupar, num paciente com câncer, com um pequeno corte no dedo que ele porventura tenha feito na cozinha. Não precisamos deixar de botar um curativo, mas o que importa é fazer o tratamento da doença que pode ser fatal.
Além disso, como pincelado na introdução ao texto, a questão da disponibilidade enorme de ensinamentos, tanto na internet quanto em livros, e mesmo o vasto número de centros de darma de várias tradições nas metrópoles, trazem várias questões que dizem respeito ao que se chama “supermercado espiritual”. A independência do ocidental o faz escolher o que ler indiscriminadamente, porque normalmente, sem uma forte conexão com a reflexão na impermanência, pensa como se tivesse todo o tempo do mundo, e se considera cheio da capacidade de discernir o que é bom para si próprio – o que é válido até certo ponto, mas que é mais saudável se acompanhado com pelo menos uma leve desconfiança sobre nossa capacidade de discernir o que é o melhor, num dado contexto. Nós fazemos isso quando vamos ao médico e não nos automedicamos: mas no caminho espiritual, gente que tolera fazer o tratamento com um guru, no ocidente, é raro. Também porque vimos tantos abusos dessa posição que vale desconfiar um pouco: mas não de forma absoluta.
No budismo tradicional os textos são receitados por um professor, e há um processo ritual que nos autoriza e ensina a penetrar na textualidade em conjunto com a prática. Assim surgem várias questões de economia da atenção em termos de disputa pelo nosso foco, tanto de coisas mundanas com o darma, como por várias formas de darma, que algumas vezes são boas cada uma por si só, mas que se misturadas podem não dar muito certo.
Nossa prática precisa ser autêntica e coerente – da mesma forma que não adianta seguir as orientações de vários médicos ao mesmo tempo, é preciso testar um conjunto de ensinamentos por alguns meses ou anos, antes de, de preferência com a anuência do professor anterior, buscar outro método.
Além disso, a horizontalidade faz qualquer desqualificado como eu escrever textos sobre o darma, que são lidos e interpretados sem grande escrutínio, e os publicar na internet, atingindo talvez um grande número de pessoas. Essas pessoas possivelmente estariam se beneficiando muito mais ao praticar o darma com um professor e estudar profundamente um comentário clássico ou texto raiz sob sua orientação, do que ler “artigos de revista” sobre questões superficiais de darma e história do darma no ocidente – polêmicas vazias e alfinetadas projetadas para apertar os “botões certos” na pseudosanga da internet. E se você vier com o argumento que não, que meu texto é legal, que eu sou conhecido da sanga, preste acima de tudo atenção a isso que escrevi neste parágrafo. Isto é, não perca tempo lendo qualquer coisa sobre budismo. E também não perca seu tempo com outras coisas, que não são a prioridade do darma. Use seu tempo com a prioridade maior, que é receber o darma genuíno de um professor qualificado e o colocar em prática.
E se ler é um problema, imagine colocar suas opiniões sobre o budismo no Facebook ou algo assim! São dois os tipos de budistas que encontramos na internet: interessados, sem contato pessoal, e pessoas que talvez não se digam mestres, mas que se colocam na posição de ensinar como se fossem. Há muitos “queridos” que até publicam livros e tiram fotos com professores, dão palestras e – que não tem qualificação nenhuma, não serviriam nem para explicar a alguém como se faz café ou pipoca. Modo geral, há muita bobagem sendo escrita, e mesmo quando não são erros de conteúdo, são erros de forma e colocação, ou coisas que simplesmente – tradicionalmente, no budismo – não se fala em público: porque causa celeuma, polêmica, confusão – promove discursividade vã e improdutiva.
O seu professor provavelmente tem diretrizes sobre como se portar na internet, portanto pergunte sobre isso, e siga as orientações. Modo geral verificaremos que os bons praticantes mantém um low-profile, quase que se escondem. (E a partir disso já dá para inferir que tipo de praticante eu sou.)
