EUA financiaram Estado Islâmico
e agora querem dizimá-los
Documentos vazados do Wikileaks revelam que EUA armaram grupos radicais islâmicos. Bashar al-Assad tentou se aproximar de Washington em 2010 para conter a Al-Qaeda e o ISIS, mas Obama continuou financiando seus opositores
Armados pelos EUA, militantes do Estado Islâmico conseguiram lutar em cinco frentes concomitantemente (Imagem: execução de soldados iraquianos por integrantes do Estado Islâmico do Iraque e da Síria, em 14 de junho, na província de Salahuddin | AFP)
Os Estados Unidos se recusaram a ajudar o governo da Síria a combater grupos radicais islâmicos como a Al-Qaeda e o ISIS (Exército Islâmico do Iraque e da Síria, que recentemente mudou de nome para Estado Islâmico). Além disso, segundo revelações feitas pelo site Wikileaks, o governo norte-americano armou grupos como o ISIS. Os quase 3 mil documentos sobre essa questão foram vazados pelo site dirigido por Julian Assange na última sexta-feira (08/08).
Em 18 de fevereiro de 2010, o chefe da inteligência síria, general Ali Mamlouk, apareceu de surpresa em uma reunião entre diplomatas norte-americanos e Faisal a-Miqad, vice-ministro das relações exteriores da Síria. A visita de Mamlouk foi uma decisão pessoal de Bashar al-Assad, presidente sírio, em mostrar empenho no combate ao terrorismo e aos grupos radicais islâmicos no Oriente Médio, assinala o documento.
Neste encontro com Daniel Benjamin, coordenador das ações de contra-terrorismo dos EUA, “o general Mamlouk enfatizou a ligação entre a melhoria das relações EUA-Síria e a cooperação nas áreas de inteligência e segurança”, afirmam os diplomatas norte-americanos em telegrama destinado à CIA, ao Departamento de Estado e às embaixadas dos EUA em Líbano, Jordânia, Arábia Saudita e Inglaterra.
Para Miqad e Mamlouk, essa estratégia passava por três pontos: com o apoio dos EUA, a Síria deveria ter maior papel na região, a política seria um aspecto fundamental para ações de cooperação contra o terrorismo e a população síria deveria ser convencida dessa estratégia com a suspenção dos embargos econômicos contra o país. Para Imad Mustapha, embaixador sírio em Washington, “os EUA deveriam retirar a Síria da lista negra”. Nas palavras de George W. Bush, o país fazia parte do “eixo do mal”, junto com Coreia do Norte e Afeganistão.
Apesar da discordância entre EUA e Síria quanto ao apoio de Assad a grupos como Hezbollah e Hamas, os dois países concordavam quanto à necessidade de interromper o fluxo de guerrilheiros estrangeiros para o Iraque e impedir a proliferação de grupos radicais, como a Al-Qaeda, o ISIS e o Junjalat, uma facção palestina com a mesma orientação política. Para Benjamin, as armas chegavam ao Iraque e ao Líbano contrabandeadas pelo território sírio.
Mamlouk reforçou a “experiência síria em combater grupos terorristas”. “Nós não ficamos na teoria, tomamos atitudes práticas”, foram as palavras do chefe de inteligência de Assad. Segundo o general, o governo sírio não mata ou ataca imediatamente esses grupos. “Primeiro, nós nos infiltramos nessas organizações e entendemos o funcionamento delas”. De acordo com Damasco, “essa complexa estratégia impediu centenas de terroristas de entrarem no Iraque”.
Guerra do Iraque e surgimento do Estado Islâmico
No entanto, apesar de afirmarem cooperar com a Síria para combater o terrorismo, os EUA também trabalharam para armar os opositores sírios e isso causaria um problema maior na região: a criação do atual Estado Islâmico. Segundo documentos obtidos pelo jornal britânico Guardian, grande parte do armamento utilizado pelo ISIS (antigo nome do Estado Islâmico) veio de grupos armados pelos EUA e cooptados por Abu Bakr al-Baghdadi, líder do Califado Islâmico, que hoje controla territórios na Síria e no Iraque.
Saddam al-Jammal, líder do Exército de Libertação da Síria, outro grupo anti-Assad, também jurou lealdade ao Estado Islâmico desde novembro de 2013. Para garantir tal apoio, o ISIS mudou a sua estratégia de controle: dava autonomia a essas autoridades locais em vez de controlar diretamente a governança das cidades. Como resultado, o ISIS se expandiu e conseguiu lutar em cinco frentes: contra o governo e os opositores sírios, contra o governo iraquiano, contra o Exército libanês e milícias curdas.
O armamento começou a ser enviado para os opositores sírios em setembro de 2013. Na época, analistas davam o ISIS como terminado e a alegação para fortalecer esses grupos era a de que o governo Assad havia usado armas químicas. Para enviar as armas, o governo Obama usou bases clandestinas na Jordânia e na Turquia. Aliados dos EUA na região, como Arábia Saudita e Catar, também forneceram ajuda financeira e militar.
Ironicamente, os EUA sabem inclusive a real identidade do líder do Califado. Durante um ataque à cidade iraquiana de Falluja em 2004, os norte-americanos prenderam alguns dos militantes pelos quais procuravam. Entre eles, estava um homem de 30 e poucos anos e pouco importante na organização: Ibrahim Awad Ibrahim al-Badry. 10 anos depois, ele se tornaria líder da mais radical insurgência islâmica contra o Ocidente, segundo informações de um oficial do Pentágono.
