PANTANAL 30 ANOS DEPOIS, APÓS 1990: O QUE MUDOU NO BIOMA 'CORAÇÃO DO BRASIL'


Fogo no Pantanal (Foto: José Medeiros/Editora Globo)

Queimadas no Pantanal causam mudanças no bioma (Foto: José Medeiros/Editora Globo)

Pantanal 30 anos depois,após 1990: o que mudou  no bioma 'coração do Brasil'

Queimadas, secas e expansão do agronegócio, que passaram a fazer parte da realidade do bioma nas últimas décadas

Queimadas 

Do ponto de vista histórico, o Pantanal sempre sofreu com incêndios consequentes de raios e outras formas naturais. No entanto, de acordo o biólogo e diretor de comunicação do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, as intervenções do homem tornaram frequentes as queimadas que antes eram ocasionais. “Atualmente, mais de 95% dos incêndios no Pantanal são causados pela ação humana, seja ela intencional ou não”, afirma.

A seca também agravou a situação. Apesar de ser comum que o Pantanal passe por períodos de seca e de cheia ao longo do ano, os números atuais confirmam um padrão fora do normal.

“A média dos últimos 30 anos mostrou que o Pantanal está 26% mais seco. Isso é devido a  vários fatores como desmatamento na Amazônia e nas bordas do Pantanal, mudanças climáticas, entre outros. Além disso, a umidade do ar caiu em 25%, a temperatura média aumentou em 2°C. Os períodos de cheia estão mais curtos e a área alagada é menor”, analisa.

Além do clima super seco e a seca histórica que a região atravessa, Gustavo destaca que o acúmulo de matéria orgânica e a falta de manejo do fogo agravam a situação, principalmente porque assuntos relacionados ao manejo do fogo não eram muito comentados, nem fiscalizados, conforme conta Gustavo.

“Agora já existe o entendimento da necessidade de ter fogo na época e  lugares certos e com planejamento. Isso é importante para você controlar a matéria orgânica. Caso contrário, o mato começa a crescer e quando o fogo vem, como sempre vem, o dano é muito maior”, explica.

Segundo o especialista, queimar partes estratégicas, dentro de um plano de manejo integrado do fogo é fundamental para fazer a gestão do território. “Vários países do mundo que são referência no combate a incêndio florestal fazem esse manejo. Tem que queimar quando nos períodos em que há água suficiente e não está perigoso nem muito seco, com estratégia e fiscalização”, explica.

Ecologicamente falando, por conta das queimadas, a dinâmica populacional da região mudou. “Em 2020 foram queimados 3 milhões e 900 mil hectares do Pantanal. Isso equivale  a cerca de 6% do bioma. Em 2021, foram 1 milhão e 945 mil hectares, somando um total 12,6% do bioma. Para esse ano, a previsão é que a situação do Pantanal Sul ainda seja muito complicada.  É uma seca nunca antes vista. Tem pesquisador que trabalha há 40 anos no Pantanal e nunca viu o Rio Abobral das parcialmente interrompido, por exemplo”, comenta.

Menos água 

pantanal (Foto: Valdemir Cunha/Ed. Globo)

O surgimento de pequenas hidreléticas diminuem a vazão dos rios (Foto: Valdemir Cunha/Ed. Globo)

Embora o Pantanal tenha passado por períodos de cheias e secas nesses anos, segundo o especialista, as estatísticas mostram que, por causa das questões climáticas, a constância normal de chuvas está mudando e a região está cada vez mais seca.

“O grande problema das mudanças climáticas são os eventos extremos acontecendo com maior frequência. As chuvas estão vindo de forma espaçada. Chove tudo em dois dias e não é o suficiente para encharcar o solo e retomar o lençol freático. E aí depois são mais 20 dias sem chover”, avalia.

Dessa forma, a superfície da inundação e os períodos de cheias têm ficado menores. “O normal eram 6 meses de cheias e 6 de secas. Hoje em dia quando tem cheia, dura entre dois e três meses. Esse ano nem teve cheia no Pantanal Sul. Não dá mais para prever esses períodos”, complementa.

Gustavo Figueirôa resume que o problema da falta de água no Pantanal tem a ver com uma junção de fatores que envolvem mudanças climáticas, o desmatamento na Amazônia principalmente na borda sul e o desmatamento no cerrado, mais precisamente nas nascentes das matas que formam os rios que descem para o Pantanal. 

