Satanismo: realidades e acusações
Graham Harvey [g.harvey@wkac.ac.uk]
tradução por Leda Maria Perillo Seixas
[ledaps@bol.com.br]
Definições sobre
"religião" abundam. Todas são válidas, se ao menos servirem para
desafiar e, a partir daí, refinar a compreensão. Tenho afirmado algumas vezes,
parcialmente como brincadeira (mas apenas parcialmente), que é possível saber
que algo é realmente uma religião quando: a) afirma oferecer soluções para
problemas muito amplos, e b) provoca desacordo, divisão, e às vezes até mesmo
violência entre seus próprios praticantes. Por tal critério, no mundo atual, o
satanismo se tornou uma verdadeira religião. Há pessoas que realmente se
denominam satanistas, e consideram possuir algo significativo para oferecer à
humanidade. A evidência real do amadurecimento desta opção religiosa é que ela
está agora internamente dividida, expressando dissensões: há rachaduras e
conflitos sectários dentro das fileiras do satanismo.
Por outro lado,
acusações feitas contra uma religião, freqüentemente acabam por não nos dizer
nada sobre os acusados, e muito sobre os acusadores. As pessoas gostam de
inventar e demonizar suas próprias alteridades. Realmente, a história humana
está cheia de queixas feitas contra movimentos que nunca existiram, exceto em
tais polêmicas.
Este artigo começa
com a discussão sobre quem realmente são os satanistas e quem eles dizem ser.
Isto é, o primeiro ponto é a auto-apresentação satânica e as diferenças que
geram diversidades que indicam, a partir daí, aspectos importantes para os
adeptos. A discussão apresenta os resultados de pesquisa sobre três
"grupos" (entre vários tipos) de satanismo que são representativos
das diversidades evidentes atualmente. Tem como base um projeto de pesquisa
conduzido em 1995 na Grã Bretanha, seguido de uma atenção menos explícita desde
então.
Em discussão
posterior, notam-se acusações e temores entre os "observadores". Embora
seja correto que a maior parte do que se diz e escreve sobre o satanismo seja
inteira ou largamente um produto de fantasia e preconceito, há um par de boas
razões para discuti-lo. Em primeiro lugar, aquilo que foi chamado "pânico
satânico" (Richardson, Best and Bromley 1991) é instrutivo sobre as
sociedades contemporâneas. Em segundo lugar, este é um contexto promissor para
se considerar a "crise de legitimação" (Habermas 1975, Lyotard 1984),
e questões mais amplas sobre como as pessoas conhecem ou afirmam conhecer.
Oposição aos satanistas, ou melhor, às percepções do que eles devem ser, não é
um fato surpreendente, dada a escolha da auto-denominação. Mas a discrepância
entre o que os satanistas são e o que é dito sobre eles é produtiva e
interessante. Minha intenção é, portanto, oferecer algumas informações sobre as
alegações contemporâneas (dos satanistas e dos outros) sobre o satanismo, e
fazer algumas sugestões sobre por que estas alegações poderiam ser
interessantes para aqueles não engajados nessas práticas polêmicas. Assim, o
artigo espera fazer mais do que oferecer fatos sobre uma religião e uma
controvérsia religiosa. Ele pretende sugerir que existem boas razões acadêmicas
para a consideração de grupos ainda muito pequenos e acusações muito extensas,
e que acadêmicos de diversas disciplinas podem achar o satanismo interessante.
Esta discussão está baseada no interesse da mídia. Eu realmente tenho sido um
participante regular nas controvérsias, como entrevistado acadêmico, quase
todas as vezes em que o satanismo aparece no noticiário de várias publicações e
na mídia de radiodifusão.
Satanismo assumido
Existem realmente
pessoas no mundo, que se denominam satanistas. Algumas pertencem a organizações
de vários tamanhos, algumas não. Os satanistas possuem compreensões amplamente
diferentes sobre o que o satanismo deveria ser, o que o satanismo deveria fazer
para justificar sua auto-identidade, e também sobre quem eles acham que Satã é.
Eles também variam em suas afirmações sobre as origens ou história antiga do
satanismo. Isto certamente não surpreende, porque esta "história" é
repleta (larga ou completamente) de queixas e acusações. Não me interesso por
estes debates, a não ser quando eles fazem parte das identidades contemporâneas
ou polêmicas sobre o satanismo. Desta forma, não ofereço visões sobre as
origens do mal, nem digo nada decisivo sobre quando a "Missa Negra"
deve ter sido rezada. De fato, interessa pouco para esta discussão se tais
rituais são ficções literárias ou paródias carnavalescas, instrumentos de luta
e poder político e religioso, ou hedonismo materializado em políticas
identitárias, ou verdadeiros e genuínos atos de veneração a um mal putativo.