Além dos problemas com a sociedade de consumo e de déficit de atenção, o budismo precisa lidar com os outros desafios da modernidade. Por exemplo, no Tibete, por questões culturais próprias, que podem ser julgadas favoravelmente ou não de acordo com a teoria feminista que se escolhe, é comum um professor budista (que não seja monge) namorar uma aluna. E isso vale também para as professoras mulheres (e embora elas sejam um tanto mais raras, ainda são mais comuns que na maioria das outras tradições religiosas). Impensável é ele namorar alguém que não esteja em seu contexto de vida, já que os professores budistas não têm férias ou uma vida outra em que não são professores (o que pode ser um bom argumento para algumas tradições só permitirem professores monásticos). Aqui no ocidente essa é uma questão muito delicada, porque se entende que a pessoa em posição subalterna se encontra frágil, não tem total autonomia perante um líder, seja ele mundano ou espiritual (ainda que, devido a nossos preconceitos particulares, o fato de ser espiritual torne a coisa aos nossos olhos mais complicada).
Por outro lado, a questão da igualdade sexual, e outras questões semelhantes, tem sido levadas a sério por budistas no ocidente, e aos poucos isso se reflete na Ásia. A sanga por aqui tem avalizado muitas mulheres em posição proeminente.
Mas por que essas questões da modernidade são aqui listadas como “distorções”? Um dos principais fatores, retomando a questão da economia da atenção, é que nos focamos em muitos detalhes que não são importantes para a prática. Hoje em dia são comuns perguntas sobre “o budismo e [adicione aqui uma questão da modernidade]”, e ainda que isso seja importante sob certo aspecto, de modo geral tem pouco a ver com a prática. Fixamo-nos em escândalos dos professores e em suas vidas privadas. E esse não é o ponto, de forma alguma.
Podemos até ser feministas ativistas, mas não podemos confundir isso com prática budista. O nosso interesse, ou obsessão, para um praticante, não é a prioridade. Mas a cultura se configura dessa forma: trazemos nossas lutas pessoais para uma “arena budista” que inventamos. E então o budismo se torna mais um centro acadêmico ou clube, onde assuntos da moda, e o último escândalo em termos de um ou outro ativismo, é martelado indefinidamente: e nada disso tem a ver com prática.
Os interessados pelo budismo, e os que se consideram budistas, são muitos; já os que praticam e estudam sistematicamente, e podem realmente sustentar a tradição para as próximas gerações, esses são muito poucos. Então demonstra certa superficialidade, quando após algumas décadas, ainda não superamos as questões de “relações públicas” do darma, e nos encontramos repassando no Facebook notícias sobre sei lá quais monges que brigaram sei lá onde. Se você tem algo para denunciar, chame uma autoridade que possa fazer algo. Não fique fazendo linchamento moral em público. Se praticar disciplina moral de fala era difícil com boca e ouvido, imagine com uma rede global. Os atos negativos de fala se multiplicam exponencialmente.
E tente orientar seu estudo para questões que podem melhorar sua prática, não para questões institucionais, históricas ou “modernas”. Isso é mais ou menos como viver pelo telejornal, revista de fofocas ou timeline do Facebook: não é seu melhor eixo de vida focar esses assuntos. Você vai, inevitavelmente, receber algumas respostas sobre suas questões sociológicas, porque as pessoas perguntam muito: então, desencane.
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O budismo não é um fenômeno comum, um objeto de estudo ordinário. Quando é tratado dessa forma, ele naturalmente surge como as projeções de quem promove o estudo, e por isso dizemos “distorção”. Isso é assim porque o darma budista é uma expressão da sabedoria em meio à delusão: ele é um dedo que aponta a lua, um barco que se toma, e após concluir a travessia, se abandona. Ele não é uma explicação ou uma revelação da natureza das coisas, mas um método que leva ao reconhecimento direto dessa natureza – e ele também não se apresenta como uma “formulação” dela, embora, como qualquer outro fenômeno, também a represente de forma completa. Enquanto método, ele é um shapeshifter, assumindo as necessidades dos seres, sem nunca se coadunar com a delusão, mas se aproveitando dela para tocar os seres. Dessa forma, o budismo é impermanente, e um tanto flexível. Ele tanto muda para se adaptar, quanto ele eventualmente se degrada, e suas formas específicas, como um antibiótico que se usou abusivamente, perdem a eficácia. Temos que tomar o cuidado de manter a substância do darma viva, e isso quer dizer flexível, adaptável, mas livre de distorções. E isso só é possível com as pessoas que falam do budismo obtendo enfim, realização na prática. O melhor seria não falar antes disso, mas… no mínimo é preciso haver esse entendimento e esse objetivo. Portanto precisamos de mais praticantes e pessoas que realizem os ensinamentos, e menos conversas cruzadas sobre “temáticas atuais”.