Charles Nisz, Opera Mundi
A luta dos EUA contra um monstro que eles próprios criaram
Caos atual no Iraque mostra que os EUA têm de lutar novamente contra um monstro (ISIS) que eles próprios criaram e armaram
Financiado pelos EUA, Estado Islâmico cresceu e se tornou problema para os próprios norte-americanos
Alex Kane, Alternet. Tradução: Vinicius Gomes, Fórum
Os ataques aéreos dos EUA no Iraque estão atingindo os combatentes do Estado Islâmico do Iraque e da Síria (Isis, sigla em inglês), que estão usando de armamento feito nos EUA. Esse simples fato mostra uma dura realidade na história da política externa dos EUA em um país destruído por bombas norte-americanas e, então, uma guerra civil.
Durante a última semana, o Pentágono lançou declarações triunfantes sobre o esforço militar dos EUA contra o Isis. Mas o que não é mencionado por eles é que aqueles iraquianos andando em veículos armados portando armas e artilharias provavelmente foram abastecidos por contribuintes norte-americanos. As armas que o Isis possui são outra amostra do fracasso que foi a invasão dos EUA em 2003. Isso é similar ao que aconteceu na intervenção norte-americana na Líbia, em 2011, que derrubou o ditador Muammar Qadafi, mas também desestabilizou o país – resultando então em um fornecimento de armas para os militantes do Mali, mais ao sul, que por sua vez levou a uma intervenção da França e dos EUA no país africano em 2013.
Ao passo que o Isis, junto de sunitas insatisfeitos e cansados da discriminação e marginalização que sofrem há anos, avançaram pelo Iraque e capturaram armas fabricadas nos EUA. Iniciada em junho, o Isis capturou grandes porções de território no norte do Iraque. O exército iraquiano, treinado pelos EUA, entrou em colapso frente aos avanços do Isis. Em uma combinação de fraco treinamento, equipamentos quebrados e moral baixa, eles deixaram para trás armas, munições e equipamento que foram produzidos e pagos pelos EUA, que usou de 25 bilhões de dólares para treinar e armar o exército do Iraque desde 2003.
Então, agora o Isis possui centenas de veículos armados, caminhonetes, tanques, humvees, assim como munições e armas, que eles utilizam enquanto continuam a marchar pelo país para ajudar a sua luta em outro país: a Síria, onde o Isis está lutando contra o governo de Bashar al-Assad – ironicamente, também inimigo dos EUA.
Histórico
A história de como as armas dos EUA acabaram nas mãos daqueles que muitos descrevem como o mais temido movimento islâmico no mundo data de 2003. Esse foi o ano em que a administração Bush, baseada em informações maquiadas, mentiu para o seu povo a fim de justificar um ataque militar contra o Iraque e sua subseqüente ocupação. Os EUA debandaram grande parte dos militares iraquianos, compostos em sua grande maioria por muçulmanos sunitas. Isso fez com que aumentasse a insurgência anti-ocupação no país, mas então buscou reagrupar tal exército sem a influência daqueles que trabalharam com Saddam Hussein.
Em 2006, o homem comandando o show de reformar as forças armadas do Iraque era Nouri al-Maliki, o atual primeiro-ministro e muçulmano xiita. Escolhido a dedo pelos EUA, a ascensão de Maliki ao poder foi um símbolo de como a estrutura de poder do Iraque foi revirada do avesso. Sob o comando de Saddam Hussein, a minoria sunita tinha muito mais poder, apesar de o partido de Hussein, o Baath, incluir xiitas. Mas a invasão norte-americana entregou todo o poder aos xiitas, resultando em um grave sectarismo entre as duas alas islâmicas. Além disso, Maliki não fez esforço algum para criar uma estrutura governamental mais inclusiva.
O governo de Maliki alienou os muçulmanos sunitas, que organizaram maciços protestos contra ele, que foram recebidos sob intensa violência, matando centenas de civis. Ele ordenou, inclusive, a prisão de seu vice-presidente sunita, em 2011. As forças de segurança prenderam milhares de homens sunitas sem qualquer acusação, classificando-os como terroristas. Muitos foram torturados. Maliki também realizou um expurgo de sunitas dentro da máquina burocrática. E os EUA ajudaram Maliki em sua busca para marginalizá-los, financiando seu governo e fornecendo armas a suas forças de segurança.
Em 15 de agosto, sob intensa pressão dos EUA e do Irã – país que passou a ter grande influência no país, Maliki saiu de cena. O novo primeiro-ministro, Haidar al-Abadi, vem do Partido Dawa, o mesmo de Maliki. A esperança é que al-Abadi governará de modo mais inclusivo, apesar de tal decisão já receber críticas.
Os EUA estão agora aumentando seus bombardeios aéreos e armando as milícias curdas, no norte do país, em uma tentativa de derrotar um monstro que eles mesmos criaram e que, paradoxalmente, está sendo financiado por aliados norte-americanos, como a Arábia Saudita e o Kuwait.
Mas se a história da política dos EUA para com o Iraque mostra alguma coisa, é que bombardeios não serão suficientes para resolver a crise no país.
Fonte:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/08/
Comentários
Postar um comentário