Para o que nos interessa, duvido que alguém, antes do século XIX tenha aceito
voluntariamente o rótulo de "satanista". Porém, uma vez que as
pessoas começaram a usar este rótulo, deve ter sido para parecer mais
interessantemente sinistras. Isto, entretanto, só poderia acontecer se fosse
razoavelmente seguro – i.e., este fato é um produto e evidência de um grau de
secularização. Entretanto, parece evidente que apenas poucos indivíduos
denominaram-se satanistas até os idos de 1960. É para esta época que vou me
voltar agora.
Fundações do satanismo
Anton LaVey fundou o
satanismo ao formar a Igreja de Satã (IS) em 1960, na Califórnia, e ao escrever
a Bíblia Satânica (1969) e outros livros semelhantes (ver La
Vey 1972, 1992). Sem dúvida, La Vey atraiu crenças existentes e afirmações
sobre Satã e o satanismo. Mas o satanismo de La Vey só pode ser confundido pelo
descortino que veio a público, ou pela admissão da realidade de antigas
fantasias e medos, por alguém que se recusou a ler o que La Vey escreveu, a
escutar que ele falou, e a observar o que sua igreja fez. Quase tudo o que a IS
tem em comum com o que as pessoas devem esperar que o satanismo seja, é a
máscara sinistra que seu fundador e seus membros gostam de apresentar aos
ingênuos. O satanismo realmente antisocial ou imoral não é mais substancial,
tanto na IS quanto na performance de La Vey, que o diabo no filme O
bebê de Rosemary. Certamente supõe-se que esta performance perturbe, talvez
até ofenda pessoas – mas é apenas encenação. O satanismo de La Vey por trás da
máscara e da mascarada é algo mais: é uma "religião do self".
Paul Heelas cunhou o
termo "espiritualidade do self" para se referir ao
movimento da Nova Era (Heelas 1996). Ele proveitosamente indica o que é central
em várias espiritualidades contemporâneas: um projeto para descobrir, dar poder
e legalizar nossa autêntica natureza (interior) freqüentemente contaminada pela
socialização. Na linguagem da Nova Era: "você é Deus, você é Deus, você é
Deus". E este "Deus" deve ser encontrado dentro do indivíduo, e
seu potencial deve ser concretizado e expresso. Istopode gerar a
espiritualidade dos tipos místicos (ou mistificadores) separados do cotidiano,
do comum e do mundano. Mas a Nova Era é freqüentemente mais parecida com outras
religiões por ser inseparável de outros aspectos da vida. De fato, alguns
críticos contestam a orientação para o sucesso de alguns New Agers.
Realmente, a Nova Era manifesta-se tanto em estilo de negócios quanto na
devoção a anjos e harmonia cósmica. Há uma lógica na noção de que pessoas que
sabem que são Deus devem ser capazes de vender o que quer que queiram, e receber
o que quer que desejem receber.
A IS de Anton La Vey
é uma espiritualidade-própria torcida. Não é que o satanismo insista "Você
é Satã, você é Satã, você é Satã", num tipo de inversão da Nova Era e do
cristianismo. É, antes, que a tentativa de descoberta da verdadeira
interioridade, é empreendida não através de pensamentos positivos e vida
harmoniosa, e pela expressão da verdadeira divindade de alguém como sendo toda
de "luz": o satanismo clama por uma rejeição mais radical da
socialização. De acordo com La Vey, religiões representam poder sobre o povo,
ganho quando as necessidades e desejos comuns são identificados com
"pecado" ou "engano" e a "solução" (salvação ou
iluminação) é oferecida ao obediente. Satã é o questionador deste sistema. Satã
encoraja cada pessoa a experimentar e descobrir se elas acham que estes desejos
e necessidades são úteis ou não.
Os escritos de La Vey
e a revista da IS, The Black Flame, continuamente falam de Satã
como se o nome se referisse a uma entidade real, que fala, age, planeja,
deseja, inspira, é nomeada e convocada. Diz-se, por exemplo, que Satã se
delicia quando os cristãos ouvem músicas sensuais, e os acusa de hipocrisia
quando eles ao mesmo tempo abençoam tropas e rezam pela paz (La Vey 1969: 49).
Entretanto, tal discurso de um Satã aparentemente pessoal tem por intenção
reforçar ou dar poder ao "interesse racional no self" do
indivíduo satanista. Ritual, mágica e estilo de vida são impulsionados por este
"psicodrama". Satã é uma imagem útil para encorajar o individualismo
no que este se refere à "oposição" e "não-conformidade".
"A razão pela qual é chamado de satanismo é porque é divertido, preciso e
produtivo" (La Vey 1992:10). Este não é um movimento baseado na revelação
de uma divindade, mas uma religião própria que encoraja cada indivíduo a
alcançar seu próprio potencial, e promove o "interesse racional no self".
