NÃO SE AUSENTE DE ENFRENTAR A DOR - EUGENIO GARCIA

 



Mergulhar na dor. Ah, como dói! Normalmente só entende a dor quando se sai dela, e esse pode ser um longo processo. Quando ela passa – sim, porque passa – e que percebem o quanto aprenderam com ela. A dor é um poderoso mestre interno. Ela dá os sinais e abre importantes atalhos. Existe um provérbio que diz: “Quando Deus fecha uma porta é porque já abriu outra”. Mas Deus não fecha porta alguma, por que faria isso? Na verdade, são vocês que fecham portas quando não assumem sentimentos ou situações que precisam enfrentar. Quanto mais mapearem as dores e assumirem o sofrimento, depurando e aceitando, mais condições terão de sair delas. Dores de amores, de saudade, de decepção, de traição e até mesmo dores físicas. Quem está livre das dores? Quem fica imune? As dores estão ligadas diretamente às perdas e são sentidas em maior ou menor grau conforme a sensibilidade de cada um. A dor da perda de um amor. O mundo parece desabar, falta o chão. A tristeza, a decepção e a amargura batem fundo. Vem aquela agonia insuportável, uma vontade de desistir de tudo. A sensação de perda os deixa impotentes, paralisados, como se não houvesse mais amanhã. E agora, como seguir adiante sem ele (a)? Parece que falta um pedaço do coração, que ele ficou pela metade. Dói muito. A ausência daquela pessoa que tanto amam pode deixar um enorme vazio, um buraco, uma ferida aberta que sangra, incomoda, lateja. É hora então de entenderem e preencherem este vazio. A ausência do outro pode ser a vossa própria ausência. Questionem-se até que ponto a falta que sentem é da outra pessoa ou de vocês mesmos. Quando alguém deixa a sua vida, ou quando vocês abandonam a vida de alguém por não suportar mais essa convivência, o que resta fazer? Precisam se cuidar, se amar, restaurar as partes feridas, juntar os cacos, tapar os buracos e, principalmente, se olhar – com coragem. A dor da perda poderá ser o seu reencontro, a reconquista de vocês mesmos que ela vem como uma ferramenta para que se passem a limpo. Esta dor, a princípio insuportável, traz mais adiante o reencontro com a verdadeira essência, a sua personalidade. Pode demorar certo tempo; podem vir primeiro a solidão, a amargura, o desencanto, mas quando essa tempestade passar perceberão que estão mais fortes e que perderam o medo da chuva. Estarão mais preparados para o amor. A dor do julgamento. A dor de condenar ou de ser condenado. Por que julgam tanto e são tão julgados? Por causa do medo. Sim, o medo é a falsa proteção dos seres humanos. Eu agrido para me proteger, olho e critico a dor do outro e assim desvio o foco das minhas próprias dores – aquelas que realmente preciso encarar trabalhar e modificar. O sofrimento resulta de um julgamento que fazem sobre um fato ou uma pessoa. Quando param de julgar, ele desaparece. A dor do outro pode até ser compreendida, mas nunca conseguirão senti-la em sua verdadeira dimensão. Somente quem passa por dores muito profundas consegue entender o que é verdadeiramente a dor de um coração machucado, de uma alma triste. É possível, por exemplo, avaliar a dor de uma mãe cujo filho foi preso ou morto? Seja lá qual for a razão (drogas, violência, homicídio), quem somos nós para julgar esta mãe, para entender o sofrimento do abalo na estrutura familiar, os envolvidos sofrem outra dor, a dor da culpa, ou melhor, da autoculpa, que é também uma forma de punição. A dor do fracasso, da frustração. O que é o fracasso senão uma etapa para o sucesso? Quando acreditam que conquistaram algo ou alguém se sentem alegres, vitoriosos – mas de repente a situação muda e tudo parece desandar. Este é o desafio da conquista, ou melhor, do entendimento do real conceito da conquista. Sim, porque às vezes as conquistas são parciais e fazem parte de um processo maior. Venceram algumas batalhas, contudo a luta ainda não. Aí vem a dor da perda sem que realmente tenham perdido algo. Como podem perder o que ainda não têm de fato? Como podem cantar vitória se ainda não conquistaram integralmente aquela pessoa ou dominaram a situação? A vida é um ciclo que tem suas fases/momentos/etapas e que também envolve os estágios do outro. Em vez de entenderem esta conquista como parcial, imaginam ter perdido tudo. Surge a frustração, a sensação de que lutaram à toa, que foi tudo em vão, e a dor vem mais uma vez. Instala-se um sentimento de auto-sacrifício. Vocês assumem o papel da vítima que perdeu tempo e energia ao investir nos projetos, nos ideais e até mesmo no outro. Saiam da condição de vítima. Esta dor tem remédio. O analgésico é tomar consciência do equívoco e aceitar que vivem momentos diversos, convivem com pessoas diferentes e vivenciam novas situações em momentos distintos, tudo inserido em ciclos. Assim o conceito de perda também muda e param de sofrer por aquilo que não é mais necessário. A dor ensina e fortalece. E quando conseguirem entendê-la dentro de novos conceitos e de outro padrão mental, podem sair dela muito mais inteiros. Quando vencem o medo fecham as portas da dor e abrem caminhos, emitindo novos sinais; outras portas se abrem, rumo a vibrações mais elevadas e vocês entram no atalho da libertação e do próprio êxtase. É um grande prêmio, porque só conhecem o êxtase aqueles que mergulham em suas dores mais profundas.
 
EUGENIO SANTANA – Escritor, Poeta e Jornalista.

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