Mônica Tarantino, Monique Oliveira e Luciani Gomes
As revelações sobre o
cérebro adolescente
Novas pesquisas decifram as
transformações cerebrais que acontecem na adolescência, explicam comportamentos
típicos e sugerem como lidar com eles
21.10.11 - 21h00 -
Atualizado em 21.01.16 - 11h19
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O que faz uma garota de 14 anos passar o dia inteiro emudecida, trancada
no quarto? Ou ir do riso à fúria em menos de um segundo? Pode ser realmente
difícil entender a cabeça de um adolescente. Para ajudar nesta tarefa, a
ciência está empreendendo um esforço fantástico. Nos Estados Unidos, ele está
sendo capitaneado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos
(NIMH). O órgão – um dos mais respeitados do mundo – está patrocinando uma
linha de estudos focada na busca de informações para compreender o que está por
trás das oscilações de humor e comportamentos de risco que marcam a
adolescência. E as informações trazidas pelos estudos realizados até agora
estão construindo uma nova visão da metamorfose sofrida pelos jovens. “O
cérebro do adolescente não é um rascunho de um cérebro adulto. Ele foi
primorosamente forjado por nossa história evolutiva para ter características
diferenciadas do cérebro de crianças e de adultos”, disse à ISTOÉ o
neurocientista americano Jay Giedd, pesquisador do NIMH e um pioneiro na
investigação do cérebro adolescente.
Giedd e seus colegas estão redefinindo os conceitos da medicina sobre
essa fase da vida. Para eles, os tropeços da adolescência são sinais de
que o cérebro jovem está procurando se adaptar ao ambiente. Nos primeiros 13
anos de pesquisa, os cientistas estudaram mudanças cerebrais ocorridas do
nascimento até a velhice, na saúde e na doença. Descobriram que a adolescência
é marcada por um aumento das conexões entre diferentes partes do cérebro. É um
processo de integração que continuará por toda a vida, melhorando o trabalho
conjunto entre as partes.
As pesquisas revelaram ainda que, nessa etapa, dá-se o fortalecimento e
amadurecimento de algumas redes de neurônios (as células nervosas que trocam
informações entre si) e o abandono de outras, menos usadas. Os estudos
mostraram também que a onda de maturidade se inicia nas partes mais profundas e
antigas, próximas do tronco cerebral, como os centros da linguagem, e naquelas
ligadas ao processamento de emoções como o medo. Depois, essa onda vai subindo
rumo às áreas mais recentes do cérebro, ligadas ao pensamento complexo e à
tomada de decisões. Entre elas estão o córtex pré-frontal, o sulco temporal
superior e o córtex parietal superior, envolvidos na integração de informações
enviadas por outras estruturas do órgão. Essa evolução explica, em parte, por
que nesse período da vida a impulsividade e os sentimentos mais viscerais são
manifestados com tanta facilidade, sem passar pelo filtro da razão.
Na tentativa de elucidar por que os jovens atravessam o período de
crescimento como se estivessem em uma montanha-russa, um dos aspectos mais
estudados é a tendência de se expor a riscos. No começo da empreitada
científica para decifrar os segredos do cérebro adolescente, acreditava-se que
a falta de noção do perigo iminente estivesse associada à falta de
amadurecimento do córtex pré-frontal, área ligada à avaliação dos riscos que só
atinge o desenvolvimento pleno por volta dos 20 anos. O avanço das pesquisas, porém,
está demonstrando que por volta dos 15 anos os jovens conseguem perceber o
risco da mesma forma e com a mesma precisão que um adulto.
Se sabem o que está acontecendo, por que os jovens se colocam em
situações ameaçadoras? Embora as habilidades básicas necessárias para perceber
os riscos estejam ativas, a capacidade de regular o comportamento de forma
consistente com essas percepções não está totalmente madura. “Na
adolescência, os indivíduos dão mais atenção para as recompensas em potencial vindas
de uma escolha arriscada do que para os custos dessa decisão”, disse à ISTOÉ
Laurence Steinberg, professor de psicologia da Universidade Temple,
especializado em desenvolvimento adolescente e autor de “Os Dez Princípios
Básicos para Educar seus Filhos”. Steinberg é um dos mais destacados estudiosos
da adolescência na atualidade.