De fato, foi um tanto
impreciso falar acima sobre a "descoberta" da verdadeira
interioridade: "o indivíduo não 'encontra' a si mesmo, o indivíduo cria a
si mesmo" (La Vey 1992: 44). Com o objetivo de "criar a si
mesmo", as pessoas são encorajadas a ceder honestamente a seus desejos no
contexto de suas sociedades. A IS encoraja as pessoas a não serem abusivas (um
sinal de imaturidade), mas serem elas mesmas socialmente – ainda que forte e
eficazmente. A IS não oferece um sistema de iluminação ou uma técnica para
experiência religiosa, mas encoraja a "indulgência e glorificação do
carnal e material" (Gilmore 1993). O satanismo não é um "empenho em
direção à divindade" (nem à do indivíduo, nem àquela de algum ser
superior), mas uma aceitação e celebração da natureza humana física e animal
(Nadramia 1993).
"Não se espera
do satanismo que venere deidades diabólicas, mas que as manipule como
símboloscom o objetivo de auto glorificação e gratificação do indivíduo."
(Alfred 1983: 185).
O satanismo da IS
pode ser resumido (embora com cuidadosa atenção ao contexto) nas duas primeiras
das "Nove Declarações Satânicas", da Bíblia Satânica:
1.
Satã representa indulgência ao invés de
abstinência!
2.
Satã representa existência vital, em vez de idéias
espirituais impraticáveis! (La Vey 1969: 25).
As Nove Declarações
são mais detalhadamente exploradas através dos escritos de La Vey, da Black
Flame, e também são discutidas em Alfred (1983).
Para nossos objetivos
atuais, a estrutura sociológica da IS é importante por duas razões: em primeiro
lugar, é indicativa da natureza do satanismo, e em segundo, leva a uma outra
organização. A IS difundiu-se como uma série de "pequenas comunidades
licenciadas" lideradas por pessoas que podiam demonstrar suas credenciais
"satânicas", comprando uma licença e atraindo um grupo. Em 1975, a IS
"interrompeu seu sistema de comunidades licenciadas, como um experimento
que havia se completado", e, desde então, tem "encorajado de verdade
o individualismo e auto-engrandecimento" (Gilmore 1994; ver também Barton
1990: 119, 129). As pessoas que agora se filiam à IS, tornam-se membros de uma
rede e são livres para se reunir, o que raramente fazem, valorizando a
encorajada independência. A maior ligação entre eles é a Black Flame,
publicada em Nova York e distribuída mundialmente. Desta forma, não existe
atualmente um grupo organizado chamado a Igreja de Satã. Parece claro,
entretanto, que enquanto a IS funcionou com uma série de locais de encontro
inter-relacionados, isto dificilmente se ajustou com sua ideologia e estava
provavelmente fadado a falhar. A afirmação da individualidade, da excelência
pessoal e da auto-indulgência poderia encorajar as pessoas a serem líderes, mas
seu sucesso era medido pela falta de seguidores. Este tipo de satanismo não
gera coesão grupal e estruturas congregacionais, mas promove o individualismo e
o trabalho em rede. Na Grã Bretanha, em 1995, o melhor indicador do tamanho da
IS foi a distribuição da Black Flame, e esta indica números
realmente muito baixos. Não houve também evidências de nenhum desejo de
crescimento, e não tenho visto indicações de que a IS tenha crescido desde
então.
Entretanto, apesar da
importante e duradoura influência de La Vey e da IS no satanismo contemporâneo,
sua abordagem não-metafísica, e sua rejeição de estruturas de graus
hierárquicos, tem levado alguns satanistas a formar seus próprios grupos
diversos. Um resumo paralelo das alegações sobre um satanismo de várias
gerações poderia ser útil, para esclarecer sobre uma implicação do que foi
acima mencionado.
Satanismo de várias gerações
Ao contrário da
alegação da seção anterior que afirmava ter sido o satanismo iniciado por Anton
La Vey nos anos 60 – ou, talvez mais precisamente, que La Vey tomou várias
imagens fictícias disponíveis sobre o satanismo e criou uma realidade – algumas
vezes afirma-se que o satanismo existe em algumas famílias ou grupos há muitas
gerações, tendo sido originado talvez há centenas de anos. Não apenas não encontrei
evidências para demonstrar a veracidade de tal alegação, mas estou persuadido
de que há boas evidências para questionar a plausibilidade de tal satanismo. As
alegações em si são exageradas e inexatas. Exageros incluem afirmações
extravagantes tais como dizer que dez por cento da população britânica é
satanista. Ao mesmo tempo, costuma-se afirmar que "um membro da família
real é satanista", sem nenhuma nomeação pública do acusado. Afirmações
semelhantes são feitas em muitos outros países, onde todos os políticos e
outras figuras famosas são suspeitas de liderar uma conspiração que inclui um
número considerável de outras pessoas e ameaça englobar sociedades inteiras. Em
minha pesquisa com uma ampla variedade de satanistas assumidos, ainda tenho que
ouvir uma narrativa que é um lugar comum entre a maioria de outros crentes.
