"ILUMINAÇÃO" E OUTRAS LUMINOSIDADES BUDISTAS - PADMA DORJE

“Iluminação” e outras luminosidades budistas | Padma Dorje



“Iluminação” e outras luminosidades budistas

    As três mais importantes noções no budismo são a insatisfatoriedade inerente a tudo que é composto (1), a capacidade, presente em todas as consciências, de se enganar quanto a isso (2), ou de reconhecer que é assim e obter liberação perante essa expectativa enganosa de satisfação verdadeira com o que é composto, e portanto impermanente (3). Variações em torno deste terceiro item são muitas vezes traduzidas como “iluminação”.
    Dentro deste escopo o Buda apresentou uma pletora de métodos para efetivar o reconhecimento da liberdade. Fora aqueles três pontos acima (as três primeiras nobres verdades), que caracterizam os ensinamentos, a variedade de meios possíveis (a quarta nobre verdade) para a obtenção do resultado (se reconhecer um buda) é virtualmente infinita.  Isso aconteceu na grande variedade cultural da Ásia (dos reinos gregos do Afeganistão antigo até o Japão, passando pela vasta multiculturalidade no tempo e espaço de países de dimensões continentais, como China e Índia), e nos últimos 200 anos o budismo também se adapta no contato com as várias culturas ocidentais, enquanto o fenômeno da globalização se consolida.
    Embora amplamente flexível, o budismo vive da tensão de integrar compaixão e sabedoria. Compaixão é reconhecer as necessidades dos seres, estar com eles onde eles estão, do jeito que se apresentam, sem julgar, e não produzindo qualquer tipo de separação que o coloque acima ou ao lado dos outros. Enquanto o budismo “veste os sapatos” de quem quer que o busque, ele não pode se distanciar de sua essência. Então não pode haver uma dicotomia entre operar no mundo de acordo com as necessidades dos seres como eles surgem, e a sabedoria de reconhecer a insatisfatoriedade (1), sua causa (2) e liberação (3).
    As primeiras relações entre o ocidente e o budismo aconteceram na rota da seda, e parecem ter produzido a rica cultura greco-budista, de onde nasceu efetivamente a iconografia budista. Algo do ocidente ficou no budismo, mas a contribuição no outro sentido, se existiu, foi muito sutil – apenas restou a classificação geral de “gimnosofistas”, que inclui quaisquer escolas do subcontinente indiano que praticavam meditação, e especulações sobre possíveis influências sobre o estoicismo e outras escolas filosóficas da antiguidade.
    Porém foi na nova relação com o ocidente, a partir do séc. XVIII, que o budismo auspiciosamente encontrou grande receptividade, uma grande boa vontade da parte de seus tradutores e intérpretes. O budismo é muitas vezes elogiado por sua racionalidade, por seu sistema ético extremamente cogente, pelo ceticismo e objetividade – embora esses sejam valores que, ainda que certamente presentes no budismo, algumas vezes o ocidente, no afã de promover as próprias ideias, exagera um bocado em termos da efetiva relevância que possuem em seu contexto original.
    Assim o budismo se encontra, desde essa época, na relação com o ocidente, numa situação semelhante a de uma esposa que tem a cirurgia plástica de silicone nos seios patrocinada pelo marido. Ele até vê grandes qualidades ali, mas exige que sejam turbinadas – de acordo com seu gosto. Isso só começa a mudar um pouco a partir do fim da década de 1990, com a disseminação de ensinamentos principalmente em inglês, francês e alemão pela boca de mestres budistas orientais que aprenderam essas línguas, ou de mestres ocidentais reconhecidos pelas instituições asiáticas.
    Reconheço três ondas de “distorção elogiosa” do budismo. As duas últimas dizem respeito a traduções do anos 30 e Carl Jung, e aos beatniks, mas a primeira onda é mais importante no contexto do conceito “iluminação” (que as distorções elogiosas posteriores assumiram).