Estas distorções já são estudadas pela academia em seus “estudos asiáticos” como “budismo modernista”, isto é, a adaptação do budismo à cultura global. Estamos talvez bem no meio desse processo, com 300 anos no passado, e um período igual a esse no futuro, onde escolas budistas finalmente terão formas particulares plenamente operantes na contemporaneidade, com professores realizados, em termos das necessidades pós-globalização. Hoje estimamos que apenas 5% da produção intelectual budista esteja traduzida para línguas ocidentais, e a tradução com qualidade só começou, em volume, nos anos 1990.
Digamos que, fazendo generalizações e aproximações, um erudito em área de humanas sabia, na década de 50, talvez algo como 0,1% das ideias mais gerais do budismo (distorcidas, é claro, por Schopenhauer, Jung, teósofos etc.) Hoje um erudito na área de humanas, no Brasil, talvez saiba 1% dessas ideias (com as mesmas distorções) – mas isso é um crescimento de 1000%!
Ao mesmo tempo um erudito estadunidense médio da área de humanas talvez esteja conhecendo em torno de 3% e com uma boa redução na distorção iluminista-romântica – acrescida de alguma distorção, ainda que mais esparsa e nebulosa, da era hippie-beat, e do ativismo, pós-modernidade, direitos civis, feminismo, etc.
Já um erudito de uma das 100 melhores universidades do mundo da área de estudos asiáticos conhece 99% das ideias gerais do budismo, o que deve dar em torno de 1% do que um erudito asiático qualificado dentro da tradição conhece, o que deve dar em torno de 0,1% do conteúdo impresso existente em língua asiática, o que dá infinitamente menos de 0,1% do darma em geral além das escrituras, já que o darma é verdadeiramente oceânico.
Há a história budista dos sapos, um que vivia no poço, e outro no mar. O sapo do mar tenta explicar para o sapo do poço o que é o mar, e este só consegue entender coisas como “é grande como o dobro disto aqui? O quádruplo?” A história termina com o sapo do mar levando o sapo do poço para conhecer o oceano, o que acaba sendo uma revelação infortuna para o sapo do poço. Segundo a história, sua cabeça simplesmente explode. Pobre sapo do poço.
Ao longo dos anos o nosso pocinho de darma no ocidente se alargou muito, mas cabeças seguem explodindo o tempo todo. Não é pouca coisa. Ainda assim, algumas pessoas desanimam até com um determinado tamanho de poço médio – chegam num centro de darma, se deparam com alguns ensinamentos, um altar e algumas práticas, e dizem: “é muita coisa, são muitos detalhes, é demais, nunca vou entender tudo”. Só um Buda onisciente entende tudo; para o praticante, não é preciso entender tudo. Não é preciso nem mesmo entender muito, é preciso entender aquilo que permite a prática.
Ao mesmo tempo, devemos sempre contemplar a vastidão da mente do Buda, seus 84 mil ensinamentos, e os milhões de ensinamentos de seus alunos. Devemos sempre ter sede de darma, ser insaciáveis, ansiar por essa vastidão toda. Esse é um tipo de “desejo hábil”, particularmente se nos engajamos nessa busca de conhecimento com a motivação de ajudar os outros. Não se desencorajar perante a vastidão do darma, e do caminho à frente, é a forma mais elevada de paciência. A forma menos elevada, que também deve ser praticada, é desenvolver compaixão por quem nos irrita, prejudica ou tortura. Portanto não se desencorajar perante um oceano de ensinamentos, e o prospecto de muitas vidas de prática, é realmente a marca de um bom praticante.