Wiccans, ou seja, pertencentes ao movimento Wicca, freqüentemente afirmam terem
sido iniciadas por uma grande mãe; os cristãos evangélicos freqüentemente
afirmam terem sido levados a Jesus por um parente. As únicas pessoas que fazem
afirmações similares sobre o satanismo, ainda que vagamente, são aquelas que
afirmam terem escapado. Isto é, no mínimo, se o satanismo de várias gerações
existe, nunca inclui aqueles que estão felizes por serem satanistas. Mais do
que isto, a própria natureza do satanismo requer dúvidas sobre ser ele
disseminado dentro de famílias ou no tipo de grupos alegados. (Para uma
discussão que chega à mesma conclusão, ver La Fontaine 1998).
O Templo de Set
O Templo de Set (TS)
é uma organização internacional que foi estabelecida como uma Igreja sem fins
lucrativos na Califórnia, em 1975, recebendo reconhecimento estadual e federal,
bem como isenção de impostos mais tarde, naquele ano.
Durante uma pesquisa
sobre "Abuso ritual satânico" (Harvey 1995 a), fui
abordado por um membro britânico do TS, que estava preocupado com eu poder
receber falsas informações com relação ao satanismo e o TS. Após alguma troca
de correspondência, o TS concordou (com algum entusiasmo) em distribuir um
questionário especificamente destinado a seus membros na Inglaterra. Ambos, o
iniciado senior do TS da Inglaterra, David Austen, e o supremo sacerdote do TS,
Michael Aquino, disseram que queriam muito que os membros respondessem ao
questionário. Publiquei os resultados da avaliação daquele questionário (Harvey
1995 b), e aqui forneço um sumário dos interesses e atividades do Templo. A
validade continuada de minha pesquisa prévia foi checada pela referência ao
vasto acúmulo de informações, agora facilmente obtidas através de criteriosas
pesquisas na internet. (A maioria destas informações era disponível apenas para
membros do TS em 1995, mas uma parte delas ficou disponível para mim durante
aquela pesquisa).
Pode ser útil começar
pela questão dos números. Em 1995, recebi onze respostas ao meu questionário.
Quando discuti isto com David Austen em uma entrevista, ele sugeriu que este
número girava em torno de vinte por cento dos membros da Grã Bretanha. Acredito
plenamente que o TS é a maior organização satanista na Grã Bretanha (e em
muitos outros países), e concluo que há menos do que uma centena de satanistas
na Grã Bretanha. Entretanto, mesmo estes números podem dar uma falsa impressão.
Não conseguimos imaginar uma reunião de cinqüenta satanistas para qualquer
objetivo que seja. Jean La Fontaine informa que "de acordo com um membro
antigo com quem conversei, que compareceu a muitas reuniões, eles nunca se
reuniam em número maior do que doze membros" (La Fontaine 1998: 47). Como
na IS, o TS encoraja o individualismo não congregacionista. Os membros se
comunicam (especialmente através da internet), mas raramente se encontram.
Os satanistas do TS –
talvez pudesse chamá-los de setianos – são, em sua maioria, homens de idade
entre vinte e cinqüenta anos. Questões sobre trabalho e orientação sexual
fornecem um padrão muito semelhante deste grupo e para o resto da população. A
única surpresa (para mim) veio em uma resposta a uma questão sobre afiliações
políticas, como demonstrada nos padrões de votação na prévia Eleição
Parlamentar. Apesar de tudo que já haviam me dito, eu ainda esperava uma alta
incidência de extremismo – em cada um, ou ambos extremos: de direita e
esquerda. Entretanto, as respostas revelaram padrões de votação bastante
comuns: todos haviam votado nos três principais partidos políticos, incluindo o
Liberal Democrata. Certamente há muitos crentes que se conduzem de modo a
separar sua política de sua religião (como, na verdade, eles separam outros
aspectos da vida em domínios mais ou menos discretos). Entretanto, e também
fugindo de teorias de conspiração que poderiam implicar em um plano divergente
para infiltrar a sociedade "normal", acredito que estas respostas
significam que os satanistas gostam de projetar uma fachada sinistra, mas, na verdade,
são muito pouco diferentes de seus vizinhos.
As origens do TS
incluem uma deliberada autodiferenciação da IS, mais significativamente na
teologia e sociologia. Nas publicações de La Vey e da IS, pode parecer que Satã
é compreendido como um ser ontológico, que existe de verdade, de alguma maneira
que transcende a realidade comum, uma figura divina. Por exemplo, a Bíblia
Satânica (La Vey 1969) parece incluir afirmações revelatórias, algumas
em enoque (Enochian) (tida por alguns mágicos como a língua dos anjos).