O surgimento do conceito “iluminação” no budismo

    As primeiras tentativas de fazer sentido da religião ocorreram durante justamente o iluminismo e sua reação, o romantismo. Assim a tradução por Max Müller do termo “bodhi”, que literalmente significa “despertar”, introduziu a noção de “iluminação” no budismo.
    Essa tradução tem uma origem dupla: cristã e iluminista. Calvino disse “Somente Deus ilumina nossas mentes para reconhecer Suas verdades”, e o iluminismo, comparava bodhi com seu esclarecimento secular sobre o mundo, independente de condicionamentos culturais.
    É errada essa tradução? Seria um exagero dizer que é errada, mas ela sem dúvida é “siliconada”.
    A multiculturalidade do budismo já havia se deparado com traduções extremamente criativas, como quando o budismo entrou na China, por exemplo. Ora, a raiz linguística do budismo na Índia (tanto o falado pelo Buda, quanto o registrado em Páli, e depois em sânscrito híbrido) era indo-europeia, como a da nossa própria língua portuguesa, o grego e o sânscrito. A raiz linguística do chinês, por outro lado, é totalmente outra. Sem falar no contexto cultural, bastante diverso – com sistemas filosóficos e religiões bastante diferentes dos que o Buda encontrou alguns séculos antes na Índia. Assim as traduções chinesas dos textos em páli e sânscrito híbrido sem dúvida apresentam coisas muito mais estranhas do que o par bodhi-iluminação.
    De toda forma, “iluminação” é hoje aceito pela vasta maioria dos professores budistas contemporâneos que ensinam em línguas ocidentais. Apenas parece importante entender que já na nomenclatura há certo sincretismo e adaptabilidade da parte do budismo, sendo bom conhecer bem de onde essa tradução vem e por que possui um sabor peculiar.

Despertar versus iluminar

    Robert Cohen afirma que “iluminar” é mais orientado a um evento, enquanto despertar, mais orientado a um processo. A disputa interna budista entre gradualismo e instanteismo ficaria assim desigualmente orientada para a segunda noção, exatamente a enfatizada pelo romantismo que promoveu a noção do zen budismo irracionalista, provavelmente a estética budista mais reconhecível no ocidente ainda hoje.
    De toda forma, é preciso entender que nenhuma forma de budismo guarda noções “iluminativas”, isto é, de que um ser superior “ilumine nosso caminho”, no sentido de revelação ou de possibilitar nosso entendimento de verdades. O budismo apenas mantém o sentido usual de ensinamentos que se recebe de um professor, e que devem ser verificados pela própria experiência. Frequentemente os textos falam que podemos levar um animal até o rio para beber, mas é o animal que decide se vai beber ou não, não é possível sequer forçá-lo a beber. Podemos receber ajuda, mas só podemos entender com nossa própria cognição, ver com nossos próprios olhos – não é possível que alguém nos “ilumine”.
    Até que ponto essa ideia de iluminação “externa” está presente na terminologia, é difícil precisar. Mas os cartões postais cristãos, que frequentemente possuem uma luz penetrando através de nuvens, ou num facho atingindo uma sala ou uma face, eles carregam essa conotação.
    Considerando o termo em seu sentido mais “interno”, a cognição em si, no budismo, algumas vezes é metaforicamente tratada como uma luz. A prática da meditação, portanto, poderia ser comparada com a fotografia: para tirar uma foto nítida, é preciso luz suficiente e estabilidade.
    “De forma a examinar uma pintura numa sala escura, se a iluminamos com uma brilhante lâmpada estável, podemos examinar com clareza as imagens nesta pintura. Mas se a lâmpada é fraca, ou mesmo que seja brilhante, se tremular devido ao vento, nossa observação será prejudicada. Similarmente, para sondar a natureza de um fenômeno, somente dotados de inteligência penetrante amparada pela atenção voluntária estável e contínua, poderemos claramente observar a natureza real do fenômeno sob investigação.” Tsongkhapa disse no séc. XV.