Se em vários momentos nesse texto mencionei o etnocentrismo e o racismo dos ocidentais, mesmo quando condescendentemente simpatizante com o darma, é preciso também mencionar que existe muito racismo na Ásia. E não só entre eles (japoneses com coreanos, etc), e baseado em sectarismo local (entre formas de uma mesma cultura) ou amplo (entre formas budistas de culturas asiáticas diversas). Alguns professores tradicionais consideram uma perda de tempo ensinar ocidentais, porque eles em sua maioria não parecem consistentes em seus esforços, ou por outros estereótipos de “demônios de olhos azuis”. Os mais cínicos patrocinam as atividades com a conexão dos alunos globais, mas dedicam seus esforços e dão seu melhor para “os de casa” – algo que muitas vezes a sanga ocidental está mais do que disposta a aceitar como generosidade. Os professores tradicionais muitas vezes não sabem lidar com o individualismo e a supremacia tecnológica dos alunos globalizados – e por isso também os evitam. Enquanto isso, professores ocidentais dificilmente encontram respaldo ou respeito na Ásia, com raríssimas exceções.
Ainda assim, o poder civilizatório do budismo é paciente, a compaixão do Buda opera num tempo mais amplo que o geológico. As conexões são feitas, e após centenas de vidas, algumas pessoas podem vir a efetivar a prática do darma. Mesmo ler impressa a palavra “Buda” num texto desqualificado como esse é o fruto de éons de ações virtuosas coerentes na intenção de encontrar um caminho espiritual genuíno. Ouvir uma concha ou um sino consagrados tocar em um centro de darma, mesmo enquanto um inseto ou outro animal, é o resultado de googleplex atos de generosidade, disciplina ética, paciência, diligência e concentração. Chegar a ver um professor, muito mais, e que dizer ter um professor e seguir o método apresentado?
É preciso reconhecer que todos os autores citados, que distorceram o budismo com a intenção de louvá-lo, geraram bons méritos, e fizeram algo positivo pelos seres. Meramente repetir a palavra “Buda” gera mérito, mesmo que nem sejamos capazes de entender tudo que ela significa, e, de fato, não somos.
Os ensinamentos dizem que devemos louvar mesmo a figura de um Buda mal desenhada por uma criança, sem jamais criticá-la. O ocidente está começando a fazer bons croquis – ainda assim, se após alguns anos a criança segue fazendo apenas borrões no papel, talvez seja melhor levar num especialista. Após 300 anos de contatos com o budismo, nosso desenho, enquanto sociedade, ainda não é adulto.
Tendo isso em mente, sempre é importante lembrar que no budismo a intenção é mais importante do que a capacidade, num dado momento, de fazer direito o que se quer fazer. Aspiramos fazer o que é certo, da melhor forma, e mais ampla – mas o que conseguimos está bem. Dessa forma um elogio ao Buda, mesmo que por um motivo errado, digamos dizendo que ele é uma forma de criador, ou é onipotente, já que é uma intenção de louvor – mesmo sendo equivocado pelo sentido mais correto – ainda assim gera mérito.
Nota sobre o espiritismo: o espiritismo tradicionalmente não se interessou pelas tradições asiáticas, e pode mesmo ser visto como uma reação positivista à Teosofia (havia certa disputa na Europa, do fim do séc. XIX, entre as duas tradições). Apesar disso, aqui no Brasil as noções de reencarnação espírita facilmente acabaram imputadas ao budismo. As diferenças essenciais são que no budismo a ênfase é em incontáveis vidas, em que todos foram mães de todos bilhões de vezes; no cansaço que devemos sentir perante todas essas existências infrutíferas, já que não há uma noção de evolução progressiva, e sim de “experiência cíclica”, em que nenhuma conquista, fora o estado de Buda, é definitiva. Assim, os budistas praticam, por exemplo, para diminuir a possibilidade de renascer como animais ou em outros reinos mais desafortunados, o que é bem mais comum do que renascer humano duas vezes consecutivas, para a maioria dos seres. No espiritismo, no máximo um ser “estaciona”, todas suas conquistas são definitivas.