Entretanto, estas deviam ser compreendidas (de acordo com membros da IS) como
estímulos simbólicos ou metafóricos para o pensamento, esforço e crescimento
pessoal dos tipos valorizados e encorajados pela IS. Isto é, não existe Satã na
IS.
A teologia oficial do
TS parece um tanto diferente. A compreensão mais próxima da visão
"oficial" do TS, é que "Set é um ser real" (alguns membros
do TS falam de Satã, mas muitos, ao contrário, falam de Set). Michael Aquino
fundou o TS, conforme ele afirma, após uma auto-revelação de Set. Alguém
escreveu, respondendo ao meu questionário:
Set é um ser real, que ofereceu sua dádiva da Black
Flame para a humanidade. Isto significa que o homem pode se tornar totalmente
consciente de si mesmo, em vez de permanecer atado à ordem cósmica.
Mesmo que Set
"não seja um deus", ele é claramente compreendido como mais do que
uma projeção do desejo ou temor humanos, mais do que um antropomorfismo
justificando esta ou qualquer outra religião. Para aqueles entrevistados que
insistiram em diferenciar entre Satã e Set, o primeiro é um "falso
jogador", um "estereótipo do adversário judaico-cristão"
inventado para "justificar sua (dos cristãos) própria e continuada
existência (eles precisavam de uma oposição, um lobo nos arredores da vila)",
e alguma coisa para "atemorizar os crentes, conduzindo-os a uma adesão
submissa aos pronunciamentos dos vários líderes da fé". Estas visões
combinam com aquelas eloqüentemente expressas na Bíblia Satânica.
Mas muitos setianos vão além, compreendendo Set como uma "entidade
incorpórea" real, "uma realidade metafísica ou mística",
"uma deidade todo-poderosa que tem faces diferentes. Por um lado, penso
que é o mesmo Deus cristão, por outro, é Set", "um guia" e o "Senhor
deste mundo", "um antigo deus egípcio, cujas lendas foram distorcidas
e se transformou na base do Satã cristão". Alguns setianos consideram Set
como "o rebelde arquetípico", "uma figura representando orgulho,
interesse próprio e autogratificação", "a coisa indefinível [sic] que
separa o homem dos outros macacos" ou "a força impulsionadora na
evolução humana". Espera-se que os iniciados "se transformem"
(um jargão do TS), isto é, fiquem cada vez mais verdadeiros consigo mesmos,
cada vez mais independentes, cada vez mais parecidos com Set: "Como Set
era, nós somos; como Set é, nós seremos". A mudança entre a afirmação da
realidade de Set e o reconhecimento que esta linguagem poderia ser metafórica,
raramente é sistematizada e nunca é problematizada no TS. Se Set é
"real" ou não, parece, no fim das contas, não importar muito: seu
papel (como um ser ou como uma idéia) é encorajar a auto-exploração daqueles
que falam dele (e talvez com ele). Se ele simboliza a diferença entre a
humanidade e os animais, ou se esta diferença é uma dádiva de Set (em vez de
uma mudança meramente evolutiva) é menos importante do que a tarefa escolhida
de se "transformar".
Sociologicamente, o
TS também é diferente da IS. Em primeiro lugar, parece que o TS é organizado de
modo muito semelhante a outras ordens mágicas. Há semelhanças sociológicas
deliberadas em relação a grupos como o Golden Dawn e outros
movimentos esotéricos (ver York 1995, e Hanegraaff 1996). Entretanto, a
"estrutura de graus" do TS funciona um pouco diferentemente. Não se
espera, nem se exige dos iniciados que progridam para aquilo que, em qualquer
outro lugar, seriam os degraus mais elevados. No TS, estes são mais de funções
administrativas ou de supervisão. Espera-se que a maioria seja do segundo grau,
ou Adepto II, uma vez que o TS está mais interessado em que os indivíduos se
desenvolvam e encontrem seus próprios níveis, do que em criar uma identidade
grupal elevando-se de cada um, seguindo exatamente os mesmos passos.
Basicamente, os adeptos são reconhecidos como competentes Magos Negros.
