A AMANTE DO ROCK QUE VIROU MONJA



A Monja Coen, nascida Cláudia Dias de Souza, paulistana, 63 anos, é uma pessoa fora do comum. A começar pela maneira como topou dar esta entrevista. No primeiro contato por telefone fui logo surpreendido por sua reação ao meu pedido para conversar com ela com exclusividade para o Bradesco Universitários: ''Mas como posso te dar uma entrevista sem antes você conhecer o budismo? Venha para uma palestra, depois falamos sobre a entrevista'', disse ela. Quando cheguei ao templo Zen Budista, no bairro do Pacaembu, em São Paulo, seus assistentes me explicaram um pouco sobre a religião e filosofia baseada nos ensinamentos de Buda (Siddhartha Gautama), que viveu na Índia no século VI a. C., e tive uma experiência de meditação. Só depois disso, a monja, uma das principais líderes espirituais budistas do Brasil e primeira mulher e pessoa de origem não japonesa a assumir a Presidência da Federação das Seitas Budistas do Brasil (por um ano), com sede no Templo Busshinji, no bairro da Liberdade, aceitou me receber. Sua história é tão impressionante que virou uma biografia romanceada, ''Monja Coen - A Mulher nos Jardins do Buda'' (Ed. Mescla, 2009), escrita por Neusa Steiner. Antes de ser budista, casou-se aos 14 anos, teve uma filha, divorciou-se, foi jornalista, cursou direito, viveu intensamente a chamada ''geração do desbunde'', chegou a ser presa. Hoje usa o que aprendeu - e também ferramentas modernas, como o Twitter - para promover a cultura budista.
Leia, a seguir, a entrevista:
Bradesco Universitários - Como foi a reação da sua família quando decidiu ser monja?
Monja Coen - A minha mãe era muito católica e me perguntou: ''por que não vai ser freira?''. Ela já é falecida e morreu católica, não mudou de religião. Isso foi muito interessante, porque eu tive que convencê-la e para convencer minha mãe eu tive que convencer a mim mesma (risos). Eu tinha 36 anos.
Bradesco Universitários - Como era sua vida antes do Zen Budismo?
Monja Coen - Eu estava mais envolvida com o pessoal de rock 'n' roll, fui jornalista, tive várias atividades diferentes. Talvez eu fosse mais nervosa do que sou agora, mas isso não muda muito, o que muda mais é você conhecer-se melhor e eu acho que passei a me conhecer melhor, a me aceitar mais. 
Bradesco Universitários - Antes de ser religiosa, a senhora foi repórter em diversos jornais do Brasil e viveu intensamente os anos 1970. Como descobriu sua vocação para o budismo?  
Monja Coen - Eu acho que a redação de um jornal é um lugar importante porque nos obriga a falar com tantas pessoas diferentes que abre os portais da nossa mente e da nossa percepção, da nossa maneira de ver o mundo, de nos relacionar com os outros. O jornal foi fundamental para isso e o primeiro passo, a grande abertura, foi dentro da redação do jornal, quando comecei a fazer matérias que necessitavam de pesquisas e nessas pesquisas aparecia o budismo. Aí começou o meu interesse. Eu percebi como era interessante. Os Beatles meditavam, quando eu escutava a música deles achava as letras muito profundas e havia uma imensa a capacidade de comunicação. Então eu pensei ''esses caras meditam. O que é isso? ''. Havia tantas pessoas que eu considerava grandes comunicadores de massa que meditavam. 
Bradesco Universitários - A vida de uma monja, desde sua preparação, é cheia de restrições. O tempo em que a senhora esteve no mosteiro, por exemplo, ficou em clausura. Sente falta de algo que tinha antes de ser budista?
Monja Coen - Não, eu não sinto falta. Quando eu fui para o mosteiro em Los Angeles, nos Estados Unidos, eu gostava muito de ir à praia e o meu mestre disse para mim: ''Você vai ficar muito tempo sem nadar'' (risos). Mas nem pensei nisso, no mosteiro há tanta coisa a aprender, tanto a fazer, que a gente não pensa no que está faltando.
Bradesco Universitários - O que a senhora acha da religiosidade dos jovens de hoje?
Monja Coen - Eu tenho muitos alunos de várias faixas etárias diferentes e tenho alguns de uma dedicação tão profunda que eu fico pensando: puxa se eu fosse assim aos 20 anos... Como que essas pessoas tão jovens já têm essa determinação e esse comprometimento? Então o que eu encontro naqueles que vêm à minha Sangha (comunidade de praticantes do budismo) é muito bonito.
Bradesco Universitários - Hoje a maioria dos jovens continua pensando em viver ao máximo, aproveitar tudo o que vida pode oferecer, mas os tempos são outros e isso pode ser mais perigoso. Como a senhora vê isso?
Monja Coen - Eu acho que faz parte da juventude a descoberta e nós, quando jovens, experimentamos as coisas, o mundo, nosso corpo e a nós mesmos. Mas é importante sabermos os limites, conhecermos os nossos próprios limites, nos dar limites. Uma sociedade muito permissiva, que não dá limite, deixa as pessoas perdidas. Não acho que a juventude atual seja pior do que a juventude anterior. É da juventude essa vontade de fazer aquilo que é proibido. O que é interessante é perceber que são experiências e não ser consumido por essas experiências. Uma coisa é você experimentar drogas, outra coisa é a droga experimentar você e não sair mais de você. Essa é a diferença fundamental, isso pode ser para tudo, para o açúcar, para o sal, para álcool. Não deixe que a sexualidade, a comida ou qualquer outra coisa destrua você. Pois existe coisa mais preciosa do que é você, um ser humano?