Claro, há muitas outras diferenças na doutrina de forma geral: o budismo é insubstancialista até mesmo quanto ao reino humano atual (não é diferente de um sonho), enquanto que o espiritismo parece transformar o espiritual em outras formas de materialidade. O budismo também não acredita na existência de um “eu” (convencional, superior ou de outro tipo), e é não teísta.
Além disso, o budismo é focado no refino de instrumentos epistêmicos para o exame da realidade (meditação), enquanto que o espiritismo busca sabedoria em professores “desencarnados”. Para o budismo, inclusive, os maiores mestres fazem o voto de permanecer junto aos seres – quando há fenômenos semelhantes à mediunidade no budismo, por exemplo, em práticas com oráculos, não se considera aquele um ser de sabedoria, mas um conselheiro mundano, sobre assuntos práticos. Por exemplo, o oráculo de Nechung ofereceu uma rota de escape segura para o Dalai Lama sair do Tibete invadido para o refúgio na Índia. O ser sutil provê informação, mas questões espirituais, de sabedoria, e a decisão final está no lama que fez o voto de permanecer com os seres, na forma deles, até que todos se iluminem. O ser sutil é um humilde servo da sabedoria do “corpo de emanação”, que se manifestou por compaixão na forma humana. Além disso, estas são práticas sincréticas com religiões nativas das várias etnias asiáticas, e o budismo existe em muitos lugares sem fazer qualquer menção a elas. Não são algo ligado a espiritualidade, ao darma, mas algo ligado a necessidades mundanas, num status similar ao conhecimento sobre engenharia de pontes ou fundição de metais.
Nota sobre Jung: Minha crítica enfática diz respeito a suas visões e postura com relação ao pensamento asiático: romantismo (dele e de suas fontes), apropriação, condescendência e enfim etnocentrismo. Com relação à sua própria obra, seus benefícios, ou não, essas considerações não cabem num texto desse tipo. Creio que a avaliação, que inseri no texto, de que boa parte do pensamento científico estabelecido o escanteia completamente – com exceção de alguns poucos conceitos que penetraram a cultura – é bastante acurada. Também sua escrita nebulosa é reconhecida, particularmente quando comparada com a de Freud. Recomendo a leitura do capítulo sobre Jung em Feet of Clay de Anthony Storr (que foi talvez seu principal biógrafo).
Nota sobre Ken Wilber: em alguns sentidos Ken Wilber reconheceu várias destas distorções, se apropriou delas, e ciente disso tudo, agiu um tanto como Jung – nos ensinamentos se descreve “tratar o Buda como um caçador trata a um veado almiscarado”, isto é, toma o que acha bom, mas não mantém o compromisso com a tradição. Não que ele seja livre de distorções, longe disso. Apenas que o problema é distinto, e entra nas tantas formas pós-modernas de darma que se vê por aí, “budismo secular” ou “budismo sem falar em budismo”. A motivação muitas vezes é boa, isto é, conectar pessoas que tem aversão pelo aspecto institucional, histórico, tradicional. O resultado é a perda dos dispositivos de “controle de qualidade” da tradição, e, portanto, degeneração dos ensinamentos.