Já discuti em artigo
anterior (Harvey 1995 b) o que o TS entende por ambos: "mágica" e
"magia negra". Para resumir uma ampla e complexa cosmologia e
psicologia, "mágica" é o processo deliberado de operar mudanças de
acordo com a "vontade". Há magicas "menores" que poderiam
ser a manipulação de coisas ou eventos no universo objetivo (em vez de
subjetivo), e mágicas "maiores" que operam mudanças no universo
subjetivo. "Vontade" deve ser compreendida paralelamente com as
teorias de outros movimentos magicamente orientados, os quais reconhecidamente
seguem a tradição agostiniana. Afinal de contas, Alister Crowley não cunhou a
frase "Ame e faça o que você quiser", mas derivou-a de Agostinho,
talvez via esotéricos cristãos. Algo pode ser chamado "branco" se se
elevar de, e expressar a falsa consciência de que o indivíduo está fazendo
alguma coisa por razões altruísticas: o benefício dos outros, a glorificação da
deidade, alcançar a harmonia com o cosmos ou com algum "Outro". O TS
reconhece que uma doação para a caridade é, no mínimo, tanto um ato de
autogratificação quanto uma tentativa de ser útil. Para o TS, este truísmo
encoraja a autogratificação como a melhor razão possível para a ação. Algo é
"negro" quando celebra a consciência do benefício subjetivo (mesmo quando
isto inclui o alívio do sofrimento dos outros, por exemplo).
Além da estrutura de
graus e o encorajamento da "mágica", o TS é organizado ao redor de
uma (não-hierárquica) série de grupos de afinidade chamados Pilares (Pylons),
como os portais dos antigos templos egípcios. Os membros destes grupos também
nunca devem se encontrar fora do cyber-espaço e outras formas de
correspondência. Eles se comunicam em rede sobre tópicos de interesse mútuo que
seguem os objetivos do TS: principalmente encorajar o auto-desenvolvimento.
Como um reforço final deste ponto freqüentemente repetido, o TS não possui um
calendário estabelecido, e encoraja a celebração do aniversário dos indivíduos
como o ponto mais importante do ciclo de vida de alguém.
Outros Grupos Satânicos
Há muitos outros
grupos satânicos. A maioria deles é pequena, mesmo quando parecem ter uma
presença maior. A Order of the Nine Angles (ONA) é um bom
exemplo. Um autor prolífico, que usa muitos pseudônimos (p. ex., Anton Long,
Stephen Brow e Christos Beest) desenvolveu uma forma de satanismo que é
distinguível pela complexidade de sua cosmologia e pela afirmação da sua
necessidade de ser sinistra. A primeira (ONA), entretanto, elabora idéias que
são territórios comuns para muitos esotéricos e filmes e livros de ficção
científica.(p. ex., que o mundo cotidiano não é a única dimensão da realidade),
enquanto a última é, quase que com certeza, a apresentação de uma face
destinada a chocar. Minha própria (1995 b) discussão sobre este grupo (ou
melhor, indivíduo solitário) deve ser comparada à de Kevin Logan (1994) – não
por eu não ter certeza de minhas conclusões, mas para demonstrar que estamos
tratando de polêmicas que muito freqüentemente estão misturadas com
preconceitos e geradas pela autopromoção. Os próprios documentos da ONA são
acessíveis via vários websites (por exemplo, "Necronomi" e
Satanservice") ao lado de muitas outras organizações e indivíduos.
Magia e Feitiçaria
No caso de ainda
restar alguma confusão, apesar das semelhanças entre alguns aspectos da
cosmovisão dos satanistas, sua retórica, rituais e aqueles aspectos de grupos
de magia maiores, há muitas coisas que definitivamente distinguem o satanismo.
As práticas e auto-identidade da feitiçaria também são distintas do satanismo.
Os grupos apresentados acima estão preocupados principalmente com o crescimento
pessoal dos indivíduos e/ou com o próprio desenvolvimento. Eles são aparentados
com a Nova Era por serem corretamente identificáveis com uma religião própria
ou espiritualidades próprias. As tradições da feitiçaria ocidental moderna são
"religiões da natureza", mesmo quando algumas delas estão
profundamente interessadas pelo si-mesmo (p. ex., Crowley 1989). A diferença é
que o "si-mesmo" para os religiosos da natureza é relacional,
enquanto é completamente individual nas religiões próprias. Alguns tipos de
feitiçaria e mágica pagãs não devem ser mais centradas na deidade do que o
satanismo, mas suas fundações, objetivos e maneiras são muito diferentes (ver
Harvey 1997) .
Por outro lado, a
típica polêmica pagã contra o satanismo – de que este divide com o cristianismo
sua cosmovisão – é uma má compreensão. Enquanto "Satã" certamente
deriva do cristianismo, o Satã dos satanistas está muito longe do caráter
bíblico. Satã aqui é mais parecido com um arquétipo jungueano, embora com
valores não celebrados por Jung e seus discípulos. O que a cristandade
forneceu, provavelmente via imaginação popular e filmes de Hollywood, foi uma
imagem sinistra. O que esta imagem ao mesmo tempo esconde e revela, é muito
diferente nas várias comunidades possuidoras de discursos que colidem em más
compreensões sobre o que cada uma quer dizer. Minha suspeita é que alguns
satanistas, no mínimo, estão felizes com estes choques de incompreensões, que
continuam a fazê-los parecer mais sinistros. Entretanto, meu objetivo nesta
seção é apontar que enquanto alguns satanismos poderiam ser mágicos, a maioria
dos grupos de magia possui uma natureza muito diferente.
