Para uns, isto é só areia e pedras. Mas tem gente que enxerga o mundo
Quando monge noviço no templo Zuioji, em Niihama, Japão, o brasileiro Francisco Handa tinha a tarefa de cuidar diariamente de um jardim zen, um jardim de areia e pedras usado pelos monges para meditação. Ninguém pisava no jardim, a não ser os noviços na hora da limpeza. Ao seu redor, havia uma varanda com salas reservadas de onde os monges contemplavam a paisagem como na maioria dos jardins zen, aliás. Ao contrário da maioria dos trabalhos monásticos, para aprender a cuidar de um jardim zen não havia mestre. Então, como transformar um monte de pedras e areia numa paisagem que acalmasse os olhos e a mente? Vou fazer e você copia, era tudo o que dizia o monge já familiarizado com a tarefa. Então ele dava forma à areia. Com olhar atento, o noviço repetia o feito. Tínhamos que pegar um rastelo e andar fazendo um traço retinho. Se não ficasse bom, o jeito era repetir.Mas ninguém falava onde estava o erro, diz Handa, hoje na Comunidade Budista Soto Zenshu, em São Paulo. Perceber onde faltava harmonia fazia parte do aprendizado.
A única dica era seguir os contornos naturais do jardim. Assim, os desenhos começavam retos, acompanhando as margens, e só perdiam essa forma quando contornavam as pedras. A reta simboliza o pensamento correto, um caminho a ser seguido. O círculo é a união, diz a mestra Sinceridade, do templo Zu Lai, de São Paulo. O budismo não estimula as fórmulas com pontas (como o triângulo) porque as pontas são como espinhos, machucam. Embora seja chamado de jardim, o retângulo de areia e pedras representa o mundo. A areia e os pedriscos representam o mar. As pedras são rochas e ilhas. Portanto, os círculos ao redor das pedras seriam como ondas, que batem na rocha e voltam, batem e voltam, no mesmo movimento contínuo, cheio de altos e baixos, que é a vida. Entender e visualizar essa dinâmica de forças é essencial para conseguir a harmonia necessária para a contemplação.
Só podia ser idéia de japonês, né? É, mas esse jardim de areia e pedra, popularmente conhecido como jardim japonês, foi inventado por monges chineses, em algum momento entre os séculos 7 e 10. A idéia já era representar a dinâmica da natureza, para contemplação. Foi de lá que os zen-budistas japoneses importaram a idéia e começaram a construir os seus em seus templos. Sorte nossa, porque a maioria dos jardins chineses não resistiu à história turbulenta daquele país, e hoje os jardins mais antigos estão no Japão, onde são chamados de kazan ou kazansui (paisagem seca). O mais famoso do mundo fica no templo de Ryoan-ji, em Kyoto.
Contemplação
Ainda que o jardim zen seja conhecido como a natureza em miniatura, sua interpretação não é fechada. Depende do estado espiritual da pessoa. Ela pode sentir o Universo, mas também pode sentir-se no meio de um monte de pedras, diz o paisagista de São Paulo Hiroyoshi Ishibashi.
É como olhar uma casa de perto e de longe. De longe, você consegue enxergar a casa inteira, sem precisar se prender a nada. Mas, se você olha de perto, começa a reparar na cor da cortina, no trinco da porta, e não consegue visualizar o todo. E é por isso que o jardim zen não tem muitos detalhes.
Paisagens com poucos elementos e cores confortam a mente. Diante de tão pouca informação, o pensamento pára de saltar de um assunto para o outro, como ocorre no dia-a-dia. O equilíbrio visual é o que permite nos concentrarmos. Por essa razão o kazansui está tão ligado à meditação, que nada mais é que a atenção total no momento presente. Assim como no zazen (meditar sentado) é preciso concentrar-se na respiração, na meditação sobre o jardim o foco está na paisagem. É meditar com os olhos. Ou simplesmente contemplar.
Fonte : Priscila Santos-Vida Simples
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