Outras metáforas de luz no budismo

    Sem dúvida o conceito de luz é bastante presente no budismo, embora não particularmente em termos da experiência de annutara-samyak-sambhodi, “o mais completo e perfeito despertar”, a experiência de Buda sob a árvore que leva o mesmo nome, “bodhi”.
    O arco-íris em particular é um fenômeno altamente considerado enquanto metáfora: as coisas são intangíveis, ainda que aparentes. Nos ensinamentos de Buda tudo é feito dessa substância de arco-íris, um “tecido de sonho”, que modo geral é chamado de luz, ou luminosidade. É quando solidificamos essas experiências através do embotamento de nossa cognição que surgem as experiências de apego, aversão e indiferença – que produzem nosso sofrimento e nos desviam da experiência do Buda.
    Se temos um carro importado e alguém o arranha, sofremos na medida em que acreditamos que ele foi, em algum momento, algo mais do que tecido de arco-íris. Somos nós que imputamos essa substancialidade que transforma um objeto (ou uma pessoa) numa fonte de perturbação. Colocamos sob aquela fonte externa o poder sobre nossa felicidade interna, e assim, nos frustramos. Despertar, a “iluminação” budista, significa reconhecer portanto que tudo é feito de luz, não pode ser apanhado ou saciar nossas expectativas quanto a algo que fosse substancial. Isso de forma alguma significa abandonar essas experiências: é só abandonar a crença de que são algo mais do que “tecido de sonho”, arcos-íris. Coisas que aparecem, maravilham, e desaparecem. E perante as quais não há necessidade alguma de desenvolver expectativas absurdas, que elas nunca serão capazes de preencher, como nos fornecer qualquer tipo de felicidade real.
    Além disso, no budismo vajrayana, luzes são utilizadas na visualização de Budas e deidades. As deidades emanam luzes, muitas vezes de cores específicas. O Buda Amitaba, central em muitas formas de budismo, tem seu nome traduzido como “luz infinita”.
    Luz também é uma oferenda comum e importante pela metáfora com a consciência assinalada acima. As oferendas no budismo são feitas para gerar méritos (bom carma) para que os ensinamentos possam ser compreendidos e praticados pela pessoa que fez a oferenda e por todos os seres.

Uma cobra ou uma corda

    Detalhando um pouco mais o que significa iluminação para o budismo, temos um símile ou uma analogia comum presente pelo menos no Madhyamikavatara de Chandrakirti, mas possivelmente vinda do Cânone dos Sutras, que podemos chamar de “metáfora da cobra que é uma corda”. Ela aparece frequentemente em ensinamentos sobre vacuidade, Caminho do Meio e Natureza de Buda.
    Nessa analogia, numa sala escura sentimos medo ao ver o vulto de uma cobra. O Buda liga o interruptor da luz (tradicionalmente deve entrar como uma lamparina, ou algo assim), e reconhecemos que era apenas uma corda que na escuridão foi confundida com uma cobra. Assim, nos tranquilizamos.
    O importante nessa metáfora é que, independente da luz, nunca houve cobra alguma. Liberamo-nos da ansiedade e do medo, mas nada mudou de fato. Desde o princípio não havia nada realmente perigoso ali. Teríamos medo se a luz fosse apagada novamente? Não.
    No exemplo acima, a insatisfação (1) é o medo, a causa do medo é nosso engano (2) com relação a haver uma cobra, e a liberação (3) é o processo de acender a luz. Uma vez que o reconhecimento da natureza de corda daquela cobra, uma vez que abandonemos as expectativas perante os fenômenos compostos serem capazes de produzir satisfação, não precisamos nenhuma luz para saber que as coisas são como são. Porém, por compaixão, o Buda segue manifestando os ensinamentos para acordar os seres de seus pesadelos infundados.

Os conceitos compactados em “Iluminação”