A chegada de pequenas hidrelétricas também cooperou com as mudanças no bioma. Na maioria das vezes, essas empresas usam a água sem levar em consideração as possíveis consequências ambientais, como é o caso da redução do escoamento dos rios. O gestor ambiental e CEO da VSA Soluções Ambientais, Ricardo Agostinho, explica que o assoreamento é um dos responsáveis por trazer mudanças, já que alteram o fluxo dos rios.

“A expansão das atividades agropecuárias associadas à falta de proteção dos rios e das nascentes, aceleraram o assoreamento de parte do curso d’água. O desgaste das cabeceiras provoca o assoreamento dos rios e, consequentemente, há a redução da saída de água para as outras do Pantanal.É uma região que depende dos ciclos de inundações e dos rios que nascem na região do Planalto, onde ficam as cabeceiras da Bacia do Alto Paraguai”, analisa o gestor ambiental.

Vegetação transformada

A vegetação nativa da região também é algo que chama atenção nos cenários apresentados pela novela. “Nos últimos 30 anos, o Pantanal perdeu área de vegetação natural, mas 84% da sua cobertura vegetal original está preservada. No entanto, isso não significa que não seja uma região frágil”, conta Gustavo.

Levando em consideração que cerca de 80% da água do Pantanal vem fora, um grande desafio tem sido lidar com as consequências causadas pelo desmatamento nos arredores e assoreamento dos rios, já que tudo isso  impacta diretamente na vegetação da região pantaneira. 

“O rio Taquari, por exemplo, está tão assoreado que virou um leque aluvial. Então não tem mais um curso que o rio segue. É uma grande parte alagada e isso é muito ruim. A vegetação local não é acostumada a viver debaixo d'água o tempo inteiro, e sim com o regime de cheias e secas. Então hoje temos um grande paliteiro de árvores mortas”, comenta.

Não basta pensar apenas no que acontece dentro do Pantanal para preservar sua vegetação. É preciso, também, encontrar medidas para controlar o desmatamento na Amazônia e no cerrado para que as mudanças necessárias aconteçam.

Animais ameaçados de extinção

onça-pantanal- (Foto: José Medeiros/Ed.Globo)

Onça pintada está ameaçada de extinção (Foto: José Medeiros/Ed.Globo

Atualmente, muitos animais estão sendo ameaçados pelo risco de extinção, como a onça pintada, cervo-do-pantanal, ariranha, tamanduá, anta, entre outros. O desmatamento somado às queimadas dos últimos anos agravaram o problema.

A bióloga e coordenadora do Projeto Arara Azul, Neiva Guedes, conta que nos últimos 30 anos, após muita luta contra as caçadas e o tráfico da arara-azul, a espécie quase saiu da lista dos animais em extinção. 

“A gente praticamente triplicou o número de indivíduos. Porém, as mudanças climáticas juntamente com a descaracterização do ambiente, uma legislação mais frouxa e a contaminação pelo mercúrio, somadas às queimadas, as espécies voltaram para uma  situação de risco”, explica.

A bióloga explica que o efeito das queimadas acontecem na hora e a longo prazo. “Antes dos incêndios a gente sabia exatamente quantos ninhos estavam com ovos, filhotes ou com araras. Quando o fogo cessou, fizemos um levantamento e vimos que  49% dos ninhos foram atingidos”, conta.

Os resultados ao longo dos anos, também tiveram a ver com o aumento de predação dos filhotes por conta da escassez de alimento, além de uma baixa taxa de reprodução. Os efeitos totais são difíceis de estimar, pois há, ainda, a questão de árvores, onde ficavam ninhos, que tiveram seu interior atingido e caíram após um tempo.

Apesar da situação ser preocupante, Neiva Guedes é otimista quanto às perspectivas para os próximos anos. “A gente tem bastante criatividade, muita boa vontade e pessoas que tentam nos ajudar. A arara-azul é uma ave muito resiliente. Acredito que dá continuar trabalhando e unindo esforços para que elas continuem existindo e colorindo o céu do Brasil”, complementa.

Fonte:https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Sustentabilidade/noticia/2022/06/pantanal-30-anos-depois-o-que-mudou-na-novela-e-no-bioma-coracao-do-brasil.html

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