SCHOPENHAUER, NIETZSCHE E BUDA

Nietzsche,-Buda,-Schopenhauer

SCHOPENHAUER, NIETZSCHE E BUDA


O budismo, que para todos os fins trataremos aqui por uma filosofia, tem semelhanças incríveis com o pensamento de Schopenhauer. O filósofo foi muito influenciado pelo pensamento oriental e usa muitas das ideias do hinduísmo e do budismo para melhor desenvolver seus conceitos.
A principal questão abordada por eles é a dor. De onde vem a dor? Por que sentimos dor? É possível fazer cessá-la? Para todos os efeitos, Schopenhauer vê a dor como resultado da falta, uma falta insaciável que nunca é preenchida. Temos fome, temos sede, frio, desejos sociais, amorosos. Viver é sinônimo de querer, mas querer é a busca por preencher a falta, falta esta que nos constitui.
Buda, ou melhor, o príncipe Sidarta Gautama, encontrou a dor logo após renunciar de sua vida no castelo e fugir de uma existência cercada de regalias e benesses. Logo deparou-se com um velho, um doente, um cadáver, e, por fim, um asceta. Após  anos de meditação e prática, Sidarta Gautama finalmente atingiu o estado de Buda (que significa “o desperto”). A partir deste momento Buda nos legou suas “Quatro Nobres Verdades” cujo entendimento nos levaria para além da dor.

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O príncipe Siddhartha Gautama, China.

Schopenhauer também deparou-se com cenas que o marcaram em sua infância. Quando pequeno, seu pai ofereceu a possibilidade de ter uma vida modesta como filósofo ou então seguir com ele em uma viagem pela Europa e depois seguir sua carreira de comerciante. Como optou pela viagem, teve a chance de ver uma Europa devastada pelas guerras napoleônicas: dor, fome, miséria, pobreza. “Viver é sofrer” concluiu ele dois mil anos após buda.
As quatro nobres verdades de Buda são: 1) o sofrimento: a vida está invariavelmente sujeita a todo tipo de sofrimento; 2) a causa do sofrimento: a ignorância dos homens os levam a desejar aquilo que lhes causa dor: os apegos, a cobiça, as posses; 3) a verdade da cessação do sofrimento: é possível a cessação do sofrimento que é causado pelo ignorância e os desejos dos homens. 4) Caminho para a cessação do sofrimento: aqui Buda nos oferece seu remédio contra a dor e o sofrimento: o caminho óctuplo, um conjunto de práticas mentais e éticas na busca pelo Nirvana.
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Schopenhauer segue um caminho parecido em sua obra magna, “O Mundo Como Vontade e Como Representação”. A causa do sofrimento é a manifestação violenta da Vontade, essência íntima de tudo no mundo. O homem é a representação mais alta da Vontade, onde o intelecto atinge seu mais alto grau de entendimento; isto faz do homem o mais sensível à dor. Neste caso, negar a Vontade é ao mesmo tempo negar a causa da dor. Schopenhauer nos dá o primeiro lenitivo para a dor que no homem se torna insuportável: a arte. Mas ela não é o bastante, trata-se apenas de um analgésico, um entorpecente que nos faz esquecer as angústias desta vida. Mas qual é a solução final para o sofrimento? Se a Vontade se manifesta através do querer-viver então a resposta está dada: a saída do ciclo da dor é a negação do querer-viver.
Schopenhauer encontra nos mestres hindus, nos ascetas, nos budistas, na compaixão cristã, em São Francisco de Assis, a resposta para seu problema filosófico, negar a vida! Esta é a solução de Schopenhauer, esta é a única alternativa. O ciclo de desejar o que não se tem, conquistar e entediar-se para novamente desejar o que não se tem só pode ser interrompido cortando o mal pela raiz: negar o querer-viver. Schopenhauer tinha uma estátua de buda em sua casa, mas seu verdadeiro monumento ao budismo está dentro de sua obra de filosofia.
“Ao encontrarmos na vida de homens santos aquela calma e bem-aventurança que descrevemos apenas como a florescência nascida da constante ultrapassagem da Vontade, vemos também como o solo onde se dá essa floração é exatamente a contínua luta com a Vontade de vida” – Schopenhauer, O Mundo Como Vontade e Como Representação
Mas o que isso tem a ver com Nietzsche? As críticas de Nietzsche para o budismo não passam nem perto daquelas que o filósofo escreve para o cristianismo, contudo, de certa forma, as duas se assemelham. Nietzsche chega até mesmo a expressar sua admiração por Buda, pois ele estaria livre de todo ressentimento (o mesmo acontece com Cristo, antes da apropriação e deturpação de seus ensinamentos por Paulo).
O budismo seria a religião dos últimos homens, antes de darem lugar ao além-do-homem. Por que? Simplesmente porque o budismo está livre de todo ressentimento, ele não acusa a dor, não a condena, apenas procura suprimi-la.
“O budismo é uma religião para homens tardios, para raças bondosas, suaves, que se tornaram superespirituais,  que sentem dor com muita facilidade (ainda falta muito para que a Europa esteja madura para ele) […] o budismo é uma religião para o fim e para o cansaço da civilização” – Nietzsche, O Anticristo, §22
Muito diferente do cristianismo, e Nietzsche faz questão de frisar esta diferença. O cristianismo seria a própria doença do homem moderno, a cruz que carrega; já o budismo seria mais como uma higiene mental, uma limpeza espiritual em direção ao Nirvana. Ambas decadentes, claro, mas para o autor de Anticristo, uma muito mais digna do que a outra.
O bicho homem é aquele que se debate contra as grades que o prendem, isso o machuca e o irrita, o cristianismo é a própria acusação do homem contra si mesmo, um tribunal onde ele julga a si mesmo e se condena: “Culpado!”, diz seu livro sagrado. O budismo é o último passo em direção à transvaloração de todos os valores. Depois da calma resignação dos ensinamentos de Buda, só resta espaço para o niilismo passivo tornar-se niilismo ativo. O Camelo transforma-se em Leão para quebrar todos os ídolos marcados com a inscrição “Tu Deves!” (veja “Das três metamorfoses“).
Fonte:https://razaoinadequada.com/2014/02/15/schopenhauer-nietzsche-e-buda/?blogsub=pending#blog_subscription-4
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