    A experiência (ou não experiência, uma vez que ela não “acontece” e “não está no tempo”) de anuttara-samyak-sambodhi é apenas o que caracteriza um Buda. Ela é definida como a completa ausência de aflições mentais e a completa presença (ou expressão completa) das qualidades de Buda.
    As aflições mentais básicas são a ignorância, o apego e a aversão, e combinadas produzem outras tais como orgulho e inveja, e enfim 84.000 tipos de doenças físicas e mentais. A ignorância significa, como no exemplo acima, tomar o tecido de sonho/arco-íris como algo substancial e passível de nos fazer felizes/infelizes. Assim surge o apego pelas experiências boas, a aversão pelas experiências más e a indiferença pelas experiências neutras. Um Buda não se engana dessa forma.
    Mas não só isso, as qualidades inatas de um Buda estão latentes em todos os seres, mesmo quando eles estão envolvidos em reificar a luz em substância e criar expectativas quanto a esta substância. Quando livres desse jogo sem ganhador, naturalmente se manifestam as qualidades de compaixão, alegria, equanimidade e amor – bem como generosidade, disciplina ética, paciência, perseverança, concentração e sabedoria.
    A iluminação do Buda, disponível para qualquer um, é portanto eliminar completamente e definitivamente todas as aflições mentais, e desenvolver ou revelar plenamente todas as qualidades inatas da mente “luminosa”. A mente é dita “luminosa” por que é capaz de cognição, está “acesa” nesse sentido, e por que é capaz de se envolver com as experiências de forma livre ou não, de manifestar essas qualidades ou não. Ela tem uma criatividade nesse sentido, de produzir tanto a confusão quanto a liberação perante a confusão.
    Mas não usamos o conceito “iluminação” apenas como o resultado final de um Buda. E aqui finalmente falamos da experiência chamada nirvana. Nirvana significa cessar, como alguém que apaga uma vela. Ela tem bem mais esse sentido de apagar um fogo, o que pode parecer apagar uma luz. Mas ela significa apagar ou eliminar as aflições mentais, sem a ênfase no desenvolvimento ou revelação das qualidades inatas. É só um lado da moeda do que chamamos de “iluminação completa”, que inclui o voto de nunca deixar de se manifestar pelo bem dos seres ainda confusos.
    No caso do nirvana, o objetivo é parar de sofrer. Como a pessoa pratica com essa motivação menor – em comparação com eliminar todo o sofrimento dos seres – ela pode ainda assim obter o resultado de eliminar as aflições mentais. Isso na verdade até mesmo beneficia os seres em grande medida, mas não de uma forma vasta, como no caso da motivação mais corajosa de nunca abandonar os seres.
    Modo geral essa dicotomia é apresentada pelos ensinamentos do autointitulado “Grande Veículo”, que se coloca em contraposição ao “Pequeno Veículo”. O objetivo do grande veículo é ser um Buda, e ele afirma que havia praticantes ou grupos budistas focados em apenas obter um resultado menor, mais pessoal. Tirar o seu da reta, e beneficiar os outros na medida do possível.
    Assim Shantideva afirma ter ânsia de vômito perante a ideia de atingir o nirvana e deixar os seres-mães (todos os seres na crença budista de renascimento já foram nossas mães bilhões de vezes cada um deles) sofrendo pelas aflições mentais.
    Isso pode parecer picuinha sectária dentro do budismo, então precisamos ver os dois lados. Do ponto de vista daquelas formas de budismo (ensinadas pelo próprio Buda) em que o nirvana é o resultado, as qualidades são naturalmente desenvolvidas em conjunto com o nirvana. Abandonamos as aflições mentais e assim as qualidades estão presentes.
    Ainda assim, modo geral há uma distinção entre nirvana e o que é chamado “parinirvana”. O nirvana é atingido em vida – não há mais aflições mentais, e nem as sementes ou formas latentes de aflições mentais. Ainda assim, as ações que a pessoa cometeu naquela vida e em vidas passadas seguem seu curso, e essa pessoa pode sofrer o resultado dessas ações mesmo depois de atingir o nirvana. Ela eliminou as causas do sofrimento, e atingiu um resultado definitivo em que causas novas não podem mais ser criadas, mas as causas que ela criou antes ainda podem a fazer sofrer. Depois que a pessoa morre, ela nunca mais renasce, e assim “cessa” completamente.
    O que acontece com a pessoa no nirvana após a morte, isto é, quando ela atinge parinirvana, não é objeto de especulação. Não se sofre. Se deixa-se de existir, ou se há algum modo de existência depois, não dá para dizer, e assim se evita esse tipo de especulação.
    As escolas mahayana (Grande Veículo) reconheceram certas imperfeições nessa forma de ensinar. Parece haver uma tendência niilista, embora estritamente falando, como o Buda ensinou essas coisas, não possa haver. A solução mahayanista foi introduzir a motivação bodisatva, isto é, salientar as qualidades do Buda e principalmente o fato de que nossa motivação deve ser imitar o Buda simultaneamente em sua superação de sofrimento e em sua ação benéfica pelos seres.
    Como os ensinamentos focados em se livrar do sofrimento (e só ajudar os outros “como der”) foram proclamados pelo Buda, o mahayana afirma que tais ensinamentos se destinam àqueles que não tem a coragem de ansiar pela iluminação completa, e só tem mérito suficiente para praticar tendo o nirvana em vista. Os ensinamentos mahayana também foram proclamados pelo Buda.