A afirmação do pesquisador está sustentada em exames de imagem que
assinalam, no cérebro adolescente, uma intensa atividade em áreas ligadas à
recompensa. Por recompensa, entenda-se a sensação prazerosa que invade o corpo
e a mente após uma vitória, como ganhar no jogo ou ser reconhecido como o
melhor pelo grupo. Esse processo coincide com alterações das quantidades de
dopamina, um neurotransmissor (substância que faz a troca de mensagens entre os
neurônios) muito importante na experiência do prazer ou recompensa. “Isso
parece afetar o processo de antecipação do prêmio, de tal forma que os
adolescentes se sentem mais animados do que os adultos quando percebem a
possibilidade do ganho”, diz o psicólogo americano.
Ele também foi buscar na teoria da evolução a justificativa para o
mecanismo cerebral que premia os jovens com sensações agradáveis por se
arriscarem. “No passado, levavam vantagem sobre outros da espécie aqueles que
se deslocavam e assumiam riscos em busca de um lugar com mais alimento”,
pontua. “A busca por novidade e fortes emoções representaria, à luz da teoria
da evolução, um sinal da capacidade de adaptação dos seres humanos a novos
ambientes.” Nosso cérebro teria aprendido esse caminho e estaria reproduzindo-o
até hoje. Descobertas ainda mais recentes mostram que a recompensa mexe
profundamente com o cérebro. “Todas as áreas do cérebro são afetadas quando uma
atitude é recompensada ou penalizada socialmente”, disse à ISTOÉ Timothy
Vickery, um dos autores de um trabalho recente publicado na revista “Neuron”.
Paralelamente à configuração cerebral, existem as contribuições do mundo
contemporâneo para a tendência ao prazer imediato. “Talvez as dificuldades da
vida futura e do mercado de trabalho, por exemplo, levem o jovem a uma situação
de viver o prazer imediato. Daí a busca pela bebida, pela droga, pelo sexo e
tudo o mais no sentido de se aproveitar a vida”, diz o hebiatra (médico
especializado em adolescentes) Paulo César Pinho Ribeiro, da Faculdade de
Ciências Médicas de Minas Gerais. De fato, por volta dos 15 anos, dá-se o pico
da busca por emoções fortes. A psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da
Associação Brasileira do Estudo de Álcool e Drogas, defende uma ação firme
nesse momento. “Os pais devem assumir o seu papel e não deixar que os jovens
fumem ou bebam”, diz.
O caminho para enfrentar essa questão é o diálogo. No Colégio Peretz, em
São Paulo, a estratégia de conversar longamente sobre os riscos do consumo de
álcool e drogas existe há dez anos. “A proposta é acompanhar os jovens e
esclarecer as dúvidas que surgem durante esse período”, diz Evelina Holender,
coordenadora do projeto.
A busca de emoções e o desejo de ser aceito e admirado pelos outros –
duas características do adolescente – podem se converter numa mistura
explosiva. O psicólogo Steinberg demonstrou claramente esse mecanismo com o
auxílio de um jogo de videogame cuja proposta era dirigir um carro pela cidade
no menor tempo possível. No percurso, os sinais mudavam de verde para amarelo
quando o carrinho se aproximava. Se o competidor cruzasse o sinal antes de ele
ficar vermelho, ganhava pontos. Se ficasse no meio da pista ou na faixa,
perdiam-se muitos pontos. Ao disputarem os jogos a sós em uma sala, os jovens
assumiram riscos na mesma proporção que os adultos. Mas com a presença de um ou
mais amigos no ambiente houve mudança nos resultados. “Nessa circunstância, os
adolescentes correram o dobro dos riscos dos adultos”, observou o pesquisador.