Primeira onda:
- Examinar as tradições asiáticas com a intenção principal de contrapor o que se vê de errado na própria tradição;
- Ênfase exagerada no caráter puramente empírico dos ensinamentos (Sutra dos Kalamas);
- Rejeição ao conceito de renascimento;
- Vários tipos de visões sobre o renascimento que não se aplicam propriamente ao darma budista (por exemplo, “reencarnação”);
- Visão extremamente limitada e linear da determinação cármica;
- Ocidente como julgador do que é o “puro Darma do Buda”, noção de “lamaísmo”;
- Pouca ou nenhuma ênfase em devoção;
- Visão de “rituais” como bagagem cultural desnecessária;
- Budismo tido como algo pessimista;
- Nirvana como “aniquilação da pessoa” ou “aniquilação da vontade”;
- A ideia de que as visões de Nietzsche ou Schopenhauer sobre o budismo correspondam a alguma versão suficientemente aproximada do Darma do Buda;
Segunda onda:
- Budismo visto como naturalmente universalista;
- Prática de tolerância como forma esmagar o outro na igualdade como percebida por nossos próprios parâmetros;
- Budistas não refutariam outras doutrinas através do debate e da inferência;
- A ideia de deus criador tomada como compatível com o budismo;
- A ideia de um “protetor benevolente” tomada como incompatível com o budismo;
- Buda tido como uma ideia compatível com Deus como normalmente um popular entenderia Deus;
- O vajrayana e a prática com deidades como sendo mais hinduísta que budista;
- Ver a “Teosofia” e os autores ligados a noções de “Filosofia Perene” como fontes fidedignas de explicações sobre o darma budista;
- O “Livro dos Mortos” egípcio e o Bardo Thodol vistos como possuindo alguma conexão, pelo título inventado “Livro Tibetano dos Mortos”;
- Jung visto como alguém que se aprofundou no pensamento oriental (só o fez na medida para encontrar algum ou outro detalhe que corroborasse seu corpus teórico, isto é, sem nenhuma profundidade efetiva, ou mesmo boa vontade desinteressada verdadeira);
- Zen visto como algo irracionalista, confundindo não conceptualidade com irracionalidade;
- Esforço “sem júbilo” tomado como um valor budista, particularmente zen.
- Zen visto como algo dissociado do budismo;
- Koans vistos como coisas soltas e sem referências a um corpus de debates registrados, simbologia e literatura;
- Imagem do budismo estereotipada através da popularização de apenas três tradições, elas próprias pouco conhecidas, e particularmente em alguns nichos, centrado em uma tradição do Japão;
- D. T. Suzuki, um cristão com formação em filosofia ocidental, sem convívio ou aprendizado monástico, sem qualificações na tradição, visto como especialista em Zen.
- Filosofia ocidental, romantismo alemão em particular, sendo tomado como Zen.
Terceira onda:
- Confundir a causa tibetana com o darma;
- Que os beat, de início, falariam o darma com propriedade;
- Jack Kerouac, tido como conhecedor do budismo, não chegou a conhecer pessoalmente sequer um professor budista;
- “Morrer jovem e desaparecer”, ideal romântico e em alguns momentos de Kerouac em texto, como prospecto aceitável para um budista;
- Não entender que carma positivo, sem dedicação e aspiração para o darma, leva ao renascimento em reinos de prazer e distração onde o darma não é possível por um tempo extremamente longo.
- O budismo não é moralmente liberal;
- Mas é contracultural e iconoclasta;
- O budismo não é hippie, pelo menos não num sentido que se possa pejorar;
- Ensinamentos budistas reconhecidos e vendidos como um produto;
- Oferendas raramente reconhecidas como prática;
- Oferendas simbólicas são consideradas superstição;
- Budismo e ação social ou caridade (ora exagero na relevância, que não ocorreu na Ásia, ora desprezo por algo que pode ser prática válida, pelo mesmo motivo);
- Achar que é budismo sair lendo qualquer coisa por aí;
- Falar demais de budismo.
- Que o budismo seja particularmente feminista, ou não;
- Que “questões contemporâneas” sejam o mais importante para o darma;
- Assumir que o darma já está adaptado ao mundo globalizado, mesmo sem tantos exemplos vivos de praticantes realizados.
Padma Dorje é praticante budista e é autor de Filosofia: forma de vida & passarela de egos. Saiba mais sobre seu trabalho no site tzal.org.
Fonte:http://www.budavirtual.com.br/tres-grandes-ondas-de-distorcao-budismo-ocidente
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