O que mais é chamado de “iluminação”?

    Além dessas experiências de nirvana e anuttara-samyak-sambodhi, há várias outras experiências que no budismo algumas vezes são descritas como iluminação.
    Em certo sentido, obter a liberação momentânea perante uma aflição mental, como a raiva, por exemplo, é considerado uma “iluminação”.
    Digamos que alguém consiga não sentir raiva por alguns minutos, horas, dias, semanas ou anos. Ela pode “vencer” a raiva num sentido externo, mantendo algum tipo de autocontrole – mas ela eventualmente vai explodir. Ela pode também conseguir pensar no assunto antes de explodir, e ela pode considerar que a fonte de irritação, por exemplo, também está agindo por ignorância e outras aflições mentais. E isso a acalma.
    Se a pessoa desenvolve esse tipo de espaço, e é capaz de inserir esse tipo de antídoto puramente intelectual, e ele funciona. Isso é um resultado que pode, e algumas vezes é, chamado de iluminação.
    Para ela ter atingido o que se chama de “nirvana”, ela precisa ter eliminado as latências ou sementes mais sutis da produção de aflições mentais, e isso só é possível, para a maioria das pessoas, com anos de prática de meditação e outras práticas formais e na vida cotidiana.
    De toda forma, o problema dos resultados temporários é que eles são enganosos. A pessoa pode acreditar ter se libertado da raiva, mas se ela não consegue ver ou acessar essas fontes extremamente sutis, essas sementes ou latências da aflição mental, ela não pode se assegurar de que não terá raiva de novo.
    Da mesma forma que com as aflições mentais, as qualidades de um Buda, tais como paciência, generosidade, alegria (com a felicidade dos seres, com praticar; contentamento com o que se apresenta, etc), podem surgir como conquistas temporárias. A pessoa pode praticar generosidade até realmente aquilo se tornar natural para ela, e ainda que ela não seja um Buda por causa disso, ela tem alguma qualidade expressa da iluminação. Isso pode durar muito, ou pouco, mas é algum tipo de iluminação.
    Dentro da prática de meditação, alguns resultados também são chamados de “iluminação”, mas como com domar as aflições mentais sem eliminar suas sementes, eles não são resultados definitivos. Eles podem ser pontes para realizações mais profundas, ou devido ao apego que a pessoa gera por tais experiências, como fontes de autoengano, podem se tornar obstáculos para a iluminação.

