Pessoas que vêm a centros Zen com frequência estão perturbadas por suas experiências anteriores com religião. O significado original da palavra “religião” é interessante: vem do latim “religare”, que significa “ligar novamente, ligar homem e os deuses”.
O que estamos ligando? Antes de tudo, ligamos nosso ser a ele mesmo — porque até dentro de nós mesmos estamos separados. E nos ligamos aos outros; e, eventualmente, a todas as coisas, sencientes e não sencientes. E ligamos os outros aos outros. Tudo que não estiver ligado é nossa responsabilidade. Mas na maior parte do tempo nossa tarefa é nos ligar ao nosso colega de quarto, ao nosso trabalho, nosso companheiro(a), filho ou amigo, e então nos ligar ao Sri Lanka, ao México, a todas as coisas neste mundo e neste universo.
Ah, isso soa bem! Mas na verdade não vemos com frequência a vida dessa maneira. As pessoas sempre me perguntam, se essa unidade fundamental é o estado real das coisas, por que quase nunca é vista? Não é devido à falta de dados científicos; conheço muitos físicos que têm o conhecimento intelectual, mas o modo como lidam com a vida não reflete esse conhecimento.
A causa principal da barreira, e o motivo principal porque falhamos em ver aquilo que já é, é nosso medo de sermos machucados por aquilo que parece separado de nós. É triste, mas alguns de nós morrem sem ter vivido, porque estamos obcecados em tentar não nos machucar.
Se realmente quisermos ver a unidade fundamental, não apenas uma vez, mas na maior parte do tempo — que é o que a vida religiosa é — nossa prática primária é com a chamada “barreira do pensamento-emoção”. Significa que quando algo parece nos ameaçar, reagimos. No minuto que reagimos, surge uma barreira e nossa visão fica nublada. Como a maioria de nós reage a cada cinco minutos, é óbvio que na maior parte do tempo a vida está nublada para nós. Nossa prática primária é com essa barreira. Sem essa prática, sem compreensão sobre tudo que entra e sai das barreiras que construímos — o que não é fácil — permanecemos escravizados e separados.
Mas quando não há sujeito ou objeto, a barreira do pensamento-emoção cai e pela primeira vez podemos ver claramente. Quando podemos ver, sabemos o que fazer. E o que faremos será amor e compaixão. A vida religiosa pode ser vivida.
Enquanto não nos sentirmos abertos e amáveis, nossa prática está ali nos esperando, e já que na maior parte do tempo não nos sentimos abertos e amáveis, devemos praticar meticulosamente. Essa é a vida religiosa; isso é que é “religião” — embora não precisemos usar tais palavras. É a reconciliação das pessoas e seus conceitos separados, a reconciliação de nossos pontos de vista sobre como deve ser, como as pessoas devem ser, a reconciliação com nossos medos. A reconciliação de tudo que é experiência… de quê? De Deus? Daquilo que simplesmente é? A vida religiosa é um processo de reconciliação, segundo a segundo.
E cada vez que atravessamos essa barreira algo muda dentro de nós. Com o tempo nos tornamos menos separados. E isso não é fácil, porque queremos nos agarrar ao que é familiar: ser separado, ser superior ou inferior, ser “alguém” na relação com o mundo. Uma das marcas da prática séria é estar alerta e reconhecer quando a separação está ocorrendo. No minuto em que surgir a ideia — mesmo que só de passagem — de julgar outra pessoa, a luz vermelha da prática deve acender.
Todos fazemos algumas ações danosas de que não temos consciência. Mas quanto mais praticarmos, mais veremos aquilo que antes não podíamos ver. Isso não significa que iremos ver tudo — sempre há algo que não podemos ver. E isso não é bom nem ruim; é apenas a natureza das coisas.
Então prática não é só vir a retiros ou meditar toda manhã. Isso é importante, mas não suficiente. A força de nossa prática, e a habilidade de comunicá-la aos outros, depende de sermos nós mesmos. Não precisamos tentar ensinar os outros. Não precisamos dizer uma única palavra. Se nossa prática for forte ela se mostra o tempo todo. Não precisamos falar sobre o Dharma; o Dharma é simplesmente aquilo que somos.
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