Rompendo
com o medo e a confiança nas coisas exteriores
Pergunta: Dizeis “Falo de ponto de vista do eterno”. Como será, então,
possível que nós, que não estamos vivendo no eterno, possamos conhecer o
significado real de tudo quando colocais diante de nós?
Krishnamurti: Para perceberdes o eterno necessitais que o
transitório vos rodeie, afim de comparar, de julgar e considerar a ambos, pois
que o eterno encontra-se apenas por meio do transitório. Não é isso uma frase
charadística. Se quiserdes encontrar o amor incorruptível — um amor que não tem
variação, que é constante, que é impessoal, que se estende a todos, — tendes
que passar através do amor transitório. Não podeis obter o eterno de súbito.
Não vos deixeis, porém, colher pelo transitório. Estou falando acerca daquilo que
é a resultante de se deixar de lado toda a coisa transitória, pelo sofrimento e
outros meios, e o adquirir esse eterno que todos na vida estão buscando. Se não
puderdes enxergar por meio do transitório, quer isto dizer que nem sequer para
o transitório estais despertos. Não podeis distinguir entre o que é transitório
e o que é eterno.
Pergunta: Enamoramo-nos. Não nos deixamos ligar pelo matrimônio. Não
podemos gerar um filho. Porém, necessitamos de toda a experiência do amor,
desde as bases até ao cimo. Devemos agir ou não agir?
Krishnamurti: Quereis que eu decida sobre este assunto? E como
o poderei fazer? O que é que pretendeis na vida? Ser prisioneiro do amor
corruptível ou libertar-vos do corruptível amor? Eu não posso resolver sobre
isto. Não posso decidir sobre se deveis ou não ter um filho. O desejo clama por
experiência e, portanto, tendes que ter em vista o desejo e não a experiência.
Assim, como não podeis matar o desejo, como não podeis obliterar entrando em
êxtase, precisais transmutá-lo. Verificai se vosso desejo vos conduz aonde
quereis ir, se vos leva para a libertação.
Pergunta: Quando nos dais animação à revolta contra o mundo, quereis
dizer que devemos romper e levar outros a fazerem o mesmo, no que se refere às
instituições de caráter externo, isto é, convenções, leis; ou quereis dizer que
cada qual deve apenas perder sua confiança pessoal ou o seu temor nessas coisas
externas limitadoras? Por outras palavras, é a anarquia para todos que
advogais, ou o auto-governo para os poucos que se tornarem puros e fortes
bastantes para esse fim?
Krishnamurti: Se quiserdes romper com as leis externas, temo que
as leis externas vos despedacem. Os governos não o permitirão. A coisa
importante é romper com o medo, com a confiança nas coisas exteriores. Por
outras palavras, isto é um assunto individual. Se vos atemorizardes estareis
repousando no apoio exterior para vossa reta conduta. Deveríeis romper com
todas essas coisas que vos mantêm na retidão, porque a dependência delas
significa fraqueza de caráter. Não é questão de romper com as leis exteriores,
porém o rompimento dentro de vós próprios com todas aquelas coisas que tendem a
criar força artificial vinda do exterior. Isto é, deveis achar-vos
inteligentemente em revolta, dentro de vós mesmos, com todas essas coisas que
não são essenciais, e, por esse modo vos tornardes um dínamo, uma força que
pelo seu próprio poder implícito, venha a destruir tudo que for superficial e
falso, não-essencial, que convosco vier a contato. No fim de tudo, leis e instituições
são todas criadas por nós. O indivíduo cria, portanto, é o indivíduo que pode
alterar; levará tempo, isto, porém somente o indivíduo, em último turno, é o
responsável por todas as regras e instituições. Se o indivíduo for fraco, se
não for forte bastante para repousar em sua própria autoridade, pode ele
despedaçar instituições, porém criará outras novas. Trata-se, portanto, de
tornar o indivíduo forte, vital, enérgico, calmo e imperturbado e, para isto,
ele necessita estar em revolta com todas as coisas irreais.
“Por outras palavras, é a anarquia para todos que advogais ou
auto-governo para os poucos que se tornarem fortes e puros o bastante para tal
empresa?”
É auto-governo para todos, não para uns poucos. Porque os poucos criarão
em outros o desejo de se governarem por si mesmos
Krishnamurti, no
Castelo de Eerde, 19 de julho de 1929
Fonte:http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2016/07/rompendo-com-o-medo-e-confianca-nas.html
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