Bradesco Universitários - A sociedade dita muito nosso modo de vida: devemos ser pais exemplares, amantes e profissionais bem-sucedidos. No caso dos filhos, ótimos alunos e jovens descolados. Isso tudo em busca da felicidade. O que é felicidade em sua opinião?
Monja Coen - Eu gosto muito dessa interpretação que fala da origem da palavra (felicidade) que vem da mesma de fértil, de frutífero, que dá frutos. E nós criamos uma ideia, um conceito, de felicidade como uma coisa que eu vou pegar de fora, mas é mais uma coisa que eu possa produzir e que dê bons resultados e isso nos faz feliz. É uma inversão do padrão comum: eu vou à loja, compro coisas e fico feliz. Mas, na verdade, eu não fico feliz, eu tenho um leve contentamento que passa com muita rapidez. O que nós temos que acessar é um estado de felicidade, de contentamento, com você e com a vida e que é mais profundo do que flashes de alegria. Eu acho que é isso que o Zen nos ensina, e acho também que é isso que as pessoas que o procuram encontram.
Bradesco Universitários - No Brasil e no mundo as mulheres estão quebrando paradigmas, seja como chefes de família, estudantes, presidentes e monjas. Gostaria que comentasse isso.
Monja Coen - Lembro da geração da minha avó, que era completamente submetida ao meu avô, e todas as questões sociais do feminino em submissão ao masculino. A minha mãe se separou do meu pai na época da minha infância e isso foi considerado uma coisa horrorosa, tinha que ser escondido, era feio. Eu não conseguia matrícula nas escolas católicas porque era filha de pais separados. Acredito que aquilo que minha mãe construiu com sua iniciativa de não suportar um casamento que não era verdadeiro, enquanto as primas dela mantinham a aparência, a levou a dar esse impulso na minha vida, ao dizer: ''Viva sua vida, você tem o direito à vida, de se completar como ser humano''. Isso é o resultado da geração anterior à minha. Quando cheguei de volta ao Brasil, no templo Busshinji, na Liberdade, as mulheres eram proibidas de votar nas eleições de diretoria, havia um departamento feminino no qual as mulheres podiam cozinhar (resquícios de costumes do Japão antigo, onde as monjas podiam apenas trabalhar na cozinha e lavanderia dos mosteiros masculinos). Quando cheguei, disse que as mulheres poderiam votar, ter cargos. E isso para um grupo japonês de imigrantes antigos, com padrões de cem anos atrás, foi um choque. No jornal era uma redação masculina e tinha que provar a todo instante que apesar de ser mulher era inteligente. Eu tenho uma visão de que homens e mulheres são igualmente importantes na construção de vida e que todos nós temos nossas posições e nossos papéis. Um ser humano é capaz, independentemente se é homem ou mulher.
Bradesco Universitários - A senhora teve uma vida acadêmica, estudou direito e fez cursos. Hoje o que senhora estuda?
Monja Coen - Eu estudo o budismo, estudo a mim mesma. A gente diz que estudar o caminho de Buda é estudar a si mesmo e não tem fim isto, é como se você fosse estudar a mente humana. A nossa mente humana é fascinante. Ao mesmo tempo ela é incessante, ela não é fixa, não é permanente. Realmente a única coisa que me dá tempo de ler e estudar um pouco são os ensinamentos de Buda e, principalmente, de mestre Dogen, que é o fundador da nossa escola lá no Japão no século XIII. Um pensador extraordinário e é por causa dele que me tornei monja, por ler as traduções dos textos dele.
Bradesco Universitários - Disso tudo que aprendeu, a internet tem servido como ferramenta para o seu trabalho e divulgação dos seus ensinamentos? De que maneira você a utiliza?
Monja Coen - A internet é muito importante, eu acho que se Buda estivesse vivo ele usaria tudo o que é possível. Naquela época, para divulgar seus ensinamentos, ele caminhava e falava com as pessoas, não tinha nem carro. Hoje em dia vivemos numa realidade, se temos outra coisa que é benéfico e que as pessoas querem ouvir, por que não dispor delas? Então a minha ideia é que a gente disponibilize os ensinamentos por todos os meios disponíveis. Hoje os relacionamentos virtuais são tão importantes, às vezes virtualmente a gente pode manifestar nossa essência verdadeira. Pessoalmente, muitas vezes, existe certa timidez. Virtualmente, as pessoas se expõem e se mostram mais, falam coisas secretas que procuram esconder das pessoas. Agora, elas precisam aprender a ler o que estão manifestando, entender esses vários aspectos da mente humana.
Bradesco Universitários - Gostaria que registrasse aqui uma mensagem para os jovens tirada da experiência de sua vida.
Monja Coen - O futuro é seu, vocês fazem o meu futuro. Tudo o que eu vivi vai morrer comigo se vocês não continuarem. Então é muito importante que a juventude mantenha-se viva, alerta, experimentando, apreciando a vida.
Bradesco Universitários - Bate-Bola
Monja Coen - Buda
O Budismo: Zazen
Deus: Aonde?
Um mestre: Xaquiamuni Buda
Suas influências: Mahatma Gandhi, José Ângelo Gaiarsa, Beatles, Pink Floyd, The Who (Risos).
Um livro: "Assim falou Zaratustra", de Nietzsche
Internet: Twitter
O que faz nas horas vagas: Eu corro, ando de bicicleta, passeio com os cachorros (Risos). Há horas vagas?
Um sonho: Harmonia entre os relacionamentos  
Uma frase: "Nós somos a transformação que queremos no mundo". É de Mahatma Gandhi.
Entrevista a Robson Rodrigues, repórter do Bradesco Universitários
 
Fonte: http://www.monjacoen.com.br/entrevistas/38-entrevistas/472-a-amante-do-rock-que-virou-monja

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