Coisas que parecem iluminação mas são obstáculos para a iluminação

    A maioria desses termos se refere à prática de meditação. Em primeiro lugar, vamos tratar de experiências válidas na prática, isto é, que caso a pessoa tenha a orientação de um professor qualificado, e não se apegue a experiência, ela pode usar no caminho e assim obter realizações mais duradouras e a realização definitiva. Modo geral, dentro e fora do budismo, realizações de meditação são chamados de samadhi, que é um tipo de absorção absoluta.
    Algumas vezes nirvana ou anuttara-samyak-sambodhi são chamados de samadhi, e estas coisas realmente incluem a realização completa do caminho meditativo. No entanto, nem todo samadhi é tão completo ou transcendente. Há samadhis mundanos.
    Shamata é um samadhi de estabilidade mental que permite uma série de práticas  budistas. Muitas pessoas tem por objetivo a conquista de shamata em sua prática formal. Algumas vezes, porém, a experiência de shamata, que é algo incomum, é confundida com a iluminação. Shamata é apenas a capacidade de manter a mente estável, sem oscilação, e sem torpor ou agitação mental, por cerca de quatro horas. Normalmente leva cerca de 50.000 horas de meditação para atingir esse nível, e é importante não confundi-lo com a iluminação, embora ele seja muito importante e benévolo se não houver esse apego. A maioria das pessoas confundiria alguém que atingiu shamata ou chegou perto com alguém muito iluminado, mesmo que essa pessoa não tenha efetivamente transcendido as aflições mentais, e muito menos desenvolvido tanto as qualidades de um Buda.
    Tradicionalmente também as pessoas que atingem diversos tipos de samadhi parecem santos porque obtém certa capacidade de “ler” as pessoas ou prever o futuro, certa clarividência, ou mesmo a capacidade de fazer pequenos milagres. No entanto nada disso é indício de iluminação espiritual, e é descrito nos textos sagrados do budismo e do hinduísmo que seres bastante mundanos podem obter tais realizações. Isso é claro, pode confundir as pessoas.
    Depois o budismo descreve dezesseis outros tipos de samadhi, que outras tradições religiosas algumas vezes confundem com a iluminação, mas que segundo o budismo são temporários e produzem renascimentos desafortunados no “Reino dos Deuses”. Os deuses, ou devas, são considerados pelo budismo entidades mundanas de grande mérito, que podem até ajudar os seres sencientes em questões mundanas, mas que não são capazes de prática espiritual – no sentido de revelar a natureza da realidade como “tecido de arco-íris”, se libertar totalmente das aflições mentais e desenvolver totalmente as qualidades de um Buda. Resta principalmente orgulho, aflições sutis, a reificação de experiências sutis, e como as experiências desses seres são tão deliciosas e parecem tão puras, eles facilmente perdem a perspectiva espiritual.
    Há quatro samadhis ligados ao apego a “não forma”, isto é, visões equivocadas da insubstancialidade, que produzem renascimentos infelizes nos reinos da não forma, que algumas vezes duram todo o tempo de duração dos surgimentos e desaparecimentos de vários universos. São semelhantes a um estado de coma espiritual. Entre os enganos desses samadhis estão à fixação em uma experiência incorpórea de um espaço sem limites, uma sensação de “unidade com tudo”, uma ausência completa, e uma situação que está além de haver percepção ou não haver.
    Os doze samadhis da forma estão ligados ao tipo de satisfação que temos com ficção – os praticantes entram em sonhos específicos ligados a prazeres sensoriais que são saciados, tais como comer ou sexo. Em outras palavras, há uma transcendência aparente da necessidade de comida ou sexo (e outros prazeres), que é substituída por devaneios extremamente focados e plenamente satisfatórios, mas com uma natureza semelhante. Não chegam a ser fantasias eróticas, com desejo, mas a substituições da erotização por uma satisfação estética pura, perfeitamente mental, por exemplo.
    As doze categorias são variações de três intensidades de fixação perante um objeto, em quatro práticas. A primeira prática é treinar o êxtase no objeto, a segunda o êxtase na consciência que foca o objeto, a terceira o êxtase no foco, e a quarta uma equanimidade perante objeto, foco de atenção e consciência.
    Todas essas práticas podem ser úteis em determinados pontos da formação do praticante, mas se houver qualquer tipo de fixação ou apego pela prática, o resultado será um renascimento desafortunado num dos reinos da forma ou da não forma, como um Deva de longa vida incapacitado de praticar o dharma.

Referências 


Cohen, Robert S. (2006), Beyond Enlightenment: Buddhism, Religion, Modernity, Routledge
Rahula, Walpola (1974), What the Buddha Taught. Groove Press
Khyentse, Dzongsar Jamyang (2008), O que faz você ser budista?, Pensamento
Candrakirti (2005), Introduction to the Middle Way: Chandrakirti’s Madhyamakavatara with commentary by Ju Mipham. Shambhala
Watson, Alex (2014), Light as an Analogy for Cognition in Buddhist Idealism, Journal of Indian Philosophy
Wallace, Alan (2005), Balancing the Mind, Snow Lion Publications
Shantideva (2013), O Caminho do Bodisatva. Makara

 Padma Dorje é praticante budista e é autor de Filosofia: forma de vida & passarela de egos. Saiba mais sobre seu trabalho no site tzal.org. 

Fonte:http://www.budavirtual.com.br/iluminacao-e-outras-luminosidades-budistas-padma-dorje/



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