O BUDISMO, A MENTE, O BRASIL E
O MUNDO
“Devemos fazer tudo para alcançar o equilíbrio”
O professor B. Alan Wallace,
PhD, é um grande erudito e um dos mais prolíficos escritores e tradutores do
budismo tibetano no Ocidente. A seguir, uma entrevista, onde Alan Wallace fala
sobre os estudos da mente na atualidade. Entrevista de Alessandra Cavalheiro.
Tradução: Cerys Tramontini, antes da visita do professor a Florianópolis,
em fevereiro de 2016. Foto Luiz Bettoni, Templo Caminho do Meio, Viamão-RS, CEBB – Centro de Estudos Budistas
Bodisatvas.
“Precisamos urgentemente de uma alternativa para o nosso atual modo
materialista de ver a existência humana e a realidade como um todo,juntamente
com sua ênfase no hedonismo e no consumismo, pois o próprio destino da
civilização humana e o equilíbrio do ecossistema dependem da nossa re-concepção
do significado da ‘boa vida’.”
ENTREVISTA
1 – Sabemos que você veio para Florianópolis convidado pelo Instituto
Paz e Mente, que fundou o primeiro programa de pós-graduação em Transformação
de Conflitos e Estudos de Paz no Brasil, com base no equilíbrio emocional.Como você vê este programa e qual a sua
importância para a sociedade brasileira?
A civilização moderna está enfrentando muitos desafios sem precedentes
e, a fim de darmos conta dessa situação, temos de fazer tudo o que pudermos
para alcançar níveis ideais de equilíbrio mental e bem-estar interior, tanto
para nós como para nossos filhos. O Instituto Paz e Mente é dedicado a fazer
todo o possível a este respeito, para preparar as pessoas para um modo de vida
em que todos nós possamos ser agentes de paz e reconciliação em um mundo em que
há tanto conflito e miséria. Portanto, este é verdadeiramente um grande serviço
ao povo do Brasil e do mundo em geral.
2. Como têm
sido os avanços dos estudos da mente nos últimos anos, dentro das
universidades?
Embora alguns avanços tenham sido feitos nos últimos 135 anos, sobre o
estudo científico da mente, ele tem sido bastante limitado pelas restrições
ideológicas e metodológicas do materialismo científico. De acordo com essa
forma reducionista de lidar com a mente, a abordagem radicalmente empírica de
Galileu e Darwin (de observar cuidadosamente os fenômenos que buscam compreender)
tem sido suprimida pela insistência dogmática de que a mente seja estudada
apenas indiretamente, através de seus correlatos neurais e expressões
comportamentais. Enquanto a física passou por duas revoluções nos últimos
400 anos e a biologia conquistou uma grande revolução, o dogma do materialismo
científico atrapalhou a realização de uma verdadeira revolução nas ciências da
mente. Para romper essa barreira ideológica, métodos devem ser introduzidos na
psicologia, para aperfeiçoar as nossas habilidades de atenção e de
introspecção, de modo que os processos mentais e estados de consciência possam
ser observados diretamente, e com um alto grau de sofisticação, e as
descobertas replicáveis possam ser feitas. Pressupostos reducionistas podem ser
desafios.
3 – Como
você vê a evolução de práticas contemplativas no Brasil, em nosso país, que é
considerado o país do Carnaval?
Durante minhas muitas visitas ao Brasil ao longo dos últimos dez anos,
tenho o prazer de ver o grau de abertura para práticas contemplativas, tanto no
público em geral quanto no meio acadêmico. Este é um dos mais diversos países
que visitei, com muitos grupos étnicos e crenças, e isso tem sido útil na
prevenção de qualquer ideologia de dominação, que suprimiria todas as outras.
4 – Como
esta ciência contemplativa, que vem dos Himalaias, pode ajudar a nossa
sociedade a tornar-se mais pacífica? Quais são as contribuições que esta
ciência pode oferecer para as sociedades ocidentais?
Na verdade, a ciência contemplativa ministrada no Instituto Paz e Mente
tem suas raízes em múltiplas culturas de toda a Ásia, não apenas nas regiões
nômades dos Himalaias. Assim, as pessoas que praticam essa ciência
contemplativa incluem pessoas da cidade, agricultores, comerciantes e nômades.
Estas culturas tradicionais valorizam o bem-estar e a paz interior juntamente
com prosperidade exterior, de modo que eles não repousaram seu foco unicamente
em aquisição e consumo desenfreados. Precisamos urgentemente de uma alternativa
para o nosso atual modo materialista de ver a existência humana e a
realidade como um todo, juntamente com sua ênfase no hedonismo e no consumismo,
pois o próprio destino da civilização humana e o equilíbrio do ecossistema
dependem da nossa re-concepção do significado de “boa vida”. Neste sentido, as
culturas mais tradicionais têm muito a nos ensinar sobre desenvolver
contentamento, harmonia e paz com o resto do mundo.
5. Muitos de
nós compreendemos o budismo como religião. Eu lhe pergunto: o que é o budismo?
É uma religião ou não?
As categorias de religião, filosofia e ciência são construções
eurocêntricas que se aplicam bem ao Judaísmo, Cristianismo e Islamismo como
religiões, Platão, Spinoza, Kant como filósofos, e à física, biologia e
psicologia como ciências.Mas as tradições como o budismo, que originou e
se desenvolveu fora da influência da civilização eurocêntrica, não são
facilmente classificados dentro deste quadro ocidental. O budismo tem elementos
religiosos, filosóficos e científicos, mas também tem elementos únicos que
não são encontrados em qualquer lugar na civilização ocidental. Estes
elementos, incluindo uma rica herança sobre a investigação contemplativa, devem
ser examinados com muito cuidado, pois eles podem contribuir grandemente para a
civilização humana, neste momento de grande necessidade que estamos
passando.
6. Sua
Santidade Dalai Lama mencionou em uma entrevista que o budismo não é uma
religião. Ele diz que o budismo pode ser uma ciência da mente e que as pessoas
não precisam ser budistas para praticar a ciência da mente. O que você pensa
sobre isso? Como pode esta ciência ser colocada em nosso dia a dia?
Budismo certamente inclui uma ciência da mente, e pode ser praticado por
qualquer pessoa com uma mente aberta que queira explorar a natureza e os
potenciais da mente e maneiras de conseguir um estado excepcional de saúde
mental, equilíbrio e bem-estar. Muitas das teorias e métodos do budismo são
acessíveis a pessoas de todas as crenças religiosas e para as pessoas
seculares, porque não exigem a adesão a qualquer sistema de crença, mas sim
encorajar-nos a explorar nossas mentes e a realidade em geral, com uma mente
aberta.
Fonte:https://budismopetropolis.wordpress.com/2016/07/27/o-budismo-a-mente-o-brasil-e-o-mundo/
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