Abuso satânico ritual
Nos anos 80 e 90, na
Grã Bretanha e em outros lugares, alastrou-se um pânico com os rituais de abuso
e assassinato de crianças e adultos. As alegações e controvérsias não
permaneceram na arena das teorias de conspiração popular, mas tornaram-se
assunto de investigações policiais e casos de júri. A mais abrangente pesquisa
e publicação sobre este tema é o excelente Speak of the Devil (Discurso
do diabo), de Jean La Fontaine (1998). Não é de surpreender que a maioria dos debates
tenha sido alimentada por cristãos evangélicos conservadores. Mais interessante
é o papel das comunidades psicoterapêuticas, porque isto nos diz mais sobre
tendências em sociedades contemporâneas. Por exemplo, La Fontaine (1998:191)
conclui que "algumas terapias exibem uma abordagem às alegações de abusos
satânicos que encorajam a crença e desencorajam o ceticismo de um modo
semelhante àquele dos fundamentalistas". Isto sozinho é um poderoso
indicador das tensões problemáticas da modernidade (incluindo a recente – ou
pós-modernidade) entre um questionamento crítico e a dominante autoridade dos
especialistas. Os acadêmicos se dedicam a levantar questões e continuar o
debate. A superabundância de acusações requer estudos, mas o que é mais
interessante (para a academia) é a questão sobre o quanto é possível legitimar
conhecimentos particulares.
Ao lado disto, La
Fontaine traça paralelos entre noções muito bem estabelecidas de que acusações
de feitiçaria, bruxaria ou práticas do mal tornam-se abundantes em períodos de
mudanças sociais e de incertezas. O fato de os pânicos recentes concentraram-se
sobre a segurança das crianças, aponta significativamente para uma nostalgia
infiltrada, por um passado mítico quando crianças eram (supostamente)
habitantes valorizados de famílias estabelecidas com valores e papéis
"tradicionais". O fato é, entretanto, que as acusações feitas não
constituem nada de novo. Muitos grupos mais ou menos marginais (judeus,
mórmons, maçons, católicos, protestantes, africanos, pagãos, comunistas e
muitos mais) têm sido vítimas de acusações semelhantes no passado. Realmente,
muitos desses grupos ainda são suspeitos para outros grupos (especialmente, é
claro, para os cristãos evangélicos), como mostra uma recente reportagem do LA
Times (Faucett 2002). Uma pesquisa na internet por informações sobre
Satã ou satanismo gerará muitos links relacionados a sites que fazem acusações
reconhecidamente semelhantes àquelas feitas aos outros no passado. Negar
simplesmente, não é suficiente, apesar do peso da evidência que aponta para a
falsidade das acusações de uma conspiração satânica envolvendo mortes
sacrificiais e abusos sexuais. (O acréscimo da palavra "ritual" a
"abuso" é somente polêmica, e tenta desviar a atenção da violência
diária comum contra as crianças em famílias comuns, e mesmo "tementes a
Deus". Cashman 1993: 47 é instrutivo aqui.) Nós certamente aprendemos
muito sobre os acusadores ao considerar suas construções de alteridades. Mas o
pesquisador deve se misturar naquele mundo perigosamente carregado das
especialidades e conhecimento público. Algumas vezes isto pode aparecer como
colaboração e parece provar a visão dos "conspiradores" (cf.
Beit-Hallami 2001). Permanecer acadêmico, portanto, é continuar a formular
questões (incluindo, e talvez especialmente, as reflexivas) muito mais do que
se transformar em um especialista em descrever um fenômeno. Meu papel como
"especialista" é testado a cada vez que a mídia se interessa pelo
suposto satanismo. Portanto, é com o mais recente interesse da mídia que eu
concluo esta discussão.
Assassinos vampiros satânicos
Além dos membros
adultos dos grupos assumidos como satanistas, há, sem dúvida, adolescentes que
se identificam como satanistas. O que eles querem dizer com isto varia
consideravelmente. Mesmo em um grupo ad hoc de adolescentes masculinos, com
quem me encontrei nas ruas de uma cidade da Grã Bretanha em 1995, as
compreensões variaram. Só um tinha lido os livros de La Vey e conhecia a
revista Black Flame. A maioria não se interessava por tais fontes
que pareciam muito próximas a um conhecimento teórico. O satanismo deles era
uma afirmação de sua "rebelião" e se manifestava em roupas pretas e
simbolismos ocultos. Não importava que os símbolos fossem amplamente ocultos
para o grupo; a única coisa que importava, era a hostilidade e/ou o medo que os
símbolos provocavam nos outros. Estes adolescentes consideraram as pinturas
grosseiras dos grafites "satânicos" como infantis, especialmente em
comparação com o complexo trabalho artístico de grafiteiros (graffiti artists)
mais talentosos. Deste modo, enquanto a polícia e alguns cristãos do lugar
estavam preocupados com o que geralmente eram representações criativas ou
imagens fantasiosas (de histórias de terror, literatura infantil ou iconografia
de bandas de rock), estes "satanistas" se contentavam em ser e vestir
suas próprias auto-representações. Nenhum foi abordado por membros de outros
grupos de satanistas, nenhum sabia sobre satanistas mais velhos (exceto aquele
que havia lido La Vey, e até esse conhecimento era apenas literário).
