Doenças Metafísicas e Inclinação ao Mal - Texto sobre Cabala / Judaísmo
Eis a Torah de quem tem a marca de tzarah nele, cuja mão não alcança, em sua purificação. (M'tzorá 14:32)
Tanto a parashah de Taz'riyá quanto a de M'tzorá se ocupam essencialmente do problema de uma doença metafísica provocada pela inclinação do homem ao mal (yetzer hará). Esse mal não é outro que não a desconexão com o Mundo Infinito e seus efeitos na alma humana. Mas por que sucumbimos às inclinações negativas?
Segundo a Cabalá, com o passar do tempo, cada geração mais distante da revelação da Torah está em um nível espiritual inferior ao da geração precedente. A imensa revelação espiritual que penetrou na consciência coletiva de toda a humanidade nos tempos da revelação no Monte Sinai tornou-se, pouco a pouco, mais e mais diluída.
Isso nos deixou progressivamente mais suscetíveis às invasões da energia negativa e menos capazes de combatê-las. Portanto, por um lado, encontramo-nos no abismo espiritual de uma longa descida das altitudes espirituais, e por outro lado, a iminente alvorada do Olam haBah, em nossa geração, já está nos despertando para sermos pessoas mais elevadas e mais seguras, e assim sentimos o poder de uma nova ordem mundial já correndo em nossas veias.
Levar os ensinamentos da Cabalá para toda a humanidade e promover o estudo da Torah, é como estudar o próprio Nome de D’us. E segundo os sábios de nossa tradição, isso é o ponto fundamental para atrairmos a redenção do Olam haBah, ainda em nossa geração.
Esse chamado incentiva-nos a tentar enfrentar o mal da maneira que as gerações anteriores estiveram hesitantes em fazer. Como somos capazes de fazê-lo, torna-se nossa responsabilidade, pois o advento da Era do Mashiach depende da liberação de todas as centelhas da Luz encerradas na escuridão.
Essas duas porções da Torah lidam com tzarah, uma aflição espiritual similar à lepra no corpo físico. Tzarah é o oposto de vida nova. Sobre essa doença existem dois pontos que devem ser destacados: primeiro, tzarah não é meramente uma doença física, mas segundo o próprio Maimônides, é algo além dos padrões naturais do mundo físico. Segundo, os castigos descritos pela Torah não têm como finalidade a retribuição, e sim absolver a pessoa do pecado possibilitando-a a corrigir seus erros.
A pessoa fica com tzarah por criar brigas e atritos entre outras, conseqüentemente precisa ficar só. Somente quando remove a influência do atrito de seu corpo pode ser purificado e ele pode voltar para o convívio da sociedade. Sendo assim tzarah é um instrumento da Luz cujo propósito é estimular uma pessoa para que se aperfeiçoe, incentivando nela a propagação da paz e do desejo de compartilhar.
Dessa maneira, revelando o mal (tzarah) dentro de nós a fim de transformá-lo em bem, torna-se não apenas algo de nosso maior interesse, como também um dever sagrado. O poder que o mal possui sobre nós, fazendo-nos nos desconectar, é o poder da ilusão. Pois nenhuma pessoa inteligente faz, voluntária e propositadamente, algo que possa feri-la.
Apenas quando se convence (ou outros a convenceram) de que este mal em especial não a ferirá, ou o fará apenas temporariamente, ou que o dano será suplantado pelas vantagens que trará, é que a pessoa permite-se ligar ao mal. Provavelmente, na maioria dos casos, o mal vence porque convence a pessoa que é para seu bem sucumbir a ele.
Porém, mais tarde a realidade nos atinge, e admitimos, para nosso constrangimento, que fomos ludibriados. Esta sedução foi um ardil; o estímulo foi apenas momentâneo, trazendo em sua esteira sentimentos de rebaixamento e traição vã.
Há duas maneiras de reagir a este despertar: devido ao arrependimento por ter sido tão grosseiramente enganada, a pessoa pode resolver jamais incorrer no mesmo erro novamente. O temor motiva-a a identificar e resistir às tramas do mal na próxima vez. Agora que se elevou a um nível de consciência superior, no qual está claro que suas falhas anteriores foram o resultado de ter sido enganado, transforma efetivamente aqueles pecados intencionais prévios em pecados involuntários.
“Se soubesse antes aquilo que sei agora, jamais teria pecado”, portanto a única razão para ter pecado foi porque estava agindo sob o efeito de uma ilusão. Jamais pretendeu causar o efeito que o erro na verdade ocasionou.
Em um nível mais profundo, a pessoa pode olhar em retrospecto para o pecado do qual agora se arrepende e considerar o que foi que a fez sucumbir. O modo pelo qual o mal a seduziu a cometer o pecado foi prometendo-lhe alguma emoção, da qual sentia muita falta. Como a Luz do Mundo Infinito é a fonte de toda verdadeira vida, o mal estava na verdade disfarçando-se de Luz, dessa maneira atraindo com suas garras. O mal estava brincando com o desejo inato de cada um de conhecer a Luz da maneira mais completa possível.
O contexto da manobra foi de fato mau, mas o seu âmago foi a centelha de santidade nele embutida. Uma vez que a pessoa tenha sucesso em isolar o sagrado âmago no contexto do mal, poderá então concentrar-se nele, e ver qual a fascinação que tem para si. Se a alma não pode conseguir o que precisa em um contexto puro e sagrado, produzirá ânsias de consegui-lo em outros contextos.
Ao negar-se uma saída sagrada para sua legítima ânsia por estímulo, força esta vontade a emergir para a superfície de modos mais destrutivos. A solução aqui seria separar algum tempo para si mesmo, seguir o caminho para o qual sua neshamah deseja levá-lo e buscar a iluminação dos textos da Torah, para que os mesmos ajudem a iluminar cada consciência.
Portanto, além da primeira reação do nunca mais, a atitude mais profunda é isolar o âmago do bem dentro do pecado e reorientar a busca para ele, de seu mau contexto até um de santidade.
O pecado então serve como motivação para buscar a Luz do Mundo Infinito, de uma maneira mais intensa que aquela que a pessoa tinha consciência antes de ter pecado. Quando a pessoa assim o faz, transforma efetivamente seus pecados intencionais em méritos. Por causa do pecado está procurando e encontrando a Luz do Mundo Infinito em um nível mais elevado que o de antes.
Quando a fuga do pecado é baseada no medo das conseqüências, a atmosfera em que vivemos torna-se de amargor e paranóia. Quando é baseada na transformação do mal, a atmosfera na qual vivemos é de alegria, amor e compaixão. Quanto maior o sucesso que a pessoa tiver em retificar seu lado mais negativo, menos será incomodada por pensamentos evasivos e ânsias que emergem involuntariamente.
Apenas quando a pessoa for libertada desta identificação com seu problema, poderá encará-los objetivamente, e transformá-lo em bem.
Rav Mario Meir
Fonte:Academia de Cabala
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