O papel do grupo na adolescência também está sendo examinado. “Por volta
dos 15 anos, registra-se o pico de atividade dos neurônios-espelho, células
ativadas pela observação do comportamento de outras pessoas e que levam à sua
repetição”, diz o neurologista Erasmo Barbante Casella, do Hospital Albert
Einstein e do Instituto da Criança da Universidade de São Paulo. Esse é um dos
motivos pelos quais os jovens adotam gestos e roupas similares. Além disso, há
a grande necessidade de ser aceito pelos amigos e o peso terrível da rejeição.
“É uma fase na qual a identidade não está absolutamente constituída, e o grupo
acaba sendo o meio para experimentar e também uma lente pela qual o adolescente
lê o mundo”, diz a psicóloga Joana Novaes, da PUC-Rio de Janeiro. Estudos
apontam que há também uma grande quantidade de oxitocina, hormônio relacionado
às ligações sociais e formação de vínculos, circulando no organismo, o que
favoreceria a tendência de andar em turma.
Afora o prazer de correr perigo e dos altos e baixos humorais, a
adolescência pode ser vista como uma fase de altíssima resiliência, que é a
capacidade de se adaptar e sobreviver às dificuldades. Mas há desvantagens. O
lado complicado é que o adolescente que passa por tantas transformações está
mais vulnerável ao aparecimento de alterações como depressão, ansiedade e
transtornos alimentares como a anorexia e a bulimia. Na semana passada, um
estudo do NIMH feito com 10 mil jovens com idades entre 13 e 18 anos revelou
que 12% apresentavam sintomas de fobia social, um transtorno de ansiedade que
afasta os jovens do convívio. No estudo, 5% dos jovens confundiam os sintomas
da alteração com timidez.
Ainda não se sabe qual é o impacto do grande volume de novas informações
na conduta prática adotada por pais e profissionais ligados aos jovens, como
professores e psicólogos. Mas já existem algumas mudanças em curso. Com base em
algumas das descobertas, no Hospital Israelita Albert Einstein e no Instituto
da Criança, por exemplo, Casella procura orientar os pais a prestar mais
atenção às companhias dos filhos. “Existe realmente uma tendência a copiar
comportamentos. E os pais precisam interferir nisso”, diz o especialista.
É sabido também que o universo de possibilidades do cérebro adolescente
será mais amplo se a criança tiver recebido suporte emocional e familiar, boa
alimentação e acesso à educação. “Como na construção de uma casa, o resultado é
melhor quando se tem bons alicerces. Por isso é importante estar atento ao
desenvolvimento infantil”, disse à ISTOÉ o pediatra Jack Schonoff, diretor do
Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard (EUA). Quem
passou por carências também tem uma espécie de segunda chance para acertar o
passo do desenvolvimento na adolescência, embora com limitações. “Não é
possível voltar atrás, mas dar os estímulos adequados ao adolescente irá
ajudá-lo a chegar mais perto do seu potencial máximo”, disse Schonoff. Na
semana passada, o especialista veio ao Brasil para lançar uma parceria com a
Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, envolvida em iniciativas para o
desenvolvimento integral da criança.
Por mais que as crises se sucedam, se uma boa comunicação tiver sido
cultivada ano após ano, haverá maior proximidade entre pais e filhos. “A crise
é um sinal de saúde. O adolescente deve contestar e confrontar os pais, porque
isso faz parte da reformulação pela qual ele está passando”, diz a psicanalista
da infância Ana Maria Brayner Iencarelli, do Rio de Janeiro. Outra opção que se
tem mostrado eficiente para auxiliar os adolescentes a atravessar esse período
da vida são cursos que orientam sobre como criar coletivamente, planejar um
evento, montar um show ou criar um blog, por exemplo. Não é por acaso que
iniciativas estão se popularizando mundialmente. Pesquisas da Universidade de
Illinois, nos Estados Unidos, referendam essa diretriz. “Adolescentes engajados
em atividades que exigem criatividade aprendem a planejar e lidar com situações
inesperadas”, diz Reed Larson, professor do departamento de Desenvolvimento
Humano e Comunitário da universidade americana.
Fonte: http://istoe.com.br/170256_AS+REVELACOES+SOBRE+O+CEREBRO+ADOLESCENTE/
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