Atualmente, é bastante improvável que qualquer um daquele grupo continue com
tal auto-imagem ou auto-apresentação. Alguns podem ter se transformado em
"góticos" (goths), mas minha suspeita é que uma vez que seus
hormônios sosseguem, eles mudaram.
Entretanto, a
aparência "gótica" desses adolescentes não é somente uma afirmação de
moda para adolescentes. Há "góticos" mais velhos. Entre eles, há
alguns que são profundamente atraídos pela imagem do vampiro. Como a maioria
dos satanistas, eles sabem que imagem é só imagem, mas que a "mera
imagem" pode evocar respostas poderosas nos outros. Assim, eles
(satanistas e vampiros) podem brincar com suas imagens escolhidas. Entretanto,
alguns "vampiros" recentemente parecem ter levado sua imagem muito
mais seriamente. No cenário do clube vampiro, eles adquiriram maneirismos e
costumes, e substituíram alguns de seus dentes por caninos de animais, para que
ficassem mais parecidos com o estereótipo do vampiro. Nestes clubes mesmo, onde
estas imagens e papéis são desempenhados, alguns favorecem a bebida de sangue
supostamente fornecido por "vítimas". Entretanto, Manuela e Daniel
Ruda vieram a acreditar que eles fossem realmente vampiros. Por um momento em
fevereiro e março de 2002, a mídia mundial parecia obcecada pelo
"satanismo vampiro". The Times (18 de janeiro de
2002) mostrou que "satanistas culpam o diabo por 666 mortes rituais".
Isto e reportagens semelhantes do caso do julgamento alemão (onde se diz que os
Ruda haviam admitido o assassinato, mas negavam a culpa porque "o diabo
dissera-lhes para fazer aquilo") incluem queixas sobre uma onda de
assassinatos e suicídios inspirados pelo satanismo na Europa. Mais do que
examinar este novo conjunto de queixas e acusações, pretendo levantar algumas
questões que levam a uma conclusão de interesse acadêmico.
Se Manuela Ruda pediu
um transplante de dentes para ficar parecida com o personagem fictício de Bram
Stoker, ela é realmente uma vampira? Se a resposta for "sim, mas somente
porque nós devemos permitir às pessoas suas próprias auto-identificações",
nós, (doutores em religião) temos que aceitar a definição implícita dela sobre
os vampiros? Se uma vampira não é uma eterna "criatura da noite" que
vive somente se beber sangue de vítimas, mas alguém que toma os estereótipos de
Hollywood pela realidade e tenta arduamente viver sua fantasia, pode alguma
coisa que ela afirmar sobre o satanismo carregar algum peso? As fantasias dos
vampiros self-made combinam com aquelas dos cristãos
evangélicos, construtores do satanismo como genuinamente satânico? Se sim, o
que significa estes oponentes do catolicismo (entre outras coisas) estarem
enamorados de uma representação católica medieval do diabo? Enquanto isso,
aqueles interessados em satanistas assumidos deveriam perguntar: a) se é
possível excluir aqueles cujo satanismo é realmente focado na obediência
"ao diabo" mais do que na auto-identificação, e b) se a afirmação
"o diabo me fez fazer isto" significa que todos os satanistas devem ser
suspeitos de serem criminosos? Em resumo, há muitas coisas muito diferentes que
são chamadas de satanismo. Estas diferenças são importantes e não devem ser
confundidas. A maioria de satanistas assumidos está engajada em uma religião
que é muito diferente daquilo difamado como satanismo pela maioria das outras
pessoas. Realidades e acusações podem ser instrutivas sobre uma legião de
tópicos importantes e fascinantes, mas que nunca deveriam ser confundidos.
Tentativas de compreender a natureza das sociedades contemporâneas deveriam ser
amplamente seguidas pelo reconhecimento de que não somente as pessoas
identificam-se como satanistas (o que significa muitas coisas diferentes), mas
que também as pessoas continuam a acusar outras de serem satanistas. A
continuação desta retórica diz muito sobre a era em que vivemos.
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Fonte: http://www.pucsp.br/rever/rv3_2002/t_harvey.htm
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